sábado, julho 19, 2008

Formulação tão precisa, confesso, não conhecia. Hoje já não consigo, mas preciso de pensar sobre esta frase no livro Pensamentos secretos de David Lodge: "Pelo menos Messenger tinha-se dado ao trabalho de votar(um voto táctico, no candidato liberal-democrata de Cheltentham), mas para ele o resultado não passava do menor dos males possíveis. Sentia um profundo desprezo pela política e pelos políticos. Os políticos, defendia ele, eram a maldição da idade moderna, tal como a religião o foi em tempos passados. Pense-se só na patente imensidão de miséria humana causada pela política ao longo deste século - na Europa central, na Rússia, na China, em África - sustentava retoricamente." p.287

Quem o "diz" é uma personagem de Lodge, Ralph Messenger, do livro supracitado, um cientista e académico de renome na área da filosofia da mente que, dirigindo um laboratório de pesquisa da área, não se coíbe de pressionar a universidade a atribuir um doutoramento honoris causa ao ministro da defesa que financiava uns projectos do centro. Seja como for, e apesar desta duplicidade de entendimento sobre os políticos, a ideia merece mais conversa.

quinta-feira, julho 17, 2008

Sim, sim, sim, não , não, não

Mas então qual a solução para que deixemos de nos sentir constrangidos com a memória daqueles cãozinhos de pelúcia que nos olhavam a partir do vidro de trás dos Austin Mini, por exemplo, e acenavam com a cabecita para cima e para baixo numa submissão ao movimento de deslocação do carro onde estavam postados, lá pelo fim dos anos setenta?
Ou então, há que interromper o fluxo noticioso com artigos de fundo que permaneçam no tempo mais do que o tempo de uma notícia, mesmo se nisso só haja interesse de um grupo reduzido no auditório a quem possa dirigir-se? Não.
Os media não têm que comportar-se como meios institucionais na defesa ou promoção de valores ou de acontecimentos cívicos. Eles não são promotores de crenças civilizacionais, a não ser a de que (re)produzem produtos noticiosos para consumo. Que depois neste processo se ganhe algo mais do ponto de vista da política e da sociedade para além do que o que estava previsto inicialmente, se ganhe, por exemplo, consciência da importância da liberdade de expressão, se ganhe gosto interesse pela coisa pública e se abalance para o desenvolvimento da vontade da participação política, tal já é outra coisa.
Caberá aos grupos de cidadãos reunirem-se e fazer com que os assuntos que os interessa tenham um tempo de visibilidade junto das comunidades superior ao tempo que decorre da apresentação do acontecimento noticiado. É daí a importância dos meios digitais na actualidade. Um grupo pode permanecer com o tema Darfur, por exemplo, ou Tibete, ou Ruanda, mais tempo do que o tempo que interessa aos cidadãos que por esses temas não têm senão um interesse relativo.
Mas esta existência de facto de instituições que pegam em temas e os trabalham de forma sistemática e ininterrupta, não retira a pressão sobre o cérebro de que escuta os media. Pois mesmo que se saiba que por detrás de cada acontecimento há a possibilidade de encontrar uma equipa que investiga e trabalha com precaução e saber esse tema, na verdade o nosso tempo não chega para os conhecer, ou para acompanhar pacientemente a resolução das crises ou das dificuldades apontadas, e que pode durar décadas.
No tempo das crises inopinadas quer-se, eu quero, soluções imediatas. Mas depois fico estupefacta com a "supimpa" falta de vergonha dos que vêm ligeiros aproveitar esta necessidade infantil e acreditam, ou querem fazer alguém acreditar, que sem esforço, trabalho, pesquisa e muita discussão quanto à validade da conclusão, se pode chegar à resposta certa. E quando as coisas correm mal, não é o seu método de de agir e pensar que está errado, não, a realidade é que está louca.
E não é que às vezes ela troca mesmo os passos aos sistemas? Eu gosto de gostar de Hegel, não é? Ou não?

