segunda-feira, julho 30, 2007

o universal e o particular. A teoria e a prática.

"Deves tratar deste modo um amigo, um concidadão, um companheiro." - Porquê? - "Porque é de justiça."
Ora todos estes casos particulares são-me proporcionados pelo estudo do que é a "justiça": através deste verei que a equidade é algo que, em si mesmo, devemos procurar, que não somos coagidos a ela pelo medo nem atraídos por prémios, e que não é justo quem, na prática desta virtude, tem outro objectivo para lá dela mesma. Se eu me tiver apercebido e embebido desta verdade, se eu já souber esta lição, para que me servirão os preceitos? Ministrar preceitos a quem já conhece a teoria é supérfluo, a quem ainda a ignora é insuficiente, porquanto não basta conhecer os preceitos, é necessário saber igualmente a respectiva razão de ser. Pergunto eu: os preceitos são necessários a quem possui uma opinião correcta sobre o bem e o mal, ou a quem não a possui? Quem a não possui nada beneficiará com os teus conselhos, já que tem os ouvidos atentos à opinião do vulgo, a qual é contrária à tua. Quem já possui uma noção correcta do que devemos evitar e procurar, esse sabe muito bem como há-de agir, mesmo que se lhe não diga nada. " (p. 482 do livro Cartas a Lucílio)
Assim argumentava Aríston.

Respondia-lhe Séneca, o filósofo das exortações e dos conselhos, mestre e conselheiro do imperador Nero, essa alma que acabou por escapar aos conselhos/preceitos do seu pedagogo.

"Eu admito que, por si só, os preceitos não sejam eficazes para corrigir as convicções falsas do nosso espírito; são todavia, úteis, desde que aliados a outros métodos. Por um lado avivam a memória; por outro, questões que, vistas na globalidade, podiam parecer confusas são entendidas com maior clareza quando encaradas separadamente. Se assim não fosse teríamos de considerar supérfluas as consolações e as exortações; ora nem umas nem outras são supérflua; logo, os conselhos também o não são." (p. 485)

segunda-feira, julho 23, 2007

A paixão por um líder 2

A adesão a uma ideia, a uma acção, a uma pessoa assenta em que tipo de crença numa necessidade, ou em que tipo de necessidade transformada depois em crença? Lakoff envereda pela explicação mais simbólica/psicológica que se desenvolve à volta da ideia de parentalidade que cada um de nós viveu ou aspira viver: a ideia de pai autoritário mas protector ou a ideia de família organizada para se apoiar entre si de forma solidária. E de certa forma parece que na história da sociedade estes dois modelos, e seus diferentes graus de existência, explicam a identificação a ideias ou pessoas que mudando no acessório (origem, aparência, linguagem) corresponderiam sempre a um determinado arquétipo presente na sociedade sobrevivendo nas diferentes mutações históricas como uma mesma identidade, logo reconhecível por todos mesmo quando se apresenta sob uma forma revolucionária: completamente outra pela transformação operada.
Mas esta explicação da identificação a algo ou alguém a partir do tipo de socialização que se faz deixa ficar onde a capacidade de racionalizar e de deliberar racionalmente sobre uma questão de forma autónoma?

sábado, julho 21, 2007

A paixão por um líder

Há uma certa paz na descrição, nesse acto que suspende o vício da complacência ou o ímpeto enfadonho e frequentemente mesquinho do contínuo ajuizar sobre o comportamento dos outros, mesmo com a explicação de que os outros são figuras públicas a precisarem de ser ajuizadas. Na descrição pode haver um despojamento emotivo que suaviza a personalidade. Descreve-se um último livro que se acabou de ler, ou o último filme visionado. Com o mínimo de adjectivos possíveis. Um bálsamo, uma qualquer discrição de um eu demasiadas vezes demasiado consciente de si, como se essa consciência dissesse a verdade da pessoa.
Terminada, finalmente, a leitura da biografia de Estaline. Na cabeça uma pergunta: Por que é que os potentados não mataram Estaline?
Na realidade, os companheiros/servidores de Estaline podiam tê-lo morto na última década da sua vida, eram assassinos experimentados, tinham oportunidade física, e sabiam que sobre a sua cabeça, e as das suas famílias e amigos, pendia a espada ou a sempre iminente exclusão do poder, porque não o fizeram então? A pergunta também é feita no excelente livro de Simon Sebag Montefiore, mas, único reparo que eu faço à obra, a resposta não me parece suficiente para descrever a pessoa de Estaline.
Escreve Montefiore na p. 620: ”Os quatro últimos homens de pé decidiram (Molotov, Mikoian, Khrushchev e Béria), segundo o filho de Béria, “não permitir que Estaline os atirasse uns contra os outros”. Por vezes, o Vozhd (Estaline) perguntava aos Quatro: “Estão a formar um bloco contra mim?” Num certo sentido estavam, mas nenhum deles, nem sequer Béria, tinha a força de vontade necessária. Mikoian discutiu provavelmente com Molotov, o assassínio de Estaline, mas, como mais tarde disse a Enver Hoxha: “Desistimos da ideia por recearmos que as pessoas do partido não compreendessem.”
Ora porque não iriam compreender as pessoas do partido? Montefiore não explica. Deduzo que este falta de explicação seja intencional nesta rigorosa biografia. Montefiore procura apresentar Estaline, como qualquer outra figura históricoa que cruzou o seu caminho, num plano estritamente descritivo da personalidade e das suas acções, e não quis entrar numa linha de investigação que iria embocar em explicações pouco racionais dos comportamentos que definiam os apoiantes de Estaline, com o intuito, talvez, de não contribuir para a mistificação/divinização da figura. Mas a verdade é que esta personagem histórica, como outras, puseram-se a si próprias num plano superior ao da humanidade (pelo intelecto, pela acção estratégica, mas também por carisma e capacidade psicológica de darem de si uma imagem de excelência e superioridade humana que, aliada a uma grande narrativa ideológica, transforma a pessoa histórica numa figura divinizada). Parece-me que o temor dos correligionários por Estaline era o terror de saberem que apesar das políticas, dos planos económicos centralizadores, das perseguições, do terror e da morte sofridos arbitrariamente por milhões de pessoas, ele era uma figura na qual se acreditava, a qual se seguia, a qual se respeitava. E esta contradição, quando se quer ser objectivo na análise, não é fácil de explicar, senão mesmo difícil de compreender racionalmente, porque remete para o campo das emoções, das adesões a crenças ou a pessoas que, diz a razão pública, serão sempre pouco recomendáveis de um ponto de vista do que se quer para líderes da acção pública. Mas se não houver um esforço para compreender a paixão por Estaline não se conseguirá compreender, por exemplo, a paixão por figuras deste tempo que, também elas, entram em rota de colisão com os valores racionais do processo electivo, cíclico, de gerir a vida pública. Paixões a prazo pelos líderes na vida democrática versus paixões derradeiras e intemporais. Ou a lição da história humana versus a crença numa ilusão de liderança intemporal.

terça-feira, julho 17, 2007

interesse público e desinteresse privado

Alguns analistas já tinham avisado: logo na noite das eleições vão-se contabilizar cabeças, vão-se sentir desafiados nos seus lugares os líderes e os candidatos. E eu esperava que não, que nessa noite ir-se-ia falar dos projectos que tinham, ou não, merecido a atenção e aprovação dos eleitores lisboetas. Que se ia enunciar propósitos, reiterar planos, sublinhar intenções, mudar perspectivas, enfim, discutir as ideias que deviam ter estado, ou sobre as que de alguma forma estiveram, em discussão e que depois se procurariam aplicar pelos ganhadores e fiscalizar pelos adversários com responsabilidades directas porque eleitos vereadores. Ilusão, pensei eu. Ou não, sei eu. Como se não se soubesse já. Como se de repente algo de extraordinário acontecesse. Mas o que havia de extraordinário a acontecer quando sabemos que o que não é expectável não é da ordem da normalidade democrática?

