sábado, dezembro 30, 2006

direitos humanos e uma teoria do poder

No dia em que um homem é executado, com a condescendência de um Estado democrático que ocupa o país desse homem, é um dia marcado pela falência prática do poder alternativo proposto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vence o poder da estratégia e da força dos que mais podem no momento. E não duvido que os que mais podem agora, poderão, noutras circunstâncias, não poder mais, e ficam então todos os diabos á solta. Admiremo-nos que os líderes mais agressivos do mundo não se deixem convencer pelos argumentos pacíficos de um Ocidente manipulador, e procurem rearmar-se o mais depressa e da forma mais mortífera. São as regras que permanencem sobre as ideias e universalidade de acção humana. São as regras do passado.

Eu estou na cidade que instituiu a guilhotina como instituição universal de punição. Sob o seu gume pereceram todo um conjunto de indivíduos, de monarcas a vilões. Ninguém estava acima da lei da guilhotina. A cidade escolheu ser conhecida como a cidade da luz.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

um presente de Natal

Da parte de quem melhor compreende a ansiedade do conhecimento do que a serenidade de aceitar as coisas como elas se apresentam ser.

sábado, dezembro 23, 2006

Reencarnação/Ressuscitação 2

Querer (não é só dizer) que nem um cabelo mude numa determinada pessoa, ou melhor, nem se quer conceber a palavra mudança em relação ao que quer que seja em alguém, e não o sentindo por indiferença ou passividade emocional, revela que tipo de estado afectivo?

Quando Cristo afirmou que um dia todos ressuscitaríamos, sabia, com certeza, que esse todos implicava mesmo todos, e os todos com o seu tudo que define cada um. E ele há cada um… Mas quem consegue estar assim tão apaixonado pelo um de cada um? Quem consegue aceitar a humanidade personificada de forma tão radical? Se na vida tudo se opera pela mudança, quem prefere que nada mude numa pessoa por toda a eternidade? Só pode ser os que estão apaixonados, os que amam profundamente alguém, os que temem mais do que perder a sua própria vida perder a vida dos amados, os que mais do que darem a sua própria vida, querem a vida eterna dos que amam. Uma e outra vez, e para sempre, tal e qual como eles só, e sem que um só cabelo mude sequer.

Platão, pela personagem de Sócrates, ensina-nos no Fédon que imortal só a alma, e que essa incarna numa forma, humana ou não, tantas quantas forem as vezes necessárias para adquirir um elevado grau de virtude e de inteligência. É uma concepção mais cáustica no que à natureza da pessoa diz respeito. Platão, como Sócrates, o pedagogo, quer o que cada mestre quer, a saber, mudar, moldar, aperfeiçoar a natureza do seu discípulo. Mesmo se amado, um discípulo é um aprendiz, um ser imperfeito, inacabado, que urge alterar para corresponder a uma forma exemplar, precisa de ser realizado tendo por modelo um projecto entendido como lhe sendo superior e que ele procurará, se aceitar a autoridade daquele que sabe, ou da ideia que guia o plano do mestre, executar. A reencarnação é pois exemplo de uma teoria que vê na pessoa de cada um a existência de uma parte imortal, a alma, a quem é dada uma outra parte, que é o corpo, que a aprisiona à materialidade, mas que também lhe permite manifestação, numa luta pela emancipação das partes. É um processo que assume que não só quer mudar algo na pessoa, como exige essa mudança.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Reencarnação/Ressuscitação 1

Nick Cave - 01 - "Into My Arms" (LIVE)
música do disco "The boatman`s call" de 1997.

Escolhi a cadeira vermelha.

Sublinho, porque vou precisar desta frase, a ideia de Nick Cave: "Not to touch a hair on your head/To leave you as you are"

quinta-feira, dezembro 21, 2006



Das três hipóteses vou escolher uma: 1. O que dizia Antero? Que verdades eram aquelas que homens inteligentes ouviam sem delas, ou do autor que as enunciava, duvidar? Que sentido tinha o estado de discípulo então por contraposição ao ser discípulo hoje?; 2. Utopia; 3. Reencarnação/ Ressuscitação.
Eu já sei onde me vou sentar nos próximos dias.
"Three Chairs with a Section of a Picasso Mural" 1970 (100 Kb); Acrylic on canvas, 122 x 152.4 cm (48 x 60 in);

quarta-feira, dezembro 20, 2006

utopia 2

"Se os oásis utópicos se secarem, surgirá como substituição um deserto de banalidade e de perplexidade. Eu não saio da minha tese segundo a qual o facto da modernidade dever encontrar nela mesma as suas próprias garantias é estimulado, hoje como ontem, por uma consciência da actualidade na qual se confundem pensamento histórico e pensamento utópico.”
Jürgen Habermas, Écrits Politiques, p. 124.

Ao tomar-se consciência dessa intercessão entre o pensamento histórico e o pensamento utópico, estaremos salvaguardados das tentações messiânicas em política? Se Habermas reconhece que sem energias utópicas a consciência da história embrutece pela banalidade, quando não se imola no estado de permanente perplexidade perante o real a que não sabe dar sentido, saberá também o autor onde se encontra o ponto de equilíbrio entre o que são as possibilidades de um tempo futuro e a estrutura do nosso tempo?

Eu julgo que sim, que ele sabe. Mas afirmá-lo é-me fácil de mais. Demasiado interessada na defesa das suas teses, portanto. Daqui a uns tempos terei que aqui voltar.