quarta-feira, julho 16, 2008

Os acontecimentos. A vida política parece ser feita de solavancos, empurrada pelas notícias dos media, ou empurrando os media de acordo com as suas notícias. Alguém me dizia que sempre que lia uma notícia se perguntava: "Quem lucra com esta notícia? Quem a pôs cá fora?"
É óbvio que cabe a um político estar atento à realidade e esta chega a maior parte das vezes através dos media, uma realidade que já é em deferido, mas que de certa forma colmata a nossa falta no que a um dom de ubiquidade diz respeito. É óbvio que cabe a um político transmitir a sua mensagem e isso faz-se através dos meios disponíveis, hiperfigurados nos media. Mas, se cada um fizesse bem o seu trabalho não me pareceria haver tanto solavanco conversacional, mediático e político. É como se um fosse a Nêmesis do outro, ou, menos trágico, a memória um do outro. Ora, esse movimento é desconcertante no que ao estabelecimento de modelos de pensamento e de acção diz respeito: demasiada informação para ser compreendida, demasiada cedência ao tempo descontínuo das notícias, demasiada similitude do discurso político ao discurso que cabe num título de jornal.
Assim arrastamo-nos para a notícia do jovem criminoso preso em Guantánamo, como se nunca tivéssemos tido notícias de Guantánamo que configuravam abusos jurídicos e éticos, depois giramos para as notícias de violência urbana, como se nunca tivéssemos sabido que esse tipo de confrontos é frequente, sobretudo num bairro que tem uma escola onde continuadamente os professores são "convidados" a silenciarem-se sobre a violência que sobre eles recai, e dos quais só se interessa o país das notícias quando um deles, por acidente ou por saturação aparece finalmente em primeiro plano, depois saltamos para a questão da proposta de produção de energia nuclear que entra na agenda por causa do preço do crude, mas, mesmo a propósito porque a crise é global, temos a notícia de que os portugueses gostam de brincar com um carrinho novo em folha, e vai daí dão que fazer à indústria automóvel e concessionários, depois cai um prédio ou arde outro e fala-se da falta de urbanismo como se não estivéssemos fartos de o saber, ou dos abusos dos dinheiros públicos em empresas privadas ou públicas, ou do enceramento do caso da pequenina Madeleine, como se não soubéssemos que as práticas de investigação dependem da sorte que se tem com a equipa que nos calha em destino, mais os seus humores, e menos o respeito por protocolos rigorosos e universais sobre os procedimentos habituais, isso mesmo acontecendo com a equipa médica quando chegamos ao hospital, ou com o advogado ou o juiz, o professor ou o senhor da repartição que nos vai atender, andamos sujeitos à lei da tômbola existencial.
Hoje li como o Deus monoteísta sobrevalorizou as suas qualidades, assemelhando-se à ideia de um Deus. Tão engraçada a ideia de um deus à procura da sua personalidade.
As notícias têm que ter este ritmo, para nos darem a ilusão que nos dão uma visão periscópica da realidade, mas ou nós lhe ficamos indiferentes, como quem olha sem reagir a areia a passar de um cone para o outro da ampulheta, ou como burro que não reage às zurzidelas da chibata nas orelhas, ou temos que exigir uma outra continuidade na solução dos problemas e no tratamento da notícia que não se compraz com a velocidade da informação-
Li hoje no Público uns textos muito simpáticos sobre Bronislaw Geremek. Não o conhecia, nem de nome. Escreveram que era um grande medievalista e um europeísta convicto. Teria pois uma noção de tempo de acção político curiosa. E tenho pena de não saber mais nada.
Al Gore, no livro já aqui citado, relaciona a perda do pensamento crítico com a perda de influência da imprensa se tomada proporcionalmente com a forte divulgação da mensagem por outros meios de comunicação. Mas eu julgo que nem será por aí, pois se é verdade que na palavra imprensa é-nos dado um tempo mais longo de reflexão, abrir um jornal pejado de opiniões, sem que estas remetam para as respectivas teorias que as fundamentam, podem ter igualmente um efeito suspensivo da razão.
Mas não é isso que também faço aqui neste espaço, contribuindo com mais desordem no universo do significado? É.

terça-feira, julho 15, 2008

Conhecer o facto de que se pratica o mal não é, infelizmente, impeditivo dessa prática. Quem nos dera que assim fosse.
Porém, reconhecer que se pratica o mal, e prová-lo, é algo que ajuda muito.
Quando certos líderes retrocedem no universo dos direitos e das liberdades, conhecendo bem os efeitos que isso possa ter, outros há que não desistem. Hoje por Darfur, amanhã pelas vítimas de qualquer outro entulho moral.
Este senhor anda a contar as "armas" com que há-de preparar a sua continuidade, sem que se oiça da sua boca nada mais a não ser generalidades e ideias feitas sobre a lei da imigração (ou sobre as centenas de mortos de jovens pessoas que sonham com a Europa embarrilados pela escassez material da sua sociedade e pela ganância de exploradores pouco escrupulosos do seu sofrimento), sobre o processo social nos países muçulmanos, ou sobre a crise da economia e da política europeia, de que o Tratado de Lisboa é apenas a ponta do icebergue.

segunda-feira, julho 14, 2008

"É preciso não ficar indiferentes", diz-nos a jornalista Alexandra Borges quando fala sobre o destino dos meninos escravos do Gana, em reportagem que se repetiu hoje à noite na TVI. É preciso fazer o quê para não ficar indiferentes e que na realidade consubstancie o sentimento de não ficar indiferente?