Depois também erro, historicamente, noutra forma de pensar que me caracteriza. E nisso concebo a teoria de Rorty a ajuizar-me. Se passo o tempo a pensar na real possibilidade de se conduzirem os assuntos públicos sob a forma de discussões conduzidas em comunidades racionais, ao limite pensadas como ideais, e que manifestam a existência de valores universais e incontornáveis na regulação da ordem social, esqueço-me do papel dos indivíduos, da diferença no papel desempenhado por diferentes indivíduos para o mesmo assunto. É nesta inquietante situação que nos encontramos como cidadãos. Por um lado quero a esfera dos princípios universais, na lei e em quaisquer outros procedimentos que formalizam as relações sociais em geral e as de poder em particular, por outro lado todas as páginas da história mostram que os mesmos procedimentos e os mesmos princípios podem ser experimentados e dados a experimentar de formas distintas. Não ajuda nada, se quisermos um critério “claro e distinto”. Ajudará muito se quisermos ser, ou soubermos ser, biógrafos, ou sábios experientes e bondosos que aceitam as contradições da existência, assim mesmo.

De certa forma contamos só com a nossa memória, para contextualizar o futuro, e, sobretudo, com os humores, para dar conta do presente. E estes podem ser manipulados, podem ser mistificados, podem ser racionalizados, podem ser orientados e educados, mas não nos permitem que lhes escapemos. O humor que faz ir da ovação à vaia em espaço de poucos meses, da adesão à repulsa, da simpatia à indiferença. Uma coisa idealmente despropositada, uma força descontrolada a gerir a existência. O acaso e a minha ignorância a prevalecer sobre os meus interesses públicos. Como escapar? Como querer escapar? A quem interessa, assim que acaba o acto de depositar o voto na urna? Porque me devia interessar?

sexta-feira, julho 13, 2007

El regreso del idiota

A Ayetsa enviou-me este excerto do texto de Mario Vargas Llosa publicado no jornal argentino La Nacion em 24-2-2007.

"Las mejores páginas de El regreso del idiota están dedicadas a deslindar las fronteras entre lo que los autores del libro llaman la "izquierda vegetariana", con la que casi simpatizan, y la "izquierda carnívora", a la que detestan.
Representan a la primera los socialistas chilenos -Ricardo Lagos y Michelle Bachelet-, el brasileño Lula da Silva, el uruguayo Tabaré Vázquez, el peruano Alan García y hasta parecería -¡quién lo hubiera dicho!- el nicaragüense Ortega, que ahora se abraza con, y comulga con frecuencia de manos de su viejo archienemigo, el cardenal Obando. Esta izquierda ya dejó de ser socialista en la práctica y es, en estos momentos, la más firme defensora del capitalismo -mercados libres y empresa privada- aunque sus líderes, en sus discursos, rindan todavía pleitesía a la vieja retórica y de la boca para afuera homenajeen a Fidel Castro y al comandante Chávez. Esta izquierda parece haber entendido que las viejas recetas del socialismo jurásico -dictadura política y economía estatizada- sólo podían seguir hundiendo a sus países en el atraso y la miseria. Y, felizmente, se han resignado a la democracia y al mercado. La "izquierda carnívora", en cambio, que, hace algunos años, parecía una antigualla en vías de extinción que no sobreviviría al más longevo dictador de la historia de América latina -Fidel Castro-, ha renacido de sus cenizas con el "idiota" estrella de este libro, el comandante Hugo Chávez, a quien, en un capítulo que no tiene desperdicio, los autores radiografían en su entorno privado y público con su desmesura y sus payasadas, su delirio mesiánico y su anacronismo , así como la astuta estrategia totalitaria que gobierna su política. Discípulo e instrumento suyo, el boliviano Evo Morales, representa, dentro de la "izquierda carnívora", la subespecie "indigenista", que, pretendiendo subvertir cinco siglos de racismo "blanco", predica un racismo quechua y aymara, idiotez que, aunque en países como Bolivia, Perú, Ecuador, Guatemala y México carezca por completo de solvencia conceptual, pues en todas esas sociedades el grueso de la población es ya mestiza y tanto los indios como los blancos "puros" son minorías, entre los "idiotas" europeos y norteamericanos, siempre sensibles a cualquier estereotipo relacionado con América latina, ha causado excitado furor. Aunque en la "izquierda carnívora", por ahora, sólo figuran, de manera inequívoca, tres trogloditas -Castro, Chávez y Morales- en El regreso del idiota se analiza con sutileza el caso del flamante presidente Correa, de Ecuador, grandilocuente tecnócrata, quien podría venir a engordar sus huestes. Los personajes inclasificables de esta nomenclatura son el presidente argentino, Kirchner, y su guapa esposa, la senadora Cristina Fernández (y acaso sucesora), maestros del camaleonismo político, pues pueden pasar de "vegetarianos" a "carnívoros" y viceversa en cuestión de días y a veces de horas, embrollando todos los esquemas racionales posibles (como ha hecho el peronismo a lo largo de su historia). Una novedad en El regreso del idiota sobre el libro anterior es que ahora el fenómeno de la idiotez no lo auscultan los autores sólo en América latina; también en Estados Unidos y en Europa, donde, como demuestran estas páginas con ejemplos que producen a veces carcajadas y a veces llanto, la idiotez ideológica tiene también robustas y epónimas encarnaciones."

Os idiotas regressam sempre. Os que acham que os outros são idiotas também. Pareceria que esta compensação equilibraria o mundo político, e, afinal, não.

quinta-feira, julho 12, 2007

Perguntas

Perguntava-me o Amadeu depois de termos ouvido o resultado das sondagens da RTP1 e da Antena 1: "Mas quem são as pessoas que vão votar em Carmona?"

Perguntava-me a minha prima Salomé: "Porque será que ninguém discutiu ainda nesta campanha o testemunho daquele jornalista que escreveu sobre a forte possibilidade de ter havido fraude nas eleições autárquicas de 2001?"

Perguntava eu: "Não devia aparecer os nomes dos candidatos à presidência de uma Câmara antes do nome dos partidos ou dos movimentos que os apoiam?"

Amanhã será um novo dia

Acordei logo de manhã com aquela imagem cinematográfica/literária do exilado emocional, do exilado da pátria, de histórias antigas que li nos livros. Nos livros de quem? Somerset Maugham, Graham Greene, Malraux ou Conrad? Podia perguntar também se teria sido em Ferreira de Castro. Mas neste autor sei que não encontro a imagem, pois que essa imagem de humidade, floresta, calor sufocante, suor, sofrimento e naturezas ébrias tenho-a de antes de ter lido Ferreira de Castro. Mas onde terei ido buscar essa ideia de homens perdidos, encostados ao balcão de uma qualquer venda no interior de um país bem interior?

