segunda-feira, junho 29, 2009

Anomia cívica da contemporaneidade em relação a uma ideia de si 2

"A vigília realizada na noite de domingo em Lisboa, em memória das vítimas iranianas, contou com uma fraca adesão (...)", in notícias sapo.

Enrodilhados em nós, como saber dos outros?

Anomia cívica da contemporaneidade em relação a uma ideia de si 1

"(...) O professor Jorge Miranda é um português notável. O que se passou com ele é a demonstração de que na política portuguesa já nada se respeita nem se defende. Tudo se utiliza e descarta.
(...)
Posso atestar pela sua independência e coragem. Em 1987, foi Jorge Miranda quem mais afrontou o primeiro-ministro Cavaco Silva quando o PSD quis levantar a imunidade parlamentar à deputada independente da bancada socialista Helena Roseta para lhe mover um processo. Roseta denunciara irregularidades na utilização de verbas do jogo do Estoril que podiam envolver entidades da social-democracia. Cavaco Silva instruiu o seu secretário de Estado da Presidência, Luís Marques Mendes, para arrebanhar suficientes vozes que ululassem ultraje pelas sacrílegas dúvidas de Helena Roseta e forçassem o levantamento da imunidade parlamentar da Deputada.
O primeiro-ministro Cavaco Silva queria um auto-de-fé que desencorajasse futuros atrevimentos porque, como me disse o secretário de Estado Marques Mendes num Jornal das Nove que conduzi na RTP 2, quando as intenções da bancada social-democrata foram conhecidas: "Quem não se sente não é filho de boa gente".
Insisti que este levantamento de uma imunidade constitucionalmente garantida para processar a deputada feria liberdades parlamentares essenciais. Marques Mendes repetiu litanias do "direito ao bom-nome" e do "agravo" que estava a ser feito à equipa de Cavaco Silva.
Eu não sou constitucionalista. Jorge Miranda é o melhor que temos. Convidei-o para vir ao Jornal das Nove a seguir a Marques Mendes. Foi de tal modo intenso o seu depoimento que também não o esqueci. Disse que não podia acreditar que no Portugal democrático alguém quisesse alterar uma base tão essencial como era o direito à liberdade de expressão dos deputados. Sem essa liberdade não havia democracia. Coarctando-a ruiria o edifício democrático, disse ele.
Querer limitá-la, como Cavaco Silva pretendia, seria antidemocrático. O processo a Helena Roseta não foi para a frente. O incidente está documentado nos registos parlamentares da altura. 22 anos depois de ter defendido sem medos as garantias democráticas, Jorge Miranda sucumbe à profunda mediocridade do ambiente político que se instalou em Portugal a todos os níveis. Com o seu perfil ideal de garante e guardião dos valores constitucionais, é imperdoável que não tenha sido ele o escolhido. Ficou à mostra uma terrível chaga do nosso regime. A lei do mais forte, do mais bruto, do mais bárbaro oportunismo e do mais despudorado calculismo, vingou em Portugal. "
Mário Crespo, "Os tontinhos" in JN

quinta-feira, junho 25, 2009

Na frente de batalha.




No outro dia ouvi Jaime Nogueira Pinto falar do seu livro (e paralelamente da figura de) Nuno Álvares Pereira. Relatava como essa personagem tinha a característica dos heróis: assumir a responsabilidade e arrestar pessoalmente com as consequências de todas as suas decisões e acções, dando como exemplo o facto de ele estar sempre na primeira linha de combate, à frente das suas tropas. Relembro-o hoje quando leio esta notícia no jornal I , pag. 43 (na edição on-line não está completa): "O poder das mulheres iraniananas domina as ruas".

terça-feira, junho 23, 2009

O poder segundo Maquiavel e o poder segundo Sócrates 2

Imaginemos a perda de poder para uma pessoa a quem ainda há pouco afiançavam que, "Estamos contigo, Zé! És o maior, meu! Porreiro!"
De certa forma há já uma perda de poder simbólico, para o nosso primeiro-ministro. O que em democracia é quase sinónimo de um poder de facto. Podia defender que o poder simbólico foi sempre necessário em qualquer regime político para assegurar a manutenção do indivíduo num determinado cargo, ou posto a que acedera. Mas em democracia a manutenção do poder não depende de uma vontade férrea, de uma postura firme e decidida no rumo da sua existência. Em democracia, mesmo a representativa, limitada ao campo da participação de partidos políticos, numa rede de relações que afasta o cidadão da consciência da sua esfera de influência possível sobre os assuntos da sua cidade, o meu poder depende do que os outros quiserem fazer com ele (comigo que o exerço a ele).
A opinião pública expressa em votos (essa amantíssima personagem quando por mim, uma rameira tresloucada se contrária à minha boa sorte), tanto coroa como retira da boca de cena.
Isto se pensarmos que o poder político pode estar à boca de cena, e que outros poderes não se acotovelam para debitar, sob as luzes, a sua deixa que querem final.

