quarta-feira, abril 30, 2008

Churchill: uma leitura 1

Terminado o exercício de leitura da sua biografia por Martin Gilbert a primeira coisa que me ocorre dizer é que ele é um homem para e da Grã-Bretanha, um defensor do império britânico. A grande sorte do mundo foi que o discurso e a acção de defesa desse império cruzou com a defesa de ideias e de formas de vida que estavam do lado da virtude de uma política parlamentar, no seguimento de uma tradição social e política assente na defesa dos valores democráticos, e disso o resto do mundo veio a beneficiar, mas porque aquilo que a Grã-Bretanha tinha a perder com o avanço dos totalitarismos era incomportável antes demais para si própria. Houve ali um momento histórico em que o interesse de uma nação se transfigurou no interesse de todas as nações livres do futuro. As ideias eram as certas, entraram em luta e sairam vitoriosas. Não foi por terem saído vitoriosas que elas se trasformaram em certas, mas foi uma grande ajuda.
Na realidade, a preocupação e a estratégia de Churchill foi sempre, e antes de mais, a preocupação com o seu império, a defesa dos seus territórios e das suas políticas internas, mas por mérito das estruturas históricas que herdou e por mérito da sua própria formação filosófica e política, os interesses internos e externos podiam aqui e ali coincidir no seu todo e refulgir como uma luz de farol a indicar a linha de costa para humanidade. De repente, em nome de ideias como eleições livres, liberdade de expressão, governo dos povos pelos povos, tanto a defesa armada como os conluios diplomáticos para a segurança interna conseguiram fazer eco para valores e defesa de interesses internacionais. É obra.


Penso em Salazar e na sua atrofiante filosofia política e penso-o no lugar errado, com o discurso errado para a história, e lamento que alguém que igualmente defendia o seu país e o seu império, não conseguisse nunca fazer coincidir essa defesa com as ideias que verdadeiramente interessavam à comunidade do futuro e que iriam afirmar-se como as únicas admissíveis, ainda que por aprofundar, na longa história do governo das sociedades no mundo: a democracia, a independência dos povos colonizados, a liberdade com princípio regulador da ordem pública.


Que pena esse raio de influência não ter produzido um outro pensamento e uma outra acção para o governo de Portugal. Que pena continuarmos sem saber conciliar e equilibrar o orgulho interno e a vontade de pertencer de facto a uma comunidade internacional. Que raio de perda de nós.

Saudável paródia à italiana

Enviou-me a minha amiga Teresa Marques este link a um divertido filme que opõe a ideia de um espaço e de um cidadão europeus por contraposição ao país Itália e seus respectivos nativos. Admito que pensei: "Ena tanta gente que vai ao teatro na Itália!"
E no fim ri-me com a ideia da Itália como condimento à suspeita sensaborona Europa.
Qual seria por exemplo a conclusão portuguesa para um filme que podia aqui e ali assemelhar-se aquele? Teríamos noção da nossa diferença como essencial para criar diversidade e harmonia final no espaço europeu, ou ficaríamos a bater com a mão no peito e a enrolar o tapete do chão da sala da Europa com o sapatito?

terça-feira, abril 29, 2008

Leio no Almocreve das Petas, com o título "Uma entrevista lamentável":

"(...)Cuida o sr. ARF (António Ribeiro Ferreira ), e cuidam todos os comentadores que tricotam admiráveis prosas sobre o ensino, que os professores são meros funcionários administrativos - seres desprezáveis e de vida fácil – sem labor profissional, cultural ou intelectual. Cuida o sr. ARF, e cuidam todos os comentadores de testada altiva, que os cursos e diplomas que os professores (orgulhosamente) exibem e nos diversos ramos do saber, não lhes servem para nada. E que qualquer ARF ou ministra da educação podem soluçar, jubilosamente, autorizadas apreciações sobre a docência, o ensino e a educação pública, sem nenhum contraditório. Cuida o sr. ARF, e cuidam todos os comentadores investidos de idiotas toleimas, que os professores são meros papagaios transmissores/reprodutores do conhecimento cientifico, sem discurso, exercício e acção pedagógica visível e que, na sua natureza educacional, só debitam aquilo que (presumidamente) na folclorização das faculdades aprenderam. E que qualquer ARF ou ministra da educação podem, em piramidal discursata e em aleluias de ruído gratuito, passar atestados de imbecilidade a docentes, que ao longo da sua profissão têm feito inúmeros (e, por vezes, inenarráveis) investimentos culturais, formativos e pedagógicos, conforme a tutela e a administração escolar muda de humores. Cuida o sr. ARF, e cuidam todos os ofegantes comentadores afectados pela "inteligência" ministerial, que o debate e o conflito que reina e persiste no ensino público e na educação não vai deixar sequelas insanáveis entre docentes (ofendidos e injuriados que estão a ser) e os seus grosseiros detractores. Cuidam – caso curioso -, mas enganam-se!
Da lamentável entrevista ficam aqui, apenas, duas singelas questões, que persistem no enrodilhar da argumentação ministerial. Dado o alvoroço revelado na entrevista e pela montra das adulterações feitas no que se disse, não tínhamos, nem espaço nem paciência para mais. Sobre a funcionalização da função docente e a verticalização da sua carreira, mecanicamente e abusivamente tomada de experiências teóricas de outras profissões e a que a professora MLR denomina, com imensa graça sociológica, de novo "paradigma", falaremos um dia.
A primeira questão é simples: a senhora ministra da educação, na sua cegueira teórica, considera que via o desditoso antigo ECD, a progressão da carreira fornecia professores "mais experientes, mais graduados e melhor remunerados mas [que] isso não correspondia a nenhuma responsabilidade", mas ao mesmo tempo no seu novo e santificado ECD coloca, justamente, tais docentes como professores-titulares, ao abrigo do que prosaicamente denomina "meritocracia", num concurso duvidoso e insano. Estamos conversados!
A segunda questão é tão simples como curiosa: a senhora ministra da educação entende (não por experiência própria, como se sabe) que as "nossas escolas tinham um défice dessa responsabilização individual, dessa exigência de trabalho de equipa" e assegura que com a nova organização da administração escolar, com a nova avaliação dos docentes, tal facto é superado. Ora está provado que o que existia, de facto, nas escolas era um trabalho colectivo e em equipa. Do processo ensino-aprendizagem, com as planificações feitas em grupo curricular e validadas em sede de Conselho Pedagógico, até ao trabalho na chamada Escola Cultural e/ou informal, era visível o esforço em equipa dos docentes. Evidentemente que a professora MLR desconhece o que é um projecto educativo, a dimensão organizativa da escola e a construção de uma escola democrática. Não era do seu tempo tais modernices. E que agora pense, com o processo avaliativo (e competitivo) que defende e face ao maior caos curricular que aprontou nas Escolas, que o trabalho pedagógico em equipa sairá reforçado, só revela desconhecimento e falta de consideração pelos professores. De facto, é preciso ter atrevimento. Muito atrevimento!"

quinta-feira, abril 24, 2008

O novo código do trabalho e aquilo que nem a direita nem a esquerda sabem pensar: frustração de expectativas ou má criação de expectativas

"Sem tentativas não pode haver fracassos e sem fracassos não existiria a humilhação. Por isso, a nossa auto-estima depende inteiramente do que nós conseguirmos ser e fazer. É determinada pelo racio das nossas condições reais com as nossas presumíveis potencialidades. Assim:

Auto-estima= sucesso
_______
Pretensões

A equação de James (William James) como qualquer subida nos nossos níveis de expectativa gera uma subida no perigo de humilhação. O que nós entendemos ser normal é crítico na determinação das nossas hipóteses de sermos felizes. (...)

