sexta-feira, julho 28, 2006

Os grandes heróis

"Tudo fora da sua natureza, tal como restrições e constrangimentos, deve ser varrido pela grande força da natureza... Quando Grandes Heróis dão largas aos seus impulsos, são magnificamente poderosos, tempestuosos e invencíveis. O seu poder é como um furacão surgindo de uma garganta profunda e como um maníaco sexual com o cio à caça de um amante... não há forma de os deter.", palavras escritas por Mao Tsé-tung no seu diário, lidas em Mao, a História Desconhecida, trad. Inês Castro, Chiado, Bertrand editora, 2006, p.33

O grande herói "foi responsável por bem mais de 70 milhões de mortes em tempo de paz, (...)".

Deve ser este tipo de preocupações com os seus "grandes heróis" que levam certas pessoas a dizerem que estamos a pensar segundo reacções "sentimentais baratas" quando condenamos qualquer tipo de violência como corolário da acção política.

Paradoxo

Maria João Pires foi para o Brasil. Há anos que tenho seguido pelos jornais a sua saga de criar uma instituição em Portugal. Haverá razões que não compreenderei, porque não tenho acesso às pessoas ou à história do processo, mas não posso deixar de concordar que, pelo que li sobre a pressão dos caciques locais sobre a sua pessoa, numa tentativa de a levarem a abandonar o seu terreno, a sua fundação e o seu projecto, a artista deve ter sentido um peso verdadeiramente insustentável sobre as suas mãos, mais para mais se o poder político finge que não vê ou não ouve.

José Miguel Júdice escreve hoje no jornal: "Os portugueses são, infelizmente, assim. Abusam do poder, confudem poder com autoridade, acham - como os romanos achavam do direito de propriedade - que é no abuso que se revela no seu esplendor o poder de que se usufrui. E depois admiram-se que ninguém os respeite, que todos os despresem: os menos afoitos, da forma rasca e merdosa, com facadas pelas costas logo a seguir às palmadinhas. Os outros, de frente, olhos nos olhos... mesmo quando - como há dias me dizia um jovem e notável advogado - se não esteve a falar para o boneco porque o boneco fugiu.", in Público, 28 de Julho de 2006, p. 11.

Todos nós sabemos que assim é, porque nas diferentes escalas do poder já fomos confrontados com estas atitudes de abuso do poder (mesmo de pessoas que aparentemente são entendidas como não o tendo, como os funcionários de PBX de certas instituições públicas, por exemplo). Mas para quem tem um papel de mínima intervenção na vida pública, como é o meu caso, essa realidade é dificilmente combatível, no que a uma alteração geral do comportamento diz respeito, mas, para pessoas como Maria João Rodrigues e Miguel Júdice, o que as leva a desistir, a ficar pelas queixas? Será que é assim tão definitivamente institucionalizado o mau carácter das pessoas que detêm lugares de poder? Ou seremos todos nós só conhecidos, na nossa alarvidade ou na nossa grandeza, se passarmos por esses lugares?

E se a ONU...

E se a ONU reagisse violentamente contra o exército israelita, pela morte, mais que inquietante e inexplicávl, dos seus membros no Líbano, alegando defesa de interesses viatais para a manutenção da paz? Não tem exército, eu sei. Mas se o arranjasse?
E se a ONU tivesse conseguido desarmar o hezbollah quando aconselhadamente o decidiu fazer?

a lenda da má religião que faz os maus povos

Na segunda-feira passada Faranaz Keshavjee escreveu um artigo no jornal “Público” sobre a condição de se ser muçulmana chiita. O artigo “As lendas dos assassinos continuam…”, contextualiza a questão da participação dos chiitas em grupos terroristas, e procura ser mais um exemplo de como as generalizações ao invés de facilitarem a compreensão dos povos, servem apenas a ignorância e a prepotência dos que verberam complacentemente sobre os outros. Keshavjee procura dar a saber as distinções, as diferentes matizes, que estruturam a cultura chiita, defendendo que as boas condições sociais e políticas criam os povos cultos e pacíficos, e que essas condições, de acordo com a história das nações do Médio Oriente, não foram ainda alcançadas, por isso haverá que procurar não confundir o que se passa com um determinado conjunto de indivíduos sob determinadas condições sociais com toda uma população que não professa necessariamente a cultura do “martírio” no xiismo, não havendo na sua crença religiosa uma predisposição para a violência.

Tem razão Keshavjee quando alerta para o perigo das simplificações grosseiras. Esta é uma arma argumentativa que está constantemente a ser utilizada para quem tem interesse em tomar a parte pelo todo, para simplificar e criar uma cortina de incompreensão que afasta esses indivíduos de uma partilha de humanidade reconhecível. Os portugueses estão constantemente sujeitos a este tipo de alienação na compreensão da sua identidade. Nós próprios temos um prazer confessado de passarmos o tempo a “auto-massacrar-nos” com sarcasmos e ideias preconceituosas sobre o nosso próprio carácter e capacidade de acção, aceitando essa imagem que reflectimos e que voltamos contra nós próprios como ricochete.
Mas Keshavjee também poderia ter ido mais longe na compreensão da manutenção dos atavismos xiitas que levam à proliferação da cultura da violência, porque há mais de cinquenta anos que esses povos deixaram de estar sob o jugo directo da colonização, e era tempo de as suas elites terem adoptado claramente por valores civilizacionais universais, que não estejam só ao serviço de uma minoria que se sentirá sempre oprimida, sempre injustiçada, sempre pronta a rebelar-se violentamente. E é um sentimento que pode evidentemente expressar-se, sob forma política, não militar e não contra nenhum Estado de direito. Não vejo porque razão no Irão não se resolvem os problemas sociais, económicos e culturais do seu povo, pelo seu povo e não contra nenhum povo. Esta é a estratégia dos déspotas, e não, não temos que falar da sua religião. A ideologia política é suficiente para explicar essa forma de poder. Como o Ocidente sabe muito bem. Demasiado bem, para seu mal.

quarta-feira, julho 26, 2006

que ordem?

A quem ouvi eu dizer que o cosmos tende sempre para a ordem? Em sociedade, a ordem pode ter uma natureza profundamente anti-democrática, e mesmo assim as populações continuarem a preferi-la a qulquer outra des(ordem). Daí que ao criar-se desordem nas comunidades se possa estar a propiciar o levantamento de forças profundas de agressão/protecção dos indivíduos, que a civilização tendeu a querer cobrir com a lei, mas que acontecimentos excepcionais podem vir a mostrar como é ineficaz.

Apitem-me quando eu vou a conduzir e eu mostro de que agressividade eu sou capaz. Estupidamente, capaz. Mas é para isto que existem regras morais no interior, diria Kant, e regras judiciais no exterior, diz o estado moderno.