Mais novecentas escolas primárias vão fechar. Os pragmáticos perguntam-me: Mas achas racional elas continuarem a funcionar com tão pouco alunos? Eu respondo-lhes que não, realmente, se queremos um país entendido como plataforma de turismo, até podemos vir cá só no fim do mês para vir buscar as rendas das casas que alugámos a turistas sazonais, e ir viver para outro lugar qualquer. Geralmente estes pragmáticos de aldeias só conhecem as do pai Natal.

terça-feira, dezembro 19, 2006

islamo-fascismo/islamo-bolchevismo

“Li todas as declarações públicas que Osama Bin Laden fez antes e depois do 11 de Setembro e o mais espantoso nelas é o facto de serem essencialmente declarações de um revolucionário. Reflectem um desejo de mudar a ordem mundial, são anticapitalistas e acusam explicitamente os Estados Unidos de terem interesses imperialistas e económicos em dominar o Médio Oriente. Em muitos aspectos, a Al-Qaeda é como o partido bolchevique da Rússia pré-revolucionária: é uma rede relativamente pequena e bastante fragmentada, capaz de levar a cabo ataques terroristas. (…) O que é interessante é que este programa revolucionário no seio do mundo islâmico seja em geral tão mal interpretado no Ocidente como sendo islamo-fascista. Mas não há nada de fascista naquilo que Bin Laden tem em mente. O islamo-fascismo é uma daquelas categorias absolutamente enganadoras. É mais adequado dizer islamo-bolchevismo, no sentido em que se trata de uma organização revolucionária internacional, enquanto o fascismo tinha tudo a ver com o Estado-nação.”

Entrevista a Niall Ferguson, in Revista Tabu do semanário Sol, 16-12-06, p. 72.
Pessoalmente entendo o movimento fundamentalista islâmico como sendo uma ideologia herdeira a ocupar o lugar que o comunismo soviético tivera no mundo como polo aglutinador das críticas radicais ao anticapitalismo, lugar que ficara por momentos vazio. Mais do que islamo-bolchevismo procuraria arranjar um termo que desse conta desses propósitos políticos internacionais manifestos na vontade de criação de uma nova ordem mundial, mas com assento num texto religioso. Procuraria arranjar, mas não arranjei.
Mas muito gostaria de assistir à troca de argumentos entre os defensores da denominação de islamo-fascismo por oposição aos defensores do termo islamo-bolchevismo. Sendo que melhor sou capaz de defender a tese de Niall Fergunson.

O fim dos exames de Filosofia

"O fim dos exames de Filosofia está a ser muito criticado pelos especialistas da área, sobretudo pelas consequências negativas que teve nas salas de aula. Ricardo Santos, da Sociedade Portuguesa de Filosofia, diz que a decisão tomada há um ano pelo Ministério da Educação foi "um golpe" no progresso que o ensino da disciplina vinha a registar.
"Muitos colegas meus testemunharam que a suspensão mudou as práticas nas escolas. As provas tinham contribuído para alguma homogeneidade no ensino da disciplina, mas tudo isso foi posto em causa." (...) Ricardo Santos entende o objectivo do ministério de separar a formação do secundário do acesso ao superior. O problema, são as implicações: "Com exame, se o professor falta muito ou se atrasa na matéria, os alunos reclamam. "Sem prova, só são avaliados em função do que aprendem. E quando menos melhor." in "Diário de Notícias"
Autor: Filomena Naves,
Pedro Sousa Tavares
Data: 15-12-06
Pág.: 20 a 21
Ora bem, o que é que um representante da Sociedade Portuguesa de Filosofia tem a dizer sobre o fim dos exames em filosofia...vamos lá ler, aqui está. Ah, ficamos a saber que esse facto vem distorcer um propósito de homogeneização da disciplina e recompensar esses professores parasitas que andam para aí a faltar muito e a poderem agora atrasarem-se na matéria a leccionar sem que os petizes os caustiquem, pois se não têm exame... como fiscalizar o professor ronceiro? Trastes dos professores.
Eu li bem? Foi um representante da Sociedade Portuguesa de Filosofia a falar? E só tem isto para dizer? A homogeneização dos conteúdos disciplina, e a suposta perda de fiscalidade dos professores de filosofia pelos seus alunos no futuro, é o que o preocupa? Está tudo dito do espírito homogeneizado da época que estamos a viver.
Valha-nos ao menos uma pergunta que Maria Cândida Proença formulou no seu livro e que podia servir para começar a reflectir sobre o caso actual da Filosofia no Secundário. Pergunta ela, devido à análise do currículo nos anos de formação escolar de D. Manuel II: "Mais difícil de explicar é, porém, a ausência do estudo da filosofia, disciplina obrigatória para os alunos oficiais do mesmo nível. Como se explica que a educação do infante tenha sido descurada nesta área, tão importante para o conhecimento da evolução do pensamento humano e das grandes correntes que influenciaram o seu tempo?", D. Manuel II, p. 22
Eu gostaria muito que se tivesse avançado com uma explicação, mas a autora também não a consegue dar, até porque, o que acentua a estranheza, e como reconhece Proença, essa disciplina tinha sido estudada por D. Carlos e D. Afonso. Quem, e porquê, terá ordenado que se retirasse essa disciplina do programa de estudos do último monarca de Portugal?
Quem realmente está a dar ordens para se retirar agora à Filosofia o papel que ela tem tido como disciplina nuclear no ensino secundário em Portugal? Porquê? E se, pondere-se, quem está a propor o fim dos exames quer dar espaço à filosofia e liberdade de actuação aos professores de filosofia, para romperem com essa homogeneização artificial do ensino e do pensamento? Revelo com a questão, aleivosia, esperança idiota, ou inconsciência do sentido dos poderes sociais?
Poderes homogeneamente sorrateiros. Quando lhes tocarem nos interesses acordarão.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

como um discípulo. e para sempre assim me conservei na vida.