O poder por terra...

Tenho assistido a lutas férreas pelo poder no microcosmos onde me movo. Tenho muito a dizer sobre senhores presidentes e senhores directores, e o diabo a sete que os Ministérios da Educação e da Ciência, cada um por sua vez, largaram na arena que é o ensino e a investigação em Portugal. Façamos salamaleque ao jeito de cortesãos de que nós portugueses parecemos tanto gostar de ser, ou de ter à nossa volta, mas sem deixar que se nos vergue a coluna.
Hoje olhei alguém nos olhos, alguém que está magoada pela traição que uma espécie de corte lhe movera, pondo em causa toda a sua dedicação à instituição, e duvidando do seu trabalho, o qual exercera com brio e no respeito total pela legalidade.
Habitando uma espécie de Olimpo, no que a essas formas de proceder, ser e estar diz respeito, não deixei de compreender a dor desse olhar que buscava em mim a testemunha. Muda, como raramente. Muda porque avassalada pela dor de outrem que tudo fez e nada chegou, porque quem podia, de forma ínvia, não quis que chegasse. Muda porque impotente. Muda porque não sendo minha a dívida do colectivo, a assumi.

Às vezes fico assim. São lampejos de desespero perante a injustiça, a iniquidade, a cobardia, a traição, o cinismo, a falta de honra, a irresponsabilidade, a mentira e a maledicência. Sei quando se aproximam esses momentos. Sei o que digo sempre, então. As fórmulas que uso para exorcizar o meu medo. Mas eu conheço também a minha força, e reconheço nesses momentos a sua natureza de ritual que serve de trampolim. E hoje, ali, olhando aquele olhar, sabendo que aquela pessoa era mais que capaz de seguir a sua vida e de fazer mais logo ali, já à frente no tempo, não deixei de saber com quantos metros se cavou até atingir aquela profundidade com que era feita a mágoa. E, de certa maneira, eu estava a assistir à dor de uma perda, física mesmo, de um estado: o de poder.

Isto de democracia...

Ao reduzido número de alunos de uma das minhas turmas pedi-lhes um trabalho em grupo sobre uma cidade imaginária. Tinham que criar regras urbanísticas e conceber obras públicas, estabelecer relações políticas com outras cidades, explicar como se fazia o acesso por parte dos cidadãos aos serviços de saúde, educação e justiça. Tinham que adoptar, ou criar, justificando, um modelo económico, cultural e político.
Enfim, eram livres para produzirem valores, leis e acções. E o que fizeram os meus meninos? Caíram na tentação de todo tutelarem sob o ímpeto da imposição da ordem, e isso do espaço para o jardim privado, passando pela entrada na Escola até à questão da participação política. Interroguei-os de onde vinha aquela pulsão totalitária, que lhes desconhecia. Responderam-me, sorrindo, que assim era mais fácil imaginarem um mundo novo.
Eles têm razão. Quando se brinca aos engenheiros sociais, cai-se na tentação dos grandes planos, aos quais se verga qualquer réstia de humanidade que possa pensar em resistir-lhes.
Está-se mesmo a ver que eu como professora de Cidadania lhes ensinei grande coisa!

segunda-feira, junho 22, 2009

E a terra será de quem?