Ontem à noite li uma história do pato Donald a um menino. Começava assim: "Um remoto posto comercial nos confins do continente africano. Difícil de alcançar com tempo seco, quase impossível com chuva...". O posto comercial ficava em "N`tali", terra onde havia um bar no qual, encostados ao balcão, todos se diziam perdidos. O pato Donald, a um canto, fixava o balcão, agressivo. A seu lado uma série de copos vazios...de sumo.
Está explicado. O pato Donald foi a minha senha de entrada nesse outro imaginário sobre um espaço e sobre personagens que não conheço, mas sei.

O exame de português B do 12º ano trazia um poema de Fernando Pessoa, rezava assim:

Em toda a noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.

Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor -
Um dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.

Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era,
Para quem,
Por tantas vezes ter sempre 'sperado em vão,
Já nada 'spera.


Pensei, depois de ler, que ali estava um poema que convoca o desânimo, o desapontamento, a impotência. Um poema que sabe o que é estar um homem encostado a um bar a olhar para o fundo de um copo. Isto servirá como analogia para os tempos sociais que estamos sempre a repetir em Portugal? Como se aquele desinteresse no que um novo dia pode trazer, por se saber igual no tempo que antecede a noite temida, fosse o sintoma de uma sociedade que não espera nada de novo, porque ao novo, o que não se sabe como é, mas espera-se que seja novo porque se sabe que o novo sempre vem, haverá sempre algo, ou alguém, que impede que se manifeste. Nem imagino o que seria viver em regime autoritário, em que os dias políticos se queriam a suceder sempre iguais, sob a batuta do ditador.

Lembro-me de Scarlet O`Hara, de M. Mitchell, quando no fim do livro profere a sua vital frase: "After all, tomorrow is another day!"

Mas Fernando Pessoa não tem o mesmo tom, ou intenção, quando diz "Nem o símbolo ao menos vale, a significação /Da manhã que vem". Almas formadas para compreenderem este poema, que semelhança poderão ter com as que reagem esperando, ansiando, acreditando no dia novo que há-de vir amanhã? E essas, que sentimentos reconhecem naquelas?

quarta-feira, julho 11, 2007

A liberdade como regra

A LIBERDADE AMEAÇADA , Baptista-Bastos no DN

E ainda alguma prática dessas formas de ameaças: o blog In Apto foi processado. Soube-o via blog A tactear.


O que há de paradoxal nas ameaças à liberdade não é que os ameaçados fiquem com medo, às vezes têm até reacção contrária, mas é que essas ameaças demonstram o medo, medo verdadeiro, de quem faz e impõe as ameaças. E um governo que governa com investidas legitimadas no medo, não pode ser um governo que nos represente bem.

terça-feira, julho 10, 2007

Um bom debate entre os candidatos à presidência da Câmara de Lisboa é melhor do que o não disfarçarem a política das tricas

A RTP fez o meritório esforço de juntar os doze candidatos à presidência da Câmara de Lisboa para um debate. Quem diz que tal número de candidatos não daria um painel funcional em termos de apresentação televisiva enganou-se. Foi bem concebida e pensada a colocação das mesas e dos candidatos. Gonçalo da Câmara Pereira ainda se disse prejudicado por estar afastado da jornalista mediadora, juntando a si a sua companheira de "canto, Helena Roseta, esquecendo-se, no entanto, que a câmara de televisão pode pôr no centro quem está no canto, e vice versa, sendo que o critério é filmar quem fala, quando fala. Ora, a percepção de que houve uns que tinham mais câmara (tempo de antena), logo mais exposição, não é errada, porque em televisão a exposição é dada ao que fala, logo premeia-se aquele que interrompe, algo que na rádio já não é possível, porque não se identificará a voz que se sobrepõe e cria um ruído ininteligível. Na televisão também cria ruído, mas com o prémio da imagem aparecer.


Fátima Campos avisava os candidatos, às vezes em tom crispado, que eles estavam a perder tempo ao fugirem à pergunta que ela lhes colocava, refugiando-se em frases feitas de campanha ou em ataques pessoais que escapavam à lógica da pergunta. Mas eles, os mais experientes, sabiam como chamar a atenção sobre si ou, pensaram muitos, sobre os temas que gostariam de impor, mudando a agenda. Nesta tentativa de mudar a agenda estiveram sempre mais nitidamente empenhados Fernando Negrão e Telmo Correia. Algo que lhes deu, quanto a mim, um tom esforçado, de inconveniências e falta de ideias.

Num tom próximo do esgar público esteve Manuel Monteiro, que não dá descanso a sua voz alta de homem ressentido com Portas, e no seu propósito de recuperar um tempo de líder partidário com destaque, recuperando esses tempos que devem ter sido mágicos de amizade e de influência na pequena esfera do poder. A expulsão de um paraíso, mesmo que se tivesse transformado num inferno, é um acto de iniciação duríssimo. Que o digam os povos antigos, e nós e a interpretação simbólica dos seus mitos nas nossas experiências quotidianas.

António Costa esteve senatorial. Às vezes olhava com profunda atenção e interesse os seus opositores. Tive quase a certeza que o seu cérebro estava a registar a pertinência da intervenção e/ou a qualidade da proposta apresentada. Achei-o legitimamente empenhado na sua tarefa, a responder com o tom e a pose certa, descontraído, sem menorizar os seus rivais. Isso não impede que a figura que até há pouco tempo tinha consagrado toda a sua energia na área da Administração Interna, apareça ali como um novato, e um alheado sobre os grandes propósitos/projectos para Lisboa, concentrando-se em dizer que o mais importante é sanear as contas públicas da câmara.

Esteve menos bem hoje ao escapar às embrulhadas em que o seu mandatário Júdice se deixou enredar. Em Portugal parece que há meia dúzia de homens que estão à venda para tudo e para todos os lugares. Mas onde é que o advogado Júdice aprendeu sobre urbanismo para lhe ser atribuído o papel de Comissário? Pronto, não precisava de saber nada sobre urbanismo, mas conhecem-se-lhes interesses na área de projectos de urbanismo? Reflexões sobre a/s cidade/s? É a distribuição do poder avulso pelas personalidades do costume. Quando não são as do costume são as outras chamadas para assessorar. Para se calarem com as sobras?

Como o presidente francês compreende, ainda que o possamos acusar de egoísmo nacional, é que reformas não se fazem, em democracia, com chicote, e isso porque é desrespeitar as pessoas em todas as suas categorias existenciais, para apresentar um número baixo de défice. Não é por medo do eleitorado, não me parece de todo que Sarkozy o tenha, ,mas porque compreende que para fazer reformas há que explicá-las, prepará-las e impô-las quando tudo estiver claro aos seus concidadãos, que não são crianças mimadas e mal educadas a precisarem de um pai ameaçador e disciplinador.

Ruben de Carvalho esteve igual à CDU. O partido pode contar com um eficiente, ainda que esteja por explicar algumas das posições da CDU nas assembleias que decidiram certos negócios, membro que não se esquece do pronome pessoal inclusivo "nós", não cai na tentação do "eu". Coube-lhe uma das tiradas da noite com a frase "a câmara não está falida", explicando depois porquê (a outra foi a de Quartim Graça ao mostrar um quadro em que se provava a sustentabilidade do aeroporto da Portela). Fez bem o seu papel o candidato Graça ao alertar para situações de desvario iminente na cidade, pelo o Porto de Lisboa, instituição zurzida por todos, pela saída do aeroporto, etc.
Menos bem Gonçalo da Cãmara Pereira. De ideias só retive a de que o país (leia-se o governo) deve ajudar a capital do país no seu saneamento económico. Nem a evocação da cidade simbólica, nem nada parecido. Também não tinha que o fazer.

