quinta-feira, novembro 30, 2006

as liberdades e suas representações

Andava eu um dia destes à procura na internet de imagens plásticas sobre a temática ligada à revolução quando descobri, numa página do Museu virtual do patriarcado de Lisboa, uma fotografia com uma escultura do séc. XVIII da Escola de Machado de Castro representando a liberdade. Roliça e formosa, embora emocionalmente pouco densa, a liberdade portuguesa faz-se representar com um ramo de flores numa mão, abrindo-nos a outra para mostar que nada aí trás escondido que seja instrumento perturbador da ordem. Tendo uma pomba a coroá-la nada nela remte para a invocação de um estado de violência. Uma escultura bucólica, pese embora o movimento inquieto das pregas da sua túnica junto aos joelhos.

E olhei depois para a Liberdade que conheço quase de cor da iconografia da Revolução Francesa. Uma liberdade pintada por Delacroix, uma liberdade tão intensamente absorvida na sua paixão de conduzir os homens, com uma bandeira na mão e uma arma na outra, que nem nota, ou se importa sequer, com o facto de o seu peito se ter desnudado.
Com o cabelo desgrenhado, ela constata, sem reacção, olhando por cima do ombro, como a multidão a está a seguir. A seus pés jazem corpos e a seu lado um jovem rapaz em delírio bélico, caminha empunhando duas armas, uma que parece ter acabado de disparar para o ar, ou ir fazê-lo a qualque momento, e outra cujo peso faz descair o braço em direcção ao chão.
Para onde está a liberdade a caminhar?

A paixão pela compaixão (revolução 4)

Então a paixão pela compaixão é histórica? Aprende-se?
Pensava-se antes: É natural a miséria. É assim, sempre haverá ricos e pobres.
Começou a pensar-se depois: A miséria não é natural e tem que ser suprimida.
Mas a repugnância inata, como foi inoculada?

« A história diz-nos que de modo nenhum é coisa natural que o espectáculo da miséria mova os homens à piedade; mesmo durante os longos séculos em que uma religião cristã compassiva determinava os padrões de moral da civilização do Ocidente, a compaixão operava fora do domínio político e frequentemente fora da hierarquia estabelecida da Igreja. Contudo, trata-se aqui de homens do século XVIII, quando esta indiferença antiquada estava prestes a desaparecer e quando, segundo as palavras de Rosseau, “uma repugnância inata pelo sofrimento do próximo” se tornou comum em certos estratos da sociedade europeia e precisamente entre os que fizeram a Revolução Francesa. Desde então, a paixão pela compaixão habitou e guiou os melhores homens de todas as revoluções, e a única revolução em que a compaixão não desempenhou qualquer papel na motivação dos actores foi a Revolução Americana.” , Hannah Arendt, p. 86.

E porque não esta compaixão na América? Porque lá todos os tios são ricos, ou não tão miseráveis?

quarta-feira, novembro 29, 2006

Revolução (ainda) 3


« Foi a necessidade, as carências urgentes do povo, que soltaram o terror e conduziram a Revolução à sua ruína fatal. Robespierre, no fundo, sabia bastante bem o que tinha acontecido, embora o tivesse formulado (no seu último discurso) em forma de profecia:”Iremos perecer porque, na história da humanidade, deixámos escapar o momento de fundar a liberdade”. Não foi a conspiração de reis e de tiranos, mas sim a conspiração mais poderosa de necessidade e da pobreza (…).
A transformação dos Direitos do Homem nos Direitos do Sans-Culottes foi a reviravolta, não apenas da Revolução Francesa, mas de todas as revoluções que se lhe viriam a seguir.” Hannah Arendt p.73

A revolução terá então sido tomada não pela intenção de alcançar a liberdade, mas de dar resposta à necessidade que, por sua vez, submerge a própria liberdade. Torna-se uma ditadura. Sim. Mas a força da necessidade não é só um ímpeto, uma ideia, ela materializa-se na fome, na miséria e na morte de seres humanos. Se calhar esses estados de carência seriam mais depressa suprimidos se o caminho fosse o da liberdade, o de deixar vir esse tempo, mas a carência toma conta desse tempo, é urgente. Quem tem fome e pode berrar, vai-se calar e deixar-se morrer à espera de que a sua necessidade se subalternize em relação a uma valor mais alto? Como racionalizar uma necessidade?

