quinta-feira, maio 31, 2007

As instituições e o doce poder da compaixão

Ser membro de uma instituição que nos acolhe quando estamos em sofrimento deve representar o mesmo que o trigo sobre a terra para um esfomeado. Penso hoje nos sindicatos e na igreja católica, porque pensei ontem nos que fizeram greve e naqueles que, como os pais da menina desaparecida, foram ontem recebidos pelo Papa.
Os sindicatos, mesmo para quem nunca confiou o seu destino laboral a nenhum sindicato, têm na sua história uma bela história de compaixão social, de reconhecimento do poder da união dos indivíduos para equilibrarem a arbitrariedade ou o abuso do poder que pode ser o do empregador. Há no sindicalismo o respeito pelo dinheiro e pelo tempo que caberá ao um de cada um, no quadro de princípios gerais dos sistemas sociais de ideologia solidária. O sindicalismo português centralizado, muito dele fazendo-se representar em grandes grupos de intervenção socio-profissional ligados à ideologia/autoridade partidária, tornaram-se os braços político/partidários que procuram fazer a ponte entre um partido, travestido, nas suas preocupações sociais e laborais, em sindicato, com os trabalhadores de uma nação.

Os trabalhadores sabem que há mais interesses num sindicato que os interesses que o sindicato socialmente diz ter. Não vê os seus membros a pelejarem no dia-a-dia no seu local de trabalho ao lado dos seus colegas, por uma maior dignidade e exigência no respeito pelos seus direitos logo que cumpridos os seus deveres, vê apenas os dirigentes sindicais que se perpetuam nos lugares a repetirem até à náusea os mesmos discursos ideológicos, a carecerem de uma fundamentação teórica. Daí que o respeito com que toda a greve merece ser tratada, como um sintoma de que algo precisa de ser compreendido, não o estando a ser, tivesse resultado numa charada de números que a ninguém apazigua a dúvida.

A igreja, mesmo para quem nada tendo contra ela também não milita nas suas fileiras, tem na sua história uma bela história de compaixão pessoal. E se porvertura alguém em sofrimento vê o líder da sua comunidade compreender que o tem de chamar a si, um membro, para lhe apaziguar a dor, deve achar tal acto comovente. Eu acho.
Não considero correcto falar aqui nas milhares de pessoas em sofrimento no mundo que nunca foram recebidas pelo Papa. Talvez seja uma estratégia publicitária por parte da igreja, mas sendo assim os pais de Madeleine merecem receber os frutos públicos de uma pública mediatização da sua fé. Uma mão lavou a outra. Não me perturba esse reconhecimento entre membros que se compadecem na sua irmandade.
O que me perturba é querermos colar o sofrimento real de todas as muitas crianças desaparecidas para menorizar o sofrimento, ou o interesse por ele, da Madeleine desaparecida. Nenhuma criança é mais importante que nenhuma outra, mas nenhum grupo de crianças é mais importante que uma só criança. Estas escolhas não se fazem, não se põem como hipótese, não servem como argumento. Cada uma é a vida toda e o mundo todo e todos nós. Ainda bem que Madeleine tem esta atenção. Se for para bem dela.
E há outras realidades que a razão, só por si, não apreenderá. Acredito que sim. Não sei, mas acredito que é possível que haja.

quarta-feira, maio 30, 2007

Aliados da América precisam-se. Objectivo: Darfur

Para a resolução do problema em Darfur a inevitável acção de proceder a sanções contra o Sudão pelos EUA não pode assentar num procedimento unilateral. Eu gostaria muito de ver uma cimeira nos Açores com um primeiro-ministro português a pôr-se ao lado de um presidente americano na procura comum de uma resolução para esta situação no Darfur. Consciente, porém, que todas as sanções afectam primeiro os civis, às vezes de forma demasiado violenta. E ainda assim:

"Dear President Bush,

While President al-Bashir continues to ignore diplomatic efforts to pressure him to end the genocide, as many as 400,000 Darfurians have already lost their lives and over 2.5 million have been displaced.
Though it was long delayed, your May 29th announcement of implementing Plan B sanctions was an encouraging step for the people of Darfur. As you recognized, however, this package of unilateral U.S. sanctions will not be enough to change Khartoum's behavior if it is not matched by a robust package of equally tough multilateral sanctions.
I therefore urge you to make the adoption of matching international sanctions a top priority, beginning with strong U.S. leadership at the UN Security Council.
With Secretary Rice, your administration should redouble diplomatic efforts to take full advantage of any room for progress that these sanctions may create. In addition, the administration should engage U.S. allies to ensure the passage of a UN Security Council resolution that includes:
- Tough sanctions against a full list of individuals complicit in the genocide; - An expansion of the Darfur arms embargo to include the Sudanese regime in Khartoum; - The authorization of a no-fly zone over Darfur, with specific enforcement mechanisms; and - International economic sanctions mirroring those just announced by the United States. Thank you for your continued concern for this genocide and your commitment to act to end it."
Sincerely,
Isabel salema morgado
...
Estes americanos da organização Save Darfur são de uma competência operacional sem reservas. Excepcionalmente profissionais. A nossa participação cívica tem o esforço de um toque no sinal de envio de mensagem. Facilitam de tal maneira o trabalho que é quase obsceno ficar indiferente às suas propostas de intervenção cívica. Mas repare-se na lista de organizações que fazem parte desta instituição (aqui) e atente-se na proveniência institucional dos nomes que dirigem as acções (aqui). Amadorismo só se for pela causa, que a defesa e o uso dos métodos é muito profissional.
A China considera que o melhor é continuar a investir no Sudão, como ela tem vindo a fazer, para criar melhores condições de vida e pressionar o governo. Mas, na verdade, esta ideia, surpreendentemente liberal vinda de um país muito pouco preocupado com a participação cívica dos seus próprios cidadãos, é de uma grande ingenuidade. O capital chinês serve para financiar as milícias que atacam no sul do Sudão, no Darfur. Leia-se a este propósito o blogue Coalition for Darfur.
No outro dia, no âmbito das propostas da organização Save Darfur, foi-me solicitado que enviasse uma carta a uma empresa que operava no Sudão, de capitais maioritariamente chineses, com o intuito de avisá-la sobre a "minha" indignação pelo tipo de apoio que ela, indirectamente, estaria a dar ao governo sudanês. Passados uns dias recebo um e-mail dessa empresa a justificar a sua acção e o seu tipo de intervenção, e a propor-me, ao mesmo tempo, um trabalho na sua corporação. Ri-me e pensei: "Estes não andam a dormir na parada. Isto é que é trabalho de Relações Públicas". Poucos dias depois soube que essa empresa tinha ponderado na natureza da sua relação com o governo de Cartum e feito um acto de contrição público. O dinheiro os obrigou.
É claro que este esforço de condicionamento no investimento de capitais pode realmente ter efeitos nefastos sobre a população. Não o ignoro. Mas também não me parece um argumento definitivo no que a uma suspensão em definitivo deste tipo de acção de defesa contra governos que fazem apelo ou apoiam acções de genocídio.

terça-feira, maio 29, 2007

George Lakoff on Moral Politics: How Liberals and Conservatives Think - Google Video

Uau!

Ora ouça-se o discurso:

George Lakoff on Moral Politics: How Liberals and Conservatives Think - Google Video

Ditadura versus revolução

A minha amiga Eunice chegou da Alemanha. Abraços, beijinhos, cumprimentos à família, festas na cabeça dos dois rapazinhos (típico!), ver as fotografias dos últimos meses, proximidade de afectos.

"-Olha o que eu ando a ler" - deu-me para as mãos um livro de Paul Mercier, Nachtzug nach Lissabon (O comboio da noite para Lisboa)

Não conhecia Paul Mercier. Não conheço o livro.
Perguntei-lhe sobre o livro e sobre o autor. Fiquei a saber que Mercier (pseudónimo de Chant Gregorius) é professor de Filosofia em Berlim, este é o seu terceiro romance, nasceu na Suiça. O livro conta a história de um professor que um dia abandona tudo na Alemanha e inicia uma viagem para Lisboa. A minha amiga ainda está no princípio do livro, não sabe muito mais.

