Alguns analistas já tinham avisado: logo na noite das eleições vão-se contabilizar cabeças, vão-se sentir desafiados nos seus lugares os líderes e os candidatos. E eu esperava que não, que nessa noite ir-se-ia falar dos projectos que tinham, ou não, merecido a atenção e aprovação dos eleitores lisboetas. Que se ia enunciar propósitos, reiterar planos, sublinhar intenções, mudar perspectivas, enfim, discutir as ideias que deviam ter estado, ou sobre as que de alguma forma estiveram, em discussão e que depois se procurariam aplicar pelos ganhadores e fiscalizar pelos adversários com responsabilidades directas porque eleitos vereadores. Ilusão, pensei eu. Ou não, sei eu. Como se não se soubesse já. Como se de repente algo de extraordinário acontecesse. Mas o que havia de extraordinário a acontecer quando sabemos que o que não é expectável não é da ordem da normalidade democrática?
Depois também erro, historicamente, noutra forma de pensar que me caracteriza. E nisso concebo a teoria de Rorty a ajuizar-me. Se passo o tempo a pensar na real possibilidade de se conduzirem os assuntos públicos sob a forma de discussões conduzidas em comunidades racionais, ao limite pensadas como ideais, e que manifestam a existência de valores universais e incontornáveis na regulação da ordem social, esqueço-me do papel dos indivíduos, da diferença no papel desempenhado por diferentes indivíduos para o mesmo assunto. É nesta inquietante situação que nos encontramos como cidadãos. Por um lado quero a esfera dos princípios universais, na lei e em quaisquer outros procedimentos que formalizam as relações sociais em geral e as de poder em particular, por outro lado todas as páginas da história mostram que os mesmos procedimentos e os mesmos princípios podem ser experimentados e dados a experimentar de formas distintas. Não ajuda nada, se quisermos um critério “claro e distinto”. Ajudará muito se quisermos ser, ou soubermos ser, biógrafos, ou sábios experientes e bondosos que aceitam as contradições da existência, assim mesmo.
De certa forma contamos só com a nossa memória, para contextualizar o futuro, e, sobretudo, com os humores, para dar conta do presente. E estes podem ser manipulados, podem ser mistificados, podem ser racionalizados, podem ser orientados e educados, mas não nos permitem que lhes escapemos. O humor que faz ir da ovação à vaia em espaço de poucos meses, da adesão à repulsa, da simpatia à indiferença. Uma coisa idealmente despropositada, uma força descontrolada a gerir a existência. O acaso e a minha ignorância a prevalecer sobre os meus interesses públicos. Como escapar? Como querer escapar? A quem interessa, assim que acaba o acto de depositar o voto na urna? Porque me devia interessar?
terça-feira, julho 17, 2007
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