A reposta aparece dada por Arendt quando ela diz, criticando, que um erro de Karl Marx, foi o de ter afirmado que essa necessidade era uma consequência social (da violência da classe dirigente e exploradora que açambarca os recursos dos necessitados) e não uma necessidade entendida como um estado de carência, um fenómeno natural. Isto é, que transformou a “questão social numa força política”. Tenho dificuldade em compreender. Porque para mim a questão social e política nunca foram categorias que pensasse como sendo de esferas diferentes, porque esse foi sempre o meu modelo de reflexão, e não sei, sequer, se é possível ultrapassá-lo. E também tenho dificuldade em compreender como entender um fenómeno social, como a miséria, e não lhe dar uma resposta política, mas procurar sim uma resposta para um fenómeno natural.
O que é isto de ser um fenómeno natural? Uma força contra a qual não podemos agir? O quê? Como assim?

terça-feira, novembro 28, 2006

Foi assaltada por uma suspeita. Coisa mísera. Mas...as palavras do papa Bento XVI serão de santo ou serão uma senha?

Os meios e os fins na educação superior

Ontem, depois do cansaço de escutar até horas tardias o programa “Prós e Contras” subordinado ao tema do financiamento do Ensino superior (mas que ideia pôr o programa a terminar tão tarde...) só consegui alinhar dois pensamentos: como é que um dos melhores Ministros que a República tem tido embarcou na falácia da misericórdia e na da falsa generalização logo que iniciou o seu discurso? Que não haja Ministro e Secretário de o Estado que não o faça, já é de lamentar, mas que o Ministro Mariano Gago embarque nesse já insustentável chavão do governo de Sócrates que serve como legitimação de qualquer política, para não dizer que é a própria política (o défice, sabe…, e o país…, e vocês não querem deixar de fazer sacrifícios pela nação enquanto todos os outros fazem…, não é?). Mas alguém ainda acha que isto é argumento? E serve para tudo? Querem enganar quem? Claro que queremos fazer sacríficos por Portugal se percebermos que esse sacrifício não sacrifica a própria concepção que temos de uma política futura para Portugal. Então é agora o governo que tem o monopólio das ideias boas para Portugal, não?
Ao menos, na inusitada intervenção do prof. Moniz Pereira de forma sacudida disse-se as verdades que o Ministro no seu discurso redondo não tinha a coragem de dizer na cara dos senhores reitores: - Há que abanar o sistema e a única ideia que tivemos para o fazer é cortar nos financiamentos para ver se da crise nasce uma gestão mais rigorosa.

Mas o que tem esta preocupação com a racionalidade dos meios, pertinente, a ver com os fins que se querem para a educação em Portugal?
O que me leva à segunda coisa em que pensei. O prof. Adriano Moreira e o prof. Nóvoa, este em menor grau, fizeram as perguntas certas da noite e que o Sr. Ministro não respondeu (ressalvo que respondeu bem a outras como a que dizia respeito aos critérios de selecção das universidades para parceria com o MIT), afinal qual é o paradigma de ensino/socialização para o qual nos estamos a preparar? Onde estão as políticas concretas que ditarão o caminho da nação no que à formação superior diz respeito?

E mal esteve este Ministro, como o estão todos, os que sustentam a posição de Portugal como uma nação periférica, porque para isso terão que justificar onde está, e porque o é, o centro. Que eu saiba não há uma nenhuma marca geodésica, ou metafísica, que nos obrigue a situar na periferia do que quer que seja.
O Amadeu enviou-me este post, a pretexto da morte de Cesariny, do blogue ana de amsterdam. Gostei muito.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Hannah Arendt (Interview à New York 1973)

Discursa sobre a importância da Constituição para os americanos, que fundaram a sua nação na comunhão pela lei, pela palavra, também sobre o determinismo histórico, a acção humana colectiva que reside no contágio, e de como é possivel que pareça que o passado não se poderia ter passado de outro modo, acabando também a falar sobre a sua recusa de ser identificada como uma liberal.
"Je pense ce que je peux et ce que me convient"."Le fait de penser était lui même une enterprise très dangereuse, mais ne pas penser était encore plus dangereuse"

E a guerra no Iraque custa aos americanos...