"Lá na empresa andam quase todos a lê-lo e estão a gostar muito. " - disse-me.
A Eunice é bióloga e está a trabalhar na indústria farmacêutica alemã. Abriu-me o livro numa página e indicou-me: - "Olha como o romance está pontuado de frases em português". Li a que me mostrou, e que passo a citar de memória: "Quando há uma ditadura, temos o dever de fazer uma revolução".
Sei que estremeci. Isso de certeza. Há palavras assim, fazem-me balançar.
Perguntei-lhe: " - A que propósito surge esta frase no romance?". A Eunice releu o parágrafo e disse-me que era uma inscrição lida pela personagem na pedra de um túmulo de um sujeito de sobrenome Prado, e isto numa ida a um cemitério de Lisboa em busca de pistas sobre uma tal de família Prado.
Em Portugal sim. A última revolução assumiu-se contra a ditadura sem cair na tentação de criar uma outra em seu nome. Mas pensei: Sabemos todos o que é uma ditadura, mas nem todos saberemos como fazer revoluções não ditatoriais. Os portugueses souberam-no. Isso conforta-me. Hoje. Amanhã também. Passe o exagero.

Liberdade de expressão na Venezuela, amordaçada.

"Alpargata no es zapato
Ni que le pongan tacón"

la despedida rctv

Buenas Noches, Venezuela.

Hasta siempre Democracia.

Gracias A.

Um abraço de Portugal.

segunda-feira, maio 28, 2007

ensarilhada

Acrasia. Talvez não seja acrasia esta indefinição de ideias e de modo de colocar as mãos. A filosofia hoje não. Só a poesia. A de Pessoa que percebe tão bem esta sensação. Não é bem, bem, de acrasia, mas anda por lá perto.

Um dia fiz de cicerone a um filósofo americano que estudava e se interessava pelo conceito de acrasia. Bom, não sei se exausto pelas entradas e saídas de museus, de monumentos, ruas e vistas, ou se exausto pelas milhentas perguntas com que o bombardeei sobre o seu trabalho, ao fim do dia comecei a senti-lo inquieto. Pensei: “O homem já não deve poder mais com uma pergunta sequer e ainda fica com uma depressão qualquer, o melhor é ir deixá-lo ao hotel.” Alvitrei isso mesmo. “Que não – respondeu-me - Que estava bem, que…” Compreendi. Rumei ao casino do Estoril e expliquei-lhe tudo o que sabia sobre transportes para Lisboa e sobre as regras do “jogo”. Era para aí que tendia a sua vontade.
Na altura não deixei que nenhum sinal de ironia assomasse ao meu olhar. Nem hoje

sexta-feira, maio 25, 2007

“Tolerância Zero” para a problemática do tráfico de seres humanos. Só peca por não ter vindo mais cedo.


"Em Novembro de 2000, a Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o
Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial de Mulheres e Crianças, das Nações Unidas, (aprovada por Portugal pela Resolução
nº32/2004 da Assembleia da República e ratificada pelo Decreto do Presidente da República
nº19/2004, de 2 de Abril) surge como o primeiro documento internacional com uma definição
clara de tráfico para fins de exploração. Desde então diversas organizações internacionais têm
trilhado novos horizontes no que diz respeito a uma abordagem mais integrada e eficaz no
combate a esta problemática.
(...)

Mais recentemente, o Plano de Acção da União Europeia sobre boas práticas, normas e
procedimentos para combate e prevenção do tráfico de seres humanos, adoptado em Dezembro
de 2005, (JO C 311 de 9.12.2005), apresenta uma tabela de áreas/acções a serem regularmente
revistas e actualizadas.
(...)

No contexto nacional, é importante referenciar as Grandes Opções do Plano – 2005-2009 - Principais
linhas de acção e áreas em 2005-2006 – em que é contemplado, na vertente específica do tráfico de
mulheres para fins de exploração sexual, para além de uma maior conhecimento sobre o
fenómeno do tráfico, a implementação de áreas de protecção e apoio às vítimas, bem como a
penalização dos/as prevaricadores.
(...)

4 – INVESTIGAR CRIMINALMENTE E REPRIMIR
Medidas
Investigar Criminalmente

1. Criação e implementação de um guia de registo uniformizado a ser aplicado pelas forças e serviços de segurança para as situações do tráfico de seres humanos MJ / MAI / PCM (ACIDI)
Produção do sistema de registo e sua disseminação pelas forças e serviços de segurança, tendo em conta as especificidades das diversas instituições abrangidas pelo sistema e as vitimas abrangidas por esse serviço
Publicação dos dados recolhidos pelos diversos registos;
2. Incrementar o número de fiscalizações a actividades laborais mais susceptíveis de albergarem focos de criminalidade organizada relacionada com tráfico de seres humanos, nomeadamente bares, casas de alterne, bordeis, actividades na área da construção civil, actividades sazonais e
serviços domésticos e implementar mecanismos de cooperação entre a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica e as forças e os serviços de segurança MJ / MAI / MEI(ASAE) /MTSS
3. Cooperar e desenvolver sinergias com relevantes instituições internacionais, incluindo organizações MAI / MJ / MNE
penais.
(...)
26
formação para as forças de segurança e profissionais da lei"
O documento "I PLANO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS - 2007-2010" pode ser lido aqui.

quinta-feira, maio 24, 2007

Aí vou eu outra vez. Ainda por cima dá um trabalhão fazer os links.

Djibouti ... e eu aqui tão ...

Recebi este e-mail do blogue "Human Rights Blog". E não, não sabia nada sobre o Djibouti. Nem sequer sabia que existia esta nação.
Fiquei a saber dos atentados no Líbano e, mais uma vez, no Iraque. Fiquei a saber dos bombardeamentos em território palestiniano, mas do Djibouti não sabia nada de nada.
"E depois?" - perguntar-se-ia por exemplo Bernardo Soares, para quem o sofrimento é o sofrimento que se exprime na existência individual e não na formulação de um sofrimento colectivo - "O que é que o mundo ganhou com o que tu aprendeste agora sobre a situação do Djibouti?" Nada, seguramente. Mas também não será por isso que eu me apresento pessoalmente com a minha dor acima da dor do grupo dos que morreram em atentados ou dos que são dominados e expoliados pelos seus governantes em benefício dos próprios.
"E depois?" - poderia ele continuar a reclamar.
..
Respondo-lhe com as suas palavras, quem sabe uma grosseria: "Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana!...
_ E que tragédia acreditar nela!", p. 276
..
Que falta de sossego.
Há alguma coisa que se sobreponha ao sentido de profissionalismo dos profissionais a que recorremos? Eu não conheço. Que saudades deste critério de aferição de um trabalho bem feito.

quarta-feira, maio 23, 2007

sublimada democracia

Ultimamente não consigo deixar de pensar: escolho o lírio ou o pão?
Geralmente sento-me a ver televisão e não escolho nada.

Um colega, quando eu ontem dizia que não tardava nada éramos todos sujeitos a processos disciplinares pelas horas que passámos a brincar sobre o processo de licenciatura, quando não das atitudes, do nosso primeiro-ministro, olhou-me calmamente e disse: "Cada um de nós é responsável por aquilo que faz. Pelas escolhas que fez, pelas decisões que tomou. No país, ou em Lisboa, os governantes são o nosso retrato. Brincar com o primeiro-ministro é brincar connosco mesmos, com o nosso reflexo na sua acção, com o nosso reflexo nas suas atitudes, assim como brincamos com o nosso reflexo que visualizamos nas ruas porcas, prédios velhos e carros em cima do passeio. Ele e tudo o mais somos nós ainda". Passou-me logo a vontade de brincar. Fui sentar-me ao computador por não querer pensar em escolhas públicas.
Há alturas em que a democracia nos dói de forma particularmente intensa, como se perdêssemos alguém próximo. É a dor da realidade por contraponto à sublimada teoria.

A falta de confiança

A falta de confiança dos jornalistas em relação ao trabalho da polícia, a polícia em relação ao trabalho dos jornalistas, o público em relação ao trabalho dos jornalistas e ao trabalho dos polícias. A falta de confiança dos pais de crianças desaparecidas em relação aos jornalistas, aos polícias, ao público e em relação a eles próprios.