"Olhe, deixe-me ver, foi aí por volta de 1862 ou 63, numa noite macia de Abril ou Maio. Atravessando lentamente, com as sebentas na algibeira, o Largo da Feira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem de pé, que improvisava. A sua face, a grenha densa e loira com lampejos fulvos, a barba de um ruivo mais escuro, frisada e aguada, à maneira siríaca, reluziam aureoladas. Parei, seduzido, com a impressão que não era aquele um repentista picaresco ou amavioso, como os vates do antiquíssimo século XVIII - mas um Bardo, um Bardo dos tempos novos, despertando almas, anunciando verdades. O Homem com efeito cantava o Céu, o Infinito, os mundos que rolam carregados de humanidades, a luz suprema habitada pela ideia pura... Deslumbrado, toquei o cotovelo dum camarada, que murmurou, por entre os lábios abertos de gosto e pasmo: «É o Antero!». Então, perante este Céu onde os escravos eram mais gloriosamente acolhidos que os doutores, destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo, como um discípulo. E para sempre assim me conservei na vida."
Eça de Queirós, "Um génio que era um santo" in Notas Contemporâneas, edições livros do Brasil, Lisboa, pp. 285.

domingo, dezembro 17, 2006

Utopia

A minha amiga Ayetsa enviou-me um texto da sua Venezuela para eu ler. É um texto apologético de uma certa ideia de Hugo Chávez. O que, pessoalmente, me deixa indiferente. Em democracia há os discursos dos apoiantes e há o dos opositores. Movimento natural do pêndulo político que, por não querer pensá-lo quanto à sua origem e natureza, não posso deixar que me afecte agora. Não aprecio o estilo do texto, mas não é ele que me provoca a escrita, e sim o seu conteúdo. O dito texto é escrito com um discurso que exalta a ideia de que uma nova época vai começar na América do Sul em geral e na Venezuela em particular (mas Chávez é eleito agora pela primeira vez? Não teve já tempo de ter começado antes o que quer que tenha prometido desse futuro novo?), a época do bolivarismo (os portugueses reconhecem bem este território nebuloso da espera de uma figura mítica) que, no caso de uma parte da América Latina, se manifesta na assunção de que confluem as circunstâncias necessária para um ressurgir dos valores ditos ser os que estariam encarnados na figura do libertador Bolívar, que, segundo Cifuentes, sempre procurou transformar a utopia em realidade. E que utopia era essa? A “maior suma de felicidade para o povo”.

Folclore Chavista à parte, porque eu não sei se os valores do discurso político da América Latina não reflectirão exactamente um tipo de simbolismo mágico-religioso da sociedade em questão e que no ocidente seria considerado anacrónico (para dizer o mínimo), sem querer com isto revelar uma atitude condescendente para com o fenómeno, e sendo certo que a mim jamais me convenceriam a votar num indivíduo que utiliza o tipo de discurso maniqueísta de Chávez, o que não me impede de respeitar quem o faz, não deixo de me interessar profundamente por políticas que visam suprimir a miséria no mundo. Mas chegada a este ponto começo a divergir em tudo o mais. A utopia, tema que me é caro, é um nível intelectual de exigência para a acção e para o pensamento, e não um modelo passível de ser transmutado em realidade. A utopia, nos autores que Cifuentes cita, como a utopia de Platão, de More e de Campanella (e que diferenças há entre estas propostas a utopias) são ideias que servem para gerar outras ideias com o intuito de regular modelos de acção. Procurar que ao invés de gerar ideias a utopia se apresente sim como capaz de gerir ideias e acções é algo que qualquer aprendiz de utopia sabe que dá desordem social na certa. E desordem social destrutiva, não criadora. E porquê? Porque querer realizar uma utopia é como querer realizar uma visão que se tem para o universal sem se preocupar com a reacção do individual. Como se a existência dos indivíduos se diluísse na existência da ideia de indivíduos. E para quem conseguir fazer coincidir a sua acção com a acção proposta, isto é, para quem fizer coincidir a sua vida com a ideia que se tem do que deve ser a sua vida, deve haver alguma exaltação, como se do encontro da pessoa com o seu destino se tratasse, não sei, deve ser exaltante, momento único da história do indivíduo a coincidir com o da história, mas o que acontece a quem não se reconhece nesse modelo e pretende inverter o movimento que impele o grupo, mesmo que em maioria? É eliminado? Em democracia querer realizar utopias é o prenúncio de uma vontade não democrática de governar. Porque a utopia sobrepõe-se à possibilidade de ser discutida. Recusada até, por quem o entender. Ela é profundamente anti-democrática na sua versão operatória, ainda que em democracia ela possa servir como catalizadora de apresentação de projectos sociais e políticos, que, claro, terão que ser postos à discussão de forma ininterrupta. Como eu julgo.
Há quem veja na negociação uma fraqueza da democracia: Os espíritos prepotentes e os desejosos de serem submetidos.
Em democracia a noção de “suma felicidade para o povo” tem que ser escrutinada. Não é possível governar com este propósito ético. Porque a felicidade para o povo é o quê? Alcança-se de que forma? E a sua felicidade é diferente da felicidade para a pessoa?
A suma felicidade parece ser materializada na libertação da exploração do capital e a sua libertação do império, mas que felicidade é esta? Quantos cabem nela e o que se deve fazer para aceder à mesma? Está-se disposto a fazer o quê que se exceda, ou se limite, nos propósitos de um governo democrático num Estado de direito?
E sendo que alguma solução económica a política terá que encontrar para permitir que se acabe definitivamente com as situações de pobreza e que alguma solução política a economia terá que aceitar para que uma sociedade não se estratifique de forma amomível e dominadora. Mas com este discurso não me parece que se vá numa direcção muito reflectida. Há muitos heróis num filme que não deixa de parecer um simulacro de uma qualquer possível realidade heróica. Ainda sem sairem do quintal da casa dos filmes do império. Mas que sei eu, amiga. Só de alguns exemplos infelizes de utopias que se quiseram viver no passado. Bons augúrios para a Venezuela.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Revolução – autoridade e poder 6

Despedindo-me de Hannah Arendt.