O preço que pagamos por esperarmos ser tantas coisas mais do que os nossos antepassados é a eterna angústia de estarmos sempre muito aquém de tudo o que podámos ser." , Status- Ansiedade, p. 62 e 69


Ontem um colega meu, professor de matemática e pai de duas filhas ainda pequenas, disse-me que ponderava sair do país com a família. Durante um segundo paralisei. Depois relatei-lhe parte do assunto do artigo de Gonçalo M. Tavares publicado na Visão, p.20: "Quantas pessoas saem por dia do país? Pensemos na saída de quatrocentas mil pessoas em 2007 (há quem diga que os números são bem maiores, outros dirão que são menores, infelizmente não há números exactos). Um ano tem 365 dias. Isto significa que saíram do país (supondo o tal número) mais de 100 pessoas por dia."

E perguntei-lhe: - Porquê tu? Um professor do quadro, com carreira estável, excelente professor?

Contou-me que pensava muito na história que ouviu sobre uma experiência feita com ratos: se submetidos a choque eléctricos constantes e aleatórios, os bichos, na ausência de padrão ou de uma resposta que respeite os seus comportamentos e reoriente os estímulos , preferem deixar-se morrer. Associou as políticas deste governo a essa experiência de estímulos múltiplos, aleatórios e indiferenciados aos comportamentos. A confusão que está a criar em todas as áreas de intervenção, tem tendência para levar à paralisia por saturação do indivíduo ou do grupo na compreensão e capacidade de dar resposta. A ida para fora do país, ou do sistema activo, pelos que podem, é assunto grave, tanto quanto o do défice, tanto quanto o conformismo que se quer induzir nas reacções.

Não há um princípio para esta sociedade, um pensamento que reúna todos sobre a ideia de vida contemporânea, de reflexão sobre os modos de existir, há um sentir do apertar do cerco às expectativas que legitima ou ilegitimamente foram sendo criadas pelo próprio modelo de económico-social escolhido para ser o nosso.

Também me parece que esta questão da ansiedade individual não poderá ser curada com métodos políticos, é uma questão da pessoa, mas a ansiedade geral das sociedades, essa sim, só pode ser suprimida pela boa política.

E o facto de sentirmos que nem na Presidência da República temos assegurado um padrão de comportamento exemplar e coerente em todas as situações e contra os discursos ou as acções atentárias da ideia de Portugal como um Estado de Direito e secularmente civilizado, não ajuda em nada ao sentimento de arbitrariedade do sentido existencial que estamos a sentir.

quarta-feira, abril 23, 2008

E porque hoje é dia do livro

O meu amigo Fernando Mouro pediu-me para fazer ligação a este link, da Bertrand, que tem capítulos on line para se ler:
O Recruta - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D491635__q20__q30__q41__q5.htm

Para além dos Bosques Profundos – Crónicas do Abismo - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D491632__q20__q30__q41__q5.htm

Filha da Minha Melhor Amiga (A) - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D484103__q20__q30__q41__q5.htm

D. Sebastião e o Vidente - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D483879__q20__q30__q41__q5.htm
Conspiração Sistina, (A) - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D483421__q20__q30__q41__q5.htm
Último Negreiro, (O) - http://html.bertrand.dalera.com/livro_pc__q1livro_--_3D483416__q20__q30__q41__q5.htm


..
Também em matéria de livros, Daya Thussu fez-me chegar a informação de que publicou o livro News as Entertainment, que eu ainda não li, mas que entendo aqui referir.

Ando a ler sem ser por motivos académicos: a Biografia de Churchill, e estou quase, quase, a terminar. Já faltou muiiito mais. Estou com muita vontade de escrever sobre a obra e sobre a personagem. E ainda estou a ler o Status e Ansiedade, de Alain de Botton, que escreve assim de forma suficientemente ligeira para atrair, e suficientemente pensada para não ser um livro tipo pastilha elástica.

De resto, releio o capítulo sobre os Sofistas e a educação grega, da portentosa obra Paideia, e aprofundo leituras sobre teoria das influências/decisões. Um gosto de leituras.

As (des) ilusões

Há quem no PSD já comece a ver em Manuel Ferreira Leite a futura primeira-ministra de Portugal, a timoneira do PSD e a guarda do país. Já estou a vislumbrar os "antónio Vitorinos" do PSD, que também os tem, a afilarem um sorriso e a treinarem um "Habituem-se" para o espelho, para depois o fazerem ouvir para a ala dos meninos traquinas, primeiro internamente, e depois para o país ; e não para o mundo porque esse tem mais gente para ouvir.
Há qualquer coisa de assustador nesta ânsia disciplinar, nesta procura de mestres-escola, por muitos dos nossos políticos com responsabilidades de escolha de individualidades.
"Habituem-se". Mas a quê? À arrogância, à pose autoritária, à ideia de que o chefe tudo sabe, tudo pode e tudo manda? Eu já vi os rituais de poder de Manuela Ferreira Leite e não me recordo de ela manifestar assim um valor acrescentado tão diferente da actuação de Sócrates. É a repetição desse modelo de acção no poder que almejamos?
Há um gostinho na pose de chefe que em tudo me apoquenta neste Portugal de "Presidentes da Junta" a porem o dedinho e a gritarem "Eu. Eu. Eu." enquanto se acotovelam em cargos públicos. De líderes que confundem rigor e capacidade de trabalho, com insolência e maus juízos de valor sobre as competências e os méritos dos seus cidadãos.
Para quando governantes que tenham um discurso enquadrado com o sentido de responsabilidade, de brio e de vontade de melhorar dos portugueses, e que seja coerente desde o primeiro dia de campanha até ao último dia de exercício de poder? Para quando um "Vou habituar-me a estar à altura do povo que me elegeu? Ainda que com um sentido de ideologia de princípios universais mas que não se mostrem imunes à crítica e ao significado da realidade a emparceirar com a ideia? Para quando pessoas que aceitem a crítica sem se agastarem, nem se enfadarem com os limites e as fraquezas de um povo dado à distração?
..
Mas nesse texto de antologia que o DN publica hoje de Baptista-Bastos, que li com admiração profunda, ainda há uma proposta, a da solidariedade para com uma ideia de país que se vislumbra na consciência de muitos dos seus cidadãos, ainda que todos os pressupostos teóricos e políticos que subentendem o texto não me provoquem adesão emocional ou intelectual.
Não sou uma téorica marxista, mas reconheço a força de uma ideia como a que está presente nos estudos sobre o "Estado como aparelho ideológico" e julgo que há ainda muito trabalho de investigação em ciências sociais e humanas a percorrer nessa área. Um trabalho distanciado, mas não preconceituoso, para com as categoria evocadas.
..
escritor e jornalista
..
"Trinta e quatro anos depois, continuo a viver no refúgio das minhas esperanças. É muito difícil separar-me dessa ideia de comunidade que foi a moral da resistência, e do conceito de que a História caminha no sentido da libertação do homem. Mas também aprendi a não me acomodar a essa espécie de vocação para o desencanto, reduto onde se lastimam homens e mulheres da minha geração e da seguinte. A festa acabou. Vivemos um instante em que protagonizámos um apólogo presumidamente dialogal, porque, na realidade, havia, e sempre houve, dois países, com compromissos inconciliáveis e linguagens opostas. A existência de classes não é uma falácia, embora queiram inculcar a sua ausência a fim de impedir que as julguemos.
A festa acabou. Não terminou, porém, a definição daquilo que possui a faculdade de reavivar o que pretendem fazer-nos esquecer: os sonhos, a teimosia da vontade, a obstinação da esperança. Chamam-lhe utopia, e condenam-na como fautor de destruição do outro e, portanto, de si próprio, em benefício de uma verdade suspeita. A cada um a sua idiossincrasia, as suas possibilidades, a sua área de agir. Pessoalmente, sou incapaz de viver sem palavras, sem livros, sem o ajustamento desses livros e dessas palavras a uma ética que respeite o leitor, para nunca me extraviar do princípio das convicções mútuas.
Apesar de tudo, creio que não há motivos para extensas decepções. Uma releitura do que éramos e do que somos permite verificar as diferenças reais mas, também, as artificiais, registadas na sociedade portuguesa. Desejávamos mais. Esquecêramo-nos, porém, da pesada tutela exercida por uma Igreja extremamente conservadora, que exaltava a "tradição" e execrava a simples ideia de a questionar; e por uma classe dirigente, composta de cem famílias, que reivindicava privilégios inatacáveis.
O panorama foi muito bem exposto na melhor telenovela portuguesa de sempre: Chuva na Areia, de Luís de Sttau Monteiro, realizada pelo excelente Nuno Teixeira. Seria óptimo que a RTP a reexibisse.
É exacta a afirmação segundo a qual Abril ambicionava fazer da "revolução" uma máquina social, política e cultural influente. As fragilidades começaram na falta de análise das superestruturas, e no dogmatismo (natural no bulício da época) que contrariou a possibilidade de a "revolução" se compreender a si mesma.
Há um fenómeno que não esgota a claridade emocional eclodida há 34 anos: a renovação de uma bela utopia, revelada no número, cada vez mais elevado, de gente nova, atraída pelos prestígios de uma data feliz.
Venha o que vier, nada justifica o niilismo contido no "desencanto". Há uma História que nos pertence, um património moral inesquecível - e um outro país que reaviva o eterno projecto de um outro futuro."