Espiral de desconfiança que afecta cada um de nós e não convoca melhores práticas futuras.
A desconfiança não me parece capaz de promover por si uma melhor fiscalização sobre o trabalho e uma melhor reportagem de factos, promove um maior encerramento sobre si e uma maior agressivadade comunicacional dos envolvidos.

Ainda se fosse possível vislumbrar melhoria nos procedimentos. Ainda que não caíssemos numa eterna repetição do mesmo erro. Ainda que as instituições se reformulassem.

terça-feira, maio 22, 2007

Os macacos de imitação ou o registo da história

Imagino-me no grau zero da minha consciência. Para saber ao certo o que é de mim e o que é de outrem. Ilusão. Não há este grau zero. Nem nas sensações, nem no intelecto.
A filosofia e a religião, enfim, a história destes saberes e destas experiências de interpretação das realidades humanas, procuram encontrar uma resposta. Parecem slides de uma apresentação em data show. Há uma ligação entre os slides, claro, deve haver para que a apresentação tenha sentido, e ao mesmo tempo não há nem pode haver, porque são slides distintos que se sucedem num certo tempo a uma dada velocidade. As teorias, as respostas, seguem-se, acumulam-se em camadas geológicas, e às vezes confundem-se. O que há de mim, e dos outros no ser dos outros, é de uma natureza igual ou diferente? O que veio de fora e me suporta a mim agora é mais, menos ou igual ao que eu tenho de mim como sendo o mais perto de mim? Conheço-me melhor através do método de análise racional ou através do meu registo de memórias, ou através da sensação que descrevo? Mas eu só tenho uma linguagem para o dizer, faça eu o que fizer. O que siginifica que essa linguagem pode reinventar uma memória, sobre ou infra valorizar uma sensação, confundir-me enfim.

Esta busca por um critério de verdade que não me mostre só a mim mas que mostre a possibilidade de algo em mim ser comum a todos os outros é fundamental na acção pública ou é acessório? Se responder que somos diferentes, radicalmente distintos, e o que há que fazer para nos pôr em comum é procurar chegar a um acordo, que nunca é definitivo, que a todo o momento pode ser questionado e quebrado, o que nos espera senão uma existência consciente de que tudo não passam de perspectivas, e que tudo está em mudança, e que a todo o momento só se alcançam verdades provisórias? Há nesta fragilidade da verdade uma imensa liberdade, até para a liberdade de defender o mal. É uma democracia.
Se afirmar que somos radicalmente iguais, que as experiências limites, como as da morte, da dor, do êxtase ou a vontade de comunicar, nos universalizam, adormeço embalada pela ideia de uma comunhão que poderá provocar, pelo conforto de pertença a uma comunidade, a inacção ou a adesão acrítica a certos valores que podendo ser culturais se apresentem como válidos e não sujeitos a correcção, o que me submete a tudo para o legitimar, até a suportar o mal. É o primado de uma autoridade.

Certas pessoas passaram pela minha vida e a muitas esqueci-lhes o nome, até a existência, sem querer ou deixar de querer, acho eu, outras parecem-me existir como existentes na vida de alguém que me falou delas, como se de uma experiência em segunda pessoa se tratasse, outras, estão a meu lado, mesmo se fisicamente ausentes para sempre, e há ainda outras que vou descobrindo terem existido para mim mas aparecendo agora como se através dos livros que leram, pois falavam como se fossem personagens desses livros. Não era que citassem os autores, ou as personagens, não, diziam e assumiam aquelas ideias e palavras como se fossem elas próprias. Ou pelo menos eu assim o interpretei. Vá.

Por exemplo, uma das pessoas mais importantes na minha adolescência, uma amiga da minha idade, mas muito mais sábia que eu, costumava dizer-me: “Conheces as pessoas pela biblioteca que elas têm.” Eu brincava dizendo: “No meu caso então têm que ir ver a tua biblioteca primeiro”. Eu admirava-lhe a verve, a inteligência, a argúcia e o conhecimento. Um dia destes, estando a ler a biografia de Estaline de Simon S. Montefiore deparei-me com essa expressão que o autor atribui como sendo utilizada por Estaline.

Não é pela importância que eu devia saber que o marxismo estalinismo tinha na vida dessa amiga e que de todo não tinha na minha, o que de certa forma sempre me tornou uma espécie de excrescência intelectual na sua vida, uma anormalidade explicada pela amizade, talvez, mas sim por eu não saber como é que o saber se construía então, e como, por omissão, podemos não mentir mas também não dizer a verdade sobre nós. Como se de forma consciente, ou inconsciente, borboleteassemos à volta de ideias, sentimentos, gestos e palavras que de todo não nos pertencem mas que são mais nós que qualquer outro nós dito por nós. Tenho a certeza que também a frase não deve pertencer a Estaline, e que se encontrará na história outro percursor ilustre ou nem por isso que a deixou registada. Mas então onde ficará a originalidade na existência de cada um de nós, os que não somos génios, nem criadores exímios? O que eu digo, escrevo, prefiro, toco e vivo é meu porque me diz, porque o adoptei como meu, ou é de tanta gente que eu não passo de uma macaca imitadora? E se o for, tenho a obrigação de o saber e de o dizer (passaria a vida a abrir aspas) ou devo esquecer-me da história e apropriar-me em mim do que é dos outros fazendo-os eu?
E queria que este post fosse sobre a construção da identidade, da cópia existencial, e não de plágio, porque disso não quis tratar.

segunda-feira, maio 21, 2007

Dever/prazer

Fazer o bem é incomensuravelmente mais difícil do que dizer que se é bom e que se quer fazer o bem. É mais difícil e exige muito trabalho. Não é só uma questão de carácter, é de nervo e de exarcebada auto-consciência social e cultural assente na ideia de dever, ou de obrigação. Custa. Discorrer sobre o bem é bem mais confortável. Não se vêem as pessoas chatas, velhas, aborrecidas, doentes ou necessitadas. Só se vêem as letras a comporem-se em palavras bonitinhas.

domingo, maio 20, 2007

Percepções

Não é necessário, nem será suficiente, que a minha percepção pessoal da pessoa candidata a um cargo político me faça decidir o meu voto. Perscruto a minha decisão. Julgo-me uma votante racional. A que toma decisões com base numa análise da argumentação apresentada. Mas sei que isso não é totalmente verdade. Já votei por tradição, porque sim, porque fora naquele partido que depositara a minha primeira confiança. Já votei por solidariedade para com quem vai perder. Já votei em pessoas e não nas ideologias com que essas pessoas habitualmente se identificam. Já votei em projectos e em ideias.
Mas ainda não sei totalmente, e antes de uma campanha, em quem vou votar e porquê. Ou pelo menos gosto de pensar que não sei. Como se a liberdade se materializasse nessa possibilidade do "se ...então".
Dos candidatos à Câmara de Lisboa só troquei, no passado, meia dúzia de palavras com a arquitecta Helena Roseta por duas ocasiões diferentes e das duas por conveniência minha. Foi sempre o mais prestável e interessada possível na formalíssima questão então tratada. Isso não faz dela a minha candidata a presidente da Câmara. Mas faz dela a minha candidata a seguir com uma atenção particular. Comentava isso mesmo com uma amiga e colega minha. Respondeu-me que tem da candidata exactamente uma ideia oposta à minha. O que podia eu dizer? A verdade da má imagem que a minha amiga reteve de Roseta é tão verdadeira quanto a boa imagem que eu tenho de Roseta.
Mas eu não quero votar em imagens (demasiado previsível o fenómeno de criação de imagem pública para cidadão ver e votar), quero votar em alguém que me convença da credibilidade do seu projecto. E para isso é preciso que eu esteja convencida que sou capaz de distinguir os critérios de credibilidade dos que o não são. Mais, é preciso que eu possa provar como é que chego a essa fase do meu convencimento. Isto dá um trabalhão. E nada garante que seja verdade. Ou que o consiga. Haveria então que sopesar o passado, o presente e uma proposta de futuro. Que esforço. Que canseira. E que inutilidade no que a uma certeza na previsão dos actos.