“(…) os homens das revoluções do século XVIII professavam em comum: a convicção de que a fonte e origem do poder político legítimo reside no povo.. Na verdade, esta concordância era meramente aparente. O Povo em França, le peuple no sentido da Revolução, não estava nem organizado nem constituído; quaisquer que fossem os “organismos constituídos” existentes no Velho mundo, dietas e parlamentos, ordens e classes, eles assentavam no privilégio, no nascimento e na situação. (…) Para o século XVIII, tal como, antes dele, para o XVII e, depois dele, para o XIX, a função das leis não era propriamente a de garantir liberdades, mas a de proteger o direito de propriedade; era a propriedade, e não o direito como tal, o que garantia a liberdade. Só com o século XX o povo ficara exposto, directamente e sem qualquer protecção pessoal, às pressões quer do estado, quer da sociedade; e foi apenas quando o povo se tornou livre, sem possuir propriedades que lhe protegessem as liberdades, que as leis foram necessárias, a fim de protegerem directamente as pessoas e a liberdade pessoal, em lugar de se protegerem apenas os seus direitos de propriedade.”

“O grande problema em política, problema que eu comparo ao de realizar a quadratura do círculo em geometria (…) [é saber] como encontrar uma forma de governo que coloque a lei acima do homem.” Rosseau

“E os homens da Revolução Americana não se viram menos confrontados com este problema, que apareceu sob a forma de necessidade urgente de um absoluto, do que os seus colegas em França.” Arendt, pp. 222-227.

E os políticos e os filósofos contemporâneos também não se vêm menos confrontados com este problema. Que o digam Apel, Habermas ou Rawls.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

luz

Como é que se pode continuar a ser crítico sem que isso represente uma traição? Tende-se a confundir a crítica com maledicência. Porque nos sentimos tão agastados com a primeira? É como se a alternativa fosse entre a perpétua mentira e a perpétua mágoa.

Nas famílias isso dá episódios caricatos. Há quem defenda os seus contra tudo e contra todos não importa as acções ou as circunstâncias, e se assanhe com algo que um estranho ou um familiar menos aceite possa realizar. Sendo que esse espírito de clã, tão sublinhado nos filmes americanos de 1 mas também nos de 5 estrelas, revela de princípio de unidade e de protecção do indivíduo pelo grupo mas também de falsidade. Mas se não fosse a história de família, que se confunde na nossa mente com os dias solarengos da infância, e esta falsidade cortesã, o que seria dela na maior parte do tempo?

Em relação aos países ocorre fenómenos semelhantes. Há quem os atraiçoe de forma imponderada debitando misérias pátrias em terras de outros, ou generalizando erros em terras próprias, e há quem esconda, por detrás de uma adesão emocional sem reservas, qualquer crítica ao seu torrão. E no entanto, há ainda os proscritos de um lado e do outro, os que dizem que preferir é conhecer. E conhecer é conhecer a coisa amada, mas também em perspectiva com todos os outros, e os outros perspectivados pelo amor à coisa. Não é melhor, nem tem que ser pior. É mais desconfortável e mais dura esta lucidez. E será ela verdadeira ou simplesmente malcriada, ou, então, apenas isso, lucidez?
É muito difícil quando não se tem um livrinho com regras aceite universalmente, e ter que pensar autonomamente. Como todos os filósofos o souberam e Kant tão bem explicou.
"Semear preconceitos é muito pernicioso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente pode chegar à ilustração. Por meio de uma revolução poderá talvez levar-se a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento."
Kant, "Resposta à pergunta o que é o iluminismo?", in A Paz perpétua e outros opúsculos

terça-feira, dezembro 12, 2006

Munícipes, nós?

Primos?

Há no filme Coffee and Cigaretts duas histórias interessantes. Gosto muito da história contada em "Champagne", que é perfeita, e gosto da história de "Cousins?" que é sarcástica quanto baste com o fenómeno social dos amigos de ocasiões. Esta história versa sobre um encontro num café entre dois homens que nunca se viram antes, sendo que um deles, Alfred Molina, actor, mostra-se entusiasmado com a relação de parentesco que descobriu ter com o outro, também ele actor e de nome Steve Coogan. Este, pelo contrário, vê a simpatia e o empenho do outro em estabelecer uma relação de proximidade como sendo um comportamento desagradável e perturbador da imagem que tem de si. Mostra-se altivo, indiferente, procura inequivocamente não voltar a encontrar mais o sujeito que ali se diz seu primo e que, de forma percepcionada como inoportuna, avança com projectos para trabalharem juntos num filme. Quando finalmente Molina se apercebe, os sinais são inequívocos, do enfado do seu primo Coogan, toca o seu telemóvel. Molina saúda em voz alta, de forma descontraída e informal, o conhecido realizador Spike Jonze. Koogan endireita-se e percebe agora que aquele súbito primo talvez tenha algum interesse. É a vez de Molina perguntar: Primos, nós?
- Say isn`t true - Taylor Mead
_ Say what isn`t true? - Billy Rice
- Never, never, never mind. - Taylor Mead


Coffe and Cigarettes


"champagne"

domingo, dezembro 10, 2006

Pinochet. Com que paz vão os vivos ficar?


Ponho-me a imaginar aqueles pais que têm ainda os seus filhos dados como desaparecidos no Chile. E os filhos que foram afastados dos seus pais e que nunca mais souberam como os encontrarem. Nos amantes e nos amigos que não sabem da pessoa amada que um dia foi levada e nunca mais deu sinal de si. E penso, com horror, que ver morrer este homem deve ser como ver morrer um carcereiro que leva consigo a chave que permitia a hipótese, frágil e remota, mas ainda assim uma hipótese de entreabrir a porta do conhecimento que desse para um lugar onde se descobrisse o corpo da pessoa procurada. Agora que o ditador morreu, que conciliação interior se encontrará no não saber cada vez mais espesso que paira sobre esses lugares onde se encontra o ausente? Quem conseguirá dormir em paz?