"(...) Nem quando o mais humilde dos repórteres abordar o novo José Sócrates e lhe perguntar se o haver mais um arguido no seu staff próximo é mau para ele, e o novo Sócrates, sorrindo docemente, responder: "Desculpe. Ser arguido é bom. Eu acho que todo o meu staff devia ser arguido." De facto, a diferença é tão abissal que já nem precisamos de eleições. Já mudámos de governante. Ou melhor ainda. O governante mudou-se a si mesmo. Acabou-se o vociferante Orlando Furioso de Ariosto, destruído em autocombustão purificadora entre frémitos coléricos no Parlamento e estertores catárticos em estúdios de TV. Ficou-nos o Orlando Enamorato de Boiardo, suave, sério, intenso e sempre, sempre, terno.
Como é que podemos cometer o sacrilégio de ir buscar as turvas águas do sapal de Alcochete para enlamear o renascimento? Os vendilhões já foram escorraçados do templo. Fica-nos a nova era e a nova imagem que vai ser construída por santos profetas milagreiros, que já produziram santos milagres em África, onde Santos, em poucos dias e alguns milhões de petrodólares e gemas de sangue, passou de ditador a santificado líder eleito. Se conseguiram fazer isto, convencendo os africanos junto ao Equador que era preciso usar um grosso cachecol de lã com as cores do MPLA em pleno Verão Austral, como é que não hão-de convencer os portugueses a quem a fé nunca faltou nesta terra de prodígios? (...)"
Mário crespo, "Milagre", in JN

quinta-feira, junho 18, 2009

O poder segundo Maquiavel e o poder segundo Sócrates 1

Há vários equívocos no sentido que fazemos de nós, dos outros, dos outros sobre nós. Enfim, como diria o filósofo Vitorino do velho PS (do novo PS ainda não tivemos o prazer de lhe escutar o seu último chavão): "Habituem-se!" No mesmo registo aliás, do sr. de la Palice que podia exclamar, tal como as senhoras à porta do Centro de Saúde à espera de médico o fazem: "É a vida!"

Há vários equívocos na interpretação de Maquiavel, mas há um facto inegável: ele ensina que é preciso conquistar o poder primeiro se quisermos depois realmente fazer aplicar as nossas ideias (até as que consideramos de interesse público). Isto parece óbvio, mas não é assim tanto. Porque Maquiavel defende que para se conquistar esse direito a governar se deve fazer de tudo, literalmente. Até o contrário do que se poderá vir a fazer quando chegado ao poder, em que a figura vingativa se poderá transformar numa tolerante e equitativa personagem. Obviamente o inverso também é verdadeiro.
Maquiavel não defende que tenha que existir uma coerência nas atitudes, nas propostas e nas acções, entre o candidato ao poder e o executor desse poder. Daqui resulta a famosa expressão: "Os meios justificam os fins."

Um dia, uma colega, sabendo que eu tinha uma gravação de um programa inglês (da BBC, suponho) sobre Maquiavel, pediu-ma emprestada. Mais tarde, quando ma devolveu, e conversando nós sobre a filosofia de Maquiavel e os seus efeitos práticos, ela contou-me que o seu marido, de quem eu nunca soube o nome, resolvera passar a gravação ao então candidato a primeiro-ministro António Guterres, durante um serão em sua casa, e, contou-me ela, após o visionamento da mesma, Guterres se terá mantido silencioso durante muito tempo.
Imagino, pretenciosamente, o dilema intelectual: se quiseres vir a praticar o bem universal, então terás que conceber que numa ou outra altura terás que passar pelo mal individual ou sectário. Perante iso, qualquer pessoa de boa índole, em campanha, ficaria, no mínimo, em silêncio.
Os que se dizem realistas falam na natural luta pelo poder. Eu chamo-lhes cínicos. Podia ser só uma questão de nomes, mas não é. Na história social não existem só os factos que comprovam a teoria de Maquiavel: não é uma inevitabilidade. Mas o seu contrário complica muito mais as contas eleitorais, não é fácil em processo de campanha eleitoral e de febre pela conquista de poder, fazer vingar esta ideia de quem nem todos os meios servem para justificar o fim em si.