Dizer mal de alguém ainda dá mais trabalho. O esforço que é necessário para não gostar de alguém extenua-me. Na vertigem da maledicência, que aprendi como quem aprende a fazer croché para passar um tempo e arranjar mais um quadrado para uma mortalha, rebenta-se de fel a minha alma. E tudo isto com a etiqueta de que é preciso não gostar muito para saber como gostar muito. Pois sim. Mas também, o gosto de quem gosta com indiferença é o quê? O gosto pela indiferença ou pela diferença indiferentemente? Nem quero saber.

quarta-feira, maio 16, 2007

Mulheres em política

Alguém que eu li falou na esperança que tinha de ver no governo do eixo franco-alemão duas mulheres, juntando-se-lhes depois uma presidente americana. Que era uma conjugação no tempo e no espaço que o autor dizia extraordinária e que ele gostaria de ver concretizada, sendo que a derrota de Royal suspendeu essa possibilidade.
Eu fiquei cheia de pena de não ter sentido o mesmo. Cheia de pena.

Acção política

Se eu repetir muito uma coisa ela tornar-se-á verdade? Alguns jornalistas acreditam que sim. Os políticos, deslumbrados, julgam quase todos que é essa a técnica discursiva a adoptar como forma de convencer outrém dos seus propósitos. Mas não é, porque a linguagem cria realidade, é verdade, mas paralela à realidade ela mesma, não a substitui. Bom, ou pelo menos não durante muito tempo. Que isto do tempo ser muito ou pouco também é relativo. Na vida de uma pessoa, um ano, por exemplo, um ano a viver dominado por uma linguagem que rouba a realidade, é muito tempo, e setenta anos, então, pode representar a alienação de várias gerações, ainda que na história da humanidade esse período não seja quase nada, e na história do universo, então...
Para fazer situar os discursos políticos é preciso pois prendê-los ao presente, à ideia de "nós contamos e as vossas opções fazem diferença na nossa vida". Mas isso é particularmente difícil sendo que os discursos e as acções dos políticos pretendem captar a nossa atenção no presente e influenciar a nossa existência no futuro.

Eu espero que o meu presente se estenda mais pelo futuro para poder falar dele. É por isso que nada me cabe dizer sobre os candidatos à presidência da Câmara de Lisboa. Ainda não sei o que vão defender. E simpatias pessoais, que as tenho, essas só me vão levar à sede de candidatura de Helena Roseta para entregar a minha declaração de propositura da sua candidatura. E depois, depois aguardar pela acção e pelo discurso dos candidatos em campanha.

terça-feira, maio 15, 2007

A ONU e o Zimbabwe

O Zimbabwe foi escolhido para presidir Comissão das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (CSD). É algo difícil de aceitar. Mas numa democracia há muitas coisas difíceis de aceitar. Faz parte deste sistema vivermos pacificamente com decisões que não aceitamos e que procuramos, num quadro legal, fazer alterar. E a verdade é que a decisão assentou num escrutínio democrático, de eleição, ainda que nos possamos espantar com o grau de incompetência das chancelarias africanas na avaliação do tenebroso regime de Mugabe. Mas também, se repararmos bem, que sentido crítico ou auto-crítico há nas chancelarias, nos governos, ou nas instituições africanas em geral? É preciso pois continuar o trabalho de denúncia e crítica dos actos de Mugabe, é preciso continuar a chamar a atenção para o deplorável estado social e económico do povo do Zimbabwe, mas também é preciso não atacar a pertinência e o trabalho no seu todo de uma organização como as Nações Unidas, atitude que vejo ser prática recorrente nos comentadores sempre que há uma comissão que elege nações pouco respeitadoras das liberdades e garantias dos seus cidadãos. A ONU sobreviveu a muitos golpes, felizmente para o mundo.
Ainda não há muito tempo, em 2003, preconizava-se a queda do Carmo e da Trindade, por causa da eleição da Líbia, essa nação “campeã” na defesa dos direitos humanos, para presidir o destino da famigerada Comissão dos Direitos Humanos. O que aconteceu? Poucos anos depois procedeu-se à Mudança da organização em causa. O que está mal muda-se. É claro que a ONU precisa de reestruturação em algumas áreas, mas não pode ser erradicada ou enfraquecida nos seus poderes. Ela é uma instituição que representa uma vantagem civilizacional nas relações inter povos. Dizer o contrário em nada ajudará a aperfeiçoá-la.

Dua Khali. E onde estavas tu, Cristo, que não ali entre aquela multidão? Bastou só aquela vez com Maria Madalena?

Dua Khali aparece na primeira página do jornal Público de ontem. O horror sufocou-me quando li o título da fotografia que a representa: «Curdistão. Rapariga lapidada por questão de “honra”».

A fotografia, pouco clara, mostra Dua deitada de lado, com o comprido cabelo espalhado pelo chão, os braços encolhidos junto do tronco. Está já, nessa fase do seu assassínio, com a roupa interior à mostra. Mas o que importa a falta de respeito pelo seu pudor quando Dua Khali está ali a ser assassinada pelos homens a quem pertencem aqueles pés junto dos quais ela se encontra já caída. São homens que lhe atiram pedras, uma a seguir à outra, as que que acharem precisas até ela expirar. A violação da sua existência vai-se repetir pela eternidade do tempo fotográfico, de um registo fotográfico, mas ao menos a sua fotografia fala em nome das muitas mulheres e meninas que morrem no mundo sem sequer terem direito ao registo e ao nome impresso, sem sequer poderem ser pranteadas por desconhecidas.
Nas páginas interiores do Jornal vemos outras fotografias de Dua. Dua a tentar proteger-se, de Dua caída, de Dua moribunda.

Dua Khali era uma menina de dezassete anos que namorou com o homem errado segundo os padrões da sua família. Sei que há outras mulheres a serem mortas no mundo por aquilo que os antropólogos gostam de chamar “formas de vida culturalmente alternativas”. Sei que me esqueço vezes demais disso mesmo, sentada que estou no meio deste meu pequeno círculo pequeno de existência. Esqueço-me tanto das mulheres por tão fascinada que estou com o conceito de pessoa. Por isso só posso afirmar que a minha convicção em valores universais não esmorece, e que é por isso que eu estudo ideias.
Estudo ideias para saber a causa do seu efeito nas pessoas e nas sociedades, para encontrar uma solução. Uma solução para o sofrimento de Dua, ou de outra menina ou menino expulsos, perseguidos, vilipendiados, sacrificados, violados ou mortos. Por isso teço um texto. Não sei de outra forma de fazer evitar os comportamentos de morte, senão expondo os sistemas que sustentam as ideias culturais, religiosas ou políticas. Procuro saber sobre os fundamentos das ideias que privilegiam as culturas de violência e de morte por contraponto às que enaltecem as culturas de vida. Não sei fazer mais nada por Dua. E tantas, tantas vezes, nem isso faço bem.