Helena Roseta apresentou as suas ideias para Lisboa. Tem-nas. Insiste demasiado na ideia de diálogo com os cidadãos, na necessidade de procurar consenso. Percebo a intenção, demarcar-se de um certo fazer política mais impositiva da do tipo do partido socialista no governo, mas não me parece que esse seja um objectivo para a cidade, quanto muito uma metodologia e mesmo assim...

Sá Fernandes apresentou uma solução interessante para a questão da reabilitação da baixa e depois achou por bem atacar o antigo presidente. É uma figura interessante do ponto de vista da fiscalização cívica, mas começou a perder quando se começou a enredar na questão dos assessores. É verdade que se procurou explicar, ainda bem. Mas não me convenceu uma linha. Os assessores dos outros são problemas (sérios) dos outros, ele só tinha que se preocupar com os seus, justificando a sua necessidade. O que não foi o caso.

Garcia Pereira foi o candidato que quanto a mim começou melhor. Sublinhou a importância de se ter e apresentar uma perspectiva estratégica para a cidade que queremos. Foi semi-visionário na sua proposta de um aeroporto, um porto, uma ferrovia (tudo grande). Depois perdeu-se em algum desvario ideológico, como no caso dos arrendamentos (uma lei que celebrei quando saiu e que pouco mais está que sob a forma de suspensa na vida de muitos proprietários que não sabem, ou temem, pô-la em execução). Nesse desvario ideológico também incorreu por vezes Pinto Coelho, à direita. Mas teve intervenções sóbrias, a procurarem manifestar-se no sistema, a querer justificar-se dentro do sistema. É útil trazer a possível desordem da frustração da extrema-direita ao espaço da ordem democrática.

Carmona Rodrigues respondeu bem a Sá Fernandes sobre o facto de terem que ser os tribunais a julgarem acerca da ilegalidade dos actos, mas esqueceu-se que são os eleitores que avaliam os actos que dão credibilidade aos programas. E o senhor é demasiado alheado, demasiado aéreo, para se lhe conhecer um acto credível de gestão, ou um projecto dinamizador para a cidade.

Aliás, projectos dinamizadores, por ali, no debate, nem ouvi-los.

Não foi um debate para se decidir seja o que for. A discussão a seguir, na RTPN, foi pobre, rápida e sem grande interesse. Recordo com saudade os debates nas últimas campanhas autárquicas e as discussões que se lhes seguia na RTP, na Sic Notícias ou com o programa "choque ideológico" na RTP N. Desta feita é o deserto em discussão. Ou sou eu que tenho mais em que pensar.

Um bom debate europeu é melhor do que disfarçar as divisões

"Foi o antigo primeiro-ministro Lionel Jospin quem fez acrescentar o "C" de crescimento ao Pacto de Estabilidade. O tema foi recorrente da campanha eleitoral francesa, obrigando a chanceler alemã a intervir por duas vezes em defesa do estatuto de independência do BCE. O problema é, precisamente, que, em matéria de política monetária, há mesmo um "pensamento único" que foi ditado pela Alemanha quando negociou a UEM com a França e que Berlim dificilmente deixará pôr em causa. E, em matéria de crescimento, a boa "ortodoxia" europeia aconselha a que ele seja feito através das reformas estruturais e não através de uma moeda mais fraca.
Quando Sarkozy anunciou o regresso da França à Europa, isso foi saudado como uma excelente notícia por quase toda a gente. Agora, a sua frenética actividade em todas as frentes arrisca-se a colocar a Europa à beira de um ataque de nervos.
O desafio é enorme para a presidência portuguesa. Não há "pensamento único", é verdade, e um bom debate europeu é sempre melhor do que disfarçar as divisões. Mas uma "revolução europeia" é tudo o que Sócrates certamente não desejará."

Teresa de Sousa in Público

sábado, julho 07, 2007

As últimas palavras de Richard Rorty

"Last Words from Richard Rorty" por Danny Postel


"Richard Rorty: When I visited Tehran I was surprised to hear thatsome of my writings had been translated into Persian, and had a considerable readership. I was puzzled that rather fussy debates of the sort that take place between European and American philosophers, and in which I engage, should be of interest to Iranian students. But the reception of the talk I gave on “Democracy and Philosophy” made clear that there was indeed intense interest in the issues I discussed.
When I was told that another figure much discussed in Tehran was Habermas, I concluded that the best explanation for interest in my work was that I share Habermas’s vision of a social democratic utopia. In this utopia, many of the functions presently served by membership in a religious community would be taken over by what Habermas calls “constitutional patriotism.” Some form of patriotism — of solidarity with fellow-citizens, and of shared hopes for the country’s future — is necessary if one is to take politics seriously. In a theocratic country, a leftist political opposition must be prepared to counter the clergy’s claim that the nation’s identity is defined by its religious tradition. So the left needs a specifically secularist form of moral fervor, one which centers around citizens’ respect for one another rather than on the nation’s relation to God.
My own views on these matters derive from Habermas and John Dewey. In the early decades of the twentieth century Dewey helped bring a culture into being in which it became possible for Americans to replace Christian religiosity with fervent attachment to democratic institutions (and equally fervent hope for the improvement of those institutions). In recent decades, Habermas has been commending that culture to the Europeans. In opposition to religious leaders such as Benedict XVI and the ayatollahs, Habermas argues that the alternative to religious faith is not “relativism” or “rootlessness” but the new forms of solidarity made possible by the Enlightenment."



Livros publicados em Portugal:

Contingência, Ironia e Solidariedade
Pragmatismo e Política
A Filosofia e o espelho da natureza
Consequências do pragmatismo
Interpretração Sobreinterpretação

Richard Rorty morreu!

Só o soube hoje. Estava a ler o blog Habermasian resources quando li o título "Jürgen Habermas writes an obiturary for American philosopher Richard Rorty". O quê? Richard Rorty morreu?!

Morreu no dia 8 de Junho.

Tive a imensa sorte, e o privilégio, de conhecer e de poder falar pessoalmente com o filósofo. Foi um dia, na Fundação Gulbenkian. Estava sentado numa pequena sala onde ia discursar, à espera que o público chegasse. Os conferencistas estavam em maior número do que pessoas presentes para assistirem. O ambiente parecia-me a mim constrangedor. Só pensava no desperdício de inteligência e de saber ali derramado. O filósofo Rorty esteve sempre calmo, sem manifestar qualquer emoção, de braços cruzados, enquanto o tempo se arrastava. Era um homem alto, forte, sem pretensiosismo nos gestos, na fala, no pensamento. Era como a sua escrita. Depurada e directa, muito limpa. Sem querer agradar, mas sem tiques de vedeta, um homem absolutamente disponível para ouvir e para falar, sem ansiedade.
Um grande filósofo contemporâneo que quando alguém anónimo, numa assistência inócua, ganhou coragem e se lhe dirigiu perguntando se lhe pode fazer uma pergunta, ele se levantou imediatamente preparado para responder, inclinou a cabeça para o lado da interlocutora, pôs os olhos no chão e escutou a pergunta.

