Na segunda-feira passada Faranaz Keshavjee escreveu um artigo no jornal “Público” sobre a condição de se ser muçulmana chiita. O artigo “As lendas dos assassinos continuam…”, contextualiza a questão da participação dos chiitas em grupos terroristas, e procura ser mais um exemplo de como as generalizações ao invés de facilitarem a compreensão dos povos, servem apenas a ignorância e a prepotência dos que verberam complacentemente sobre os outros. Keshavjee procura dar a saber as distinções, as diferentes matizes, que estruturam a cultura chiita, defendendo que as boas condições sociais e políticas criam os povos cultos e pacíficos, e que essas condições, de acordo com a história das nações do Médio Oriente, não foram ainda alcançadas, por isso haverá que procurar não confundir o que se passa com um determinado conjunto de indivíduos sob determinadas condições sociais com toda uma população que não professa necessariamente a cultura do “martírio” no xiismo, não havendo na sua crença religiosa uma predisposição para a violência.
Tem razão Keshavjee quando alerta para o perigo das simplificações grosseiras. Esta é uma arma argumentativa que está constantemente a ser utilizada para quem tem interesse em tomar a parte pelo todo, para simplificar e criar uma cortina de incompreensão que afasta esses indivíduos de uma partilha de humanidade reconhecível. Os portugueses estão constantemente sujeitos a este tipo de alienação na compreensão da sua identidade. Nós próprios temos um prazer confessado de passarmos o tempo a “auto-massacrar-nos” com sarcasmos e ideias preconceituosas sobre o nosso próprio carácter e capacidade de acção, aceitando essa imagem que reflectimos e que voltamos contra nós próprios como ricochete.
Mas Keshavjee também poderia ter ido mais longe na compreensão da manutenção dos atavismos xiitas que levam à proliferação da cultura da violência, porque há mais de cinquenta anos que esses povos deixaram de estar sob o jugo directo da colonização, e era tempo de as suas elites terem adoptado claramente por valores civilizacionais universais, que não estejam só ao serviço de uma minoria que se sentirá sempre oprimida, sempre injustiçada, sempre pronta a rebelar-se violentamente. E é um sentimento que pode evidentemente expressar-se, sob forma política, não militar e não contra nenhum Estado de direito. Não vejo porque razão no Irão não se resolvem os problemas sociais, económicos e culturais do seu povo, pelo seu povo e não contra nenhum povo. Esta é a estratégia dos déspotas, e não, não temos que falar da sua religião. A ideologia política é suficiente para explicar essa forma de poder. Como o Ocidente sabe muito bem. Demasiado bem, para seu mal.
sexta-feira, julho 28, 2006
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