segunda-feira, maio 14, 2007

"O ministro TV Guia (II)" ou a história da Entidade para a Regulação Social

O ministro TV Guia (II)
"Se algum leitor conhecer alguém que trabalhe com o Mugabe ou o Chávez mande-lhe o ‘link’ com o ‘site’ da ERC. Eles vão adorar."
Ricardo Costa
..
"Este artigo só merece ser lido por quem gosta do jornalismo independente, que procure a verdade, que seja testado diariamente pelo mercado, que respeite a Constituição e que não tenha objectivos políticos ou ideológicos. Ou seja, o Joaquim Pina Moura não precisa de o ler. E o ministro Augusto Santos Silva pode voltar a colocar o olhar no último livro de um autor de Lovaina sobre semiótica do poder e arrumar o Diário Económico, um jornal que defende (que horror!) o mercado.
Escrevo-o, porque a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deu anteontem à estampa um extraordinário documento com o título “avaliação do pluralismo político-partidário na televisão pública”. Qualquer pessoa que tenha um neurónio liberal desconfia de um documento do Estado com um título destes. Não é preciso ter passado muito tempo a ler Orwell ou Koestler para se saber que o Estado é, por natureza, uma entidade que gosta de mandar em tudo e que sempre que o faz corre mal. Corre mal a nós, cidadãos, entenda-se.
Ora, a ERC colocou esse documento ‘on-line’ e diz “preto no branco” quantas notícias é que a RTP1, RTP 2 e RTPN devem dar sobre o governo e o PS! Sim, estão a ler bem. Se algum leitor conhecer alguém que trabalhe com o Mugabe ou o Chávez mande-lhe o ‘link’ com o ‘site’ da ERC. Eles vão adorar. E vão adorar porque a ERC defende que o Governo e o Partido Socialista devem ter, tendencialmente, 50% (cinquenta por cento) das notícias políticas dos noticiários. Ou seja, 50 por cento das notícias políticas da RTP vão ser sobre o governo e o PS, que caso não saibam, são a mesmíssima coisa.
Segundo o Diário de Notícias, o meu colega Luís Marinho, director de Informação da RTP, não se assusta com a “grelha” da ERC. Eu trabalhei vários anos com o Luís Marinho e atesto a sua independência e profissionalismo. Mas não sei com o que é que ele se assusta. Nunca fui ao cinema com ele ver o “Exorcista” ou o “Pesadelo em Elm Street IV”. Se calhar ele não se assusta com nada. Mas com isto devia assustar-se. A ERC, ou melhor o governo, está a tentar condicionar os jornalistas que trabalham para o Estado. Daqui para a frente, a “auto-censura” estará presente a cada minuto que passa na RTP.
A ERC quer levar esta grelha controleira para as televisões privadas, sob o aplauso entusiasta dos partidos. Os partidos, que são os maiores responsáveis pelo afastamento dos cidadãos da política, dos eleitores do voto e dos jovens de quase tudo! Os partidos, que se fecham sobre si mesmo, que caminham para o DIAP de braço dado com empreiteiros, que destroem o ordenamento do território em quase todas as Câmaras do país! Os partidos, que sempre que tentaram dominar projectos jornalísticos os conduziram à banca rota! Os partidos, agora, querem mandar nas redacções das televisões!
E querem mandar assim: o PS e o Governo ficam com 50%, a oposição parlamentar com 48% e a não parlamentar com 2%. Tudo isto é demasiado estúpido para merecer ser criticado. O PPM e o MPT que entraram no Parlamento numa decisão irracional de Pedro Santana Lopes estão incluídos na oposição parlamentar! E os Verdes, uma invenção do PCP, idem. Se esta grelha existisse em 1985 o PRD de Eanes não tinha tido notícias nas televisões. E em 1999 o novato Bloco de Esquerda também não cabia nos noticiários.
Tudo isto é estúpido e criminoso. E tudo isto parte de um ministro que não é uma coisa nem outra. Augusto Santos Silva é um ministro perigoso porque tem medo da comunicação social livre. Porque pensa que regular é mandar e condicionar. Porque, no fundo, ainda não aprendeu a viver em liberdade. Eu é que não sei viver de outra maneira. E garanto-lhe, senhor ministro, nunca acatarei uma grelha da sua ERC."
_Ricardo Costa, Director da Sic Notícias, artigo publicado no Diário Económico
...
(...)
"Tudo isto, admito, por "boa-fé" e por manifesto desejo de "representatividade" e "proporcionalidade" na informação televisiva. Esta "boa-fé", no entanto, acabará por reduzir-se (se ninguém travar a tentação controladora da entidade) ao domínio e fragmentação da informação televisiva pelos partidos políticos. Mais há-de conduzir, se ninguém de bom-senso questionar este delírio, à mais completa irrelevância do conceito de informação e de jornalismo.
A culpa desta situação é, como se sabe, dos partidos - que sempre tentaram manipular a informação televisiva a seu bel-prazer. Entregar-lhes este belo argumento de mão beijada é uma espécie de asneira preanunciada. Não sei de onde a ERC tirou a ideia de que a independência do jornalismo se mede por critérios retirados dos resultados eleitorais. Mas posso lembrar-lhes que essa maravilhosa ideia levou - noutros países - à censura, ao medo e ao que se sabe no México ou na Venezuela."
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Francisco José Viegas escreve no Jornal de Notícias, semanalmente, às segundas-feiras

domingo, maio 13, 2007

"Quebrar a espinha", a prática do déspota.

Quando alguém não aceita, não concorda, não compreende, não adere, não corrobora, não modifica, não pratica, não admite, a crença de outro alguém, o que há a fazer? E quando outro alguém está completamente convencido, e tem o poder de usar a violência do seu lado, que é fundamental que se aceite, que se concorde, que se compreenda, que se adira, que se corrobore, que se modifique, que se pratique, que se admita, o que deve ele fazer?

O orgulho no trabalho de um quase, quase, licenciado

Dez mil pessoas reuniram-se ontem no Estádio do Farense para homenagear os finalistas deste ano na Universidade do Algarve.

sábado, maio 12, 2007

Discursos assassinos

Antes de começar a perceber que os líderes políticos usavam a metáfora, ouvi falar pela primeira vez em "chicotadas psicológicas" com os treinadores de futebol desta terra, numa era pré-Mourinho. Já não sei quantos, nem quem, mas houve épocas em que se ouviu dizer que muita "chicotada se deu nos jogadores". Como professora, e treinadora de bancada, sempre me confundi com os que confundem a manifestação da autoridade e exigência de disciplina e trabalho com a humilhação e a falta de respeito pela dignidade profissional e pessoal de cada indivíduo. Se isso acontecia no futebol imagine-se quando comecei a aperceber-me que a técnica era utilizada também na política comunicacional entre governantes e governados. Para meu desgosto, o governo Sócrates fê-lo logo no discurso de tomada de posse, quando o nosso primeiro-ministro anunciou um combate aos privilégios dos farmacêuticos e dos juízes. Não, que não houvesse reformas a fazer, nessas como em outras esferas profissionais, mas o tom utilizado, que muitos preconizaram ser o de um corajoso a enfrentar os interesses instalados, eu entendi-o como o início de um princípio de humilhação profissional junto da colectividade, para lhes diminuir a autoridade, enfraquecendo a imagem e a capacidade de resposta. Que os lobbies precisam de um forte poder político que os confronte, ninguém duvida, que a política deve regular as esferas económicas e sociais com vista a um bem-comum, também não, mas procurar governar através da diluição do respeito pelo trabalho dos outros?
Este mesmo tom de "alguns andam aqui para explorar descaradamente o resto da população" encaixa na perfeição na vontade e na razão de queixa que todos temos dos diferentes serviços ao público. É verdade. E assim se procedeu com todos os grupos profissionais a quem se quis cortar nos privilégios, segundo muitos, e nos direitos, segundo outros. O que aconteceu? Humilhação de classes profissionais sem trabalho nenhum no que a uma discussão de interesses e deveres diz respeito, com a salvaguarda do princípio da submissão do interesse geral da população sobre o interesse privado do profissional. Foi um trabalho fácil ao nível discursivo, bastou-lhes dizer duas ou três frases sempre iguais e repetidas em todas as ocasiões: "O país precisa de fazer sacrifícios, todos os estão a fazer e os professores ou juízes, ou forças de segurança ou médicos ou que for, não podem continuar a entender-se a excepção, acima das necessidades de reforma nos procedimentos".


O que ganhou o discurso político com isto? Cortou mais célere nas despesas? E o que o país perdeu em termos paralisia argumentativa que se reflectiu na forma como esses profissionais entendem que são vistos pelas suas tutelas (como párias) e como passaram a ser vistos pelos outros cidadãos, com a consequente desregulação das interacções? Veja-se o aumento no último ano lectivo de casos de violência física e verbal sobre os docentes, por exemplo.
A senhora H. Sellier fez o mesmo. Ao querer alcançar o objectivo certo, uma maior preocupação e empenhamento das autoridades para com os casos que envolvam violência sobre as crianças, arrasou com o sistema policial e judicial português. Este tipo de discurso faccioso, insidioso e falso, ao invés de promover ou obrigar a reformas que envolvam todos os interessados de forma lúcida e autocrítica, só serve para paralisar por sentimento de estupefacção. Quem acredita em chicotadas psicológicas daquele jaez é porque não acredita em democracia, não respeita a inteligência dos seus interlocutores, nem respeita a capacidade de trabalho e de entrega desses profissionais. Não está sozinha no uso destes métodos, no governo português há muitos políticos a partilharem-lhe o estilo. Agora, o que é que em termos de acção pública e melhoria dos sistemas se ganha com esse método é que é algo que eu não vejo.

sexta-feira, maio 11, 2007

Preconceito e combate entre instituições que deviam orientar-se na mesma direcção: ajudar crianças em perigo

Homayra Sellier terá pensado bem nas suas palavras? Terá noção da realidade ou vive com óculos preconceituosos? E o Times cita esta pessoa sem questionar a veracidade das suas conclusões?