A política e a sua violência legitimada

A legitimidade para um governo democrático mandar um exército para a guerra nasce onde? Da lei geral ou da vontade geral de um povo, mesmo se contra a lei geral? E se o conjunto do eleitorado que elegeu esse governo, e/ou a opinião pública, decidir, por exemplo ao terceiro dia, que, afinal, já não legitima com a sua vontade a intervenção desse exército?Deixa de ser democrática a legitimidade? Onde se estabelece a linha? Teremos que esperar até ao próximo acto eleitoral para retirar formalmente a legitimidade? Poder-se-á recorrer à figura do “impeachment”?
Às vezes penso que os povos que necessitam de uma intervenção rápida e clara da ONU (já nem falo numa intervenção clara e rápida da Europa), devem pensar o que um qualquer cidadão português pensa quando necessita de uma intervenção rápida e clara do sistema judicial português. Desespera-se no tempo de espera pela justiça. Nestes tempos, o crime parece compensar sempre.

"Mais vale sofrer uma injustiça do que cometê-la"

Pequenos desvarios de poder de pequenas pessoas.
Contam-me: “Pedi para falar com o chefe de serviço, por não perceber a razão porque a funcionária me estava a tratar rudemente, e ouço, em surdina, dizerem-lhe: “É o Sócrates”.”
Rimo-nos, S. e eu.
Penso em Sócrates, no Sócrates que falou com Críton.

terça-feira, julho 25, 2006

Pão e arte

“Que nunca vos falte pão e arte”, disse-nos o artista de rua no fim da sua actuação.

sábado, julho 22, 2006

em guerra



Numa guerra, como em qualquer outro acto de violência entre cidadãos, não é tanto a destruição das estruturas sociais que relevo, mas sim a ponderação sobre a existência de cada indivíduo apanhado nesse turbilhão de violência. Como se o que me importa saber numa sociedade em paz, qual o seu regime político, o sistema económico e as estruturas culturais, desaparecesse, para dar lugar, na minha imaginação, à celebração ou ao lamento pela vida de cada um. Ao seu sofrimento, à sua sensação de impotência para alterar o rumo da sua existência nesse espaço e nesse tempo que enquadra o seu corpo, à sua tristeza, ao seu desamparo, ao seu esforço em sobreviver ou em conhecer-se como um desistente, ao seu desespero, procuro ouvir essa respiração, ficar mais ao rés-do-chão. Não que não haja sempre alguém, em paz, a sentir todas essas emoções, e a necessitar de cuidado, mas o que depende das escolhas, mais ou menos determinadas pela vontade da pessoa, parecem-me, apesar de tudo, males em tudo menores do que todos aqueles em que a vida privada é definitivamente afectada pela vontade geral de alguém que se outorga no direito de decidir por ou contra a vida de cada um.
E esse hiato entre a vontade geral e a existência privada, que o sistema de representação política em democracia procura resolver, pode resultar numa tragédia, como quando os povos são arrastados para a guerra, ou pode ser mimado como um drama, quando os governantes passam a relacionar-se como se personagens que comunicam de dentro de um mito olímpico. Mas à mínima dissensão social mais aguda percebemos como está ainda por resolver o problema relacionado com a questão da representação política no mundo. Depois tentamos resolver crises, que se sucedem, sem discutir sistemas.
Porque se pensa que é mais fácil adequar meios do que discutir fins?

Não é impunemente que o jornalismo patriótico, em estado de guerra, ou comprometido com a causa que leva à guerra, procura retirar ao seu inimigo o direito ao nome, não se deseja dar a vê-lo como pessoa. Interessa à causa da agressão, mas não interessa à causa da paz, porque mais tarde ou mais cedo eles terão que se entender. A não ser que se exterminem. E esse é discurso para tresloucados, ou criaturas anacrónicas.

quinta-feira, julho 20, 2006

Portugal e a ONU

Em Dezembro de 1948 os membros do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) distribuíram às delegações reunidas em assembleia nas Nações Unidas, em Paris, um documento de vinte páginas intitulado “Portugal e as Nações Unidas”. O documento acusava o governo português de cercear as liberdades públicas e de não garantir as condições políticas para estabelecer um sistema de sufrágio universal, pelo qual se acabasse no usufruto de um regime democrático, terminando com um pedido para que a Assembleia Geral votasse contra esse pedido de adesão.

No dia 8 de Dezembro, Portugal fica a saber que a antiga União Soviética e os países de Leste, que constituíam o bloco eslavo, votam, mais uma vez, contra a admissão de Portugal à ONU. A imprensa dá destaque à informação. Algumas notícias descrevem esse acto como consistindo numa clara traição à pátria por parte dos seus signatários, ao mesmo tempo que criticam o peso político da União Soviética que com o seu veto determina muitas das opções políticas internacionais adoptadas.

Pensamos que os democratas ganharam. Errado. Eles diziam no documento “que os democratas portugueses se esforçam por criar em Portugal, as condições indispensáveis para que possa ser admitido na ONU” (“o Século”, 10 de Dezembro de 1948), mas, antes dos democratas poderem criar essas condições, é Portugal aceite na ONUem 1955.

As Nações Unidas não tiveram visivelmente nenhuma vontade de interferir no rumo da política governamental portuguesa antes dos anos sessenta, princípios de setenta, pois só então se acentuam as críticas à presença portuguesa em África, dizendo-a um factor de perturbação da paz no Continente. E começam as pressões, com ciclos de maior ou menor intensidade crítica consoante o interesse das potências sobre Portugal e as suas colónias. Os EUA abstiveram-se de tomar posições contra ou a favor dessas resoluções pelas quais a Assembleia condenava o nosso colonialismo. No entanto Portugal resistiu até 1974. Falta de interesse efectivo das potências em alterarem o mapa geo-político da África Austral por temerem a nova ordem? Ou condescendência para com um governo que manifestava oposição efectiva à ideologia comunista, ficando ao lado de nações democráticas?

Porém, esse aparente cinismo da Organização manifesto pela prática dos seus membros, que agem na promoção dos interesses da sua nação mesmo se é preciso apoiar estados não democráticos, embate contra os pressupostos teóricos que a estruturam (a Carta das Nações Unidas, por um lado, e a Declaração dos Direitos do Homem, por outro lado). É entre o que é possível e o que é desejável, é na procura de adequar a prática à teoria, que as relações entre povos tem vindo a evoluir desde 1945. Como muitos sobressaltos pelo caminho.

quarta-feira, julho 19, 2006

A ONU não é um governo mundial

The United Nations is the world`s most prominent multilateral political forum. It is not, however, a world government. It is an intergovernmental organizations, a “club” whose members are sovereign states. Few UN decisions create binding international legal obligations, and even fewer can be effectively enforced. Nonetheless, when the United Nations acts on the basis of consensus, it may reasonably be said to speak for the society of sates. Therefore, we can call the resulting international human rights norms and procedures the global human rights regime.”

Jack Donnelly, International Human Rights, Oxford, Westeview Press, 1993, pp. 57-58


Relembro uma vez mais estas palavras, aqui escritas por Donnelly, quando leio ou ouço pessoas que se dizem frustradas por continuarem sem ver na ONU um órgão (finalmente) capaz de superar o bloqueio exercido pelo poder dos Estados na defesa de interesses próprios.