Isto tudo para falar do primeiro-ministro (candidato a primeiro-ministro) José Sócrates. Não posso fazer juízo de intenções sobre a presença ou ausência de dilemas intelectuais desta personagem. Parto de um preconceito, pois sou daquelas portuguesas (meia dúzia, a julgar pelos fazedores de opinião) que tenho um respeito imenso por António Guterres e pelos seus princípios governativos, e, na proporção inversa (aqui já há mais de meia dúzia de pessoas a partilharem este sentimento), um absoluto desprezo pelos princípios governativos de José Sócrates. Dito isto, o que entendo serem os princípios governativos deste primeiro-ministro? Princípios económicos e de gestão de recursos apoiados numa ideologia de exclusão, confronto, pressão e planificação.
Vamos lá a ver. Eu não duvido que José Sócrates quisesse criar um governo que fizesse o país produzir mais e melhor. Não duvido que essa fosse a sua intenção. O que duvido é que esse seja um desígnio nacional e social por si, e duvido, em toda a linha, da forma utilizada para o concretizar. J. Sócrates é do tipo de homem que acha que tem uma missão na vida e não se coíbe em atropelar os princípios formais e universais de uma democracia, como a que se espera de uma sociedade desenvolvida do séc. XXI, impondo-se contra o tempo necessário para formulação, discussão e aplicação da sua missão.
Ainda por cima, J. Sócrates tem consigo a maior parte dos gurus da gestão: os auto-denominados empreendedores dinâmicos e pouco dados a discussões circulares (dizem eles).

Biblioteca Adriano Moreira

Ontem ouvi na televisão o nosso presidente falar na generosidade da oferta de quem entrega os seus livros a uma biblioteca pública, como o Prof. Adriano Moreira o fez. É verdade, é de uma grande generosidade. Para mais a uma terra que eu senti dispersa, em anomia e sem dinamismo.

Uma cidade que não fica assim tão longe do poder como nos querem fazer crer (aliás é ridículo falar em distâncias ao poder físico em Portugal). Obviamente que considero fundamental para o Norte de Portugal a criação de uma via rápida que ligue Bragança a Viana do Castelo para que a interacção entre as duas regiões do Norte se torne um facto físico. E não há dúvida que as cidades raianas parecem ficar nesse limbo identitário com os grandes interesses económicos e culturais do centro de poder, mas convenhamos que falar de obstáculos físicos difíceis de transpor em Portugal soa a falso.

Já não ia a Bragança há mais de uma década e não a senti diferente do que era então. Por diferente quero dizer que não a senti a crescer como outras cidades do país, mesmo outras cidades transmontanas. Pareceu-me encapsulada então, pareceu-me encapsulada agora. Esta percepção pode ser falsa. Mas temo que não. Pareceu-me literalmente a mesma cidade. E isto não é por si só um bom sinal. Não que esteja mal. É uma cidade harmoniosa, claro, mas não com o ritmo ou a presença física e humana que eu esperava de uma capital de Distrito. Isso não. Há ali um ritmo desfasado daquele que caracteriza uma grande urbe.

Quando me debrucei sobre as muralhas do Castelo da cidade, para olhar em volta, não tive um único momento de sobressalto pela chegado do novo. Circunscrita, silenciosa e recatada, a cidade parecia-me comportar-se como uma pessoa que mantivesse os olhos no chão enquanto falávamos com ela.

Muitos dos grupos de turistas, sobretudo espanhóis, que deambulavam por Bragança no sábado, e que quiseram visitar o Castelo, e o seu curioso e bem conservado museu militar, deparavam com a porta fechada a partir das 13:00. Pensei ao passar por eles e observar o seu desânimo:
"Pois é amigos, vocês também têm a vossa hora da sesta... mas depois reconsiderei. Então com tanta gente no desemprego, não haveria algumas almas que preferissem estar a exercer aquele trabalho de assistência ao monumento, mantendo-o aberto e disponível o maior número de horas por dia?"
É a falta de entrega dos poderes políticos a causas, que faz do acto do prof. Adriano Moreira um acto político de índole amorosa. O poder segundo John Rawls e não segundo Maquiavel, claro.

quarta-feira, junho 17, 2009

Que o nosso exemplo seja o que perdure:carnation revolution


Iran Uprising: Historic Parallels To Today's Protests



Huffington Post Stuart Whatley First Posted: 06-16-09 08:01 PM Updated: 06-16-09 10:01 PM


The massive socio-political movement in Iran, following the highly controversial announcement Saturday declaring Mahmoud Ahmadinejad the victor of that state's presidential election, is reminiscent of a number of other such uprisings during the past few decades -- with some being notably more violent than others. However, it should be noted, the situation in Iran is by no means a "revolution" at this junction, and experts and pundits aplenty agree that such an appellation would be both premature and inappropriate. Nevertheless, a look back is merited, given the situational picture painted by images, video and reports that have made their way out of Iran thus far.
An especially violent historical parallel is Rhodesia's (now Zimbabwe) Second Chimurenga, that began in 1964 and lasted until 1979, which began as a civil disobedience movement, but escalated into civil war against the minority white colonial ruling faction. The eventual result was Zimbabwean independence, with Robert Mugabe taking power over the new Republic of Zimbabwe in 1980.


