Há uma certa paz na descrição, nesse acto que suspende o vício da complacência ou o ímpeto enfadonho e frequentemente mesquinho do contínuo ajuizar sobre o comportamento dos outros, mesmo com a explicação de que os outros são figuras públicas a precisarem de ser ajuizadas. Na descrição pode haver um despojamento emotivo que suaviza a personalidade. Descreve-se um último livro que se acabou de ler, ou o último filme visionado. Com o mínimo de adjectivos possíveis. Um bálsamo, uma qualquer discrição de um eu demasiadas vezes demasiado consciente de si, como se essa consciência dissesse a verdade da pessoa.
Terminada, finalmente, a leitura da biografia de Estaline. Na cabeça uma pergunta: Por que é que os potentados não mataram Estaline?
Na realidade, os companheiros/servidores de Estaline podiam tê-lo morto na última década da sua vida, eram assassinos experimentados, tinham oportunidade física, e sabiam que sobre a sua cabeça, e as das suas famílias e amigos, pendia a espada ou a sempre iminente exclusão do poder, porque não o fizeram então? A pergunta também é feita no excelente livro de Simon Sebag Montefiore, mas, único reparo que eu faço à obra, a resposta não me parece suficiente para descrever a pessoa de Estaline.
Escreve Montefiore na p. 620: ”Os quatro últimos homens de pé decidiram (Molotov, Mikoian, Khrushchev e Béria), segundo o filho de Béria, “não permitir que Estaline os atirasse uns contra os outros”. Por vezes, o Vozhd (Estaline) perguntava aos Quatro: “Estão a formar um bloco contra mim?” Num certo sentido estavam, mas nenhum deles, nem sequer Béria, tinha a força de vontade necessária. Mikoian discutiu provavelmente com Molotov, o assassínio de Estaline, mas, como mais tarde disse a Enver Hoxha: “Desistimos da ideia por recearmos que as pessoas do partido não compreendessem.”
Terminada, finalmente, a leitura da biografia de Estaline. Na cabeça uma pergunta: Por que é que os potentados não mataram Estaline?
Na realidade, os companheiros/servidores de Estaline podiam tê-lo morto na última década da sua vida, eram assassinos experimentados, tinham oportunidade física, e sabiam que sobre a sua cabeça, e as das suas famílias e amigos, pendia a espada ou a sempre iminente exclusão do poder, porque não o fizeram então? A pergunta também é feita no excelente livro de Simon Sebag Montefiore, mas, único reparo que eu faço à obra, a resposta não me parece suficiente para descrever a pessoa de Estaline.
Escreve Montefiore na p. 620: ”Os quatro últimos homens de pé decidiram (Molotov, Mikoian, Khrushchev e Béria), segundo o filho de Béria, “não permitir que Estaline os atirasse uns contra os outros”. Por vezes, o Vozhd (Estaline) perguntava aos Quatro: “Estão a formar um bloco contra mim?” Num certo sentido estavam, mas nenhum deles, nem sequer Béria, tinha a força de vontade necessária. Mikoian discutiu provavelmente com Molotov, o assassínio de Estaline, mas, como mais tarde disse a Enver Hoxha: “Desistimos da ideia por recearmos que as pessoas do partido não compreendessem.”
Ora porque não iriam compreender as pessoas do partido? Montefiore não explica. Deduzo que este falta de explicação seja intencional nesta rigorosa biografia. Montefiore procura apresentar Estaline, como qualquer outra figura históricoa que cruzou o seu caminho, num plano estritamente descritivo da personalidade e das suas acções, e não quis entrar numa linha de investigação que iria embocar em explicações pouco racionais dos comportamentos que definiam os apoiantes de Estaline, com o intuito, talvez, de não contribuir para a mistificação/divinização da figura. Mas a verdade é que esta personagem histórica, como outras, puseram-se a si próprias num plano superior ao da humanidade (pelo intelecto, pela acção estratégica, mas também por carisma e capacidade psicológica de darem de si uma imagem de excelência e superioridade humana que, aliada a uma grande narrativa ideológica, transforma a pessoa histórica numa figura divinizada). Parece-me que o temor dos correligionários por Estaline era o terror de saberem que apesar das políticas, dos planos económicos centralizadores, das perseguições, do terror e da morte sofridos arbitrariamente por milhões de pessoas, ele era uma figura na qual se acreditava, a qual se seguia, a qual se respeitava. E esta contradição, quando se quer ser objectivo na análise, não é fácil de explicar, senão mesmo difícil de compreender racionalmente, porque remete para o campo das emoções, das adesões a crenças ou a pessoas que, diz a razão pública, serão sempre pouco recomendáveis de um ponto de vista do que se quer para líderes da acção pública. Mas se não houver um esforço para compreender a paixão por Estaline não se conseguirá compreender, por exemplo, a paixão por figuras deste tempo que, também elas, entram em rota de colisão com os valores racionais do processo electivo, cíclico, de gerir a vida pública. Paixões a prazo pelos líderes na vida democrática versus paixões derradeiras e intemporais. Ou a lição da história humana versus a crença numa ilusão de liderança intemporal.
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