Talvez, como pretendem os realistas políticos, não devamos ter ilusões de que a soberania jurisdicional do Estado se imporá sempre sobre as regras morais de uma sociedade internacional de Estados.
Ou talvez não, quando sabemos que, apesar de tudo, se recorre constantemente a essas regras morais para formatar uma prática política futura ou julgar uma prática passada.
Vale o que vale.
"We stand with victims and activists to prevent discrimination, to uphold political freedom, to protect people from inhumane conduct in wartime, and to bring offenders to justice.", diz-nos a
Human Rights Watch.

terça-feira, julho 18, 2006

acordo e desacordo internacional



Os economistas dizem que é o dinheiro e não as leis, os juristas dizem que são as leis e não os princípios filosóficos, os filósofos dizem que são os princípios filosóficos e não os valores religiosos (também podem explorar a negação disto tudo), os crentes dizem que são os valores religiosos e não as leis económicas, jurídicas ou os princípios emanados pela razão crítica que explicam como Estados e pessoas se interessam pela sorte de outros Estados e de outros povos.
Qual é o critério para sustentar estes argumentos? Como pode alguém assumi-los como exclusivos e definitivos na caracterização da universalidade de interesses e de direitos? E há ainda que considerar o que dirão os sociólogos e antropólogos, os que defendem o multiculturalismo, desta busca por um critério universal na defesa e promoção de direitos intangíveis.

O Ministro Luís Amado e a "sua" lição sobre o poder

Ouvi, no Domingo, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, a recomendar, entre outros, a leitura do “pequeno” livro Lição, texto de Roland Barthes publicado em Paris em 1977, e escrito por ocasião da entrada do filósofo no Colégio de França.

Dizia o Ministro Luís Amado que esse livro o marcara pela compreensão que Barthes tivera do poder como fenómeno inscrito na língua, i.e., o poder como imposição do discurso. Gostei muito de ouvir falar um ministro nestes termos mais filosóficos. Pena não ter sido mais explorado o tema relativo à sua própria concepção de poder.

Escreveu Barthes:”A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse apenas um: de um lado os que o têm, do outro os que o não têm; pensámos que o poder era um assunto exemplarmente político; acreditamos agora que também é um objecto ideológico, que se insinua por todo o lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é sempre um. E se todavia o poder fosse plural como os demónios? “O meu nome é Legião” poderia ele dizer; por toda a parte, de todos os lados, chefes, aparelhos, enormes ou minúsculos, grupos de opressão ou de pressão; por todo o lado vozes “autorizadas”, que se autorizam a impor o discurso de qualquer poder: o discurso da arrogância. É quando adivinhamos que o poder está presente nos mecanismos mais subtis da comunicação social: não apenas no Estado, nas Classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espectáculos, jogos, desportos, informações, nas relações familiares e privadas e até nas forças libertadoras que tentam contestá-lo; chamo discurso de poder a todo o discurso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o ouve. Há pessoas que esperam de nós, intelectuais, nos agitemos em todas as ocasiões contra o Poder; mas a nossa verdadeira guerra é diferente e ocupa um outro espaço; a guerra é contra os poderes, e esse combate não é fácil; porque se o poder é plural no espaço social, também é perpétuo no tempo histórico: perseguido, debilitado aqui, reaparece além; nunca definha: façam uma revolução para o destruir e imediatamente renascerá, voltando a germinar no novo estado das coisas. A razão desta resistência e desta ubiquidade é devida ao facto de o poder ser o parasita de um organismo trans-social, ligado a toda a história do homem e não apenas à sua história política, histórica. O objecto em que o poder se inscreve é, desde sempre, a linguagem – ou para ser mais preciso, a sua expressão obrigatória: a língua”, p.p. 14-15.

Barthes, Roland, Lição, Lisboa, Edições 70, 1997. ISBN 9724409449

Falta-me agora o tempo, e a vontade para encontrar esse tempo, que deveria utilizar para contextualizar esta tese de Barthes, para falar da teoria que a subentende, o estruturalismo, para falar da Escola de Frankfurt que a confronta e de certo modo enquadra também, para dar a saber os avanços em teoria da comunicação que se estavam a alcançar, à época, nos EUA, para falar do pouco que sei sobre Gramsci, enfim. Falta-me também o tempo para falar de Apel e Habermas, os filósofos que, quanto a mim, melhor compreenderam o poder da linguagem, e falta-me a disposição para falar do melhor livro sobre a questão da legitimação do poder que eu conheço The legitimation of Power de David Beetham. Hei-de encontrar tempo e disposição para falar sobre tudo isto. Quando for o tempo.

segunda-feira, julho 17, 2006

Médio Oriente

Parece-me que a crítica internacional a esta reacção armada de Israel contra o movimento armado Hezbollah, mas que atinge as infra-estruturas do Líbano, está a generalizar-se. Estas posições condenatórias por parte de um tão grande número de Estados não eram regra desde os anos 80. Quer isto dizer que as condenações a represálias armadas se vão tornar novamente regra? Ou este movimento de crítica é pontual? O que mudou para que tantos países queiram ver a questão a ser discutida no conselho de segurança? Estará a reacção à prática comum das represálias a mudar?
Israel está a repetir a prática de represália que já anteriormente exercera contra o Hezbollah, esse movimento armado palestiniano que ocupa parte do território do Líbano, a partir do qual ataca Israel. Porque está agora a ser entendida por um número crescente de diplomatas como uma agressão? E os estados Unidos conseguirão convencer que é em nome de uma legítima defesa e continuar a vetar a necessidade de intervenção de forças de manutenção da paz para a região?

Ao atacar um Estado vizinho, por força desse Estado não conseguir controlar um movimento armado que opera a partir do seu território, Israel pode alegar que tipo de figura do direito internacional? Israel defende-se com o Estado de necessidade de protecção dos seus cidadãos.
Eu penso que a resposta da condenação internacional está na má aplicação do princípio da proporcionalidade por parte de Israel contra um Estado que não tem capacidade, nem exerce a mínima capacidade que tem, de reagir contra Israel. O conflito transfronteiriço está a transformar-se num conflito internacional, desadequada mente.

Mas se o Estado libanês não tem capacidade militar ou política para enfrentar esse movimento, para erradicá-lo do seu território, o que fazer? Os Estados têm que aplicar todos os esforços em impedir que movimentos armados operem no seu território para atacarem outros Estados. Terão que condenar explicitamente essas operações, mas e se, por acaso, não conseguirem restringi-las? Ninguém tem dúvidas de que Israel foi e está a ser provocado a ter uma reacção militar armada. Mas estará Israel a combater as causas que estão na origem do conflito? Não creio. Porque geralmente para se atacarem as causas é preciso usar argumentos. E não creio também porque não está a ser respeitado nem o princípio da proporcionalidade de forças nem a ser exercida a adequada protecção de vidas civis.
Mas o que fazer com aqueles movimentos armados profundamente imbuídos de uma ideologia antidemocrática e com ímpetos destrutivos de Israel ? Não sei, não sou negociadora. Mas há quem o seja, e procure, nos bastidores, ir minando as bases do apoio destes movimentos junto da opinião pública muçulmana. E isso faz-se com o acordo do maior número de Estados e de organizações internacionais a pressionarem os Estados parasitados e os movimentos agressores.
E o resgate dos soldados raptados como se faria? Até agora a prática de resgate de prisioneiros implicou intervenção armada, mas não aplicação da força. Tornar-se-á ilícita esta prática israelita?
Por muito que custe a todos os defensores da democracia, e da única democracia no médio oriente, Israel pode estar a precipitar uma condenação internacional sem precedentes, e a fazer um grande favor ao Hezbollah. Não esqueço também as lágrimas de um libanês que ouvi falar sobre a sua pátria sitiada por essa ideologia.