Educação

Tinha pensado em procurar não escrever mais nada sobre o estado actual da educação. Porque me sentia demasiado envolvida, demasiado interessada, demasiado comprometida e receava que os meus interesses se sobrepusessem à minha objectividade. De mim para mim. E mesmo que procurasse distinguir algumas coisas boas das pouco que tenho encontrado na que imaginamos ser a actual actuação da equipa ministerial, relativamente à exigência de avaliação, que, ver-se-á, será outra fraude, mas está bem, tudo o resto me revolve a mente ao ponto de eu saber que se continua a comprometer o ensino de uma maneira que os portugueses nem sabem o quão grave é, iludidos que bastará pôr na linha os madraços que por ali andam a ser pagos pelo erário público, sufocando-os a todos com uma espiral de deveres milimétricos controlados pelo poder central, para que as coisas mudem. Não vão mudar, mas vai haver ginástica numérica suficiente para termos números com algum sucesso (os alunos do secundário não precisam de o terminar, porque se tiverem mais de 23 anos há uma universidade ali de braços abertos), os que não terminaram o básico, porquê agora não irem para o secundário, vão ver que não lhe fez falta nenhuma não terem passado pelos anos de ensino anteriores, inscrevam-se, façam número). Ah, e tudo isto em nome da qualidade. Não é por estratégia financeira, não senhora.
E depois falam de autonomia, senhor!, de autonomia mas só económica, que tudo o resto é para manter de rédea curta não lhes dê para ensinarem o que não se prevê.
Mas eis que o poeta escreve. Ou escreveu o professor universitário, não sei. Ou os dois, enfim.

“Algumas palavras” por Joaquim Manuel Magalhães

“(…) O ensino secundário português começou a ser estragado por Veiga Simão. Culminou com Roberto Carneiro e os seus esquecimentos bem calculados do ensino público. (..)
A prioridade do ensino deixou de ser transmitir saberes. Hoje culmina em planificações de um pouco de vazio no máximo tempo possível. Ouvindo-se a palavra planificar, imediatamente sabemos que as chamadas pedagogias e didácticas passaram a ter o domínio sobre os conteúdos de cada disciplina e gerou-se uma complicação de saberes sem saberes, que consiste na aplicação de umas grelhas às quais se junta um cuspo de meditações bacocas nunca se percebe bem sobre o quê. Um professor de biologia tem de saber biologia? Não. Tem de saber planear umas aulas que se encaixem num programa oficial que enumera o que da biologia basta saber. Houve uma conjura que não foi só desta situação a que se chama ministra; resultou de vários anos de fermentações bem calculadas de que ela se apoderou.

(…) Não foi por acaso que ninguém se preocupou com os conteúdos dos saberes. Apenas se ouvia um zumbir ou silvar (por entre torvos cálculos) umas vagas conjuras que pouco se entendiam. (...)

Será ministério o que podemos chamar ao mero cruzamento (basta que somem as disciplinas controladas por esta espécie de repelência) de panóplias estratégicas? (…)

Da filosofia à educação visual, da língua estrangeira à química, de todos a cada um, pergunte-se: têm vontade de sempre ler e estudar o que lêem? Têm dinheiro para isso? Têm tempo vosso para poder dar um lato conseguimento aos vossos alunos? É da educação o vosso ministério?”
in "Expresso", Revista Actual, de 8 de dezembro, p.54.
Tantos livros polémicos! Sob a forma de memórias, diários, biografias, ei-los. É um tempo irrequieto. E eu acho que assim é que temos um mercado editorial divertido. Para além de um país divertido.
É muito melhor do que ter comentadores desportivos a rirem-se muito entre si, a fazerem caixinha de comadres alcoviteiras, quando, como há uns anos, afirmavam brejeiros que certo dirigente desportivo andava então remoçado. Que vi e ouvi eu, e fiquei sem palavras perante tal despropósito a meio de um comentário desportivo. Pelos vistos quem não ficou sem palavras foi a moça. Espero que continue a ganhar dinheiro e a animar a malta. O mesmo desejo a todos os outros autores, claro.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

António Cartaxo e Dr. Alfaia

Há pessoas que admiramos sem conhecer, e que nos dão ainda o bónus de nos fazer pensar em outras que conhecíamos e admirámos.

Eu adoro ouvir aqueles minutinhos em que António Cartaxo, na Antena 1, nos conta histórias sobre um compositor ou sobre uma música, quase sempre de música clássica. Um divulgador dos mais admiráveis de Portugal.

Naquele tempo íamos todas as semanas, num dia à noite, de autocarro até casa da Beatriz, ao Lumiar, para ouvirmos as escolhas musicais que o Dr. Alfaia seleccionava para nós. Depois, no seu jeito reservado dissertava um pouco sobre o que estávamos a ouvir. Não sei como se encetaram as negociações com o bando de adolescentes que éramos então, para que esse fenómeno acontecesse, nem quanto tempo durou a paciência de ambas as partes para se entenderem. Mas sei que ele era um verdadeiro conhecedor, que procurava que conhecêssemos e amássemos tanto a música quanto ele, que manuseava os seus discos com infinito cuidado e que foi nas mãos dele que vi o primeiro CD, num dia em que o rodeámos surpreendidas e olhando encantadas para aquele novo produto técnico.

No sofá da sala empoleirávamo-nos todas, no limite do conforto. A Beatriz, que nos recebia, a Elsa, a Lina, a Helena, a Cláudia e eu. Às vezes obrigávamo-nos a trocar de lugar, porque a risota não controlada por qualquer parvoíce dita baixinho pela vizinha do lado, perturbava a audição do conjunto. sentado numa poltrona à parte, o pai de Beatriz fechava os olhos e concentrava-se na música, sem reparar nas cotoveladas, nos pequenos empurrões, ou nos suspiros e nos bocejos das noites mais difíceis. Às vezes uma de nós pegava num dos muitos livros que havia lá em casa e ponha-se a ler silenciosamente, sobrepondo na sua mente as palavras do livro sobre as de uma música que corria em fundo, e depois passava o livro a todas as amigas se por acaso queriam que elas lessem algum parágrafo, partilhassem uma ideia. Lembro-me de um em particular: A Verdadeira História dos Contos de Fadas. Divertíamo-nos então a dissecar os contos que tínhamos adorado e nos quais quase todas acreditávamos ainda não há muito tempo. Nos momentos mais perturbadores o Dr. Alfaia levantava a cabeça e olhávamo-nos, sem reprovação, mas com intenção.