terça-feira, abril 22, 2008

Autoridade sem ismo

Ontem à noite vinha a ouvir parte da intervenção de Manuela Ferreira Leite no rádio enquanto circulava a caminho de casa. A dada altura perguntam-lhe qual a razão que encontra para a súbita tomada de decisão de renúncia de Filipe Menezes, a que a candidata a líder do PSD responde pensar ter sido pelo concerto das vozes críticas e muito extensivas que surgiram na imprensa e que tiveram eco generalizado sobre o caso da jornalista contratada pela RTP.
Eu penso que os media portugueses fizeram muito bem em insistir e dar eco às vozes negativas que denunciaram a estratégia de Rui Gomes da Silva, mas não deixo de me perguntar até que ponto o mesmo caso, com outra figura, noutra profissão, teria exactamente a mesma unanimidade opinativa apesar de toda a razão civilizacional e profissional que lhe assistisse. Isto é, até que ponto estes casos com jornalistas não se tratam de toques a rebate corporativos como esses mesmos jornalistas gostam de adjectivar todas as outras classes sociais quando estas se reúnem para defender os seus membros de ataques infundados, mal explicados e ainda menos justificados numa sociedade democrática. Foi um pensamento que me ocorreu.

Manuela Ferreira Leite mostrou-se, ali, com um discurso distendido sobre a importância da crítica em democracia e sobre a inevitabilidade de ela ocorrer sistematicamente na análise que se faz de qualquer líder. Pergunto-me quando é que passará a mostrar sinais de inapaciência e de saturação para com os críticos que não tardarão a fazer ouvir a sua voz, e quando começará a pensar que discussão e apresentação de provas e de factos perante o público é sinónimo de ingovernabilidade.

É o problema da maior parte dos políticos portugueses e de quem os defende, sejam de que partido for, a saber, a sua deficiente preparação para o exercício, muitas vezes psicologicamente frustrante no que toca a recompensas imediatas ou pondo em causa uma ideia cheia de si, da democracia. O que me parece é que gostam de vestir a roupa de políticos rigorosos a esconder os reais trejeitos de autoritarismo que os fascina no exercício do poder. Como se não houvesse autoridade sem esses rituais exarcerbados do indivíduo sobranceiro.

Não compreendo que em democracia se defenda a atitude política de ministros tais como Maria de Lurdes Rodrigues e de Correia de Campos, ou mesmo de José Sócrates. Não entendo a defesa que fazem das suas políticas como se estivessem em guerra com um inimigo.
Há quem defenda que são eles os políticos rigorosos, os que não têm medo das reacções de classe, os que são reformadores por excelência, e eu vejo ministros que pactuaram com discursos de fragmentação da identidade das classes profissionais e da opinião pública a que se dirigiam, que manipularam dados e informações, que retocaram a política ao gosto da sua ideia mal explicada e que levanta dúvidas quanto à sua legitimidade, de engenharia social, sem atenderem nas razões dos que se lhes opõem, sem desfazerem o rito de desdém que se lhes cozeu à cara, sem descerem do seu lugar de programadores e se tornarem governantes numa República de direito. Se políticos como eles vierem a ter medo de assumirem cargos por causa de se incomodarem com a reacção pública, então mais vale que fiquem no aconchego dos seus gabinetes privados, não acho que o país democrático fique a precisar deles para nada.


Nota: Por que razão não se insiste mais na notícia de que os jovens portugueses no período dos 25-35 anos são dos mais bem qualificados da Europa? O que aliás faz pensar como é dúbia a relação Formação=qualificação=emprego =economia vitalizada.
Porque razão a senhora Ministra da Educação nos diz que este governo não navega à procura do facilitismo, quando entrega os certificados aos cursos EFA? Quererá enganar a quem? Com o devido respeito por todos os adultos que procuram desse meio certificar os conhecimentos profissionais (e não académicos) que adquiriram ao longo da vida.

Porque razão nos diz a mesma governante que temos dos melhores alunos da Europa no sétimo ano de escolaridade, juntamente com a maior taxa de reprovações? Será que é um defeito dos professores que os reprovam de acordo com critérios claros e estabelecidos pelos Ministério, ou é um defeito de um sistema de educação unificado? E quanto às reprovações no segundo ano do ensino básico por os alunos não terem adquirido as competências básicas de leitura... saberá a senhora ministra que essas competências continuam a não estar adquiridas mesmo que eles passem e comecem a encher os cursos CEF como acontece agora, quando querem alcançar certificados do 9 e 12 ano? Já nem falo sobre o que disse da avaliação dos professores no passado.

segunda-feira, abril 21, 2008

O problema que são os machos boçais numa sociedade

"(...) O problema é que Rui Gomes da Silva não é o único a pensar e a manifestar despudoradamente este fundamentalismo na nossa vida pública. Se uma mulher tem o azar de cair no desagrado de um qualquer operador com acesso aos média, tem garantido um rol de insultos e enxovalhos públicos. Se está no Parlamento, claro que assonância do termo deputada passa a ganhar um conteúdo injurioso cheio de cargas reles e cobardes porque, obviamente, em termos jurídico-formais o seu uso não é passível de sanção. Portanto, insulta-se impunemente com crueldade, crueza e assinalável cobardia. Por extraordinário que seja, esta condição de ser mulher na vida pública em Portugal ainda é uma fragilidade tão gritante quanto Simone de Beauvoir a identificou no seu "Segundo sexo". "Quando me pedem para me descrever, tenho de começar por dizer que sou mulher". Esta percepção de menoridade associada à condição feminina é um dos sintomas do nosso real atraso. Um primitivismo que se reforça e propaga quando vultos da nossa vida pública não hesitam em marcar com os ferretes da injúria pessoas dignas que são mulheres. Esta injúria ao feminino é antiga, é recente e é presente em Portugal.