E se para além das penalizações criminais e jurídicas só nos restar como armas os modelos de cultura que reprovam essas ignomínias, o que fazer quando os próprios líderes dessas comunidades põem em causa o trabalho de décadas na construção de atitudes que se baseiem na frágil fundamentação da universal rejeição da exploração da pessoa pela pessoa, e, ainda mais grave, da exploração de uma criança por um adulto?


Se as ideias que defendem a reprovação social da escravatura forem postas a par de outras, enquanto conceitos negociáveis, com as quais certos dirigentes jogam de acordo com as circunstâncias e os interesses do momento, então a confusão e a vacuidade passam entre si, como se por osmose.
Como construir instituições contra os líderes de sociedades as quais já atingiram elas próprias um nível moral superior aos daqueles e que lhes custou décadas de aprendizagem pelo sofrimento?

Hoje nasceu o belo e amável Gonçalo, em Portugal. Sorte a nossa, sorte a dele.

domingo, julho 13, 2008

Dentro do pequeno lago de plástico quatro peixes vermelhos volteiam harmoniosamente. Põe-se-lhes comida e um ensandece e persegue durante minutos os outros três num frenesim que não dá descanso. Não come nem deixa comer.

A ida à cooperativa agrícola é uma colagem aos cheiros e à vivência do passado, não só porque muitos insistem, por nenhuma razão ideológica assim o entendo mas sim por apego inerte a um nome, a chamar-lhe "grémio", como ainda por os produtos estarem todos aos molhos como sempre estiveram, e cheiram como sempre cheiraram os adubos e os pesticidas, as madeiras e os plásticos, dos fitomarcêuticos às mangueiras e alfaias, passando pelas rações para animais ou pelas sementes embaladas em carteirinhas vistosas, abandonado que está o gavetão de madeira a abarrotar de futuras semeaduras; tudo aquilo se ajeita num caos funcional, enquanto são inspeccionados por homens entendidos, muitos deles agricultores de fim-de-semana, de meia idade, barrigudos, quase todos, muitos de boné a condizer com a camisa de riscas aberta até meio do peito. Um mundo que está de passagem.
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Os artigos que se escreveram na imprensa sobre o livro de Margarida rebelo Pinto a dizer mal do livro de Margarida Rebelo Pinto! Se o livro tivesse sido bem recebido pela crítica a autora não poderia ter maior visibilidade do que a que teve nos media portugueses. Para mim é um mérito. Se não um elogio à sua arte como escritora pelo menos à sua arte com relações públicas que se representa enquanto determinada personagem na cultura portuguesa, como dizer?, uma personagem incontornável. Ah, pois, a palavra é incontornável para o ciclo de críticos.
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Numa coisa, que ouvi em entrevista na rádio Clube, não concordo eu com Rebelo Pinto: dizia a autora que o facto de Portugal ter escapado a uma grande guerra terá de certa forma coartado o nosso ímpeto reformista ou transformador da realidade. É no entanto claro que esta teoria é defendida por pessoas urbanas, provenientes da classe média, média-alta. Qualquer rural mais velho sabe que a Grande Guerra se não trouxe a morte e a destruição dos edifícios de vilas e aldeias portuguesas, trouxe igualmente a fome e a ansiedade, tanto quanto às restantes populações europeias. Qual paz, qual o quê? E em Espanha onde a guerra civil atirou para as fronteiras de Portugal milhares de deserdados, com que a população portuguesa procurava colaborar, mitigando a sua fome em muitos casos? Relatos há, não sei o absoluto grau de veracidade pese embora quem mos contou fosse um oficial da GNR, que dão conta de pessoas a irem buscar os alimentos aos cochos dos porcos.
E nos anos sessenta, enquanto o resto da Europa se ponha em remanso, Portugal entrava em guerra em várias frentes, com os seus rapazes a morrerem por um pedaço de terra que já deixara civilizacionalmente, e como está certo, de poder ser dita ou sentida como deles? Isto tudo não é realidade destruição e morte para a sociedade portuguesa? Foi então o quê?