Richard Rorty foi um dos filósofos com "o" qual passei mais tempo durante os anos de preparação do meu doutoramento. Ele, Lyotard, H. Putnam, Rawls, Habermas e, sobretudo, o meu bem amado Apel, são as estrelas maiores que fazem parte do meu universo conceptual. Rorty morreu. E eu detesto a ideia de ter morrido um filósofo com o qual eu não concordava, não podia concordar, e que me fez tanta falta para eu aprender porque não concordava com ele.

De olhos no chão, e de cabeça inclinada, para o poder continuar a ler melhor, assim estou eu hoje Prof. Rorty. Sentida recordação.

E como é que eu não soube antes da sua morte? Que parvoíces me distrairam para este acontecimento?

sexta-feira, julho 06, 2007

Uma campanha se faz favor. E, já agora, alguém explica onde foi parar a feira popular?

Leio na revista Visão (a mesma que me põe “o coração num pingo” só com os artigos de João Lobo Antunes) que António Costa afirma que parece que nem está a decorrer uma campanha em Lisboa por Lisboa, tal a ausência de notícias na imprensa, de comentários, de opiniões a respeito do acontecimento político. A haver uma desconcentração, será pela existência de outros temas de interesse a ocorrerem simultaneamente. Eu tenho-a, a essa desconcentração. Comparativamente às últimas eleições autárquicas tenho acompanhado muito menos o que andam a fazer ou dizer os actuais candidatos. Talvez por causa do governo, ou da Europa, ou da situação no Darfur, na Palestina, em Inglaterra ou na Rússia. Talvez. Mas conheço muito bem os últimos episódios de “Casos Arquivados”. Posso comentá-los.
Cada pedaço de povo tem o seu ópio.

Qualquer policial me deixa embasbacada a olhar para o televisor, mas “Casos arquivados” tem o mérito de trazer um argumento em que é permitido redimir as injustiças passadas que passaram impunes aos olhos menos argutos ou menos competentes dos investigadores de então. O paraíso dos que pensam que a justiça tarda mas não falha. Pois, é assim uma espécie de história de fadas para adultos.

Nem sei se na polícia “real” existem brigadas com esta função, mas é para mim terapêutico que exista uma ficção em que a polícia faça o seu trabalho de investigação e descoberta da verdade, e, ao mesmo tempo, contribua para repor um certo equilíbrio existencial no universo social e pessoal de cada um dos que viu a sua vida ser alterada por um crime, no passado, que não larga os sobrevivente no presente. O apaziguamento com os acontecimentos e as pessoas envolvidas, e, sobretudo, a ideia de alguém continuar a interessar-se nos casos apesar do tempo passado, dá uma boa estrutura narrativa à série. Também dava uma boa estrutura social.

Os cartazes de Helena Roseta custaram a chegar. Uma amiga comentava comigo num jantar há oito dias que quase não via cartazes da candidata na rua. Falta de dinheiro, sentenciei eu sem saber nada sobre o assunto. Mas agora já se vêm mais cartazes da candidata.

Há uma semana tive a oportunidade de ouvir a excelente pessoa e professora Paula do Espírito Santo a falar sobre os cartazes políticos e, em especial, dos cartazes da última eleição presidencial francesa. Retive duas ideias fundamentais: os cartazes não são por si só sinal de uma boa campanha, ou elementos dos quais não se possa vir a prescindir, mas uma campanha sem cartazes é como um texto sem notas de rodapé, nota-se quando faltam; e os melhores cartazes (do ponto de vista estético e do ponto de vista de uma boa comunicação politica) não pertencem geralmente aos candidatos ganhadores.

Em Entrecampos perfilam-se uns cartazes de campanha autárquica que, aprendi, são todos muito clássicos e previsíveis. Nas poses, nas cores, nos slogans, nos elementos gráficos. Há também um cartaz político mas que não pertence a nenhum candidato mas sim à marca de cerveja Super Bock. Ao lado do cartaz de Fernando Negrão, utilizando a mesma cor de fundo, a marca tem três garrafas e o seguinte slogan: “Perfeito perfeito era explicarem onde foi parar a feira popular.”



E agora obrigo-me a mim mesma a pôr aqui os endereços dos outros candidatos, numa ordem aleatória. A bem da equidade.
Ainda um dia destes vou comentar, sem rigor académico, os respectivos sites de candidatura.

José Sá Fernandes
Manuel Monteiro
Ruben de Carvalho
Telmo Correia
Carmona Rodrigues
Garcia Pereira
Pedro Quartim Graça
Gonçalo da Câmara Pereira
José Pinto Coelho

quinta-feira, julho 05, 2007

Um dragão cheio de fome

Dizem os manuais que Democracia, paz e economia de mercado costumam andar a par. Bom, economia de mercado e ditadura também já conseguem andar a par. Chama-se o milagre chinês, ou algo que o valha. Vá lá que o mercado de armas chinesas no Sudão parece que não vai continuar a ser tão livre, ou pelo menos que falar nesse negócio já é algo embaraçoso. Como não é pelo princípio dos princípios dos direitos humanos, pois desse lado nada de novo no país do dragão, deve ser pelo princípio da regra de mercado que os faria perder algo maior em troca dessa venda. Que seja.

Júri de exame

O CDS propôs exames nacionais em todos os graus de ensino. A proposta chumbou no parlamento com os votos de toda a esquerda.
Mas onde estava o júri de exame? Alguém viu um representante do Ministério da Educação a discutir a proposta?

Um sindicalista na Europa

A EU e o Brasil. Lula, o sindicalista, a dar um “show” de brandura no estilo e de voz bem colocada. Sabe falar bem, o Sr. Presidente brasileiro. Pudera, como o próprio disse, passou as últimas três décadas a negociar (com patrões, com colegas, com eleitorado (aqui muitas vezes até ser leito), com ministros, com jornalistas, com cidadãos). Sabe falar. A Europa também gosta do seu país, Sr. Presidente. Portugal gosta. E do seu mercado também, porque não. Bom, a verdade é que Portugal trata o Brasil como se deve tratar um filho adulto, e o Brasil trata Portugal como um filho adolescente excessivamente mimado trata os seus pais idosos. Que seja. Ainda muita água há-de correr debaixo desta ponte que nos une.

Eles andam por aí. Os valores.

No “Panorama BBC” vi uma reportagem sobre o movimento Hezbollah no Líbano. De fazer pensar.
A certa altura gravam uma mãe de quarenta anos, que pranteava e homenageava com as sua presença no cemitério o seu filho de dezoito anos, morto na guerra do verão passado com Israel, a dizer algo como ter muita honra na morte do seu filho, por este se ter sacrificado em nome de valores que não são materiais. E depois começou a desfiar a cartilha do costume, aquela que diz que os seus valores eram mais importantes que os valores ocidentais, pois estes não passavam de assomos de vaidade, da ostentação e concentrados no objectivo da posse de bens materiais.