De entre as meninas havia aquelas que tinham conhecimentos avançados de música, para além obviamente da Beatriz, que era a verdadeira conhecedora de música clássica do grupo, a Cláudia e a Lina, por exemplo, tinham grandes noções de música, embora de registo POP. Eu? Eu era mais dança. Toda a música se dividia (divide?) entre a que se pode dançar e a que não se pode. Como para mim quase toda a música se pode dançar, eu gostava de quase toda a música. Uma desgraça, diriam a Lina e a Cláudia. Uma desgraça será.

Mas o Dr. Alfaia acabou por descobri a minha paixão pelo segundo andamento do primeiro concerto para violino e orquestra de Bach. E, sem dizer nada, ponho-o a tocar, repetidamente. A paixão que me ficou por Bach morará sempre associada à memória do Dr. Alfaia, que veio a falecer poucos anos depois. Morará também associada à minha amiga Beatriz, e às infindáveis horas de alegria que comunguei na sua casa.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

A verdade

Goodness Gracious! The Truth!
By Maureen Dowd


A verdade.
Os jornalistas americanos são fabulosos quando desarmam as nossas construções filosóficas continentais com expressões deste teor. E no entanto, ainda que não o possamos dizer sem saber bem como o fazemos e com que fundamento, o que continua a ser objecto de investigação da filosofia, a verdade realmente existe, pode ser enunciada e nós temos competência para o reconhecer quando ela acontece. Neste caso comentado por Dowd, finalmente os americanos viram-se respeitados pelos seus políticos que lhes disseram a verdade. Os políticos não criaram essa verdade, neste ponto, foram empurrados por ela e admitiram-na.

A verdade não se reduz à objectividade. Esta pode ser uma das condições, mas por si não satisfaz completamente.
“A objectividade jornalística é bem de ver, navega entre a ilusão de uma sacralização dos factos, que levaria a crer na eliminação do jornalista como sujeito, e o risco de uma interpretação que os abstraísse ou os limitasse.” Daniel Cornu (1994), Jornalismo e Verdade, trad. D. Carvalho, Lisboa, Inst. Piaget, 1999, p. 327.




“Dowd asserts that in Iraq, the Bush administration has gone from democracy promotion to conflagration avoidance. The case was made yesterday when Robert Gates was unanimously endorsed as the new defense secretary even as he showered the Senate confirmation panel with cold candor. He warned that America’s occupation of Iraq could lead to a Baghdad as hostile as Tehran and set off a regional conflagration if not skillfully resolved in the near future. Dowd concludes that while Mr. Gates’ forthrightness provided a welcome contrast from the bellicose jingoism of the last few years, only time will show if Bush will give his new defense chief the independence he needs to effect meaningful policy changes.”, in

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Não se devem legitimar acções de guerra preventivas

Fosse este um laboratório político e eu diria que a administração Bush conseguiu com este senhor Gates dar uma lição de humildade democrática, retrato do bom funcionamento de um sistema que se auto-repara constantemente. Mas o Iraque, e o mundo, não é um laboratório para a teoria política, e por isso as mortes, a desordem e a destruição das instituições iraquianas, constituem motivo para declarar que se cometeu um crime contra a humanidade conduzido pela administração Bush, e que nem este digno exemplo de democracia americana pode fazer esquecer.
Espero que o unilateralismo das decisões e acções dos primeiros tempos da administração americana sejam devidamente sancionadas por quem de direito: a tida então no princípio da guerra como a supérflua ONU e a juridicamente risível, à altura, Carta das Nações Unidas.
Quem está a perder a Guerra é a América, não as Nações Unidas.
"4) Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer que seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas;

5) Os membros da Organização dar-lhe-ão toda a assistência em qualquer acção que ela empreender em conformidade com a presente Carta e se absterão de dar assistência a qualquer Estado contra o qual ela agir de modo preventivo ou coercitivo;"