quinta-feira, julho 10, 2008

Estado da nação

Passamos a vida a copiar. A copiar modelos, teorias, discursos, comportamentos, como objectos manufacturados.
Eu defendo, em todas as áreas, a necessidade de estudos comparativos. E defendo até, em áreas que relevam da ausência de estudos, como a produção de opiniões baseadas no senso comum, que se confrontem essas percepções da realidade com o conhecimento da existência de outras realidades distintas. Aqui, mais do que comparar opiniões, comparam-se a justeza das opiniões quando comparadas com realidades diferentes sobre as quais elas julgam poder descrever. Por exemplo, a qualidade do comércio e o talento dos balconistas portugueses em comparação com a de outros países europeus. Quanto mais conheço certas formas de comportamento dos comerciantes na Europa mais aprecio o estilo português, mas esta opinião não invalida uma outra, a de que o meu conhecimento dessas realidades é ainda, mesmo que relativamente alargado, insuficiente para constituir uma opinião fundamentada sobre o assunto.
Mas aquilo a que se chama "ter mundo", não advém exclusivamente do facto de ter que se possuir dinheiro para se poder viajar, há sociedades que têm essas possibilidades e até viajam mas para se encontrarem exactamente com os valores do seu mundo, pois o resto é paisagem.
Deriva talvez de uma predisposição natural, ou forçada exteriormente, para viver no "fio da navalha" de quando em quando, para sopesar a sua passagem por esta existência. Absorver todos os outros valores sabendo quais são os que no fim vai deliberadamente defender.
Esta conversa toda para que eu possa reclamar sobre a ausência de autores portugueses que influenciem as opções teóricas, ou pelo menos as estratégias comunicacionais, dos nossos políticos e economistas. Onde estão os grandes teóricos sobre a cultura portuguesa? Só vejo seguidores de pensadores anglo-saxónicos, ou franceses ou alemães (como? eu?!), de teorias de autores autores de países fortes. Admito claramente que para mim o pensamento não tem pátria. Mas já creditei mais profundamente nisto de forma intuitiva e não racionalizada, sobretudo se em certos autores que excluem na sua doutrina enquanto critério avaliador dos valores o da própria universalidade. Daí que a adopção de certos modelos internacionais sobre a nossa sociedade me desorientem.
É certo que os resultados de inquéritos internacionais terão que dar conta de realidades semelhantes entre si, não se poderá falar de resultados na educação, por exemplo, se uns países se aplicam em oferecer aos seus alunos exames de escolha múltipla em que ao aluno se pede apenas que ponha uma cruz no quadrado certo, enquanto outros têm um tipo de exigência analítica e discursiva superior; mas a questão está em saber porque é que esses países que têm por esse método um número mais elevado de sucesso, hã-de servir de modelo para todos os outros? Que outras provas nos dão que são eles que estão no caminho correcto e não nós, por exemplo? A economia, dir-me-ão. Outra vez o número, está bem, nem tudo contra. Mas a economia está, mesmo nesses países, em trânsito constante entre o sucesso e a crise profunda, porque não haveremos nós de encontrar então as teorias e os modelos certos para a realidade portuguesa, que nos dê uma justa percepção do nosso valor?
E os nossos políticos pensarão na realidade portuguesa para depois irem procurar explicações internacionais para a mesma, nos últimos gurus dos últimos eleitos com mais exposição mediática, ou saberão encontrar para esta mesma realidade a explicação que ela de uma forma ou outra fará ouvir?
Eu como teórica também cometo o mesmo erro. Primeiro faço a pergunta, depois vou para os livros e só mais tarde olho a realidade...através da perspectiva que li. Mas a minha explicação é que preciso de conhecer a literatura sobre o tema. E a daqueles que adoptam a terminologia do processo de governo dos outros países, qual será?
Estado da nação, pois sim! Quem são os seus conselheiros sobre o estado do país? E dirão eles aos portugueses que fora a possibilidade de criar um governo e umas autarquias de gestão da coisa pública, quem define o estado da nação são as instituições internacionais? E esses fazem-no em nome de que teorias? Ah, pois, ninguém nos diz quais são, como são e de quem são as ideias que mandam em nós.

quarta-feira, julho 09, 2008

e na origem das crenças pode estar...

um livro que se leu.