Pensei de mim para mim: Alguém anda a enganar esta senhora. E esse alguém tem nome, e esse nome é, muitas vezes, o de filósofos ocidentais. Andam tão obcecados com a matéria e com os comportamentos compulsivos de consumo que se esquecem da matriz filosófica onde assenta a sociedade ocidental (europeia), um povo que sempre combateu pela sobrevivência dos seus próprios modelos de vida. E se esta vida é hoje predominantemente posta em equilíbrio com um dos pratos da balança cheia de euros, também depressa, se a isso forem chamados (e eu espero, em nome de valores civilizacionais superiores, que não), combaterão por valores como segurança, defesa de princípios e outras ideias que tais. Não vejo nenhuma diferença na entrega a valores entre um rapazinho de dezoito anos, guerrilheiro do hezbollah, e um rapazinho americano a combater voluntariamente no Iraque. Se não vejo diferença na entrega a valores, vejo diferença no tipo de valores a que cada um se entrega. Mas não é uma diferença: matéria/espírito. É sim uma diferença na concepção de matéria e na de espírito em que se acredita. E, se calhar, as duas mães dos dois rapazinhos veriam que tinham mais coisas em comum do que pensam, e que ambas sabem que o valor da vida dos seus filhos não se mede em dólares. Medir-se-á, talvez, em honra, e, seguramente, medir-se-á em amor.

quarta-feira, julho 04, 2007

Question from Darfur Refugee Camp

Democracia interactiva

O canal de televisão CNN e o You Tube estão a promover a participação de cidadãos no debate para as presidenciais americanas, incentivando à produção de vídeos com perguntas dirigidas aos candidatos que, em tempo certo, poderão vir a ser respondidas no debate a realizar em 23 de Julho. Sendo um espaço aberto há lugar para todas as atitudes. A democracia é um espaço de diversidade, mesmo quando não subscrevemos o tom, o modo ou os conteúdos de algumas das perguntas dirigidas. É o processo democrático. É a manifestação da lberdade de opinião.

E A Coligação Save Darfur não perdeu tempo:

"CNN and YouTube are giving Americans an exciting opportunity to ask their own questions of the 2008 Democratic presidential hopefuls in the upcoming July 23rd debate through video submissions. The next president will play a crucial role in bringing peace to Darfur. With your help, we can bring Darfur to the forefront of the presidential campaign and make it one of the central issues leading up to the election. "


Com seis milhões de habitantes, um povo muito pobre, com recursos naturais como o petróleo, mas sem muita água, o Darfur, zona a sul do Sudão, a exemplo do que se passa na maioria dos países do continente africano, é o reflexo de uma situação política e económica em que uma elite explora as riquezas e domina um povo altamente necessitado.


No Darfur, as tribos nómadas, financiadas e armadas pelo presidente Omar al-Bashir, entraram em guerra com os povos sedentários, agrícolas, não só por precisarem da escassa água partilhada até então com os agricultores (maioritariamente muçulmanos não árabes), reservando-a para os seus animais, como, sobretudo, por o presidente querer ver submetido o movimento rebelde então criado pelo descontentamento dos agricultores com a política central, utilizando para o efeito a agressividade das tribos nómadas contra os outros habitantes do Darfur, propiciando a criação de milícias conhecidas como Janjaweed (maioritariamente formadas por muçulmanos árabes), apoiadas pelas forças regulares do país. A violência, a destruição e a morte sobre os camponeses, civis, não tem limites, pensando-se que mais de 400.000 vidas já foram perdidas ao logo deste conflito que começou em 2003.
A presença no terreno de uma força militar da União Africana, desde 2004, não tem conseguido fazer impedir esta espiral de terror, sucedendo-se os ataques, fazendo com que, só nos primeiros meses de 2007, tivessem entrado em campos de refugiados cerca de 800.000 pessoas.
Informação recolhida, em grande número, aqui.

terça-feira, julho 03, 2007

O trabalho de governar

"(...)
Estranhamente, aqui na terriola não se consegue ter o melhor de dois mundos. Ou se tem governos panhonhas que não se mexem (género Guterres ou Durão), ou se tem governos esforçados, com vontade de mudança, mas que depois acham que toda a gente tem de dobrar a espinha ao seu extraordinário esforço patriótico (género Cavaco ou Sócrates). Uns não fazem nem chateiam; os outros fazem e por isso acreditam sinceramente que lhes devemos estar muito agradecidos por isso. Isto não é falta de cultura democrática - é mesmo falta de cultura de competência. O primeiro-ministro, a ministra da Educação ou o ministro da Saúde acham, à sua maneira, que são special ones - ou, pelo menos, que fazem parte de um special governo, que está finalmente a pôr o País na ordem. E, por isso, não acham graça nenhuma às pequenas rebeldias de indígenas ingratos. Aqui, sim, falta-nos uma terceira via: sermos um dia governados por gente que perceba que reformar é o seu trabalho natural, e que ao mesmo tempo possa ouvir uma crítica sem de imediato soltar os cães. Um dia. Quem sabe um dia."

João Miguel Tavares, "O GOVERNO SÓCRATES AMA O CHICOTE (SAIBA PORQUÊ)" in DN

Abuso de mandato. Há que dizê-lo, pois.

"(...)
E considerou (Medeiros Ferreira) que nenhum chefe de Estado ou de Governo poderia ter garantido no último Conselho Europeu que não iria sujeitar o Tratado a referendo, porque isso seria um "abuso de mandato".
Êrnani Lopes alinhou no mesmo sentido, considerando que assim como "há dois anos e meio era uma evidência que ia haver referendo, agora pretende-se transmitir à população a ideia de que não haver referendo é outra evidência".
"No que respeita à posição de Cavaco Silva, Êrnani Lopes afirmou que o presidente está a agir com falta de prudência, defendendo que "tanto o PR como o primeiro-ministro terão de explicar aos portugueses porque razão apoiavam a consulta popular e agora passaram a achar que não".
Os comentários de Medeiros Ferreira podem ir sendo acompanhados no blog onde escreve habitualmente Bicho Carpinteiro

segunda-feira, julho 02, 2007

Porque é que um país como a Inglaterra não admite força legal vinculativa à Carta dos Direitos Fundamentais?

A Carta Europeia dos Direitos Fundamentais poderá não vir a ser integrada no preâmbulo do futuro Tratado. É um jogo a feijões.
Sempre lesto a defender o seu pergaminho de mestres em democracia e liberdades públicas, o governo inglês de Brown, tanto quanto antes com o governo de Blair, não vai permitir a vinculação jurídica do seu país à Carta. Que belo exemplo de civilidade! E eu que ainda fico embasbacada com a sua história nacional de luta pelos direitos! Como se alguns ilustres do passado fossem por si garantia de gente ilustrada no futuro! Engano meu, claro.


Why does the EU need a Charter of Fundamental Rights?


Há um blogue o Eurotalk que editou no passado sábado um post que põe em destaque algumas perguntas certeiras no que ao novo Tratado europeu diz respeito. Um blog a seguir, de Isabel Arriaga e Cunha.

Esta é a Carta que alguns democráticos dirigentes europeus querem pôr em banho-maria. Quem tem medo de se vincular a estes 54 artigos, e porquê?

Carta dos Direitos Fundamentais

CAPÍTULO I
DIGNIDADE

Artigo 1.o
Dignidade do ser humano
A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida.

Artigo 2.o
Direito à vida
1. Todas as pessoas têm direito à vida.
2. Ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado.

Artigo 3.o
Direito à integridade do ser humano
1. Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental.
2. No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente:
- o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei,
- a proibição das práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas,
- a proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro,
- a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos.

Artigo 4.o
Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes
Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.

Artigo 5.o
Proibição da escravidão e do trabalho forçado
1. Ninguém pode ser sujeito a escravidão nem a servidão.
2. Ninguém pode ser constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório.
3. É proibido o tráfico de seres humanos.