Foi lastimável há uns anos que a opção política tomada por uma senhora tenha sido equiparada, num lamentável escrito num jornal importante, à fugaz carreira no Parlamento italiano de uma actriz porno. Não refiro nomes para não causar mais desconforto às pessoas já maltratadas. Refiro os factos para dizer que isto ainda se faz hoje nos jornais e no discurso público e não pode ser tolerado.Como leitor, é com profundo asco que constato na Imprensa de referência este género de prática reiterada sem qualquer sanção social ou reparo editorial. No caso de senhoras no Parlamento, a potencialidade de ofender que os pacóvios encontram no termo é óbvia. Mas, se não estiverem no Parlamento, há sempre uma qualquer construção semântica que inclua, com ou sem propriedade, o termo putativa para levar o insulto mais longe e humilhar mais.Tanto quanto ele vale aqui fica o meu enojado desagrado registado.
É saloio insultar. É boçal e é cobarde estar a escolher insultos com palavras comuns que soam a injúrias ou a insinuar "razões que todos conhecem" para tentar desgastar pela ofensa aquilo que não se consegue obter com frontalidade leal. Envergonhem-se e calem-se. "
Mário Crespo escreve no JN

domingo, abril 20, 2008

A necessidade de proteger e a possibilidade de questionar a intervenção

O Papa foi às Nações Unidas reafirmar em sede o seu apoio ao documento “Responsabilidade de Proteger". Imaginemos por um segundo o significado não só simbólico, como transcendental, para tal acto público.
Para um crente deverá parecer um acto de consignação do sagrado no consentimento a uma ideia política e de direito internacional de um documento humano, que põe como hipótese a primazia da defesa dos direitos humanos sobre o poder do Estado.
Para um não crente será impossível não entender o reforço que o Estado do Vaticano trouxe ao princípio de intervenção que renasce sob essa nova luz que retira a ideia de soberania absoluta a um Estado que não protege os seus cidadãos.
Ainda que cinicamente se possa questionar a legitimidade política, e a circunstância histórica, em que uma das maiores religiões do mundo se define em relação a uma política de intervenção que poderá ter como horizonte a ameaça física para maior efeito coercivo/negocial, na verdade o reconhecimento da obra profana por representantes do sagrado, acaba por fazer reflectir-nos na ideia de um encontro histórico de consciências, e num partilhar de princípios que não se deixarão ficar como pertença de um povo, seja pelo seu ritmo encantatório de ideias sobre a democracia e a civilização, seja pela economia dominante que arrasta a venda destes produtos ideológicos como mais uma mais-valia, seja por existir uma estrutura que universalmente nos faz partilhar a capacidade de produzir argumentos e ter a capacidade de os compreender e de os aceitar ou recusar (mesmo contra todos os que apontam os números de analfabetismo, iliteracia ou reduzido acesso da população mundial aos meios de informação), fazendo-nos generalizadamente capazes de reconhecer que há melhores formes de vida em relação a outras, e que sabemos e podemos escolher.
Seria engraçado saber se um Papa, quando profere um discurso, o faz sob que tipo de influência: faculdades imanentes ou sob influência de...?
Qual a força do seu discurso? Como representante de uma instituição ou como mensageiro da palavra divina? E qual a força da sua legitimação?
Um jurista tem a força dos argumentos e o seu conhecimento da lei ou do costume, um diplomata terá a força do seus conhecimento do carácter do interlocutor e domínio da situação histórica em que está envolvido, um filósofo terá a força dos seus argumentos, e um Papa? Pensará: - Sou uma referência e referencio aquilo que escolher, em razão, por força da inerência do meu cargo? Ou: - Escolho porque sou impelido a escolher, não pelo Presidente x ou pelo Primeiro-Ministro y, não pela minha inteligência, mas por...? E como sabia ele que não estava a ser enganado e a tomar uma má decisão?
Afinal, não há-se ser uma última vez em que um documento ou uma ideia que parece benfazeja se pode manipular ao serviço de interesses que não os previstos inicialmente.

sexta-feira, abril 18, 2008

carácter= informação / voto=filiação?

"Que tipo de influência crê que os media norte-americanos vão ter no resultado das presidenciais?

- A influência nos eleitores é maior
quando estes têm de julgar mais
subtilmente, como no caso das primárias
(as opiniões sobre o carácter
importam porque as diferenças
políticas entre candidatos são pequenas
e não há diferenças dentro
do partido). Já nas eleições gerais,
a filiação partidária é mais determinante
do que os media."

Michael Schudson in Meia-Hora


..
"No seu livro O Poder das Notícias diz que Reagan foi retratado pelos media que o seguiram em campanha como “um grande comunicador” e “um tipo porreiro” e que isso teve alguma importância na sua vitória. O mesmo pode acontecer com
Obama?

- Os jornalistas americanos, especialmente dos media nacionais,estão mais à esquerda do que o resto da população, e mesmo assim ficaram impressionados com Reagan e gostaram de cobrir a sua campanha. É um bom exemplo de como a cultura profissional dos jornalistas se sobrepõe às suas ideias políticas. Obama está mais perto das
suas inclinações políticas.

Diz que os críticos olham para o poder dos media como sendo como o do Super-Homem quando nãopassa de Clark Kent? Esse suposto favoritismo dos media não dá mais votos a Obama?

- O favoritismo na cobertura acaba por ser um pequeno factor. Porque é que o governador Rendell diz que os media estão contra Hillary? Porque ela não está a ganhar e estão à procura de alguém para atacar.
Se os media têm um papel moderado, o que é que vai decidir a nomeação de dois candidatos que diz terem pouco que os
distinga em termos de ideias? Muito tem a ver com timings acidentais, o que acontece em que momento. Penso que as lágrimas de Hillary foram um acidente, mas aconteceram no momento certo, assim como o discurso de Obama sobre a raça em resposta aos ataques
ao seu pastor, o reverendo Wright.
Eu, se fosse conselheiro dele, tinha-lhe dito para se distanciar totalmentedo homem e condená-lo. Não foi o que ele fez: transcendeu o momento e aproveitou a oportunidade para reflectir sobre a forma como a raçadivide a América.

Na campanha, o lado emocional pode ser mais importante do que
os argumentos?

-Penso que sim. Onde divirjo dos críticos é que eu não penso que isso seja mau, faz parte de ser líder."


Michael Schudson entrevistado por C. Gomes do Público

quinta-feira, abril 17, 2008

"Se o pobre come galinha um dos dois está doente". Prov. chinês

"(...) Quanto ao presente,aguenta-te. Aguenta a felicidade, por exemplo. E lá fora uma tarde de chuva, poças de água, humidade. Como diz o provérbio chinês? Se o pobre come galinha, etc. O general até uma condecoração chinesa recebeu. Na cómoda também. Deixa-te disso, volta ao presente. Faz projectos. Inventa. Não largues um único osso que abocanhes. Pergunta:
-O senhor não é aquele escritor que me esqueceu o nome?
Isto dois caramelos na rua.
-Na minha opinião é melhor que o outro que também me esqueceu o nome
e juro que esta conversa é verdade. Apertaram-me a mão, aconselharam
-Continue
e vou continuar para me esquecerem mais ainda, enquanto eles continuaram na rua fora por seu turno, acotevelando-se sempre que uma mulher os cruzava. (..)"

António Lobo Antunes, "o Precário fio dos dias", in Visão, p.18
Dizia eu ontem depois da meia-final para a taça: - Anima-te! Olha que para o ano há mais!
Resposta: - Mas então porque andas tão desanimada com este governo? Para o ano também há mais!


E ainda dizem que não se deve comparar os diferentes jogos de poder.

quarta-feira, abril 16, 2008

Isto é que é rigor jornalístico!!

"Educação: Quase 90 % dos professores apoiaram entendimento com Ministério - sindicatos"


..
"Lisboa, 16 Abr (Lusa) - Quase noventa por cento dos cerca de 50 mil professores que foram consultados terça-feira pelos sindicatos apoiaram o entendimento alcançado com o Ministério da Educação (ME) no âmbito da avaliação de desempenho, revelou hoje a plataforma sindical de docentes. (..)"

A diferença que as palavras "que foram consultados" faz!!! E o "cerca" de quinhentos mil?

Onde fica a direita e a esquerda neste retrato? 2

"A vitória dos porcos"


"(...)Naturalmente, precisamos de uma "outra" esquerda; mas, também, de uma "outra" direita. O recenseamento das abdicações mútuas (da direita e da esquerda) produziu populistas sem escrúpulos e um rol infindável de crimes.