Andava à procura de uma informação na internet e descobri esta página do National Priorities Project, que tem um relógio/contador que regista ao milésimo de segundo o que se está a gastar com a guerra no Iraque. Confesso que é difícil desviar os olhos e dixar de ser submetida a uma sensação de entorpecimento pela estupefacção. Tolda-se o raciocínio com a velocidade dos números a passarem no visor. Mas a página, bem construída, faz assentar os pés na terra. Que desperdício.
The War in Iraq Costs
$345,687,722,634 (há um segundo atrás).

Critérios de definição de Democracia - Ainda a propósito do ranking internacional para países democráticos

Como se procede na apresentação e na análise de critérios? A acção é precedida de necessária indicação de critérios, fundamentados, para justificarem a mesma. Seja no caso em que se cria uma lista classificativa, seja quando se propõe acções globais de divulgação/imposição da democracia, ou no mero enunciar de um programa para o sistema educativo. Pergunta-se: Quais são os critérios definidos? E porquê estes?
"There is no consensus on how to measure democracy,
definitions of democracy are contested and there is an
ongoing lively debate on the subject
. The issue is not
only of academic interest. For example, although democracy-
promotion is high on the list of American
foreign-policy priorities, there is no consensus within
the American government on what constitutes a democracy.
As one observer recently put it, “the world’s
only superpower is rhetorically and militarily promoting
a political system that remains undefined—and it
is staking its credibility and treasure on that pursuit

(Horowitz, 2006, p 114).

(...)
Even if a consensus on precise definitions
has proved elusive, most observers today would
agree that, at a minimum, the fundamental features of a
democracy include government based on majority rule
and the consent of the governed, the existence of free
and fair elections, the protection of minorities and respect
for basic human rights. Democracy presupposes
equality before the law, due process and political pluralism.

At present, the best-known measure is produced
by the US-based Freedom House organisation.
The average of its indexes, on a 1 to 7 scale, of political
freedom (based on 10 indicators) and of civil liberties
(based on 15 indicators) is often taken to be a measure
of democracy.

(...)

Freedom House criteria for an electoral democracy include:
1. A competitive, multiparty political system.
2. Universal adult suffrage.
3. Regularly contested elections conducted on the basis
of secret ballots, reasonable ballot security and the
absence of massive voter fraud.
4. Signifi cant public access of major political parties to
the electorate through the media and through generally
open campaigning.

The Economist Intelligence Unit’s democracy index
is based on fi ve categories:

1. Electoral process and pluralism;
2. Civil liberties;
3. T
he functioning of government;
4. Political participation;

5.and political culture.

The condition of having free and fair
competitive elections, and satisfying related aspects of
political freedom, is clearly the basic requirement of all
defi nitions.

At the same time, even our thicker, more inclusive
and wider measure of democracy does not include
other aspects—which some authors argue are also crucial
components of democracy—such as levels of economic
and social wellbeing. Thus our index respects the
dominant tradition that holds that a variety of social
and economic outcomes can be consistent with political
democracy.

The Economist Intelligence Unit’s index provides a
snapshot of the current state of democracy worldwide
for 165 independent states and two territories. This covers
almost the entire population of the world and the
vast majority of the world’s 192 independent states (27
micro-states are excluded)."

In Economist Intelligence Unit.

Deambulações

No caminho para a Gulbenkian, o programa consistia em ir ver a exposição de Amadeo Sousa Cardoso e na volta passar pela feira do livro que eles estão a organizar, ficámos a saber que Mário Cesariny tinha morrido. Foi pelo facto de na rádio se estar a falar nele utilizando verbos no passado. Sem que nenhum de nós tivesse uma especial ligação afectiva, estética ou intelectual com o Cezariny autor, ficámos contristados.

Na Gulbenkian extasiamo-nos com a escultura em livros que o CAM expõe no seu Hall. É uma experiência verdadeiramente incrível passarmos no meio dos livros que, reflectidos num espelho, se multiplicam por milhares num poço a que não se vê o fundo. Borges, Escher, o poço da Quinta da Regaleira e espaço de diversões num só lugar. Fabuloso.