"Da Europa para Israel"

"A agenda revolucionária e radical de Teerão apropriou-se da “causa palestiniana”, para ganhar legitimidade internacional, e mantém como refém o futuro político do Líbano. Os europeus não podem contribuir para que o princípio da auto-determinação da Palestina, inteiramente justo, seja usado para fazer avançar a revolução iraniana. É isto que está em causa no Médio Oriente."

João Marques de Almeida in D€ "Da Europa para Israel"

sábado, julho 15, 2006

Médio oriente e o erro de diplomacia da administração Bush

"The Bush administration’s policy of not talking to rogue regimes “takes you only so far, until you do want something from them,” said Robert Malley, a Clinton administration official and negotiator in the failed Camp David talks, who is now the Middle East program director at the International Crisis Group. “The problem is, now we want something from them.” Ler mais.

Médio Oriente

" Most Arabs are not blaming Hamas and Hezbollah for provoking these Israeli raids. They are blaming Israel for carrying them out.
That is not fair. But it is the way things work in the real world, and the provocateurs of Hamas and Hezbollah and their allies in Damascus and Tehran understand how to use it to their long-term advantage. Israel’s political and military leaders need to understand it too and not let themselves be drawn into the provocateurs’ game." Editorial do "The New York Times".

cultura e desenvolvimento económico

“Se aprendemos alguma coisa através da história do desenvolvimento económico, é o facto de a cultura ser a principal geradora das suas diferenças. (Max Weber estava certo quanto a isso.) (…) No entanto, a cultura, na acepção das atitudes e valores interiores que guiam uma população, assusta os especialistas. Tem um odor sulfúrico de raça e herança, um ar de imutabilidade. Em momentos de reflexão, economistas e cientistas sociais reconhecem que isso não é verdade e, de facto, saúdam os exemplos de mudança cultural para melhor, enquanto deploram as mudanças para pior. Mas aplaudir ou deplorar subentende a passividade do observador – a incapacidade de usar o conhecimento para moldar pessoas e coisas. Os técnicos são mais propensos a fazê-lo: mudam taxas de juro e de câmbio, libertam o comércio, alteram instituições políticas, administram e gerem. Além disso, as críticas à cultura afectam o ego, comprometem a identidade e a auto-estima. Vindas de estranhos, tais advertências, por mais discretas e indirectas que sejam, cheiram a condescendência. Os que benevolamente trabalham por melhorias aprenderam a dirigir de forma clara e transparente. (…)

Aliás, se a cultura é tão importante, porque não actua de maneira sistemática? Um amigo economista, mestre de terapias político-económicas, resolve esse paradoxo negando a existência de qualquer ligação. Eu discordo. Poder-se-ia ter previsto o sucesso económico do pós-guerra no Japão e na Alemanha tomando em consideração a cultura. O mesmo com a Coreia do Sul em contraste com a Turquia, ou a Indonésia em contraste com a Nigéria.
Por outro lado a cultura não se encontra sozinha. (…) As explicações monocausais não funcionarão. Os mesmos valores contrariados por um “mau governo” no país podem encontrar a sua oportunidade noutro lugar. Daí o êxito especial do espírito empreendedor emigrante. (…)
Entretanto, como a cultura e desempenho económico estão ligados, as mudanças numa repercutem-se na outra. (…)”, pp.584-585.

David S. Landes resume assim a sua tese através da qual visa explicar como as nações se tornam ricas ou ficam pobres: a cultura é condicionante da prática social e económica dos povos, e a prática social e económica é condicionante da cultura. E o que sobressairá na cultura que fará a diferença? O conhecimento, a aprendizagem, e o espírito crítico.

Landes cita Garcia da Orta (séc. xvi) quando este escrevia: “pode-se obter agora num só dia mais conhecimento pelos Portugueses do que era possível conhecer em cem anos através dos Romanos”.p. 224.

As teses de Landes, quanto a mim, pecam por não darem mais ênfase à capacidade de teorias (que não só as práticas dos economista) alterarem os comportamentos sociais, não só pelas revoluções, mas, sobretudo, pela maturação e adesão voluntária ou gregária dos espíritos que por elas são persuadidas. Por exemplo, sobre a identidade nacional, para Portugal, temos um artigo on-line, interessante, de V. Cabral, que vai mais longe do que as explicações de Landes para explicar a experiência de Portugal no mundo.

sexta-feira, julho 14, 2006

Médio Oriente

editorial do DN.
editorial do JN.
editorial do Público (reservado a assinantes)

Entrevista do 1º ministro

Dizem que o primeiro ministro não tem uma ideologia de esquerda. O mesmo, quando interrogado a esse propósito, tem a atitude de enfado e de irritação que lhe crispam muitas vezes o olhar. Falta de paciência para com a interrogação e pouca capacidade de negociar de forma mais persuasivamente branda. É um estilo. Eu não gosto, mas isso é pouco relevante.
Mas só quem não quer ver é que não percebe qual a ideologia que está na base da sua acção: a procura de uma maior igualdade social. Só que essa igualdade não é pensada a partir das categorias marxistas de uma sociedade sem classes, e no pressuposto de que essa experiência seria conduzida pela consciência e pela força do proletariado, mas de uma igualdade de oportunidades e de salvaguarda dos mais desvalidos por um Estado social. Um estado contemporâneo, menos monopolizador e inibidor das energias económicas, mas capaz de potenciar a criação de riqueza que taxará para garantir uma distribuição mais equitativa. E esta é uma ideia meritoriamente socialista.
Perceber-se-á melhor a ideologia de base da acção de José Sócrates se lermos o seguinte:

"The Nordic societies can be characterized as countries with rather subtile class differences. To define which class people belong to has become harder in the last 50 years, when the democracy has led to compulsory education and social insurances for everyone. Equality has been the slogan best remembered from the French revolution, and strong labor unions have achieved many of their goals, with for instance manual workers often earning well as much as lower officials and teachers." Ler mais.
exemplo prático de utilização de tons mais persuasivos e menos agressivos na forma de lidar com problemas laborais/sociais: Estado da Baviera, Alemanha.
F. é engenheiro, trabalha para uma empresa pública do estado da Baviera situada em Munique. A empresa precisa de se transferir para uma região bastante afastada de munique. Como fizeram os responsáveis por essa decisão:
1. Enfrentaram os trabalhadores com a inevitabilidade dessa deslocalização de forma abrupta, fazendo-lhes sentir que eles eram uns felizardos de uns funcionários públicos que tinham mais era que seguir as ordens e não andarem a entravar o progresso colectivo?
2. Puseram os trabalhadores que não aceitaram as novas condições na lista dos excedentes da função pública?
3. Organizaram inúmeras reuniões durante anos, prepararam cuidadosamente a saída dos trabalhadores, ajudando-os a encontrar soluções profissionais, e planearam a transferência de todos os outros, salvaguardando empregos e ordenados?
Sei, pessoalmente, que a atitude adoptada foi a 3. MUDOU-se porque havia necessidades económicas e logísticas para mudar, mas sem confrontos ridículos de egos. As políticas públicas são para serem usadas com esclarecimento. É uma questão de respeito entre cidadãos.