Nem revolta nem revolução. O que se nos propõe como realidade está repleto de logros, embustes e ilusões. Em nome da "democracia liberal" (que mais não é do que "democracia financeira") há a intenção de se instaurar e consolidar uma ordem despótica. Não há alternativa, proclamam. Há. Desde que a regulação dos conflitos admita que as formas de infelicidade social têm origem nas deformações políticas.
(...)

Baptista-Bastos
escritor e jornalista in DN


Um excelente artigo, mais um, de Baptista-Bastos.


Penso na esquerda e nos seus problemas com o ideário da diferença e com a consequente reflexão de a cada um aquilo que ele merece no quadro dos deveres e direitos de um estado de direito e das instituições a que se encontra adstrito por consentimento próprio ou delegado em quem de direito.
Penso na direita e nos seus problemas com o ideário da igualdade e com a consequente reflexão sobre a necessidade de regulação estatal no assegurar desse alargamento universal para as condições institucionais que fomentem a igualdade de oportunidades sociais e políticas.
No meio o ioiô da luta pelos interesses individuais.

O sistema de educação neste momento é o reflexo do pior que a ideologia de esquerda e de direita têm feito no país. Quando as escolas públicas estiverem americanizadas ao nível de todos andarmos de faca na liga sempre que por qualquer motivo lá tivermos que entrar, quando aquele espaço for o abrigo definitivo para oportunistas seres que vivem de parasitar o sistema democrático para imporem a sua lei, que é a da força e a da boçalidade, quando se tornar um refúgio para a pequena criminalidade a preparar-se para quando for "grande", então...todos os que para isso contribuíram estarão no sistema particular a usufruírem das mordomias, e a porem a mão no peito contristados com a ideia de que tentaram, quando eram "puros" e "idealistas", fazer uma sociedade com educação geral e gratuita e só não o conseguiram em nome da natureza de um povo dito resistente à civilização.
Desgraçadamente não conhecem os valores do cumprimento de regras sociais, da diferenciação do ensino em idade adequada, em ensino técnico-profissional e liceal, desde que ambos ofereçam excelentes meios para formar os seus alunos, mas com rigorosas possibilidades, claras e insofismáveis, de gratificar os que nele se esforçarem a empenharem, e penalizar com trabalho comunitário todos aqueles que desbaratarem a aplicação de recursos nacionais nas suas pessoas.

terça-feira, abril 15, 2008

Onde fica a direita e a esquerda neste retrato?

Por norma incomoda-me não pensar sobre o meu lugar no quadro de divisões ideológicas. É claro que prefiro a equidistância, fantasiada, de todos os partidos, ainda que não de todas as ideias. É que não são, de todo, uma e a mesma coisa em política, claro!

Mas ontem confesso que abri um grande sorriso quando li o seguinte:"Lisboa - Foi hoje finalizado na sede das Nações Unidas em Genebra um novo tratado de direitos humanos que passará a permitir aos cidadãos de todo o mundo apresentarem queixas à ONU em casos de alegadas violações dos seus direitos económicos, sociais e culturais.
Este Protocolo, elaborado no âmbito de um Grupo de Trabalho presidido pela jurista portuguesa Catarina de Albuquerque, foi objecto de um processo de negociações - iniciadas em Fevereiro de 2004 e que envolveram todos os Estados-Membros da ONU, bem como várias agências do sistema das NU (como a UNESCO ou a OIT) e centenas de organizações não-governamentais. " in jornaldigital.
E porquê o grande sorriso? É porque se vão reconhecendo finalmente, junto da ONU, e admitindo-se a legítima contra-argumentação, sem pôr em causa a aplicação desses princípios de forma universalizável, que a defesa dos valores económicos , sociais e culturais, sejam não só uma matéria de labuta partidário-ideológica, mas sejam reconhecidamente aceites ao mesmo nível de defesa tanto quanto os valores políticos que fundamentam uma democracia. É que agora caberá às ideologias, aos partidos e governantes discutirem os meios de consagrarem estes direitos, tanto quanto lhes coube, e continua a ser a sua função, o de consagrarem os direitos civis e políticos.
Será que é um arruamento mais a confluir para uma ideia de criação de estado transnacional, ou é um reservatório moral da vida pública?
Ainda bem que Portugal reconhece o mérito deste Protocolo, pelo menos enquanto tudo não passar de retórica e não houver que fazer aplicar políticas efectivas nessa área, ou desembolsar o dinheiro que irá gerir essa boas aplicações.

domingo, abril 13, 2008

Estados nacionais: sim, porquê?

"(...) E é sobretudo o caso da nova versão do que fazer com os impostos: é a "harmonização fiscal" (a "quase (?) indexação") com a Espanha. Já que, como tantos outros Estados, transferimos para a União as políticas monetária e cambial, o melhor agora é transferir para Espanha a política fiscal. Eles que decidam, que nós vamos atrás. Isto acena com a descida do IVA, mas esconde (ou, o que é pior, esquece) a subida do IRS e do IRC. Mas, pior ainda: os leigos - que seremos quase todos, mas esmagamos os especialistas em qualquer votação universal - presumem que a política fiscal seja um instrumento que se vai acertando à medida dos ditames da política económica. Portanto, a Espanha tem, ou tenta ter, a que melhor serve a sua economia. E questiona-se: como é que a política fiscal concebida para a (até há pouco) pujante economia espanhola serve agora tão bem a ainda frágil economia portuguesa? E se o Estado é para "desmantelar" em seis meses (primeira versão, em princípios de Março) ou para reduzir à sua função reguladora, conservando apenas uma intervenção nas "funções de soberania", que seriam os negócios estrangeiros, a defesa, a justiça e a segurança interna (nova versão, em princípios de Abril), então por que bulas iremos ter uma carga fiscal decalcada da de um Estado que continua a pagar ensino e saúde públicas? Nenhum marketing resguarda quem quer que seja de tão contumaz ligeireza. Nenhum povo, na Europa de hoje, regressa à tribo e à multidão para correr atrás de acrobatas verbais e saltimbancos do pequeno écran. (...)"
Nuno Brederode Santos, jurista, in DN
..
"3) E que pensarmos da postura da Plataforma Sindical face à lotaria, à golpada e à aberração mais leviana e mais injusta alguma vez intentada nas escolas e que dá pelo nome de "Concurso de Acesso a Professor Titular", dividindo, injustificadamente, os professores? Relativamente a esta manobra administrativa vergonhosa, a Plataforma Sindical manifesta abertura para mais divisão e mais ignomínia! Particularmente, do lado da Fenprof, tão crítica no passado da divisão da carreira, haja pudor e sentido do ridículo!
4) Alguém nos saberá explicar de onde surgiu essa ideia peregrina de se colocar à discussão mais um escalão no topo da carreira? Nunca nos movemos por questões reivindicativas de cariz remuneratório mas sim por questões de fundamentos de princípios e de valores!"