A more peaceful example is Portugal's 1974 Carnation Revolution, which saw thousands of civilian dissidents take to the streets to side with military insurgents in the country's two-year-long civil war (?!). The eventual result was an almost bloodless coup whereby an authoritarian regime was supplanted by democracy.




A very obvious parallel to Iran today is of course the Iranian Islamic Revolution of 1979, when demonstrators brought the country to a standstill and forced the US-backed Shah to flee. The result was that the monarchy was replaced with the current Islamic Republican system.


A popular uprising that saw far more bloodshed, however, is the 8888 Uprising in Burma (also known as Myanmar), when on August 8, 1988 student protesters joined with monks, doctors, housewives and even children in a call for democracy. The movement ended with the slaughter of thousands of protesters by the Tatmadaw (Burmese Armed Forces). This is also when opposition leader Aung San Suu Kyi, now on trial, entered politics. Read more here.





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Excepção feita àquela cena bizarra da publicidade à morte da mosca em directo, o presidente dos EUA na sua entrevista sobre o Irão tem toda a razão: esta admirável gente iraniana não merece só um líder reformista, merecia sim um regime novo. mas veja-se o que aconteceu na Birmânia (Myanmar)há pouco tempo. Ou na China há anos.

terça-feira, junho 16, 2009

O carrapato do poder político ou o fenómeno da maioria absoluta

A mim esta notícia dá-me náuseas e só que não tem vergonha na cara, nem princípios políticos na cabeça, se sujeita a deixar-se publicitar assim: PS: José Sócrates quer maioria absoluta para governar sozinho e garante "atitude de humildade".


Em primeiro lugar: quem acredita nas garantias do senhor primeiro-ministro? E em segundo: o que considera o sr. José Sócrates uma atitude de humildade?
Em democracia só conheço atitudes de respeito mútuo entre governados e governantes, sendo que aos primeiros lhe é reconhecida legitimidade, pela tradição e pela letra da democracia, para se contraporem aos primeiros nas formas, nas vezes e no estilo que melhor faça ouvir as suas vozes num Estado de Direito.

......

"(...) o PSD - partido mais votado - tem a confiança de apenas 9,5% dos portugueses (31,68% de 30%), e o PS de menos ainda: nem de 8% (26,58% de 30%). E todos os restantes partidos, no seu conjunto, de menos de 9%. É esta a legitimidade democrática (o PSD representando 9,5% dos portugueses, o PS menos de 8% e os restantes partidos menos de 9%) do actual sistema partidário. O que levou a tal divórcio dos portugueses - que, no entanto, nas primeiras eleições após o 25 de Abril acorreram em massa, esperançada e entusiasticamente, às urnas - dos políticos e da política? Teremos que mudar de povo? De políticos? Ou devemos continuar a fazer de conta?"

Manuel António Pina no JN de 9 de Junho


"A lei levou à inscrição automática nos cadernos eleitorais de 9 491 592 eleitores, de uma população de (dados do INE) 10 617 575 pessoas. Só que, destas, 1 628 852 têm 14 anos ou menos, e cerca de 400 mil terão mais de 14 e menos de 18 anos (30% dos cerca de 1 236 000 com idades entre os 15 e os 24 anos), nenhuma podendo votar. Além disso, dos 401 612 estrangeiros residentes, a maioria é decerto constituída por não-europeus (africanos, brasileiros, chineses, ucranianos, russos, moldavos…). O que significa que, nestas "europeias", contas feitas por baixo, havia milhão e meio de fantasmas nos cadernos eleitorais. A "revolução tecnológica" também pode ser uma aventura emocionante. Se, claro, for mais que propaganda."

Manuel António Pina no JN de 10 de Junho

segunda-feira, junho 15, 2009

Hoje é fácil...