quinta-feira, julho 13, 2006

Mundo analógico 2

12 de Abril de 1986. Artigo do jornal "Expresso" intitulado "A roleta russa do terrorismo".
O jornalista descrevia a situação internacional identificando todos os ataques terroristas perpetrados no mundo que se sucediam, sublinhando o facto de os meios de navegação aérea estarem a começar a ser as armas utilizadas para matar e destruir tanto mais quanto possível.
Abu Nidal era então o homem mais procurado pelos serviços secretos ocidentais e a Líbia, governada por Kadhafi, tendo na rectaguarda a Síria e o Irão, é dita como a nação responsável pelo apoio logístico e ideológico ao terrorismo.

13 de Julho de 2006
O mundo só começou a ser pensado e dito como tendo mudado para pior em termos de segurança mundial, quando isso começou a ser pensado e dito pelos americanos, e tal aconteceu porque os EUA sofreram um ataque. Um ataque cobarde e sem nenhuma justificação, é verdade, mas foi porque sofreram um ataque no seu território que a ideologia da aplicação de todos os meios para se obter a erradicação do terrorismo começou a granjear mais defensores. E esta reacção só se compreende se admitirmos que um responsável supremo das forças armadas pode perder a cabeça. Pode?
Julgo porém que não há que embarcar na conversa de termos que desenvolver um exponencial de meios de segurança ilimitados e anti-democáticos, há que prosseguir no caminho de partilha de informação, actuação concertada de forças de segurança e defesa de um Tribunal Internacional de Justiça, mas sem perder o norte de uma civilização que garanta e respeite direitos.

Exemplo:
Como a Líbia ocupou a presidência da comissão dos Direitos Humanos em 2003 é coisa de arrepiar. Mas houve reacções suficientes do mundo inteiro que salvaguardaram o espírito da Declaração, e conseguiram mudar, democraticamente, o que estava menos bem.
Leia-se também o artigo de J. Rauch no exilio de andarilho.

O governo francês é o campeão europeu do fazer. Critério: Greves.

"Então acha que se o Governo não tivesse feito nada, haveria tantas greves, tantas manifestações?" - perguntou o nosso primeiro-ministro a Marques Mendes.
"Então acha o senhor que basta fazer para se fazer bem? E é no confronto entre as instituições e a sociedade que o senhor busca a legitimidade da sua acção?" - pergunto-lhe eu.
As greves e as manifestações não são só um direito social dos trabalhadores, são um sinal. Não de que as propostas que se contestam estejam carregadas de má fé, mas estão saturadas de incompreensão. Alguém se importa de explicar como deve ser aos portugueses em geral, e aos funcionários públicos em particular, sem subterfúgios, o que é preciso fazer, porquê e durante quanto tempo? Não estão a falar com malfeitores que só querem espoliar o erário público, pois não?
Quanto ao discurso do estado da Nação li o texto/previsão de Paquete de Oliveira e gostei.

quarta-feira, julho 12, 2006

Mundo analógico

Nos arquivos da Pide/DGS que se encontram na Torre do Tombo (sendo que nesta se encontram também das mais competentes e simpáticas de todas as pessoas que trabalham na secção de referências das bibliotecas que eu conheço), podemos ter acesso aos dossiers onde se guardam os recortes da imprensa estrangeira quando nesta se fazia referência a Portugal. Artigos de algum modo avaliados como possuindo mensagens passíveis de perturbarem a ordem social como a definiram no Estado Novo.
No blogue História e Ciência fez-se um pouco de história da Pide.

Um dos recortes, guardados e sublinhados, data do dia 6 de Junho de 1969. Nele um jornalista francês escrevia no periódico “La vie francaise” um artigo subordinado ao título “Portugal nos Trópicos”. Faz alguns comentários mordazes à nossa colonização, nomeadamente afirmando que a segregação portuguesa entre brancos e negros era de cariz monetário, sendo por isso de um carácter mais insidioso, porque menos afirmativo, do que a segregação sul africana (!), descreve o estado de profunda distracção da população relativamente aos assuntos sociais provocado pelo futebol (!), e sobretudo pela comoção à volta da figura de Eusébio, e conclui com os seguintes termos:
“Não sei como ou quando acabará a aventura: porque é uma aventura esboçada com Henrique o Navegador, inaugurada com Vasco da Gama, prolongada até ao nosso século. Mas sei bem que, se os portugueses se forem embora, ou os seus domínios africanos serão entregues às paixões e às guerras tribais, ou outros colonizadores os substituirão”.
Os portugueses tinham que vir embora e... bom, não foram de modo nenhum guerras tribais as guerras que, quer durante o tempo colonial quer após a colonização, assolaram as nações africanas de expressão portuguesa; foram guerras ideológicas e, sobretudo no caso de Angola, guerras pela conquista das suas fontes de riqueza. Potenciadas por quem? Que outros “colonizadores” estariam a vigiar esses territórios para os virem a ocupar? Dizia o jornalista que seria ou a Rússia ou a China com o seu imperialismo político, ou então a América com o seu imperialismo mercantil e financeiro. Só falhou por não perceber que também outras nações, como Cuba, em Angola, ou a Itália, em Moçambique, por exemplo, iriam ter analogamente um papel nada displicente quando chegasse a hora de discutir a divisão dos poderes dessas novas nações.

Volvidos estes anos, sabemos que os imperialismos não estão à distância de uma definição clara e distinta entre dois blocos identificados. Que hoje não são só os americanos a seguir as práticas imperialistas/mercantis dos cartagineses, como os definia o jornalista, subestimando nos seus costumes o poder do imperialismo político, assim bem o imperialismo político aprendeu rapidamente como adequar as práticas mercantis aos seus desígnios totalitários, no caso da China, e, no caso da Rússia, ainda estamos por descobrir que tipo de regime autoritário/iluminado é aquele.