Aqui há uns posts lá para trás fiquei de escrever sobre os livros que Churchill teria lido e que lhe teriam formado as crenças, ou pelo menos ajudado a legitimá-las, já que muitas vezes a crença decorre de uma certa forma de vida cultural que se desmultiplica socialmente em dado período histórico na linguagem e no pensamento.
Uma das minhas curiosidades é saber se as pessoas lêem certas obras de ensaios para que estas coadjuvem as suas escolhas prévias, ou se pelo contrário a leitura lhes provoca um novo tipo de pensamento, se dá origem a uma nova forma de compreender e agir sobre o mundo. Provavelmente dar-se-á os dois fenómenos, sendo que o segundo será mais raro, porque isso implicaria a leitura de algo que fosse simultaneamente uma realidade em que o leitor jamais pensara, uma explicação nova, ou uma interpretação original, com uma subsequente adesão racional e afectiva a essa teoria que provocasse por sua vez uma forma de vida nova.
Penso em Kant, por exemplo, que evoluiu para uma teoria própria no que a uma filosofia do conhecimento diz respeito, ao pensar na forma como a teoria heliocêntrica copernicana revolucionara o conhecimento sobre o cosmos, diz-nos ele, ou como Eça explica a paixão adúltera de Luísa pelo rapazola seu primo, o Basílio, pela leitura intensa de romances a que ela se dedicava, pois até tinha, para preencher as horas da sua ociosa existência, uma "assinatura, na Baixa, ao mês".
Mas nunca poderemos saber então porque afecta uma pessoa mais do que a outra a obra que se lê sendo a mesma obra? Porque há dezenas de outros factores a influirem na nossas escolhas, claro: a saúde mental e física, a educação, a personalidade, o estado social, a ocupação profissional, o grau de satisfação familiar, os relacionamentos, a existência de instituições cívicas fortes no nosso meio social, etc. O que nos deixa sem lei para declarar ciência sobre a real influência das ideias impressas sobre o indivíduo.
Mas enquanto isto, registo aqui as obra que Sir Martin Gilbert declarou ter Churchill lido após a sua formação académica ter terminado, e que o próprio define como tendo sido fundamentais para ajudarem a desenvolver o seu engenho oratório, nesse período que antecedeu de perto a sua entrada na vida política activa: o Annual Register of World Events, e as obras históricas de Macaulay e de Gibbon, assim bem como a obra filosófica de Platão. Procurava então o moço criar uma formação sólida em episódios sociais, histórico e filosóficos com que pudesse polir as suas ideias, mas na realidade a sua evolução ideológica faz-se a partir dos pressupostos partidários do próprio pai, até que àqueles se sucederão outras opções que serão ditados pela necessidade decorrente da sua experiência como político.
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Também Al Gore terá identificado o livro que Bush utilizou para fundamentar as suas intuições ideológicas, o livro de Terry Eastland, Energy in the Executive: The case for the strong Presidency, e que o seu conselheiro e assessor de comunicação, Karl Rove, lhe proporcionará ler em 1999; p. 268.
Ora, os livros encontram a pessoa certa (sem conotação moral) para os ler, ou produzem essa pessoa que os há-de transformar em acção?

terça-feira, julho 08, 2008

Porque há e porque continua a haver crise interna?

Não me digam que há crise, expliquem-me porque há crise. Não me digam só que há o défice, e as lutas controversas contra o défice, expliquem-me muito bem porque há o défice. Não as explicações gerais do tipo das que dá o nosso primeiro-ministro "crise internacional", as "famílias espanholas e francesas também...", etc., mas as que podem fazer compreender em profundidade o que se passa no nosso sistema geral de economia e política. Quem lucrou com o défice, de forma inconsciente ou não, quem desbaratou os recursos públicos, e em nome do quê? Se for só em nome de uma ideologia que se julgava meritória e passível de produzir uma boa prática, eu aceito, mas se em nome dessa ideologia se desregulou ou se desleixou a coisa pública, isso eu penso que deve ser penalizado. Porque a ideologia tem costas largas, importa saber como actuam os que dela se dizem herdeiros.
Mas quem na realidade faz esses inquéritos ou até se dedica a essas investigações, nas esquadras, como nas redacções, nos tribunais como nas salas de aula?

É isto que Mário Crespo, como bom jornalista que é, procurou explicar neste seu artigo. Quem o ouve?