Revolução e pobreza 5

Em 1776 os tios da América não eram todos ricos. Existia um grupo de trabalhadores que nem miseráveis se poderiam considerar, visto que nem a liberdade para o poderem ser tinham então. Eram os escravos. Arendt interroga-se como foi possível numa terra em que verdadeiramente não havia hordas de pobres, como na Europa, mas tinha um sistema social assente na infame escravatura, não ter havido também uma revolução da “necessidade”, como iria acontecer em França, mas sim uma revolução da “liberdade”. Chega à conclusão que a escravatura não tinha visibilidade como situação social a reparar. Como se de uma não realidade, logo invisível, se tratasse. Enquanto que a invisibilidade para a pobreza estava a ser lentamente ultrapassada no velho mundo, pelo esforço colectivo dos pobres em se manifestarem, e, sobretudo, pela descoberta feita por parte de alguns teóricos da importância social e política de se considerar a pobreza como um resultado social e político passível de ser mudado, criando assim a obrigatoriedade de ver esse estado de miséria como algo não natural, que começava a tornar impossível aos governantes não repararem nas situações deploráveis em que milhares de seres humanos subsistiam. Este factor, “o da revolta da barriga”, o da submissão da liberdade à satisfação da necessidade, e um outro, o factor herança histórica, que potenciava a falta de preparação prática para o exercício das suas ideias, teriam estado na origem das causas que explicam experiências revolucionárias tão distintas.
Enquanto na América o povo já formava assembleias de cidade, mesmo quando sob o domínio da coroa inglesa, assembleias onde aprendiam a desenvolver o gosto pela discussão, pela deliberação e a fazer uma escolha de decisões, formando assim os seus futuros representantes na arte do negócio público, onde os mais notáveis sobressairiam no exercício argumentativo (porque herdeiros de uma história que privilegiava agora a acção governativa de uma monarquia limitada), em França, as ideias sobre a sociedade e a política nunca tinham sido experimentadas (eram herdeiros de uma concepção absolutista de governo, o regime precedente era o de uma monarquia absoluta), não surgiam de uma prática e não eram sujeitas a debates, não se procurava negociá-las em público com todos os interessados (para Arendt a Assembleia Francesa não consistiu no laboratório necessário para a democracia, porque os valores ali evocados não eram o de privilegiar a discussão e a deliberação popular, mas valores que procuram recuperar, imitando-os, os valores republicanos romanos, cujas instituições políticas eram tão admiradas pelos homens de letras de setecentos). (pp. 141 a 172)
Arendt explica a revolução americana como o tempo em que se procurou fundar um corpo político que garantisse haver espaço para a paixão da liberdade pela liberdade (p.153), onde não houve a necessidade de confundir libertação com liberdade, em que a revolução se tornasse ela própria não um meio mas um fim em si mesma.
A revolução francesa, e as revoluções que lhe seguiriam o modelo, assumir-se-iam como lutas pela libertação.
A revolução americana assumir-se-ia como o método de estabelecimento da liberdade pela instauração de um governo constitucional (com uma acção limitada pela lei).
Mas permanecem duas questões em aberto. 1. Não tendo sido a revolução na América assolada pela miséria dos seus cidadãos e dominada pela paixão dos pobres no início, poderão as suas instituições resistir agora à paixão duma sociedade virada sobretudo para os valores da produção e para o consumo? Arendt diz-nos que a este respeito existem tantos sinais de esperança como de receio. p. 169.
2. E como se instituiu o poder e a autoridade num regime que estava a criar-se de novo? Onde se foi buscar esse poder e autoridade, a que modelo?

terça-feira, dezembro 05, 2006

Hannah Arendt (Interview 1964_1)

“In other words: Though we don't know who killed Litvinenko, we have learned that London is a more exciting place than we thought it was. We have learned that the complex plots of Dostoevsky novels merely reflect Russian reality. And we have learned that the old KGB lives on in new guises.”

Anne Applebaum, “A familiar Mystery”, no “Washington Post
Li e fiquei a pensar.
"Sem justiça" de José leite Pereira no "Jornal de Notícias"

E a segunda parte de um artigo aqui já referido:

"Ainda o 25 de Novembro e o PCP" de José Manuel Barroso no "Diário de Notícias"

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Hannah Arendt (Interview 1964_1)

Tinha projectado terminar hoje a leitura do livro de Hannah Arendt que me tem dado o pretexto de reflectir sobre a questão da revolução, mas não o consigo fazer agora.

Ora decidi passar o video onde a autora exprime a sua ideia de que não é uma filósofa, que não pertence ao círculo dos filósofos, afirmação que é citada à saciedade por quem a conhece.Reparo que depois de dizer que a sua actividade se prende com as questões da teoria política, Arendt diz-nos que não se sente filósofa e que crê que não seria recebida no círculo dos filósofos. E porque não? Porque tal actividade era entendida como sendo de homem. Ah... E acrescenta ela: "je ne m`estime pas philosophe". E depois começa a filosofar.

domingo, dezembro 03, 2006

Discursos sobre a educação: analogia

Na aldeia na Beira, ou mesmo na aldeia do Ribatejo, havia sempre noites de incontornável mal-estar. Ir para a cama nas noites frias em que os meus pais se lembravam de ir visitar os seus pais, equivalia a um exercício de estoicismo. Entrava-se quase sempre numa cama de lençois de linho tão gelados e ásperos que fazíamos várias tentativas antes de finalmente nos conseguirmos cobrir com eles. Tínhamos depois um monte de cobertores pesadíssimos em cima que nos oprimiam o peito e não nos permitiam uma respiração serena. Não nos mexíamos nem um bocadinho, na esperança do lugar onde nos enrolávamos sobre nós próprios aquecer rapidamente e dar-nos o conforto almejado, para além de que aventurar um pé para além do território já decalcado, era como caminhar na neve. O cheiro a humidade da roupa que estava emalada hà muito antes de ser ali usada naquele inverno, o peso daquelas mantas feitas em casa, o frio das habitações que nos obrigava a manter o nariz dentro da roupa, tudo isso nos causava confrangimento e suspiravámos, discretamente então, pelas nossas camas da cidade, enquanto, tremendo, aguardávamos o sono que nos levaria dali para fora até à chegada de uma manhã mais clara e de uma cama finalmente confortável.

O terror de esquerda e o terror de direita, igualmente odiosos

Da forma deselegante, porque aérea, no meu post anterior não indiquei o nome do blogue do prof. Nogueira Pinto e outros, porque obviamente não me lembrava qual era o título atribuído.
Hoje, com acesso mais rápido à Internet, posso indicar o endereço para a ligação, é o “Futuro Presente”, http://www.ofuturopresente.blogspot.com/.

Não posso fazer um link porque algo aconteceu à configuração da página onde escrevo os meus textos, e desapareceu-me a barra de ferramentos que me permitia, entre outras coisas, fazer "ligações".

Bom, o post que me criou séria resistência intelectual, e que depois de alguma hesitação inicial me levou a decidir escrever sobre o que não concordava de todo, intitula-se “sobre o 25 de Novembro: 1. o Thermidor francês”.

Não concordo com o último dos seguintes parágrafos: “(…)Os processos de terror de "esquerda" têm sempre uma curiosa marca que os torna mais odiosos: é justificarem-se, permanentemente, pela "virtude", pelo "bem", pelo "mundo melhor". Líderes cínicos ou pelo menos tão maquiavélicos como todos - soltam os seus cães, polícia política, "milícias", povo, camponeses - aterrorizam, prendem, massacram, sempre com um discurso "justificativo".