Se nenhum dos países referidos se pode definir hoje no mundo com o papel que tinha em 69, a verdade é que os blocos parecem querer manter-se com a mesma dinâmica de intervenção nos assuntos internacionais. Nos mais diversos objectos de discussão quanto à possibilidade de uma política externa internacionalmente concertada, seja sobre a Coreia do Norte, a Palestina, o Iraque, há sempre dois pesos e duas medidas que se extremam propositadamente. E a balança continua a pender para o lado do que souber ou puder defender melhor os seus interesses nacionais em cada momento.
O resto do mundo tem que continuar a procurar deixar de ser mexilhão, sem investir porém na atitude de peixe-balão. Não é fácil.

terça-feira, julho 11, 2006

Índia

Ainda hesitei em pôr uma imagem. Só a imagem de Shiva. Depois pensei, uma morte é igual aqui, na Índia ou no Paquistão, em Inglaterra ou no Iraque, no Afeganistão ou nos Estados Unidos, porquê então associar uma estrutura mitológica que, ainda que simbolicamente profunda, iria retirar os acontecimentos que se pretende distinguir, os atentados bombistas na índia, do seu epicentro político, colocando-os num plano de explicação metafísico?
É um engodo que nos distrai, este o de utilizar o conhecimento cultural e antropológico para explicar os fenómenos políticos que são de natureza idêntica ainda que em culturas diferentes.
Um assassínio é um assassínio.

segunda-feira, julho 10, 2006

Propaganda e imprensa desportiva

“A censura parece ser tanto mais rigorosa quanto mais lido for o órgão de informação em questão, sendo, porém, esta regra afastada no caso – de resto pouco frequente – de publicações que assumem normalmente posições pró-governamentais. O rigor da censura é assim consideravelmente maior nos jornais desportivos – lidos por camadas populacionais geralmente pouco motivadas – do que por exemplo, no Expresso.”, p. 65.


Isto é-nos dito por A. Arons de Carvalho no seu livro A censura e as leis da imprensa, publicado em Lisboa pela Seara Nova em 1973 , livro que resulta de uma adaptação de um outro livro Da liberdade de Imprensa que escrevera em 1971 juntamente com A. Monteiro Cardoso.

Os jornais desportivos eram os mais lidos, logo os que mais possibilidades tinham de influenciar alguém na adopção das suas atitudes em sociedade. Percebiam os serviços de informação, controlados directamente por Salazar, a importância do desporto como motor de orientação de comportamentos, daí a censura.
Ora nos dias de hoje, em que felizmente a imprensa é livre, qualquer professor de Comunicação Política poderia dar uma lição sobre propaganda a partir da análise da imprensa desportiva deste mundial, sobretudo o que na imprensa francesa e inglesa se escreveu, e uma aula de como fazer contra propaganda, analisando a imprensa portuguesa quer no dia do jogo de Portugal com a Alemanha quer no dia seguinte.
Propaganda para enfraquecer a moral dos adversários do jogo e dos seus apoiantes (usada pelos franceses contra os portugueses), e contra propaganda para reforçar o apoio dos adeptos à equipa portuguesa e consequente fortalecimento da sua força anímica.
Um serviço de informação militar em cenário de conflito bélico não faria melhor.

A análise deveria incidir sobre a quantidade de termos depreciativos, e mesmo ignominiosos, utilizados para descrever o carácter dos jogadores e da sua prática desportiva utilizados pela imprensa francesa, por exemplo, para descrever o adversário em campo, termos usados para retirar ao adversário a possibilidade de ser visto como alguém passível de se vir a estabelecer empatia, logo ser entendido como um semelhante, de molde a favorecer um ambiente agressivo, visando a prostração e consequente desistência do confronto por parte do adversário (por alguma razão os portugueses em França se sentiram inibidos de aplaudirem publicamente a selecção portuguesa).
Como contra propaganda temos como exemplo a capacidade da imprensa portuguesa, em tudo mais comedida em relação aos termos utilizados para descrever as equipas adversárias do que a sua congénere francesa, de transformar um quarto lugar obtido num campeonato do mundo, num paradigma absoluto de qualidade e sinal de mérito a dever ser alcançado pelas outras actividades em Portugal, num absoluto exagero comunicativo de imposição, junto da opinião pública, de demonstração das qualidades dos jogadores (que aliás a FIFA homenageou considerando-os responsáveis pelo melhor jogo em campo).
Há mesmo uma jornalista que, à chegada da selecção ao aeroporto, afirma algo parecido com: “Nem com um primeiro lugar teriam mais gente do que têm aqui!”. É paixão, é um exagero, mas é simpático.
Quanto à objectividade...? Segue dentro de segundos.

Bombistas: investigação psicológica

Ainda a propósito do programa sobre OS BOMBISTAS DO 7/7: UMA INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA e porque não consegui escrever no fim-de-semana.
A tese avançada pelos investigadores dedicados ao estudo dos comportamentos dos indivíduos que radicalizam as suas acções políticas ao ponto de se tornarem bombistas suicidas é a de que, num contexto certo, e em consequência de uma determinada dinâmica de grupo, dinâmica estudada do ponto de vista da formação de atitudes como o conformismo e a obediência, qualquer um de nós pode adoptar um comportamento socialmente extremista.
Achei o tom do documentário certo, na procura de objectivar aquele comportamento específico, retirando-lhe a componente que poderia fazer crer que indivíduos que professam uma determinada religião, ou que provêm de determinadas regiões, estão, à partida, mais previsivelmente condicionados a revelar atitudes agressivas para com os seus concidadãos, seja por falta de espírito crítico ou por estarem a sofrer de um estado qualquer de perturbação mental. Isto não acontece. O máximo denominador comum no que a condições sociais específicas diz respeito, dá-se quando se percebe que há um número maior de indivíduos que se fazem explodir, pertencentes a famílias que estão fora do seu país de origem há mais do que uma geração. Evitou-se sempre o uso, político, do termo terrorista, e sublinhou-se a necessidade de estudar estes casos fazendo uso da qualidade de empatia. Interessante fenómeno em ciência.
Recorrendo às experiências de Asch, no que à formação da atitude de conformismo diz respeito, e à experiência de Milgram, relativamente ao estudo do fenómeno da obediência, os psicólogos pareceram concluir a favor da ideia de que indivíduos em tudo com um comportamento social funcional, podem, quando em grupo e em determinadas condições específicas, adoptar atitudes que noutras circunstâncias nunca realizariam, obedecendo a ordens e procurando actuar conformemente os seus pares. Este tipo de comportamento, “O efeito de Asch” e “O efeito de Milgram”, pode ser então a explicação para qualquer acção levada a cabo por um grupo: o de bombeiros, por exemplo, quando actuam heroicamente para circunscrever um incêndio, ou o dos bombistas quando se fazem explodir matando.

Mas…a atitude de colaboração, e a atitude que resulta na procura de conformar o seu comportamento ao de outrem, para que dessa aproximação resulte a coesão do grupo, não explica por si porque é que os bombistas de Leeds não se dedicaram ao voluntariado social, por exemplo, ao invés de se matarem assassinando outros cidadãos. Também não explica que para haver realmente obediência imediata por parte de um indivíduo para com outrem, há que ter uma crença forte, ou na pessoa a quem se obedece ou na ideia que se segue, logo seria correcto que o documentário investigasse a quem obedeciam afinal os bombistas, quem era o líder do grupo, ou, na falta desse dado, que ideia era essa que os bombistas seguiam intrepidamente.
A credibilidade de quem dá a ordem, ou, no caso de faltar um líder, mas existir uma ideia que objectiva o comportamento, a credibilidade de uma ideia, é fundamental para explicar o comportamento da obediência.
A experiência de Milgram também provou que a percentagem de indivíduos obedientes num grupo baixa significativamente se a pessoa que dá as ordens não for credível. Mas isto obrigava-os a problematizar o conteúdo da crença dos indivíduos, i.e., a estudar a credibilidade junto de certas pessoas da ideologia que os orientava na sua acção e disto, das ideias, os cientistas sociais têm agora muito medo. O que é uma pena.