...fazer demagogia com a questão das casas devolutas no país. Mas antes da tragédia de hoje acontecer, e de outras que acontecem por esse país fora e não temos grande notícia, andei cinco dias a passear pelo Nordeste do país e passei todo o tempo a maravilhar-me, e a desgostar-me, à vez, com o urbanismo das nossas cidades; sobretudo no que a casas abandonadas diz respeito.
Em Coimbra, Vila Real, Mirandela, Chaves, Bragança, Vila Flor, Foz Côa ou Guarda, para enunciar aquelas localidades em que eu deambulei por estes dias, as casas devolutas, e algumas delas de inegável interesse patrimonial, são aos milhares. Os centros históricos têm por cada casa recuperada, duas ou três abandonadas. É uma tristeza sem fim vê-las a cair, de cortinas sujas ou de janelas partidas escancaradas à rua, de portas descaídas ou entaipadas. Pareceu-me a mim que este devia ser o objectivo de um ministro para uma legislatura: acabar com as casas devolutas nos centros das cidades portuguesas. Acabar definitivamente com esta prga.
O que a recuperação dessas casas faria pela economia (não só das actividades ligadas à construção, como do imobiliário mas, sobretudo, turística) não deve estar a ser bem contabilizada, de certeza. Só pode ser ignorância. Ou então umas leis que de tão embrulhadas não deixam solução à vista.

Vê-se que as cidades estão a fazer um esforço de recuperação dos espaços públicos e paisagísticos. Aqui e ali há casas que foram sujeitas a bem sucedidas obras de restauro e de reconstrução, mas o número elevado de muitos mais edifícios decrépitos, cria uma atmosfera de pobreza, de desleixo existencial e de desamparo afectivo pelas casas e o seu lugar na cidade, que magoam e afastam o olhar. Dão vómitos. Não é uma questão de dinheiro. Basta, aliás, ver como os bairros à volta das cidades cresceram em tamanho, e com construções de todos os feitios e qualidade, que se vendem bem. É o quê, aquele desamor? Por serem casas de assoalhadas pequenas? Falso. O número de casas apalaçadas ou de médias dimensões é imenso. O serem construídas em ruas estreitas? Falso. Há um número elevadíssimo de casas abandonadas nas praças mais solarengas e nobres das cidades. O preço da reconstrução? Mas quantos daqueles familiares não foram construir a sua moradia nos arredores da cidade ou compraram apartamentos acabados de construir, muito mais afastados do centro? O facto de não terem jardins? Falso. Muitas deles têm pátios ou jardins interiores ou no exterior, e nem por isso deixam de estar abandonadas. Especulação imobiliária? Pois aí...


Durante cinco dias congeminei um programa de acção (obviamente sem conhecimento da matéria) e por brincadeira, o qual se sintetiza assim: as autarquias tinham dois meses para fazer uma listagem de todos os edifícios devolutos ou em estado de abandono nas suas localidades. Nos dois meses seguintes todos os proprietários eram contactados para fazerem obras compulsivas. Se não tivessem dinheiro era aberto imediatamente um programa em interacção com as empresas da localidade, que os ajudasse na construção e gestão das obras, sendo que mais tarde, por venda ou por arrendamento, o proprietário ressarciria o erário público, no montante e com a frequência previamente acordada entre ambos. Ao fim de quatro anos, quem tivesse uma casa em estado de abandono (entidade pública ou privada) começaria imediatamente a pagar uma multa elevada que reverteria para os cofres da cidade.


Se grande parte do esforço fosse aplicado neste tipo de obras, tenho a certeza que o dinamismo que se reconhece nas obras públicas, e nas obras privadas das periferias, daria um novo sentido e alento às ruas das cidades deste país, que se transformariam então em espaços urbanos de elevadíssima qualidade mundial.

terça-feira, junho 09, 2009

Quem perdeu as eleições no domingo

quanto a mim foi sobretudo a política de comunicação deste governo.

A estratégia comunicacional que marcou o primeiro discurso de Sócrates como ministro foi o mote de toda esta governação crispada, autocrática, convencida e alheada da realidade. Com este governo podemos entrever, com a devida distância e com o devido respeito pelo grau de sofrimento desses povos, o que terão vivido as sociedades sob regimes totalitários. Foi só um vislumbre das tácticas comunicacionais e do tipo de práticas administrativas de Estados ditatoriais, claro, mas vislumbre que me deixou em estado de choque quase permanente contra esta política, contra este governo. E os efeitos da sua política, no corte de acções de promoção da participação democrática e aprofundamento dos métodos dessa participação, sinal civilizacional, ainda estão por chegar.