O "terror" das "direitas" - que também não falta - não tem este lado "ideológico-religioso"; desde os tempos da inquisição, cujos oficiais tratavam mal os corpos para salvar as almas. E os Inquisidores tinham a atenuante de acreditar que era mesmo assim... Modernamente dão-se razões de "bem público", mas não se faz em grandes apologias. Há pelo menos pudor. (…)”

Os discursos de justificação encontram-se sempre nos processos de terror, à esquerda como à direita. Não reconheço em nenhum líder de direita um grau menor quanto à aplicação do terror em nome de uma ideologia justificadora (e não me parece apenas a assumpção de uma estratégia lúcida de manutenção do poder pelo poder). Quando o terror de direita cai sobre o mundo, talvez não procure elaborar um discurso que denote uma clara tentativa de vir substituir o discurso clássico da redenção pela religião, ou pelo poder tradicional, porque na realidade está em muitos casos convencida de poder falar em nome dessa religião ou desse poder tradicional em crise ou em perigo.

Quer a direita quer a esquerda tendem a querer a tal ordem nova, uns, à esquerda, procurando um discurso que dizem querer ser um discurso novo para um homem novo, outros, à direita, com um discurso que dizem reparador daquela ordem perfeita que de algum modo terá sido posta em causa na sociedade e que necessita urgentemente de ser restituída. A nenhuns interessa o presente, e a todos o terror serve para promover a sua ideia de sociedade futura.
Justificando-se com a necessidade de recuperar valores perdidos, a direita justifica o uso do terror provocado em seu nome, tanto quanto a esquerda o faz. Só que pensa que não está a utilizar palavras novas, ou a introduzir valores novos, quando repete palavras ou valores antigos, como, por exemplo quando a direita alemã evocou, ou evoca, palavras como “Deutschland über alles, über alles in der Welt”.

Não precisa a direita de utilizar conceitos humanistas, de legitimar a sua acção pela busca de um admirável mundo bom, para justificar o seu terror, porque geralmente esse discurso do mundo bom já tinha sido proferido num tempo anterior na história que ela julga agora, apenas, vir recuperar/resgatar ao tempo que passou, evocando palavras antigas como se essas palavras significassem o mesmo que então.

Já o post “O 1º DE DEZEMBRO” me merece todo o aplauso. Não sei mesmo como é que a esquerda portuguesa, e alguma direita mais economicista, deixa por reflectir esta questão primordial da nossa nacionalidade. É como se houvesse uma qualquer vergonha da esquerda em falar em pátria, e em valores universais que gerações de portugueses ajudaram a criar e a divulgar pelo mundo como os de liberdade, independência, auto-determinação. E tem toda a razão o professor quando reflecte sobre a importância incontornável do discurso ideológico para a acção política no mundo.

sábado, dezembro 02, 2006

O livro de Arendt ficou em Lisboa. Podia continuar a discutir o tema da revolução a partir de um ideia defendida pelo prof. Jaime Nogueira Pinto no seu blogue e com a qual não sei se concordo - qualquer coisa que tem a ver com um modelo de acção da esquerda que a faz justificar o terror provocado pelas suas acções como se pela defesa de princípios humanitários. Mas com a lentidão no acesso à internet deste computador, quando descobrisse o referido post no referido blogue (cujo nome não recordo agora) já teriam passado horas.

Trouxe para ler a biografia de D. Manuel II de Maria Cândida Proença editado pelo Círculo de Leitores. O interesse pela pessoa é, sobretudo, o interesse das circunstâncias que contextualizaram a existência do nosso último rei.
Tenho pela monarquia uma rejeição instintiva, só depois essa rejeição é conceptualizada. Nessa rejeição não se entretece nenhum laivo de consideração pelos regicídios. Nem por aquele que a minha república começou por praticar. Não é só uma rejeição pequeno-burguesa pela violência. Ou de perturbação doméstica que uma mãe de família poderá sentir em face da desordem social que desses fenómenos sempre resulta. É por defender que há no assassínio de uma pessoa, de um representante político que seja, mesmo se de um tirano, o que até nem era o caso, de todo, o sinal de uma falta inicial que nenhuma teoria ou acção do acto heróico da libertação poderá justificar. É um acto inscrito num princípio de acção que denota ambições que desconsideram o indivíduo. Prenúncio de uma vontade desmesurada de impôr pela força outro regime, de se impor. Até à tirania da sua boa vontade. E não, não me parece que essa falta seja equivalente à que decorre das mortes num campo de batalha.

Em 1640 não precisámos de matar Filipe III.

No meu imaginário há os reis com estrutura existencial, D. Afonso Henriques e D. Dinis, por motivos de imaginário, e todos os outros têm o estatuo de personagens de ficção.
Um jornalista perguntava-se o que estaria o Papa a pensar quando rezava virado para Meca. Não sei muito de teologia, mas rezar não servirá para ajudar precisamente a suspender o pensamento, para descansar quaisquer dores provocadas pela força de vontade ou da extrema consciência, ou de uma sensibilidade afectada por uma dor tal que excede a sua plasticidade?
O que eu muito gostaria de ter ouvido foi a discussão, pública ou íntima, que terá levado à adopção de certas palavras e acções na visita à Turquia. Partindo do pressuposto que mais do que intuição ou revelação, nelas houve dedução. Aí é que o pensamento merecia ser
examinado, e os argumentos mereciam ser seguidos.
Recordo o filme de Manoel de Oliveira sobre a disputa retórica de Padre António Vieira no Vaticano. Hoje a academia portuguesa ignora as regras de orientação da actividade da disputa pública de um tema. A defesa e a refutação de teses é uma técnica que se ensina e que se aprende. Tanto pior para todos nós se aí só se conseguir ver um uso tecnicista, manipulador, do discurso. Ficamos sem defesas para avaliar os discursos falaciosos dos que detêm o poder de nos governar.