Comunidade de blogues - agradecimento

De vez em quando, eu, que nem me chamo Alice, passo para o outro lado deste espelho que se chama “semicírculo”. Faço-o quando leio os comentários deixados e me apercebo que alguém do outro lado se deu ao trabalho de me ler ou quando descubro, pelos relatórios enviados, que o número de visitantes da página aumentou surpreendentemente. São momentos de espanto, meio envoltos no pudor, meio envoltos na garridice. Aconteceu mais uma vez e, desta feita, devo um agradecimento a Pedro Correia do blogue “Corta Fitas” pelo facto de distinguir este sítio. Obrigada.

Agradeço também a honra que me concederam o “Almocreve das Petas” (com esse curioso título tomado de emprestado a um periódico oitocentista), o “Viagens Interditas, o “Exílio de Andarilho”, “hoje há conquilhas, amanhã não sabemos”, e ao “traduzido” por referenciarem o “semicírculo”. Só por ignorância não agradeço a quem mais de direito.

Volto outra vez a ficar em face do espelho. Serenou.

bombeiros

sexta-feira, julho 07, 2006

A cosmopolita Londres

Tem informado a Antena1 que hoje, na Rtp2, vai passar um documentário intitulado "OS BOMBISTAS DO 7/7: UMA INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA". Julgo que teremos sempre interesse em compreender o que leva alguém a escolher como acto político, o de morrer matando. Só com o conhecimento das causas que motivam as acções, quaisquer que sejam, se poderá saber como orientar essas latentes ou iminentes agressões violentas da sociedade para um sistema de dissensão e crítica própria de uma sociedade democrática. É uma perspectiva mais do que socrática, porque Sócrates afirmava pela escrita de Platão que só pratica o mal quem não conhece o bem, e o que eu estou a dizer é que é necessário conhecer a origem e a natureza do mal para que possamos recusá-lo e deixar manifestar o bem.
Na História, pelo menos, podemos reconhecer alguns desses caminhos. Ainda que nem sempre estejam quase em nada e quase em ninguém presentes de forma tão extremada, como às vezes parece fácil pensar.

Pode-se ler no site da RTP.1 o seguinte: "(...) Uma "ilusão" foi como os responsáveis muçulmanos passaram a descrever esta utopia cosmopolita, quando começaram a sentir-se ofendidos com os comentários que ouviam na rua, com as acções demasiado zelosas da polícia, ou com o alegado desinteresse do governo face aos seus receios.
As autoridades, por outro lado, justificaram sempre a sua desconfiança apontando para o resultado das sondagens publicadas pela imprensa, em que se constata que uma minoria considerável desta comunidade, que inclui 1,6 milhões de pessoas, não esconde estar ao lado das manifestações do extremismo islâmico.
No último inquérito deste tipo, publicado esta semana pelo jornal The Times, 13 por cento da comunidade volta a considerar os terroristas que levaram a cabo os atentados de 07 de Julho como "mártires" do Islão.
A sondagem mostra ainda que 16 por cento dos muçulmanos residentes no Reino Unido - o equivalente a mais de 250 mil pessoas - considera que a causa do ataque do ano passado, em que morreram 52 pessoas, foi "justa".
E, finalmente, 65 por cento dos inquiridos diz taxativamente que a sua comunidade "não está integrada na sociedade britânica".
De acordo com alguns comentadores da imprensa britânica, não se via uma divisão da sociedade a este nível, envolvendo uma comunidade específica e tantas provocações, desde os famosos conflitos dos anos 70 que opuseram milhares de imigrantes africanos à polícia (...)."
Eu julgo que o ocidente tem valores, tal como o oriente os tem, que são universais e não servem como moeda de troca em discussões sobre a ordem interna ou externa das nações. Se outros valores querem impor-se como superiores aos da liberdade, igualdade e justiça, e se os seus defensores escolhem a violência para os propalar na sociedade, então há que dizer que é um conflito ideológico, como na história houve muitos, que terá que ser enquadrado firmemente na politica, no apoio social, nas discussões filosóficas e, por recurso pobre, quando preciso, judicialmente.

quinta-feira, julho 06, 2006

sorriso

por esta canção de Toquinho que a minha amiga AR me enviou.

Pela solidariedade de Lector.

campeonato do mundo. Só de futebol.


Eu nem sequer gosto sempre do futebol como desporto. Mas ontem chorei.
Nem sequer está doente ou morreu um familiar ou um amigo. Mas ontem chorei.
Não estou desempregada e ninguém me traiu ou desapontou. Mas ontem chorei.
Não é pelo futebol que o bem-estar comum dos portugueses fica afiançado. Mas ontem eu chorei. Chorei e muito.
Chorava por causa do resultado daquele jogo? Talvez não. Chorava por causa do resultado diário de Portugal nas nossas vidas? Talvez sim. Ou Talvez não.

Sim, é uma parvoíce. Devia estar a escrever sobre o tipo de propaganda conduzida pela imprensa francesa. Mas agora não.

E sim, eu sei que Vasco Graça Moura tem razão. Mas daí não retiro nenhum consolo.

Reprodução de um quadro de Édouard Manet (1832-1883) , "As bolas de sabão"
França, 1867

quarta-feira, julho 05, 2006

política da união europeia para crianças em risco

Muito, muito bem. Só espero que haja sensibilidade e deligência para tratar estes casos e que haja sempre alguém competente do outro lado da linha.

cidadãos europeus / governo de França

Por cortesia de E. que me enviou esta petição

"Custa aos contribuintes europeus cerca de 200 Milhões de Euros manter o vaivém do Parlamento entre Bruxelas/Bélgica e Estrasburgo/França. Como cidadão da União Europeia, pretendo que o Parlamento Europeu esteja localizado exclusivamente em Bruxelas.

Democracia participativa
O artigo 47º sobre democracia participativa, constante do projecto de Constituição Europeia, apoiado pela Comissão europeia, pretende que os cidadãos da União Europeia sejam mais activos e participem no debate sobre assuntos europeus. Nesse sentido, estamos a encetar uma iniciativa da sociedade civil para recolher um milhão de assinaturas para pôr termo a este desperdício de dinheiros públicos.
Junte-se a 766592 outros cidadãos europeus e assine esta petição!"


A petição pode ser lida e assinada na seguinte morada: http://www.europafederalisterna.se/oneseat/?view=sign&lang=pt

A ditadura chinesa e a imprensa.