Tempestades de águas passadas... de Mário Crespo
Ontem no JN

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Nada nos objectivos e missão da Águas de Portugal a capacita para entrar nas ruinosas negociatas internacionais agora denunciadas pelo Tribunal de Contas. O que permitiu esta situação na AdP e noutras empresas públicas foram as interpretações abusivas do seu estatuto autonómico e o laxismo cúmplice de tutelas incapazes.
Foi na década de noventa que se iniciou o baile de máscaras que travestiu empresas do Estado em simulacros de corporações privadas de modelo americano. Houve na altura colossais transferências de Bruxelas para o Banco de Portugal que nos deram dinheiro como nunca se tinha visto. Verbas que a CEE confiava ao executivo português para serem usadas na tão necessária modernização do país.
A Águas de Portugal nasce dessa imensa bonança financeira, exactamente porque era dos sectores mais necessitados de infra-estruturas. E teve muito dinheiro para isso. O suficiente para desviar algum para umas apostas no jogo da roda internacional. A coberto do pretexto de que eram as suas áreas de perícia compraram-se participações financeiras no Brasil, Cabo Verde, Argélia, Angola, Moçambique e onde quer que os aguadeiros estatais precisassem de um parceiro endinheirado, esbanjador e inimputável.
Outras empresas públicas faziam o mesmo com a inebriante liquidez que o ECU nos trazia, e de repente, funcionários públicos mascarados de gestores privados passaram gerir esses sectores do Estado opados com dinheiros comunitários e a comportar-se como magnates num confortável jogo de monopólio com dinheiro a sério, que não era deles e que e parecia inesgotável. No processo foram desbaratando activos que são propriedade do povo português.
Foi nesse período que a PT, à força de ECU, derrotou telefónicas muito mais experientes e financeiramente estruturadas, numa doida corrida para comprar uma empresa de telecomunicações brasileira que Belmiro de Azevedo identificou logo, na OPA, como sendo o calcanhar de Aquiles da telecom lusa. Foi também nesse período que o próprio Banco de Portugal, num dos mais desastrados investimentos na nossa história, apostou reservas de ouro nacionais em acções de altíssimo risco que eram oferecidas em Wall Street aos apostadores mais ousados.
Tavares Moreira, então governador do Banco de Portugal, acreditou na Dona Branca americana que se chamava Michel Milken e prometia rendimentos miríficos. Milken acabou na cadeia. Portugal perdeu não se sabe ao certo quanto, mas foi o suficiente para fazer notícia numa edição da Newsweek.
Já se passaram mais de vinte anos sobre estes desastres financeiros, mas eles estão bem contabilizados no défice das contas públicas que andamos a equilibrar à custa de maternidades e escolas encerradas, pensões de reforma proteladas e desemprego, porque não há dinheiro.
Um pormenor importante: as alterações do estatuto das empresas públicas que lhes deram esta latitude e impunidade para esbanjamento do património nacional verificaram-se entre 1985 e 95. Era primeiro-ministro o professor Aníbal Cavaco Silva. Tudo o que veio depois é consequência de um modelo tragicamente errado."
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Na aldeia fecharam a pequena escola. Um edifício bem conservado, com campo de futebol e parque infantil. Havia poucos alunos, disseram. Um Verão destes fechou para sempre e as crianças foram para a aldeia vizinha, para uma escola com menos espaço e sem refeitório, o que as obriga a deslocarem-se à casa da associação local para almoçarem. A outra, de vidros coloridos e baloiços abandonados, lá continua solitária. Depois disso, a três quilómetros da primeira e em pouco mais de quatro meses construíram uma escola particular, toda colorida. Eu não acredito em bruxas.
Noutra aldeia, desta feita na Beira Litoral, o excedente de milho na pequena localidade preocupava as agricultoras de propriedades muito pequenas. Juntaram-se e tiveram a ideia de moer em farinha o milho e de venderem o pão. É um pequeno êxito à escala local. Até lhes fecharem o estaminé por força de qualquer regulamento que há-de ser, estou convicta, cheio de boas intenções em proteger os cidadãos.

segunda-feira, julho 07, 2008

emaranhado

Uma pessoa pode querer alargar o seu modo de vida por partilha. Alguém que tem uma paixão querer partilhá-la com outrem, ou fazê-la manifestar-se em quem podia passar a vida inteira sem (se) conhecer. Um professor da Universidade da Beira Interior, um bibliómano, contava-me como ao bater à porta de David Lodge e fazendo-se anunciar, este o veio receber à ombreira, o convidar a entrar e pedir-lhe para falar de livros. O professor português começou a falar dos livros do autor inglês de, entre outros, Autor, Autor, sendo que logo Lodge o interrompeu, "Não, não me fale dos meus livros, porque esse conheço-os eu bem, fale-me de outros livros dos quais gosta." É com estas formas de vida que eu me maravilho. Alguém bate à porta, alguém partilha, algures.

"Quem bate a uma porta de folhas na noite
uma porta de folhas na noite
Quem toca a dura casca do teu nome na noite
a uma porta de folhas

Uma porta de folhas uma porta
Quem bate a essa porta de folhas
Quem bate a essa porta de folhas na noite
Quem bate a essa porta sou eu" , recitava a amiga que me deu a ler António ramos Rosa, por cuja poesia aprendi a respirar também.

Mas se a paixão for uma paixão por um objecto caro, ou pelo menos uma paixão que tem que ser reservada, maneirinha, frugal; não, frugal é uma palavra poética, e a miséria não é poética, nunca o foi, também não o é agora que se mistura o olhar de fadista de esconso com o boné de rapper, a desejar uma vida à teledisco, sem segunda opção, fascinado com mística do delinquente americano ficcionada, também amoroso para com a águia do Benfica e vistoso ao exibir a bandeira nas varandas de prédios baratos.
Se a paixão for cara, e a quisermos partilhar, há que dividi-la, que concentrar esforços ou recursos. Os livros numa biblioteca pública ganham estatuto de objectivo político desta civilização, a escola, sendo pública, é recurso empenhado dos que pensam no bem comum como formação colectiva na ideia de cultura desta cultura mais bem sucedida (há quem fale do interesse privado na criação da escola pública, e daí? Se o meu interesse privado tiver por efeito a realização do interesse público...). Mas eu não sei quando é que isso acontece, ou se sempre assim acontece, sei que muitas das vezes tal não acontece. Procurar a lei e a ordem fixa na sociedade histórica pode ser tanto um pesadelo totalitário como um devaneio cultural que elege os "pilares da sabedoria". Quantos são os pilares? Porque o são?