CAPÍTULO II
LIBERDADES

Artigo 6.o
Direito à liberdade e à segurança
Todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança.

Artigo 7.o
Respeito pela vida privada e familiar
Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.

Artigo 8.o
Protecção de dados pessoais
1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito.
2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva rectificação.
3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente.

Artigo 9.o
Direito de contrair casamento e de constituir família
O direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.

Artigo 10.o
Liberdade de pensamento, de consciência e de religião
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou colectivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2. O direito à objecção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.

Artigo 11.o
Liberdade de expressão e de informação
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.
2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.

Artigo 12.o
Liberdade de reunião e de associação
1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses.
2. Os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União.

Artigo 13.o
Liberdade das artes e das ciências
As artes e a investigação científica são livres. É respeitada a liberdade académica.

Artigo 14.o
Direito à educação
1. Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua.
2. Este direito inclui a possibilidade de frequentar gratuitamente o ensino obrigatório.
3. São respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o respectivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas.

Artigo 15.o
Liberdade profissional e direito de trabalhar
1. Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite.
2. Todos os cidadãos da União têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro.
3. Os nacionais de países terceiros que sejam autorizados a trabalhar no território dos Estados-Membros têm direito a condições de trabalho equivalentes àquelas de que beneficiam os cidadãos da União.

Artigo 16.o
Liberdade de empresa
É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

Artigo 17.o
Direito de propriedade
1. Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, excepto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respectiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.
2. É protegida a propriedade intelectual.

Artigo 18.o
Direito de asilo
É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao estatuto dos refugiados, e nos termos do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

Artigo 19.o
Protecção em caso de afastamento, expulsão ou extradição
1. São proibidas as expulsões colectivas.
2. Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.

CAPÍTULO III
IGUALDADE

Artigo 20.o
Igualdade perante a lei
Todas as pessoas são iguais perante a lei.

Artigo 21.o
Não discriminação
1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.
2. No âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do Tratado da União Europeia, e sem prejuízo das disposições especiais destes Tratados, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade.

Artigo 22.o
Diversidade cultural, religiosa e linguística
A União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística.

Artigo 23.o
Igualdade entre homens e mulheres
Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração.
O princípio da igualdade não obsta a que se mantenham ou adoptem medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-representado.

Artigo 24.o
Direitos das crianças

1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.
2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.

Artigo 25.o
Direitos das pessoas idosas
A União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural.

Artigo 26.o
Integração das pessoas com deficiência
A União reconhece e respeita o direito das pessoas com deficiência a beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e profissional e a sua participação na vida da comunidade.

CAPÍTULO IV
SOLIDARIEDADE

Artigo 27.o
Direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa
Deve ser garantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e nas condições previstos pelo direito comunitário e pelas legislações e práticas nacionais.

Artigo 28.o
Direito de negociação e de acção colectiva
Os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organizações, têm, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais, o direito de negociar e de celebrar convenções colectivas, aos níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a acções colectivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve.

Artigo 29.o
Direito de acesso aos serviços de emprego
Todas as pessoas têm direito de acesso gratuito a um serviço de emprego.

Artigo 30.o
Protecção em caso de despedimento sem justa causa
Todos os trabalhadores têm direito a protecção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

Artigo 31.o
Condições de trabalho justas e equitativas
1. Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas.
2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.

Artigo 32.o
Proibição do trabalho infantil e protecção dos jovens no trabalho
É proibido o trabalho infantil. A idade mínima de admissão ao trabalho não pode ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória, sem prejuízo de disposições mais favoráveis aos jovens e salvo derrogações bem delimitadas.
Os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condições de trabalho adaptadas à sua idade e de uma protecção contra a exploração económica e contra todas as actividades susceptíveis de prejudicar a sua segurança, saúde ou desenvolvimento físico, mental, moral ou social, ou ainda de pôr em causa a sua educação.

Artigo 33.o
Vida familiar e vida profissional
1. É assegurada a protecção da família nos planos jurídico, económico e social.
2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a protecção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho.

Artigo 34.o
Segurança social e assistência social
1. A União reconhece e respeita o direito de acesso às prestações de segurança social e aos serviços sociais que concedem protecção em casos como a maternidade, doença, acidentes de trabalho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de emprego, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.
2. Todas as pessoas que residam e que se desloquem legalmente no interior da União têm direito às prestações de segurança social e às regalias sociais nos termos do direito comunitário e das legislações e práticas nacionais.
3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

Artigo 35.o
Protecção da saúde
Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e acções da União, será assegurado um elevado nível de protecção da saúde humana.

Artigo 36.o
Acesso a serviços de interesse económico geral
A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União.

Artigo 37.o
Protecção do ambiente
Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de protecção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável.

Artigo 38.o
Defesa dos consumidores
As políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores.
CAPÍTULO V
CIDADANIA

Artigo 39.o
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu
1. Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.
2. Os membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal directo, livre e secreto.
Artigo 40.o
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais
Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

Artigo 41.o
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
- o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente,
- o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial,
- a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.

Artigo 42.o
Direito de acesso aos documentos
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

Artigo 43.o
Provedor de Justiça
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem o direito de apresentar petições ao Provedor de Justiça da União, respeitantes a casos de má administração na actuação das instituições ou órgãos comunitários, com excepção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância no exercício das respectivas funções jurisdicionais.

Artigo 44.o
Direito de petição
Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, goza do direito de petição ao Parlamento Europeu.

Artigo 45.o
Liberdade de circulação e de permanência
1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros.
2. Pode ser concedida a liberdade de circulação e de permanência, de acordo com as disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro.

Artigo 46.o
Protecção diplomática e consular
Todos os cidadãos da União beneficiam, no território de países terceiros em que o Estado-Membro de que são nacionais não se encontre representado, de protecção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

CAPÍTULO VI
JUSTIÇA

Artigo 47.o
Direito à acção e a um tribunal imparcial
Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal.
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça.
Artigo 48.o
Presunção de inocência e direitos de defesa
1. Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.
2. É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.

Artigo 49.o
Princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas
1. Ninguém pode ser condenado por uma acção ou por uma omissão que no momento da sua prática não constituía infracção perante o direito nacional ou o direito internacional. Do mesmo modo, não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi praticada. Se, posteriormente à infracção, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada.
2. O presente artigo não prejudica a sentença ou a pena a que tenha sido condenada uma pessoa por uma acção ou por uma omissão que no momento da sua prática constituía crime segundo os princípios gerais reconhecidos por todas as nações.
3. As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.

Artigo 50.o
Direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito
Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.

CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 51.o
Âmbito de aplicação
1. As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições e órgãos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respectivas competências.
2. A presente Carta não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a Comunidade ou para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas nos Tratados.
Artigo 52.o
Âmbito dos direitos garantidos
1. Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros.
2. Os direitos reconhecidos pela presente Carta, que se baseiem nos Tratados comunitários ou no Tratado da União Europeia, são exercidos de acordo com as condições e limites por estes definidos.
3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção europeia para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma protecção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.

Artigo 53.o
Nível de protecção
Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as convenções internacionais em que são partes a União, a Comunidade ou todos os Estados-Membros, nomeadamente a Convenção europeia para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, bem como pelas Constituições dos Estados-Membros.