Repare-se como este PS "encheu" casas recorrendo a efeitos cénicos, como ajeitou as objectivas sobre o seu líder (um homem que dá a cara, admito - quando não está a sair pelas portas traseiras de escolas) e se esqueceu, num minuto de absoluta emoção e desamparo do líder e desnorte dos famosos e "duros" estrategas, de impedir que filmassem a sala do Altis vazia, os ministros a deambularem por entre carros a saírem acabrunhados do local onde se velava uma ideia de PS e de Sócrates que há muito só existia na cabeça deles e nas agências de sondagens, o azedume de certas personagens mal amadas politicamente deste governo, o desfazer do cenário, quando, em plano paralelo, se mostrava a festa de vitória do PSD.

Afinal onde está o profissionalismo daquela famosa máquina de comunicação que tanto me gabavam ainda há poucas semanas? Onde estava a opinião pública ganha para as políticas?

E onde estavam os delegados do Congresso PS que em Março último tinham incensado José Sócrates como o supremo líder, não criticando políticas, não reformando atitudes, não propondo, a tempo, um conjunto de medidas que atenuassem o desastre que qualquer simpatizante do PS, com dois dedos de testa, via há muito que viria a ser as próximas eleições?

Auto-centrados, líderes e militantes deste PS onde a maioria das pessoas não se reconhece, ficaram finalmente em face de si mesmos, e o que viram não lhes deve ter agradado: conversas acintosas, agressões públicas contra personalidades ou classes profissionais que se lhes opusessem, idolatria pela via do não diálogo como sinal de virilidade ou de afirmação, manifestação contínua de actividade e de espírito de decisão. Agora deve soar tão a falso aos seus ouvidos (ontem na RTP1, o Ministro Santos Silva ensaiava um tom melífluo para fazer substituir o seu estilo argumentativo ou caceteiro habitual) como soa aos meus, desde aquele primeiro discurso no dia da posse do Senhor José Sócrates.

Paulo Rangel, uma excepção no PSD, tem um discurso de uma beleza política inqualificável. É um notável comunicador e, quero crer, acreditará no que diz. Aliás, como Sócrates acredita no que diz. A diferença é que o primeiro tem o discurso que constitui matéria de vivência democrática, de respeito pelo pluralismo de ideias e pela adesão ao conceito de "escuta" da voz dos cidadãos, o segundo tem a crença que os cidadãos ao darem-lhe uma maioria absoluta, lhe deram uma carta em branco para ele agir de acordo com as suas exclusivas e superiores interpretações da realidade.
Nunca um governo teve tantos "fazedores de opinião" a defenderem as suas políticas, e nunca um governo perdeu tanto sem o esperar, iludido nessa teia de interesses mútuos com que deixou de ouvir o povo, quotidianamente.
..
Leia-se Cintra Torres.

A questão da segurança e os novos factos políticos e sociais

"Os factos estão a levar os EUA a moderar a histórica declaração feita pelo seu governo em 20 de Setembro de 2002: "Hoje em dia, a humanidade tem a oportunidade de conseguir o triunfo da liberdade sobre os seus inimigos, e os Estados Unidos estão orgulhosos da responsabilidade que lhes compete como líder desta importante missão." Dos menos fortes espera-se que dispensem qualquer líder europeu de repetir, dirigindo-se a Estados iguais da União, as palavras com que Chirac avisou os apoiantes dos EUA de que tinham perdido uma ocasião de estar calados, usando em todo o caso uma modéstia de discurso quando comparado com as frequentes proclamações de distância do General De Gaulle em relação à ONU. As lições dos factos, ao mesmo tempo que aconselham a reconduzir o tema da segurança e defesa ao centro do debate europeu em curso, nos termos da responsabilidade orientada pela arte de governar, ajudam a que esse debate equilibre a definição do interesse europeu, relacionado com as suas capacidades, com a articulação indispensável ao interesse ocidental que inclui indispensavelmente os EUA, e com o interesse global da humanidade, que hoje dificilmente encontra uma sede responsável e capaz de a assumir, representar e preservar."
Adriano Moreira, in DN