No livro de Al Gore ele recorre sistematicamente à figura dos "fundadores". Idealiza os que idealizaram os pilares do governo americano. Nos tempos amargurados que vive a América, e cujo fel deu a provar por várias partes do mundo e em especial no Iraque, deve ser curador ter uma ideologia que recompõe uma ordem mais benfazeja para o mundo no passado histórico. Ouvi o pai de um dos sequestrados pelas FARC, o luso americano, anunciar o seu amor pela América, afirmando-a como uma grande nação, e entusiasmado com a celebração próxima do 4 de Julho na companhia do filho. Independentemente da América muito provavelmente não ter sequer contribuído com um parafuso para o caso de resgate, algo que um colega me diz para que eu não tenha quaisquer ilusões, pois os EUA estão metidos em qualquer assunto que diga respeito à América do Sul, mas independentemente disso, o discurso ainda do povo americano é o de fazer fé na América. Ora esta força não vem desta ou daquela administração, é um discurso profundo, social e histórico.
Nós, os portugueses, imaginemos um opositor desta política tipo "chuva de tolos", recorremos ao quê ou a quem para dirimir fraquezas? Quem fundou a nossa democracia? Foi há demasiado pouco tempo para os podermos fantasiar. Não não os respeitamos, porque os dizemos não serem veneráveis anciãos a começarem uma nova forma de governar contra um inimigo comum, mas jovens mancebos cheios de projectos políticos velhos, como ainda os enlameamos acusando-os de vendidos a capitais ou a ideias estrangeiras.
Maria de Medeiros bem procurou através do cinema reclamar a concentração no formoso (a palavra é catita) e excelente Salgueiro Maia, de uma ideia bela de revolução que satisfazesse as carpideiras de direita e os apaniguados de esquerda. Qual o quê! Preferimos enaltecer a dúvida na entrega aos ideais, denigrir os carácteres, seleccionar as figuras controversas, ao invés de nos concentrarmos na energia assombrosa dessas acções. Justificamos a hesitação em relação a 74 por causa de 75. Andamos sempre à procura de esfriar uma paixão, de a amesquinhar. Como a pessoa casada que tem vergonha do seu cônjuge, que lhe aponta o defeitinho com a elegância de uma cirurgiã, que esconde a sua errância no olhar cosnpícuo para com os outros de outro sexo.
Mas que raio, inventar a democracia não acontece a todas as civilizações, nós temos o quinto império. Eu preferia ter uma nação que embandeirasse com a criação de um governo "do povo para o povo e em nome do povo", mas o quinto império também não é de desprezar, não senhor. Não estou a brincar, embora esteja a sorrir.

Hoje houve flores para os mortos nos atentados de Londres. Eu penso também nos mortos iraquianos. É claro que deponho flores pelos mortos de Londres. É claro. E baixo a cabeça, e sinto a sua morte, e reclamo pela insensatez dos actos que provocaram o seu destino e tudo e tudo. Mas penso nos milhares e milhares e milhares e milhares de mortos a quem ninguém oferece flores em rituais públicos de mágoa. E Al Gore, bem haja, lembra-os, com um livro muito interessante.

quinta-feira, julho 03, 2008

"sinais"

"A libertação da ex-candidata à presidência colombiana e de outros reféns, na quarta-feira, são "boas notícias", indicou a AI num comunicado, acrescentando: "mas não podemos esquecer as outras centenas de reféns que permanecem detidos em diversos locais na Colômbia", in Jn