Artigo 54.o
Proibição do abuso de direito
Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de implicar qualquer direito de exercer actividades ou praticar actos que visem a destruição dos direitos ou liberdades por ela reconhecidos, ou restrições maiores desses direitos e liberdades que as previstas na presente Carta.

Os factos e as promessas

Quando eu prometo algo a alguém crio uma realidade futura. Ainda não é um facto, não pode ser validado ou invalidado, mas cria uma realidade expectável, cria o facto de eu pôr alguém a aguardar por algo. À espera de algo que eu lhe disse que há-de vir.
Na vida pessoal de cada um há gente por aí com promessas por cumprir. Prometeram por hábito, por querer agradar a todo o custo, para escapar a uma situação incómoda, por distracção, porque não mediram o tempo ou o esforço que o cumprimento da promessa exigiria e não sabem depois como cumpri-la, por incontinência verbal. Há também que disso tenha consciência e se justifique.

Em política, nos processos eleitorais, parece que se interiorizou por parte de todos os todos os agentes envolvidos a acção, dita de natureza inevitável, de fazer promessas que, depois, enfim, hão-de ser cumpridas ou não conforme as razões que se encontrem para justificar as suas concretizações ou a sua suspensão. Como se o processo inevitavelmente os arrastasse para esta forma discursiva. Como se não houvesse outras formas de se apresentar a uma eleição. E, de certa forma, não há. O discurso do político em eleições é um discurso prepositivo, de projecção da vontade e do poder de realização dos candidatos num futuro. A questão, a ser problemática, é-o quando se sabe à partida que essas promessas não vão ser cumpridas, nem de perto nem de longe, quando são estratagemas para ludibriar alguém e induzi-lo a uma acção no presente que beneficie o prometedor.

Os factos, podendo ser, e sendo-o muitas vezes, passíveis de manipulação, permitem no entanto a sua análise, a sua investigação, e uma certa reposição de ideia de verdade ou falsidade, com uma durabilidade no tempo que só a destruição massiva de arquivos, eliminação de testemunhas, e silenciamento repressivo por parte dos operacionais envolvidos, envolverá no silêncio. Também acontece. Há factos que permanecerão para sempre inverificáveis. São os chamados crimes perfeitos contra a humanidade.

Das promessas ficam-nos as palavras e as reacções humanas a essas palavras, nos factos ficam-nos as palavras, a reacção humana a elas e também um confronto com uma realidade verificável (de outras palavras, de coisas, de mundo). Às vezes com muito trabalho para mostrar os factos sob o manto de “branqueamento” da história narrada.

No serviço "FactCheck", que está a operar na análise dos discursos dos candidatos à presidência americana, os autores chamam às promessas dos candidatos "Pie in the sky". A estas promessas há apenas uma forma de os especialistas reagirem: Serão os eleitores a terem que decidir quais dessas promessas são boas ou más ideias, sendo que as pessoas devem exigir que os candidatos expliquem de que forma pretendem tornar essas ideias exequíveis, quanto custarão e onde pensam ir buscar o dinheiro. E, acrescento eu, que estas perguntas não impeçam a proposta de novos projectos e de novas formas de enetender a governação social, que não se prende exclusivamente com financiamentos económicos. A escolha de um programa escolar, por exemplo, é um sinal de uma ideia para a educação e que não pesa necessariamente mais sobre o erário público.

O mesmo apetece dizer aos eleitores dos candidatos à câmara de Lisboa. Pese embora o delírio no discurso das promessas esteja de certa forma contido pela tremenda situação económica da autarquia, há ainda quem prometa pelo menos governar com rigor. Que planos e com que parcimónia no entendimento e aplicação da ideia de rigor?

No site do Jornal da Praceta temos para análise o programa de 6 dos 12 candidatos à Câmara de Lisboa.




" We leave it to our readers to decide whether any or all of these are good ideas or bad ideas. We merely note here that the candidates said little about how they planned to deliver on those promises, how much their plans would cost or who would pay."

Factcheck
Brooks Jackson, with Viveca Novak, Justin Bank, Jessica Henig, Emi Kolawole, Joe Miller, Lori Robertson, Carolyn Auwaerter and Allie Berkson

domingo, julho 01, 2007

O velho, o menino e a Europa

Uns quererão que seja o moço pequeno a montar o burro, outros o pobre velho a quem o maganão do moço quer passar a perna, outros ainda advogam que subam os dois hominídeos ao burro, para, mais à frente, outro alguém considerar que isso é abuso desabusado da montada.
A moral da história é a de que não podemos agradar a todos os que nos vêm, e que, por isso, há que fazer o que decidirmos ser mais certo. Certo? Mais ou menos certo. Porque no que a assuntos públicos diz respeito, e em democracia, quem deve decidir o que é mais certo ou errado? Se cada um decidir fazer o que for mais certo, e puxar para seu lado, isso resulta em que tipo de orientação? Uma rebelião constante, um sistema social ingovernável? Ou uma sociedade hedonística e prazenteira de si para si?

No século XXI, e com um lastro profundo de teorias e, sobretudo, práticas antidemocráticas, como devemos orientar as forças dos governados para que só estas possam efectivamente legitimar a acção dos governantes?

Entre a proposta habermasiana de uma comunidade de discussão universalizada em cada acto de comunicação, a ideia nietzscheana que propõe o culto do herói e do governante solitário e senhor de si assim bem como dos outros que não o souberam ser, e a ideia pós modernista de que, no fundo, entram explicações e saem explicações, e estas não passam de ficções que, ao limite, se igualizam e se volatilizarão no "nada" cósmico, onde fica a existência individual/pública de cada um?

Como sabe um governante que é tempo de ouvir, de aprender, de atender, e depois decidir e escolher? E cada um de nós? Como escolhemos? E porquê?

Não me parece que receber com apupos e vais o primeiro-ministro à entrada da Casa da Música, no Porto, seja um sinal de grande estratégia da oposição (parece sempre mais a manifestação de uma brigada de activistas, o que, em si, é legítimo. Inestético, quiçá pouco ético, em tempos de iniciação de um trabalho na presidência europeia, mas legítimo politicamente), também não me parece que Marques Mendes tivesse procedido bem com aquela discurso retardado do tipo: Agora há que penalizar o governo na eleição da Câmara de Lisboa, vá lá, não lhes dêem “balão de oxigénio”. Estes discursos, de intentos tão óbvios, quanto apalermados, agudizam os sentimentos de frustração dos votantes tradicionais do PS e não me parece que arregimentem os descontentes. Incomoda o tempo do discurso. Porquê dito agora quando saiu uma sondagem que, finalmente! (se tivermos em conta a percepção empírica de um generalizado descontentamento), dá conta de uma descida na intenção de voto do eleitorado no PS e não antes? Porquê repisar certos temas, casuísticos, ao invés de os reclamar para uma análise ao nível do da produção e implementação de certas ideias anti-sociais democráticas numa sociedade democrática?

E porque não decidir-se pelo aprofundamento do que se entende ser ideais sociais democráticos para Portugal, para a Europa e para o mundo? Para que quando um governante democrático viajar, e quiser fazer negócios com parceiros eticamente pouco recomendáveis, não se esqueça de que jurou solenemente cumprir uma constituição, que, com certeza, tinha no seu preâmbulo um enunciado de direitos, os quais não são propriamente pão-de -ló para dar a burros.


E agora que a Europa tem na presidência portuguesa uma das suas mais fortes representações para os próximos seis meses, apetece-me desejar-lhe bom trabalho.