O papão da governabilidade

"Sobre o bloco central. Desde 1985, quando surgiu o fenómeno PRD, que a soma de PS e PSD não caía claramente abaixo dos 60% numas eleições em Portugal. Esta fragmentação do espectro partidário já anda por aí a assustar os profetas da "governabilidade". Tendo em conta que já vamos em 20 anos de "governabilidade", limito-me a perguntar: aproximámo-nos da Europa? Desenvolvemo-nos como devíamos? Ganhámos com isso? A governabilidade está muito sobrevalorizada."
por João Miguel Tavares, in DN

segunda-feira, junho 08, 2009

A responsabilidade do Ministério da Educação

"De como o ministerialismo foi derrotado pela democracia

Foram duzentos mil na rua, mas o espírito da teimosia co-incinerador fez arder a confiança pública.
Ministerialismo não rima com democracia."

via Sobre o tempo que passa

Vencedores

"Vencedores: o curioso e notável Paulo Rangel; a sra. Manuela F. Leite, pela sua arte de recato; o Bloco de Esquerda e a sua direcção; o PCP, pela sua resistência; o sr. Paulo Portas, pela sua arte de sobreviver; os professores e as suas associações ou grupos; o sempre fraterno Manuel Alegre e os socialistas honrados; as classes profissionais; o jornal Público e o seu director; o inteligente e imprescindível Rui Tavares; a TVI; a blogosfera livre, cívica e democrata; os homens dignos e os livres-pensadores. "

quinta-feira, junho 04, 2009

A mediateca do eleitor...

que bela ideia esta do ISCSP em parceria com o CITIDEP, o LabCom e o CAPP. Excelente forma de conhecer as propostas dos nossos candidatos ao Parlamentop Europeu.

Para quem não acredita em mínimos ideológicos, eis a prova como as políticas e as acções não são todas iguais.

"Uma China que fez enormes progressos economicamente e que está a encontrar um lugar justo no primeiro plano da cena internacional devia examinar abertamente as páginas sombrias do seu passado e divulgar os nomes dos que morreram, foram detidos ou desapareceram", para tirar as lições disso e sarar as feridas", acrescentou (Hillary Clinton)." Expresso


O mínimo ético comum. A publicação da lista com os nomes. O reconhecimento de uma existência e da sua morte.

terça-feira, junho 02, 2009

E a preocupação com a legislação, aplicação e meios de fiscalização e protecção dos direitos das crianças?

"No Dia Mundial da Criança, é importante sublinhar que "os direitos da criança nem sempre são respeitados, não só fora, mas também dentro da Europa", frisou (Rui Rio).

Este é que teria sido o tema interessante durante a semana para todos os cabeças de lista dos partidos que concorrem para o Parlamento Europeu. Um tema que lhes permitisse apresentar ideias ou propostas concretas que se comprometeriam a levar a discussão no caso de serem eleitos: o que fazer para garantir os direitos de cada criança.
Mas o que preferiram os nosso candidatos escolher como tema ontem?
3. Vital Moreira (o ensino das crianças - onde divaga por entre a desfaçatez da realidade)

segunda-feira, junho 01, 2009

De ditadura comunista a ditadura capitalista...

"(...) "Há 20 anos, Deng Xiao Ping e os outros líderes sublinharam que tudo tinha sido feito para proteger o socialismo e o partido, que queriam proteger o país da entrada do capitalismo do ocidente, mas deixaram cair Marx, Engels, Lenine e também Mao Tse Tung, passaram a integrar o mundo capitalista, passaram a ser a fábrica do capitalismo", disse.
Vinte anos depois, Ng Kuok Cheong reconhece que muita coisa mudou no mundo e na China e explica porque continua, ano após ano, a recordar o 04 de Junho.
"O problema é que o partido continua a controlar a informação e quando isso acontece qual é verdadeiramente a conquista, o que é a real actuação do governo?", questiona.
Além dos episódios de 04 de Junho de 1989, Ng Kuok Cheong lembra também a actuação da China ao tentar "apagar" o problema de escolas mal construídas em Sichuan cuja ruína durante o sismo que afectou a região provocou a morte a milhares de crianças e jovens.
Por isso, e admitindo até uma estrutura diferente da Europa e dos Estados Unidos, Ng Kuok Cheong quer mudanças no sistema político, quer que as pessoas tenham acesso a uma imprensa livre e garante que a situação actual "é perigosa" para a nação chinesa e também não é muito boa para o mundo. (...)"
A livre circulação de bens não significa a livre circulação de informação. O capitalismo não garante, por si, uma sociedade democrática.