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"As mãos que, após o toque da sineta, faziam girar a roda e acolhiam a criança exposta foram substituídas por um Estado que, como se viu em Portugal, deixa impunemente que as crianças sejam usadas e abusadas. A condição humana é imutável e a sua pseudo-sofisticação parece não ter resultado.
Prova disso mesmo está no recente relatório do Conselho da Europa sobre as novas Rodas ou as "Caixas de Bebés", que proliferam oficialmente em países europeus como a Suíça, Itália, Alemanha e Bélgica, nos Estados Unidos e, mais recentemente, no Japão. Aos argumentos contra, assentes no incitamento a práticas criminosas e à desresponsabilização dos progenitores que estas Caixas podem fomentar, surgem os argumentos a favor, da preservação da integridade física e da vida destas crianças. Acresce que as novas rodas acarretaram uma salutar alteração legislativa: criança deixada na Caixa é imediatamente registada e, decorrido um curto período em que os pais a podem reclamar, é entregue sem mais formalidades aos candidatos à adopção.
Este realismo lúcido confortou-me. Tanto, devo dizê-lo, como me tem inquietado a cartilha oficial do abandono, em Portugal. Muitas crianças, poucos sinais..."
Maria José Nogueira Pinto, OS SINAIS DOS EXPOSTOS in DN
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"Cientistas da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, descobriram como fortificar a planta da mandioca com vitaminas, minerais e proteína suficientes para dar aos pobres e subnutridos nutrientes suficientes para um dia inteiro em uma única refeição.
"Este é o mais ambicioso projeto de engenharia genética de vegetais já tentado", afirmou o chefe da equipe internacional, Richard Sayre, professor de biologia molecular e celular de vegetais da Universidade de Ohio. " in O Globo

quarta-feira, julho 02, 2008

terça-feira, julho 01, 2008

intervalo

As eleições servem para legitimar posições ideológicas no que à política económica e social diz respeito. Se alguém concorrer com o propósito de divulgar os méritos da teoria," não há interesse público" e convencer o seu eleitorado acerca desses méritos, o que há de errado? Em princípio nada, desde que as pessoas estejam na posse não só da definição precisa do que é enunciado através desse princípio, como também possuam conhecimentos da história e dos efeitos que teorias semelhantes terão trazido para a humanidade.
Porém, pode discutir-se sim, não só as vantagens gerais dessa teoria para um maior número de pessoas, tanto quanto o benefício que esses acontecimentos históricos que de alguma forma por esse princípio, ou análogo, foram produzidos trouxeram, e a quem os trouxeram. Maior foco de discussão deve concentrar-se na questão da forma como esse princípio foi divulgado. A mensagem era clara, perceptível e inequívoca ou vinha escamoteada numa forma de discurso que predisponha o auditório para a aceitação do que normalmente jamais aceitaria em nome de um qualquer receio ou esperança não racional?
Isto é, quando as pessoas escolhem uma posição ideológica fazem-no em nome do quê ou de quem? Que meios estão ao seu serviço ou ao serviço dos que querem deter o poder através da proposição de ideias e sentimentos? Reconhecem ou não o valor da honestidade intelectual presente nessas propostas?
Não deixa de ser deveras singular na nossa cultura, que quanto mais se discute politicamente a falência do estado social, sendo que a esquerda mais pragmática por aqui tem vindo a voltear, acabe por se querer retirar da política essa questão e passe para a esfera do direito. A ânsia de procurar uma garantia mais sólida, menos contextualizada e mais contínua (ainda que um estado de direito possa solidificar até a mais ditatorial das acções) do que aquela que resulta da legitimação democrática por sufrágio universal. Veja-se o esforço da jurista Catarina Albuquerque e da sua equipa em tornarem aceitável o conceito de vítimas lesadas nos seus direitos todos os seres humanos que não vejam respeitados os seus direitos sociais, económicos e culturais. Bom, a retórica que tem acompanhado os direitos que há muito estavam reconhecidos com um estatuto superior, os direitos civis e políticos, faz-nos compreender o caminho looongo que espera quem inicie uma queixa contra o seu estado pelos seus direitos sociais e económicos, mas na verdade este protocolo é uma forma de sitiar a política. Um pouco à semelhança do que faz o discurso da democracia no mundo político.

Mas volto à questão da ideologia, ou da moda das ideias. Na década de 80 a moda discursiva passava pela defesa da tese de que era necessário aos países criarem grandes conglomerados empresariais e comerciais para competiram melhor no mercado global - mesmo o economista John Kenneth Galbraith ia nesta linha apesar das suas preocupações sociais com os assuntos públicos. Há quem anda agarradinho a esta ideia ainda hoje. E é este um falso problema político? Sim, se deixar de ter como solução o interesse da comunidade à qual diz respeito.
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p.s. Ouvi o agente responsável no caso Maddie falar sobre as suas dúvidas relativamente ao uso de um assessor de comunicação pelos pais da criança. Eu é que fiquei com dúvidas pela falta do uso de assessor de comunicação no caso da PJ. Não porque se precise de um técnico que controle a agenda dos Media a partir do interesse particular dos seus clientes, longe disso, mas por não terem ninguém que articule de forma acessível, profissional e rigorosa a mensagem de uma equipa de investigação criminal, no que há de interesse social nessa desordem da vida familiar que é o caso sempre, de horror palpável, de um qualquer desaparecimento, ademais de uma criança. Quem explica criminalmente o vazio da pequenina Madeleine? Pelo menos uma explicação convincente para as falhas e/ou incapacidades de fazerem prova.