Porque será que a China prefere o sistema capitalista mas sem um regime democrático a configurá-lo? O que pensa essa nação criar em termos de regime político? Porque será que a liberdade de imprensa incomoda o governo chinês?

terça-feira, julho 04, 2006

O Tibete não é uma província da China



O comboio do "tecto do mundo" não pode unir o Tibete ao resto da China, porque o Tibete não é, nem quer ser, parte do território da China. Por isso, para sermos correctos, só se pode falar da ligação de comboio entre duas nações, sendo que uma delas, o Tibete, foi invadida nos anos 50 e está submetida desde então, e de forma abusiva, ao poder de Pequim. O que não quer dizer que a China tenha legitimidade moral ou legal para o fazer, logo o Tibete não é mais uma das províncias da China.
O Tibete é uma nação, um estado e tem um governo, que se encontra no exílio.


A propósito, assim o entendo, gostei muito deste artigo de Medeiros Ferreia sobre Timor no DN.

segurança e contemporaneidade 1

Os conflitos no Médio Oriente, e a questão da segurança da região, não parecem ser tratados como se fossem de natureza pré contemporânea?
É curioso que Israel, um país que nasceu na contemporaneidade, com uma forte estrutura social reveladora de conhecimentos culturais e científicos de nomeada, esteja afinal, e de forma recorrente, implicado na resolução dos conflitos com outros Estados, seus vizinhos, de modo tão anacrónico no que a um contexto de direito internacional ainda diz respeito. Será pelos governos de Israel entenderem a sua política de defesa como “política de fortaleza” e não como a que um estado em litígio com outros deve buscar? Porque os outros países da região não o aceitam como estado? Ou porque os governos de todos os estados da região, inclusive os de Israel, continuam a pensar, se ao contrário não forem obrigados, que os conflitos se devem continuar a resolver da maneira como os senhores tribais a resolviam?

Nie Jr. fala-nos da necessidade de compreendermos os conflitos internacionais a partir da dinâmica indivíduo, estado e sistema internacional. Esta tríade de elementos, se bem identificada e analisada, explicará, segundo o autor, como recrudesce ou se resolve os conflitos. Ora ao dizer que factores religiosos, económicos e de regime politico tornam a política do médio oriente volátil, está a dizer-nos que não há pontos de fixação a partir dos quais se possa construir um entendimento pacífico que concilie os interesses dos três actores envolvidos. E que, por isso, “Podemos esperar a continuação do conflito no Médio Oriente”.

Joseph S. Nie, Jr, Compreender os conflitos internacionais: uma introdução à teoria e à história, p.p. 204-216.

Philippe M. Defarges vai retirar da análise da dinâmica do conflito entre Israel e os árabes, não o indivíduo, o estado ou as instituições internacionais, mas o determinismo geopolítico que é muitas vezes evocado como a causa que está a minar o entendimento entre aquelas três esferas de poder e de equilíbrio para a região. É por isso mais optimista quando afirma: “(…) o próximo Oriente pode ser não só a terra do conflito sem fim, mas também um dos laboratórios de uma das experiências-chave deste final de século: a aprendizagem de uma existência partilhada entre homens que se tinham encarado como irremediavelmente inimigos, ainda que o seu passado comum mergulhe na noite dos tempos.”

Philippe Moreau Defarges, Introdução à Geopolítica, pp. 125-127.

segunda-feira, julho 03, 2006

Democracia 1 - Guantanamo/administração Bush 0

Sofreu o Estado de Direito americano um sobressalto, mas manteve-se de .

Assistência humanitária não é igual a intervenção humanitária

Ouvi, na Univ. Fernando Pessoa, no Porto, José Manuel Pureza falar em apropriação perversa do lado generoso da modernidade, no que à sua concepção universal de cidadania diz respeito, pelas práticas recorrentes das nações quando os seus governantes alegam razões humanitárias para na realidade intervirem militarmente noutras nações. Falou também do excesso de intervenção internacional na regulação de conflitos internos, na linha de uma concepção abusiva do uso de definição de “Estado falhado” como justificação para interferir nas formas de governação de cada nação, no que chamou de “macro exercício de engenharia social” transfronteiriça.

Nem de propósito, a coluna de José Cutileiro no Expresso deste sábado, ”o mundo dos outros”, reflecte exactamente esta percepção: “Potências ocidentais que, desde o fim da guerra-fria, têm às vezes sido muito abelhudas nisto de ir fazer bem aos outros, mostram condimento quanto ao Nepal: não lhes apetece ir botar sentença ao tecto do mundo, correndo o risco de desagradarem a Nova Deli e a Pequim. (…) Sem tais cangas ao pescoço, quem mande de um lado e de outro pode dar arrumo ao passado e negociar o futuro”.

Eu penso que há que insistir, e muito, na clara distinção entre a teoria e a prática da assistência humanitária (em que a assistência às vitimas está definitivamente em primeiro plano no quadro de interesses das organizações envolvidas) e a teoria e a prática da intervenção humanitária, cujos contornos políticos e humanitários são pouco claros, logo passíveis de serem encarados como irregulares e contraproducentes na resolução de conflitos que não estão preparados para compreender ou para solucionar.

Haverá que insistir também, e na linha de pensamento de Pureza, na necessidade de subtrair o campo de intervenção da esfera política do campo de intervenção da esfera humanitária, no que por esta se entende a legitimação de policiar outros Estados por parte dos que detêm o poder económico e militar para o fazer.

Mas não partilho concepções críticas contra a universalização de procedimentos e de princípios, por um lado, nem defendo que se desregule a prática política internacional, por outro. Este tema pode ser discutido com J. Welsh.

Ler mais sobre as questões da assistência humanitária no quadro regulamentar da União Europeia.

Sobre as reformas das Nações Unidas

Editorial no "The New York Times".

" (...) One crucial reform would have given Secretary General Kofi Annan management flexibility on making job assignments. The less-developed majority flatly turned him down. Another reform would sharply pare down the roughly 9,000 directives of various kinds accumulated over the decades — many of them now outdated or redundant. The majority agreed only to a trivial reduction.
Less-developed countries complain that the demanding tone of donors has poisoned the atmosphere for compromise. That is partly true. America's U.N. ambassador, John Bolton, has particularly tried to bludgeon the resisters into submission with dire financial threats.
But these criticisms miss the point. The reforms are not a concession to Washington and other big donors. They are a necessity for all U.N. members. The U.N. cannot function effectively in the 21st century under budget and management rules that were originally devised for a much smaller organization. Successive embarrassments like the oil-for-food scandal should have made that painfully clear. "

domingo, julho 02, 2006

quatro dias

1º dia:"O que aconteceu ao Porto foi que teve demasiados escritores inscritos no quotidiano, e poucos com correspondência na eternidade. Estes são os humilhados, os que são atraídos entre a lisonja e a verdade, entre o riso do bufão e a ciência do mago, entre a simples balada do mensageiro e a via do isolado social." p.182
2º dia: "Mas era, com tudo isto, extremamente delicada; isso resultava do próprio prazer de viver na sua conciliadora imagem do mundo". p.41
3ºdia:"Quando os portugueses produziram frutos na imaginação de outras nações, foram de facto grandes". p.77
4º dia: "Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de verão que declina, e temos onze anos, etc. etc." p.193

Agustina, As pessoas Felizes, Lisboa, Guimarães, 1975.

Como se.