Já aqui escrevi sobre o facto dos protocolos de investigação criminal relativo a casos de crianças desaparecidas poderem e deverem ser questionados. Que muito se ganha com a colaboração de especialistas internacionais da matéria, que há no sistema legal alterações a fazer, e muitas, no que a casos relacionados com crianças diz respeito, mas emitir este tipo de suspeitas sobre os operacionais portugueses? Esta insinuação que atinge rasteira o sistema judicial português, quem ganha com isto? As crianças?
Não me parece é que estas instituições, como a Innocence in Danger façam assim tão bem o seu trabalho, caso contrário não deixavam sair das agendaas policiais os casos das crianças desaparecidas em Portugal, por exemplo, ou então convocavam os meios de comunicação portugueses e denunciavam este aparente desinteresse das autoridades, com provas. Com declarações do teor que passarei a citar em seguida, publicadas no Times, é que eu penso que não se vai a lado nenhum, a não ser que se queira provocar uma onda de histeria colectiva contra a polícia em Portugal. Então, se for esse o efeito pretendido, o meio é bom. E a verdade, fica aonde?

We can read that on Times:
"Child protection campaigners have alleged that a culture of corruption and complacency in Portugal is allowing such kidnappings to continue unabated. The founder of the Switzerland-based group Innocence in Danger has said she had tried to set up an office in Portugal but it gave up because of the reluctance of the authorities.

Homayra Sellier said after Madeleine's disappearance last week that Portugal is a country in which “the corruption has gone so high that there's nothing we can do”.
“The fact that the girl (Madeleine) was kidnapped from her bed shows how bad things are.”

What?!! Where are the facts of what has been said? How can someone with responsibility declare something like that?
Como é que em nome do bem se consegue fazer tanto mal?

quinta-feira, maio 10, 2007

Por um Tibete livre e independente

A politica Europeia de apoio a uma só China? Como? Onde é que a China lê isso nos discursos europeus? O Tibete é um estado independente ocupado pela China. Toda a gente o sabe, e a comunidade internacional não deve escamotear esta questão, diga o que disser a propaganda chinesa.

"As autoridades belgas informaram o Dalai Lama sobre as objecções da China à sua visita. Face a esta situação, o prémio Nobel da Paz 1989 decidiu anular a viagem.
(...)
O líder espiritual e político tibetano tinha previsto assistir de 11 a 14 de Maio à V Conferência Internacional de Grupos de Apoio ao Tibete, organizada pelo governo tibetano no exílio, o grupo interparlamentar belga para o Tibete e o Instituto Friedrich Naumann. " in DD
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Sim

"Por isso, é natural que o lema das aldeias comunitárias segundo o qual o que é comum, não é de nenhum se transforme no seu exacto contrário, quando passamos a considerar que o Estado já não é a comunidade ou república, mas antes o c'est lui do aparelho de poder. Por mim, preferia que a democracia não mantivesse os velhos hábitos do absolutismo: o Estado não é o c'est moi, da voz do dono, o Estado somos nós todos. Porque, como já dizia Plínio, quando se dirigia a Trajano, nós inventámos a república para deixarmos de ter um dono."
Adelino Maltez em Sobre o tempo que passa
...
"Declaro, com toda a frontalidade, em nome da normativista moral de convicção, que tanto não aceito o autoritário quem não está contra mim, está a favor de mim, como repudio activamente o totalitário quem não está a favor de mim, está contra mim. Os fins não justificam os meios... "
Adelino Maltez em Sobre o tempo que passa

Sim

Desaparecimento de crianças. Desaparecimento de uma criança, a Madeleine.
"Pacheco Pereira emendava, há dias, um locutor televisivo português por este ter dito que os jornais ingleses davam o caso do desaparecimento de Madeleine na primeira página. Que não, disse ele no seu blogue Abrupto, só os tablóides ingleses o faziam... Mas quem estava errado era Pacheco Pereira: há vários dias que as notícias e as fotos da menina ou dos seus pais são capa do Guardian, do Times, do Independent, enfim, dos jornais que não são gritantes como o Sun. E isso por razão simples, o próprio dos jornais (de todos) é dar notícias com o relevo que elas têm. (...)
Mal seria que os jornais - e, sobretudo, os melhores - se afastassem do que as pessoas falam."

Ferreira Fernades, "OS JORNAIS SÃO ESPELHO OU NÃO são ", no DN

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O discurso, a acção e os cidadãos

"O problema não é o de perder-se o sentido crítico ou até condenatório das políticas, porventura enganosas, pouco profícuas ou até erradas. Das coisas que fazem que andam e não andam. O problema não é o de esgrimir contra os bloqueamentos de liberdade de expressão e opinião. Não é o de deixar de dizer mal do que está mal, do que não é justo ou precisa de ser corrigido. O problema é o de fazer prevalecer um pessimismo profetizador de um estado de sítio desolado e desolador. Não estamos num país de oásis, nem estamos num deserto pantanoso. Mas teremos de concordar que contra o acusado fácil marketing político do Governo, que lhe é natural a partir das acções que vai desenvolvendo, grassa uma onda de maledicência tendente a encharcar a opinião pública e a motivação popular num estado de desencanto e desmotivação.
O discurso político anda entrincheirado no desenvolvimento de uma guerrilha verbal que só pode ter por efeito o desencanto do povo pela "coisa política". E não é só o discurso. Os últimos exemplos da vida política autárquica ou regional provocam profunda confusão e descrédito."
Paquete de Oliveira, "A esperança também pode morrer", no JN
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Lisboa
"Só um forte sentido do interesse público, hoje pouco em voga, e uma visão lúcida sobre Lisboa, com mãos livres para prosseguir um trabalho que não se compadece com demagogias e ainda menos com clientelas, pode mover a roda dos próximos anos nesta cidade parada. As eleições intercalares vão ser um teste aos partidos, particularmente ao PSD, da sua capacidade de redenção face ao eleitorado.Na polis grega, os cidadãos sentiam-se privilegiados por serem parte na produção das ideias que moldam a vida política. E designavam de idiotis (idiotas, sem ideias) os que não queriam frequentar nem o forum nem a agora. Este teste, para ser eficaz, precisa de lisboetas activos na defesa do que lhes pertence. Oxalá!"
Maria José Nogueira Pinto, "Os pecados Capitais", no DN

quarta-feira, maio 09, 2007

Sete falácias ou incompreensões sobre a democracia por David Beetham

"Seven fallacies or misconceptions about democracy (pp.8 a 19) :

Democracy means majority rule
One size fits all democracies
Democracy equals a market economy
Democracy in one country
Democracy versus the courts
‘Demos’ versus ‘cosmos’
Democracy is whatever ‘democracies’ do
International IDEA Handbook on Democracy Assessment.


By way of conclusion it will be useful to summarise the main points of the argument and its findings, one by one:

Democracy is to be defined in the first instance by its key principles of popular control and political equality, and only secondarily by the institutions through which these principles are realised (paras. 4-8).
To realise these principles in a modern society requires three main conditions: a framework of guaranteed citizen rights, a system of representative and accountable political institutions subject to electoral authorisation, and an active civil society (paras. 9-19).
• Since majority rule is not always or necessarily democratic, special institutional provision
may have to be made for protecting the basic rights of minorities, and ensuring them a due
share in political and public office (paras. 22-27).
• Although democracy has historically been associated with a market economy, the free market
has significant negative consequences for human rights and democracy, which government
action is needed to mitigate (paras. 28-31).
• Since such action can be readily frustrated by the policies of international bodies and
transnational corporations, the former need to be made more representative and accountable,
and consideration be given to making the latter subject to human rights and environmental
standards and regulation (paras. 32-35).
• Independent enforcement of human rights by the courts against a democratically elected
government is not undemocratic, especially where these rights have been endorsed by
popular referendum as well as by the legislature (paras. 36-39).
Dealing with threats to democracy without compromising human rights or democratic processes is one of the most difficult challenges facing democracies today (paras. 40-41).
Although democracy requires an agreed ‘demos’ or people enjoying exclusive rights of citizenship, the standards against which its rights and institutions are to be judged have become increasingly internationalised (paras. 42-47).
• Democracy is not an all-or-nothing affair, but a matter of degree, and any country’s
institutions and practices can be assessed to discover the extent to which democratic
principles are realised within them (paras. 48-49).
Because democracies in practice involve a compromise between popular forces and existing powers, the process of democratisation is never complete (paras. 50-51)."
..
O sublinhado a negrito é uma escolha minha.
..
Penso no governo da Irlanda do Norte. Foi ontem um dia grande para o seu povo. Mas o discurso político do primeiro-ministro não me apaziguou dúvidas sobre esta democracia nascente. Espero que os actos dos líderes do Ulster sejam mais sólidos do que as palavras defensivas e passivas que Ian Paisley proferiu.

segunda-feira, maio 07, 2007

A educação de um revolucionário: Lenine 6


Terminada a leitura do livro de Robert Service fiquei com a ideia de um equilíbrio correcto na análise do político e da pessoa Lenine.