sábado, abril 12, 2008

"Uma casa seria assim: das janelas mais altas chegava-se à àgua, descendo uns degraus estava-se em terra. E à volta saber-se que havia gente, a caminho da leitaria e dos jornais, a entrar para a igreja, para o teatro, a voltar de uma esplanada por cima da cidade, com sombra e caruma de pinheiros. Conheci esta casa, e como já não sei quem lá mora só posso dizer que aparentemente ainda lá está, na mesma rua. Não é comum em Lisboa ter o rio e algo de jardim."
Alexandra Lucas Coelho in Público do dia 11 de Abril.
..
Uma vez vi um filme alemão, de cujo título me esqueci, que falava sobre a filosofia de Heraclito. Ou seria sobre Nietzsche? Parece-me que tinha que ser sobre Heraclito. Mas também me esqueci da trama. Não sei se era sobre duas raparigas que se empregavam numa loja com roupa masculina para conhecerem homens ou se se tratava de um homem que se empregava numa casa de vestuário feminino com a ideia de assim poder conhecer mulheres. E sei que uma das personagens era não humana, ou algo que o valha. Realmente recordo tudo mal. Enfim, havia uma casa. Disso eu tenho a certeza. Uma casa quase em cima de um rio, e homens e mulheres que falavam da existência enquanto o rio serpenteava a casa e as suas águas corriam na fita que corria por sua vez.
Não é preciso ser explícito quanto às águas do rio. Basta não sermos incrivelmente jovens e imunes às imagens de degradação e decrepitude para que quando vamos a um hospital visitar os parentes envelhecidos ouvirmos enraivecido o rumorejar das águas que correm a despenhar-se na foz, com violência.
..
Mas depois há as casas, e estas dão-nos a ilusão de um espaço em que se suspende o tempo, ou que pelo menos nos abriga dele.
O Prof. Bragança de Miranda fez uma vez uma conferência em que falava das casas na cidade, sobretudo destas, e do inumano que cada casa destas, amontoada sobre a outra, denotava. A ideia de casa como uma ausência de casa, apenas uma ideia de casa, um habitáculo.
..
Um dia estive em Heidelbergue. Não por Heidegger, mas também por Heidegger. Tinha feito um trabalho sobre o seu pensamento e não tendo propriamente afinidades intelectuais com o autor, algo havia que me levou a Heidelbergue e não era só pela universidade, mas sim por uma ideia da casa construída na Floresta Negra de que ele tanto falou.
Arrastei duas amigas pelo caminho dos filósofos, monte acima e monte abaixo. Ambas de cursos científicos, disseram-me então que se eu as tinha levado por aquele caminho para lhes exemplificar o trabalho do filósofo, que elas ficavam eternamente convencidas da sua dificuldade e que jamais desdenhariam da tarefa. Rimo-nos muito, eu com um riso altaneiro, convencidamente enigmático.
Eu procurava a casa, mas como não estava na Floresta não a encontrei. Um "déjà vu". Um filósofo sabe que o que importa é o caminho. As meninas não sei o que encontraram.

sexta-feira, abril 11, 2008

"Há sempre um amanhã". De facto, mas... isso é suficiente para explicar os erros que se cometam no presente? Não me parece. 1

Não fora ser mãe de um filho e não poder dar-me ao luxo de permanecer no lugar incerto da descrença e da desconfiança na criatura e na forma como a criatura lida com as suas obrigações políticas, não fora ser professora e não poder baixar os braços na tarefa da minha condução pelo saber e pela crítica aos valores que não admito submeter à vontade de ninguém, não fora as árvores que todos os anos à frente da minha janela caducam para logo depois se folharem, como se de uma primeira vez se tratasse, e haveria dias que eu deixaria absolutamente de querer ou poder acreditar no que quer que fora, e olharia o mundo da forma mais cínica que os cínicos inventaram, ou iria para um deserto fazer companhia a outros eremitas. Não fora.

Mas eis o olhar a brilhar de inteligência e de entusiasmo do pequeno, as perguntas e as dúvidas de alunos que através de mim buscam algumas respostas, e há milhares de folhas que em poucos dias cobrem os velhos ramos que se estendem no espaço. E sabemos que é tempo de continuar ou de regressar à “tal” posição original, de defender sem enfraquecer os valores da liberdade, da igualdade de oportunidades e da diferença como equidade, como demandou Rawls pela sociedade justa, ou da procura de argumentos válidos universalmente em exercício de trabalho em comunidade assente em critérios reguladores comunicacionais, como diria o bem amado Apel, seguido por Habermas. E então não se deixa de acreditar, pois nem a violência, a doença, a velhice ou a morte, é o fim, nem a mentira, a maldade ou manipulação dos corpos e da mente, o há-de ser.

Naquele tempo, a futura sinóloga e escritora emprestava-me os seus livros. Ler Pearl Buck então foi conhecer uma escrita ao rés da terra, sobretudo da terra chinesa, mas não só.
Recordo o livro “Há sempre um amanhã”, passado na América. As pessoas e as suas lutas contra os grilhões.

quinta-feira, abril 10, 2008

A cidade e o mundo

Os especialistas... de repente os especialistas acordam. Parecem médicos em zona de conflito, ignorando o quando e o como evitar o caos. Com tantos avisos, com tantas chamadas de atenção, e desperdiça-se o tempo que houve para prevenir, para depois se agir em resposta do rebate dos sinos e como reacção ao progresso do caos. É verdade que a realidade não é passível de ser manuseada em tubo de ensaio, nem em bala de canhão, por muito que se tenha tentado condicioná-la dessa forma, mas há um cansaço em não actualizar as formas de vida políticas aos valores políticos que consagradamente fizeram prova de ser uma mais valia internacional.

quarta-feira, abril 09, 2008

É engraçado, e é engraçado porque não encontrei outra forma de o dizer, como Robert Walser se despede da sua personagem fazendo-a viver até á última linha o drama de uma existência dividida entre o impulso para o intelecto e a denegação ou desejo de resistência a essa actividade. Entre a imolação da individualidade através da reflexão sobre o que há de demasiado pequeno em si, intuindo, ou desejando, uma outra dimensão que o liberte do que experiencÍa mentalmente. Lembra-me a poesia de Alberto Caeiro, mas com um Alberto Caeiro mais atormentado pelo seu efectivo, e testemunhado ao longo do livro, saber pensar.

Descobri em Jakob Von Guten um possível irmão mais novo da personagem Ulrich em O homem sem qualidades de Robert Musil, e o irmão um pouco mais velho da personagem Törless do livro O jovem Törless do mesmo autor, sendo que muitas passagens descritivas que remetiam para descrições de pesadelos ou de perturbações nos estados de ânimo me parecem ter tido eco naquela torrente de imagens/sensações captadas aquando da passagem da personagem Virgílio no livro A morte de Virgílio de Hermann Broch, em que Virgílio, já doente, deitado na sua liteira*, é submetido a um processo de iniciação à influência das massas, no percurso que o levou, desvalido e exposto, pelas ruelas estreitas da cidade portuária de Brindisi onde o seu návio fundeara.

Imagino estes autores juntos, naquilo que já era um tempo sombrio, usando livremente o título de Annah Arendt. Mas é engraçado, à falta de outra palavra, como o refazer ou o reconstituir de uma memória é incomensuravelmente mais difícil do que as sensações que nos colhem no presente.
“-Espelho, espelho meu, onde houve tempo histórico mais sombrio que o meu?”
Como é que dizia Júlia ao despedir-se de Charles em Recordar o passado em Brideshead e citando algo do Livro de Eclesiastes? Ah, sim...
“Vaidade, vaidade, tudo é vaidade”

Hoje é um bom dia para revisitar o documentário sobre “Recordar o passado em Brideshead”, de facto.

*Por lapso escrevi ontem "leitora" ao invés de liteira. Tão engraçado... O lapso quero eu dizer.

terça-feira, abril 08, 2008

Quem brinca com o fogo?

Os símbolos não são mais importantes que as pessoas, mas são mais importantes do que certas acções das pessoas contra eles, sobretudo se os símbolos forem criados para defesa dos direitos universais das pessoas.
A tocha olímpica e todo o simbolismo que com ela está relacionado não é mais importante que a defesa dos direitos dos tibetanos a um Estado justo e legítimo, mas na verdade é tão importante a defesa da manutenção da sua chama, pelos valores políticos que ela representa, tanto quanto o direito à reacção dos defensores da causa tibetana. Não são causas adversárias ou concorrentes, são causas comuns. Como é que activistas dos direitos humanos confundem o transporte do símbolo olímpico com a ideia de branqueamento de uma política?
É algo perturbador sabermos que existe o pensamento de instrumentalização do símbolo na defesa de interesses particulares , da China, tanto quanto é perturbador sabermos que esse símbolo também é instrumentalizado precisamente por quem diz estar a defender a sua autonomia política.