É verdade que Service indica frequentemente como sendo uma motivação para as leituras e para a acção política de Lenine, os ideais de educação que os seus pais incutiram na família, arriscando-se o autor a dizer que o louvor de Lenine pelas práticas de ditadura, terror e violência, advinham das ideias marxistas, mas também por alguém que “se inspirara nas primeiras gerações de pensadores socialistas russos.” Acrescentando Service ao retrato de Lenine: “Era um revolucionário-erudito com um profundo empenho na perfectibilidade da humanidade, herdado da filosofia do iluminismo.” (p.232). Ora neste ponto está um dos dois reparos que eu faço à biografia: 1. Que se possa provar que Lenine aderiu intelectualmente ao tipo de estratégia de terror conduzido por Robespierre e seus congéneres durante a Revolução Francesa, vendo nela um modelo para a revolução bolchevista, é uma coisa. Mas que se tenda a associar frequentemente as ideias de progresso, educação e razão do iluminismo com as ideias de terror, ditadura e violência de qualquer pensamento revolucionário, jacobino, marxista ou o que seja, implicando-as inequivocamente, é uma avaliação ideológica da causa e das consequências, e que, do ponto de vista da prova filosófica, tem falhas. É uma linha de pensamento, e pode ser contra-argumentada, não é uma verdade histórica, uma relação lógica, ou um facto empírico. É uma tese. E, já vimos, com Apel e Habermas na Alemanha, com Rawls e Putnam nos EUA, entre outros, que a razão humana continua a ser um suporte fundamental para dirimir conflitos, para propor soluções no quadro da discussão pública da crenças e não necessariamente na sobrevalorização de uma crença entendida como verdade universal produzida por uma razão fascinada em si e para consigo mesma.

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Logo, não havia necessidade por parte de Service de fazer valer um ponto de vista teórico que me parece pessoal, o de que a ditadura marxista-lenenista estaria assente nos valores propalados pelos teóricos precursores da Revolução Francesa, como se esta ligação teórica-prática decorresse de forma necessária. As doutrinas revolucionárias do século XIX terão retirado lições da Revolução Francesa, claro. Como tiraram de outras tradições sociais e políticas que evoluíram numa proposta de acção de defesa intransigente de uma verdade única, fosse ela política, social ou religiosa.

Terão os bolchevistas, com certeza, aprendido com os revolucionários ditatoriais franceses, a acentuar a importância do autoritarismo centralizado, para conduzir a bom porto a sociedade preconizada, terão adoptado a violência como meio justificável os terroristas revolucionários russos, e ter-se-ão também servido dos pressupostos marxistas de legitimação de instituição de uma prática política científica que conduzisse ao sucesso do socialismo no mundo, mas, essa consequência foi uma das que era possível extrapolar do acontecimento revolucionário passado em França, havia outros actores teóricos e políticos que não alinhavam pelo diapasão da defesa do terror ou da ditadura, e no entanto partilhavam a crença na razão iluminista.

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2. Outro ponto negativo, nesta excelente biografia, é a tese da indiferença de Lenine para com o destino da família real russa (assassinada sob o seu governo), mas também para com algumas classes consideradas burguesas (industriais, bancários, agricultores ricos, religiosos, mas também médicos, professores, intelectuais, etc.), como sendo um pressuposto não só teórico e preconizado na literatura marxista (que defendia a luta de classes como um momento necessário na conquista da sociedade comunista), o que está certo do ponto de vista da análise, mas também como resultado de uma certa vingança pessoal contra a família do Czar (que condenara à morte o seu irmão) e contra as classes dos indivíduos que na sociedade de Simbisk ostracizaram a sua família após esse trágico acontecimento. Parece-me difícil comprovar esta tese sem que Lenine o tenha reconhecido ou disso deixado provas.
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Julgo que o facto de haver uma teoria, que se tornou uma crença para Lenine, que defendia a possibilidade de se realizar na terra uma sociedade perfeita de convívio social e económico entre os homens, mesmo que isso implicasse a destruição da ordem presente por um mundo novo após uma luta de classes e sem se deter em questões de moralismos políticos, foi a pedra de toque de todas as suas acções, coadjuvadas com as circunstâncias históricas. Ele era um teórico, aplicou a sua teoria à realidade, mas também se adaptou a ela quando precisou de criar a sua polícia secreta, a Tcheka, para perseguir dissidentes, ou quando inverteu as resoluções teóricas do marxismo económico com a criação do seu plano de uma "Nova Política Económica" quando percebeu que não só os camponeses mas toda a sociedade estava a ponto de se rebelar, pondo em causa o próprio processo revolucionário.

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Sem a influência de Lenine a Revolução de Outubro, o Tratado de Brest-Litovsky e a Nova Política Económica poderiam nunca ter acontecido, como nos diz Service, afirmando ainda: “Lenine fundara a facção bolchevique. Escrevera Que fazer?, as Teses de Abril, e o Estado e a Revolução. Elaborara uma estratégia para a conquista do poder e cuidara de que o poder fosse conquistado. (…) Ele não tinha um plano para o Estado de um só partido que foi criado em 1917-1919, mas várias instituições desse Estado foram criadas por ele. Entre elas, esteve a Tcheka e ele insistiu que o terror devia continuar a ser um instrumento de governação à disposição dos comunistas. Acima de tudo, Lenine foi o principal criador do próprio Partido Comunista Russo, um parido que se distinguiu pelo seu empenho no centralismo, na hierarquia e no activismo. Seria estranho afirmar que não teria existido um partido de extrema-esquerda na Rússia se Lenine não tivesse vivido. Mas seria igualmente absurdo supor que o Estado Soviético de um só partido e uma só ideologia teria nascido sem Lenine.” (p.615)



domingo, maio 06, 2007

Teoria e prática


Convidado um criminalista para falar sobre a investigação portuguesa nos casos de desaparecimento de pessoas, na RTP 1. Única opinião absolutamente relevante que ouvi até esta altura, e durante todo este caso, cito de memória, e sem poder indicar o nome do especialista porque dele me esqueci: "É completamente ridícula essa regra que diz que só se deve iniciar as buscas de uma pessoa desaparecida depois de perfazer as quarenta e oito horas. Foram os teóricos em gabinete que a impuseram, não os operacionais que sabem quão importante são as primeiras horas para investigar e solucionar com sucesso estes casos."


Não sei quantas vezes é preciso os erros acumularem-se para alguém mudar as práticas e os protocolos. Quanto mais tempo? Bom, parece que com o desaparecimento da pequena Madeleine, por pressão da comunicação social, ou por lúcido entendimento das chefias policiais, a absurda regra das 48 horas foi quebrada. Por bem, espero que crie um precedente na prática criminal e se torne uma teoria que equilibre tudo o que é excessivamente forjado num sentido de planeamento alheado da realidade, com uma pronta resposta institucional que contudo não pode ser a do tempo emocional. Como encontrar o equilíbrio? No trabalho quotidianos de profissionais, responsabilizados.

Reprodução de um poster de Escher "Other World".

As ideias, e o par para dançar, do próximo baile em França já foram escolhidas. E como irá ser a coreografia do poder do Sr. Sarkozy?