O símbolo pode estar a ser usado pela China para mostrar ao mundo o seu poder, algo que na contemporaneidade e desde Mao tanto almejou e não conseguiu através das suas opções geo-estratégicas, mas está igualmente a ser usado por todos os que tentam apagá-lo. E apagar a chama olímpica é recusar não a sua passagem de testemunho à China, mas a própria passagem de testemunho de valores que deviam ser consagrados pelas políticas dos países por onde a tocha passa, inclusive na China, como forma de fazer vivificar a democracia.
É sempre fácil dizer aos outros como deviam fazer as suas coisas, mas parece-me que as instituições de defesa dos direitos humanos estão mais que habilitadas para pensarem de forma estratégica e controlarem a logística e a organização de manifestações globais de repúdio que, por exemplo, um cordão humano, sem festejar, mas também sem invectivar atletas que transportam o símbolo olímpico, representaria uma acção mais espectacular, não necessitando de legitimar com a sua complacência quaisquer acções a roçar comportamentos de delinquência.
Razão tem o Dalai Lama que sabe que os fins não justificam todos os meios. Nunca, se não quisermos perder a razão das nossas razões que são precisamente feitas em nome de valores civilizacionais que não podemos recusar ou suspender quando isso nos dá mais jeito, ou com os quais não podemos entrar em confronto porque isso baralha o sentido do direito universal já reconhecido para os povos.
Podemos pensar que a civilidade do governo da China labora na irrisão, e que a atitude de prepotência e de violência só pode ser respondida com ainda mais violência e prepotência, porque essa é a linguagem decifrada entre as partes. Mas o que parece não ter outra solução, até pela atitude que põe de cócoras perante a China muitos líderes políticos ocidentais o que pode frustrar aqueles dos seus cidadãos que gostariam de ver defendidos politicamente e de forma activa os valores democráticos, não parecendo estarem eles a resolver politicamente uma questão que é política, dando azo a que certas pessoas tomem para si a defesa dos valores políticos, acaba por nos fazer cair todos em contradição ao atacarmos símbolos que representaram a seu tempo um salto civilizacional inquestionável.
A iconoclastia pode ser meritória como processo de evolução de um indivíduo ou de um criador, mas como método propedêutico, não como forma de vida de uma sociedade que não tem sempre que estar a inventar a roda, logo não tem sempre que estar a inventar os mesmos valores que a história já provou serem os mais recompensadores para os povos.

Numa política internacional com compulsão generalizada para a regressão democrática em nome de valores como os da segurança, com líderes políticos trémulos de vontade de poder, e de enriquecer à custa da política, com laivos acentuados de autoritarismo para compensarem as fragilidades das suas formações cívicas e intelectuais, se começamos então a combater o que restam de símbolos que manifestam valores reconhecidos como uma mais valia civilizacional, caímos na casuística política: reino do vale tudo. E é isto que quem defende a existência de princípios universais de regulação do comportamento humano que sejam invioláveis tem que compreender, que quem brinca com o fogo sai queimado, e se isso como experiência individual é um problema que só diz respeito a cada um, numa sociedade, quando o fogo queima, arde sobretudo sobre os mais desprotegidos.

segunda-feira, abril 07, 2008

"Notícias de uma morte não noticiada"

"Victor Ramalho disse há dias num debate na SIC que os números, quando devidamente torturados, acabam sempre por confessar aquilo que se quer. E tem toda a razão. Os números apurados pela ERC para avaliar a isenção da RTP dizem tudo aquilo que se quer que eles digam. Dão ao PSD o sudário de mártires crucificados por uma máquina de propaganda orientada para os esmagar. Ao PS dão a preciosa oportunidade de se apresentar dorido pelo cilício do órgão controlador que criou e que pode agora exibir como uma entidade realmente independente que não hesita em criticar e morder a mão que a fez nascer e a alimenta. Portanto todos saem a ganhar. Uns com o seu Miserere Nobis que, à falta de melhor é o que vão conseguindo, os outros no Gloria in Excelsis que tanto gostam de entoar. Só que relatórios como o último levantamento da ERC sobre pluralismo na RTP não valem nada. Por muitas horas de transmissão que tenham sido analisadas, a propaganda nunca se mediu a metro e a sua eficácia não é traduzível em percentagens. Quem compila estas inutilidades estatísticas sabe isso muito bem.
Há uns 40 anos, por alturas do Vietnam, Daniel Hallin, Professor de Ciência Política em Berkley, arrumou o jornalismo televisivo em três prateleiras distintas. Na prateleira de cima, Hallin coloca tudo o que é discurso de consenso. O jornalista aí é um mero defensor dos valores sociais e políticos já incontestados na sociedade (no nosso caso patriotismo, democracia, integração europeia etc.). Na prateleira do meio aparecem as áreas de controvérsia consentida. Sem afrontas fala-se de tudo aquilo que o sistema admite poder ser contraditado. Sempre só argumentos contidos na correcção política. Estão aqui as coberturas jornalísticas que decorrem dos debates na Assembleia da República. Este último debate sobre o estado da democracia é um excelente exemplo.
O jornalismo da prateleira do meio, dominante em Portugal, deu-lhe a ressonância necessária, indiferente a pequenos pormenores curiosíssimos que apareciam no levantamento da ERC. Por exemplo, o PS como partido ter uma cobertura televisiva ínfima na RTP quando comparado com o PSD. Um detalhe sintomático deste regime que não mereceu análise apesar do nosso sistema de governo decorrer do número de lugares no parlamento. "Bagatelas!" dirá o jornalismo das águas mornas da sua prateleira do meio, rematando "o governo é PS não é"? "Olhe que não", diriam talvez Manuel Alegre, João Cravinho, António José Seguro e tantos outros. Assim, o retrato e a análise do fenómeno ficam para a prateleira mais baixa, a do jornalismo desviante (foi assim que Hallin lhe chamou) que acaba sempre por ser sufocado na formidável aglutinação de consensos mediáticos que a prateleira do meio origina, porque é aí que actuam subrepticiamente as agências de comunicação avençadas por tudo e todos na nossa vida pública (até pela ERC). Com telefonemas, e-mails, pequenos convites e prendinhas caricatas convencem, entre bájulas e ameaças, este jornalismo mediano das questões que merecem cobertura e das que não a merecem. Estes operacionais tentam por todos os meios criar consensos de opinião tão amplos quanto possível em redor dos seus interesses para esmagar com o seu peso a prateleira dos perguntadores desviantes, neste momento quase vazia em Portugal. Foi assim que a morte do PS parlamentar denunciada pela ERC ficou sem registo jornalístico. O obituário está lá, claríssimo, lavrado no relatório da insuspeita ERC. Mas é preciso querer lê-lo arrumado como foi na última prateleira de Hallin. Uma nota académica Daniel Hallin utilizou a metáfora de esferas concêntricas no seu grafismo. Por experiência pessoal, acho que prateleiras é mais adequado ao caso português."
Mário Crespo escreve no JN, semanalmente, às segundas-feiras

sexta-feira, abril 04, 2008

Política de identidade: paradoxo

Analisemos os dados mundiais para a população. No segundo em que fiz esta cópia estava em 6.696.393.474. Sabemos que estes dados são fictícios apesar das boas intenções estatísticas, pois a actualização rigorosa destes números ainda não é possível no mundo. São cálculos baseados em censos que extrapolam para uma determinada sucessão a que a demografia não dá total cobertura, pois sabe-se que mesmo em países com censos e registos actualizados nem sempre todos os indivíduos são assinalados, pelas mais diversas razões sociais que passam desde a emigração ilegal a pessoas sem residência ou trabalho declarados, quanto mais em países em vias de desenvolvimento que não têm meios para proceder ao devido apuramento.
Seja como for é um número bastante aproximado. Um número que nos faz pensar, não exclusivamente pela sua grandeza presente, mas pelo facto de só neste século se ter conseguido triplicar o número de habitantes no mundo, o que nos faz imaginar na hipótese de dentro um século, seguindo este aumento exponencial, estarmos com um número de habitantes verdadeiramente surpreendente, e alarmante, tendo em linha de conta os recursos disponíveis e o tipo de economia predadora como é a economia baseada no consumo individual das sociedades desenvolvidas.