Desenho publicado em 16 de Abril
ver o le site de Kroll
© kroll 2006














sexta-feira, maio 04, 2007

ASTRÓNOMOS DESCOBREM O PRIMEIRO PLANETA HABITÁVEL

Leio isto e penso imediata-
mente no Blade Runner. Não pelas questões filosóficas e religiosas que os replicantes levantam sobre si próprios e junto do seu criador, mas pelos cenários de uma Terra devastada pela guerra, pela chuva ácida, pelo exploração das suas riquezas levada até à exaustão das mesmas, uma terra habitada pelos que não puderam deixá-la, pelos miseráveis, pelas máquinas, ou pelos românticos que nela ainda se querem acolher.
Quem serão os primeiros a deixar o planeta?
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Visão artística do sistema planetário múltiplo Gliese 581. Crédito: ESO

"Como se não bastasse, a cidade está também sem governo.Mas este já não se notava."

"O que está mal em Lisboa", Nuno Rogeiro

quinta-feira, maio 03, 2007

O jogo democrático é um combate de ideias: os franceses no seu meio.

"Au-delà de toutes les propositions concrètes des candidats, le vote de dimanche sera un choix décisif entre deux styles et deux contenus politiques. Ségolène Royale propose une politique optimiste, elle mise sur l’effort commun d’une société en débat. Nicolas Sarkozy mise sur l’action, sur la responsabilité individuelle dans une société qui prône l’ambition à la place de l’assistance.
Le jeu démocratique est un combat d’idées. Le débat d’hier soir était à la hauteur d’une démocratie. Aux Français désormais de choisir."
Anna Karla

Exorcismos contra periódicos versus Liberdade de Imprensa


Neste dia de comemoração da Liberdade de Imprensa, liberdade que mesmo em democracias é entendida como um fenómeno a ser condicionado, o que é estranho em teoria mas confirma as práticas de autoritarismo presente nos fundamentos da maior parte das tradições que dão origem às democracias, o meu aluno Paulo Alexandre enviou-me esta referência da Hemeroteca Digital:




"3 MAIO – Dia Mundial da Liberdade de Imprensa Exorcismos contra Periódicos e outros Malefícios, assim se intitulava o libelo que o Padre José Agostinho de Macedo escreveu em 1821 visando os jornais que proliferavam pelo país. Criados como os cogumelos depois da Revolução de 1820, os jornais eram vistos pelo autor como uma praga, cujo dano era comparável ao que “o Pulgão causa ás vinhas do alto, e do baixo Douro, e de toda a parte”. Para assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a 3 de Maio, a Hemeroteca Digital coloca em linha esta raridade bibliográfica, criando uma nova secção, com o mesmo título, destinada à difusão de obras pouco conhecidas, de difícil acesso, mesmo nas bibliotecas, e há muito caídas em domínio público. O paradoxo da edição desta obra na Internet no dia em que se assinala a liberdade de imprensa é aparente pois o que estes Exorcismos traduzem mais não é do que a importância que os jornais sempre tiveram na formação de uma opinião pública crítica e informada e no debate de ideias. Uma leitura incontornável. "


A agenda pode ser consultada aqui.
...
Na realidade é comum a todos os regimes esta vontade de controlar a informação e condicionar a comunicação, sendo que quanto mais ditatoriais menos liberdade é permitida, quanto menor for a tradição de liberdade de imprensa, maior será a tentação de legislar coercivamente sobre ela. Porém, a história prova que este condicionamento não é nunca suficiente para a sobrevivência em si dos regimes. A ausência de liberdade de imprensa não equivale à eliminação perene do desejo de liberdade de imprensa. Um regime pode durar 50 ou 70 anos, mas não dura o tempo que dura o desejo de liberdade e a luta pela mesma.
A leitura deste livro é no entanto uma delícia.

quarta-feira, maio 02, 2007

História da religião e das suas guerras


Andava na internet à procura de um mapa que listasse as religiões desde o aparecimento do Homem no planeta e descobri este video absolutamente fantástico no site Maps of War. Excelente.

A minha cidade é assim

Por convite da querida Belém, do blogue Saudades do Futuro e do Leitura Partilhada, aqui fica o registo dos meus sons da cidade de Lisboa:

O som das corridas do meu filho nas ruas do Chiado, a cantata 147 de Bach na SÉ, o chilrear excitado dos passáros da árvore encostada à janela de casa, a sirene das ambulâncias, o vento sobre a água deste largo rio Tejo, os aviões a aterrarem aqui tão perto, o assobio da minha mãe a acordar-me nas manhãs de adolescente.

terça-feira, maio 01, 2007

A educação de um revolucionário: Lenine 5

A educação de um revolucionário não assenta nos mesmos livros, ou pelo menos, não na mesma crença com que se lê esses mesmos livros, da educação de um democrata, de um defensor do processo eleitoral universal, ou sim?
O que sabemos dos livros com que Lenine procurava fundamentar a sua concepção política-social? Que ele “devorava Hegel, Feuerbach e Aristóteles(p.318), que nutria profundo afecto “não por pessoas com quem vivia, mas por pessoas que tinham moldado as suas opiniões políticas: Marx, Alexandre Ulianov[1], Tchernichevski e os terroristas socialistas russos.” (p.176), e que “Pelos seus livros podemos ver que Hegel, Clausewitz e Aristóteles o ajudaram a apurar a sua interpretação do marxismo e a sua estratégia para a revolução. Talvez Darwin e Maquiavel tenham feito o mesmo por ele.” (p.269)
Acrescenta Service:

Lenine formara a sua visão do mundo durante as duas últimas décadas do século XIX, e após 1900 não surgiu nenhum pensador que ele admirasse. (…) Mas tinha uma filosofia intelectual estabelecida. Carlyle, Freud, Kierkegaard, Le Bon, Michels, Nietzsche e Weber eram ignorados, totalmente ou quase, nas suas obras (embora viesse a ter o Assim falou Zaratustra de Nietszche na sua estante do Kremlin). A sua preocupação era alargar e aprofundar o seu conhecimento de Marx, Engels, Plekhanov e Kautsky". (p.268)


Podemos então dizer que estas leituras fazem o revolucionário? Não, seria ridículo. Explicam alguma das orientações de Lenine, mas não justificam as suas tomadas de posição. Porque na história do intelectual Lenine havia a questão da motivação. Porquê ler estes autores e transformar-se num revolucionário e não num democrata, ou porquê não contemplar obras críticas que se opusessem a esta teorias? Service avança com duas teorias: Estas leituras seguiam no pressuposto iluminista de uma razão triunfal que devia ser posta ao serviço do progresso, por um lado, e, por outro, ele estaria a cumprir um desígnio de vingar a morte do seu irmão. Tenho dificuldade em aceitar este tipo de explicações. As motivações só podem ser explicadas pelo próprio, ou por alguém que tenha acesso a manifestações suas que possam ser claramente decifradas. Tudo o mais é ficção.

Então o que explicará as opções de Lenine? Os livros que leu e os autores que escolheu? Mas as leituras da mesma obra podem ter múltiplas interpretações, e o próprio Service nos diz que Lenine “Tinha ideias peculiares suas. Mas apresentava-as agressivamente como sendo a mais pura ortodoxia” (p. 176). Portanto quanto ao ele estar a seguir ortodoxamente a teria marxista estamos falados. Mas então o quê? O contexto familiar, histórico e cultural? São muitas variáveis para definir um comportamento. Robert Service prefere fazer cruzar a variável cultural (história de uma família profundamente crente nas faculdades cognitivas, na ilustração, como meio de evolução da pessoa e da civilização), a variável personalidade (a morte do irmão revolucionário por ordem do Czar que ensombrou a sua vida de adolescente protegido e cuidado), com a variante intelectual (Lenine era um intelectual agudo e um leitor ávido, ainda que orientado numa linha de interpretação marxista da realidade). Percebe-se bem as leituras de Feuerbach e de Hegel, mas é interessante a sua necessidade da leitura de Aristóteles. Apesar de tudo um crítico forte do regime democrático desde o século IV a C.

Assim, as ideias que se lêem consubstanciam o pensamento do indivíduo, ou o indivíduo lê para justificar o que pensa?

[1] Era o seu irmão.