É por isto que me rio sempre que se fala em problemas de natalidade em Portugal, ou na Europa. Com milhares de seres humanos em situação de pobreza extrema, com milhares de seres humanos com fome, e nós impedimo-nos de pensar numa política de imigração com efeitos reais sobre a taxa de natalidade, ou numa política de adopção verdadeiramente preocupada com crianças e pais adoptantes. É claro que poderemos pensar onde fica a questão da identidade portuguesa se houver um aumento exponencial de indivíduos cuja cultura e tradição seja de tal forma diferente que colidam com a dos nossos valores. Mas primeiro era preciso que eu acreditasse que Portugal tinha valores distintivos dos de qualquer outro povo, ainda que não almeje valores adversários aos dos princípios que regulam os direitos humanos, ou geradores de conflito, que necessitassem de ser defendidos, e em segundo lugar, era preciso que eu acreditasse que havendo esses valores eles estariam em perigo pela vinda de seres socializados de forma distinta e por isso se mantivessem estranhos aos mesmos. È claro que o radicalismo ideológico pode fazer sobraçar uma cultura, mas não uma cultura que se reconheça e que queira ser reconhecida utilizando todos os mecanismos de um Estado de Direito para se defender.

Assim, a circulação de indivíduos no mundo, não deve ser entendida como um negócio de corpos, mas como um contrato de crenças passíveis de serem partilhadas ou pelo menos reconhecidas e respeitadas. A vinda de imigrantes para as nações faz-se em nome da vontade de ganhar dinheiro e ter uma vida materialmente mais desafogada para si e seus descendentes, mas também em nome dos valores que essa terra, passando a ser sua, vai ter que exigir como contrapartida. Não me interessa se as pessoas são verdes e azuis, interesse-me saber se se reconhecem em Portugal e no mundo como portugueses. Mas que valores são os de Portugal? São os dos países ocidentais por mimetismo, por vontade assumida ou inércia cívica, ou temos algo distintivo na nossa sociedade que nos faça singulares e que nos dê orgulhe transmitir a todos os indivíduos em processo de cultivação/socialização?
A identidade está nos livros de história e nas artes? Está na língua? Nas formas de manifestação e convívio populares? Onde? E o que estamos a fazer, no caso de sabermos identificá-la, para a divulgar e conluiar as pessoas à sua volta de forma emocional e intelectual?
Pelo que observo nas festividades institucionais deste país, parece-me haver ideia de colagem da identidade portuguesa à imagem do navegador renascentista que quebrou com o paradigma antigo de pensar o mundo, não sei se por interiorização de um movimento social anímico da nossa consciência pública se por influencia estratégica da propaganda do estado Novo.
A verdade é que é uma bela imagem, e que foi consagrada por Camões, é uma imagem da pessoa interessada no que a rodeia, em explorar métodos e técnicas de locomoção e de comunicação novos, em ir ao encontro de novos povos, mas também é uma imagem crítica, que não quisemos, felizmente, branquear, pois está ligada à defesa de interesses de certas classes de uma determinada fase da nação que colidiram tragicamente com os interesses dos nativos dessas terras. Há uma espécie de vergonha em associar o sem dúvida grandioso movimento da expansão marítima, com o processo da aniquilação dos seres que se lhe oponham como obstáculos ou que foram utilizados como meios para esse efeito. Será esta hiper-consciencialização que nos impede de embandeirar em arco uma exclusiva forma de estar no mundo, reconhecendo-se essa a marca de água que qualquer cidadão português procurará colar a si? E será esta a nossa marca de água?


Por estes dias a França também anda a discutir a sua identidade. Parte dela acha que está a perder a sua liberdade de decisão internacional ao fazer adesão à OTAN. Cabe saber se é a França que perde ou a OTAN que ganha.

terça-feira, abril 01, 2008

Mais realistas que a realidade

"(...) duvido que subscreva a magnífica frase do nosso ministro dos estrangeiros, para quem o direito internacional é "um instrumento ao serviço de opções políticas", ao bom estilo do Manifesto Comunista de 1848. Apenas reconheço que, no Instituto Diplomático, não devem dar Antígona, Cícero, os jusnaturalistas de antes do Iluminismo, os jusracionalistas kantianos e os actuais defensores do direito da razão.(...)
Adelino Maltez em "Sobre o tempo que passa"
Pedro Magalhães já ontem no seu artigo do "Público" dava conta desta deriva interpretativa dos "realistas" deste mundo. E ainda pensamos que não há retrocessos civilizacionais no Ocidente?

" You spend your whole life looking for answers. Because you think the next answer will change something, maybe make you a little less miserable."

Jakob Von Guten investiga. Tem por objecto aquilo que os filósofos contemporâneos puserem em causa e que se pode convencionalmente chamar por "natureza humana".
O que a personagem faz é constituir um friso ao longo do livro sobre a personalidade e a acção dos seus professores e dos seus colegas, e enquanto o faz vai revelando-se a si mesmo. Sabe que todo o movimento de descrição, definição, circunscrição dos outros remete inevitavelmente para a ideia que temos da nossa própria descrição, definição e circunscrição. A questão está que nem sempre nos vemos através do ricochete do nosso olhar sobre os outros: é mais fácil crer que ao defini-los de uma vez para sempre o estamos a encerrar num universo que não nos afecta, de que somos imunes e convenientemente afastados observadores. Como se o fossemos alguma vez… como se não ficássemos quer na sombra que sobre nós projecta o objecto observado quando ele se interpõe entre nós e o foco de luz (a teoria, ou a opinião, ou o hábito à luz dos quais analisamos as coisas), ou quando sem subterfúgios nos prestamos a vermo-nos a nós mesmos com a luz que usamos para ver os outros.
Jakob investiga-se. Faz perguntas sobre si e para si póprio. Não as faz só para saber dos outros à sua volta, para os prender em ideias concebidas. Todo o conhecimento do que o rodeia é um pretexto para profundar o que sabe ou intui acerca de si. Não é uma redução do mundo ao eu, é uma expansão do eu através do mundo.
Não é a firmação do egoísmo solipsista do comentador de filósofo que precisa de interpretar deficientemente a teoria que o precede para não se deixar aprisionar na resposta e produzir ele a sua própria resposta, como a criança malcriada que pensa que só o sendo ganha a autonomia e impõe as suas regras, é a ideia de que ao falar sobre os outros eu estou sobretudo a revelar-me a mim própria, não pelo que eu digo, mas porque o digo, porque me interesso, logo me comprometo com o sentido da inquirição.

"And you know that when you run out of questions, you don't just run out of answers, you run out of hope. You glad you know that? "


Ontem, no episódio de Dr. House, onde me refugiei do desespero intelectual que a parte visionada do programa “Prós e Contras” me estava a provocar, a assistente/colega do médico tem esta conversa com ele:

“/Cut to 13 walking into House's office with an envelope.]
13: What the hell is this? [Puts the envelope on House's desk.]
HOUSE: [Picks it up and looks at it.] Looks like an envelope with the results of the genetic test for Huntington's inside.
13: Did you look?
HOUSE: I thought it'd be fun to find out together.
13: I don't want to know.
HOUSE: No, you're afraid to know.
“13: I might die. So could you, you could get hit by a bus tomorrow. The only difference is you don't have to know about it today, so why should I?
HOUSE: I don't have to know the lottery numbers, but if someone offered them to me, I'd take them.
13: You spend your whole life looking for answers. Because you think the next answer will change something, maybe make you a little less miserable. And you know that when you run out of questions, you don't just run out of answers, you run out of hope. You glad you know that?
[13 leaves. House thinks for a few seconds then drops the envelope in the bin unopened.]”
..
Texto retirado do site "Clinic duty"
O episódio ontem visionado com legendagem em português é o da 4ª temporada, o nº 408.