A exposição foi vista no meio de centenas de visitantes com uma criança a perguntar quantos quadros faltavam ver para irmos embora. Pouco cómodo, mas ainda assim a proporcionar vislumbres de uma obra de excepção.

À noite, saltitando entre a entrevista à Ministra da Educação e à que era feita a Nogueira Pinto, acabei por ficar a ouvir a última, porque o tom monocórdico, a ausência de um projecto educativo com conteúdo e que eu considere relevante acabou por me fazer desinteressar de todo de ouvir a primeira. E, pelo contrário, o modo, o tom e o conteúdo do que anunciava a segunda me seduziu. Defendeu-se com a apresentação de prova feita. É assim mesmo, as mulheres têm uma tendência social de evitarem a auto-promoção. Ficam sempre a perder na vida pública por isso.

sábado, novembro 25, 2006

Portugal e a Revolução. A Francesa 2


E bom, balanço-me para a resposta. Tantos dias a adiar.

O povo estava informado, as classes dirigentes estavam vigilantes, e no entanto a Revolução, como os franceses a estava a viver, não parece seduzir os portugueses. Nem o povo, nem a burguesia ou a aristocracia parecem sentir necessidade de reagir contra a coroa. Porquê? Será que o sentimento que animou os revolucionários franceses no início, e os americanos também, e que era o de restaurarem uma ordem perdida contra o despotismo das autoridades, não fazia sentido na conjuntura portuguesa?
Sabe-se, é verdade, da existência de conflitos com os senhorios, mas, como explica Nuno Gonçalo Monteiro, esses movimentos, muitos deles orquestrados pelos notáveis da terra “Recorriam escassamente à violência, confinando-se geralmente à resistência passiva ou, quando bem apoiados, ao litigio judicial, escudado numa atitude quase unânime da colectividade local.”, História de Portugal, p. 362. Eram conflitos circunscritos às comarcas. E sobretudo, a Norte do país. O Sul, menos povoado e com outro tipo de divisão da propriedade, nem desses conflitos parece dar-se conta.

Será que os homens que estariam em condições de procurar restaurar essa ordem antiga, perdida ou sonhada num tempo que já tinha sido, estavam, em Portugal, agora, em 1789, suficientemente satisfeitos com o esforço empreendido logo no início do reinado de D. Maria, 1777-1816, com a reacção contra o governo e a pessoa de Marquês de Pombal?

Vou efabular, mas se tivesse o rei D. José I morrido mais tarde e Pombal continuasse as suas violentas e autoritárias reformas políticas, a história da revolução francesa em Portugal não teria outro sentido?

Portugal, no tempo de D. Maria I, terá então procedido exactamente com o intuito revolucionário, no que ao termo se poderia conotar originalmente como o de traduzir uma intenção de restaurar uma ordem perdida. O que veio a acontecer com a reacção anti pombalina conhecida como “a viradeira”. A reabilitação de nobres caídos anteriormente em desgraça e o afastamento de governantes, de entre os quais destaca-se o próprio Marquês de Pombal, terão descansado os ímpetos revolucionários que, em Portugal, não se transformaram em agentes e agenciados da própria necessidade histórica revolucionária que conduziu os franceses?
Explicaria Hannah Arendt, parece-me, que em Portugal, por circunstâncias diversas, das quais eu destaquei de forma simplista a que me parece primordial, os homens de setecentos não se submeterem ao rumo dos acontecimentos, procuraram manter a revolução no domínio da satisfação dos interesses e necessidades decorrentes ainda de uma circunscrita acção humana.

A necessidade dos oprimidos portugueses não pareceu coincidir com a necessidade histórica de tudo mudar para criar algo de novo. Escaparam ao terror da revolução francesa, ou perderam a oportunidade de criar uma nova prática política, como na revolução americana?

Seja como for, a nossa revolução não se tornou revolucionária. Não escapou da vontade dos seus operadores.

Satisfeitinhos com o pouco, ou reconhecidos que era o máximo possível nas circunstâncias possíveis, ou ignorantes acerca das forças com que estava a operar, sendo que a história não lhes quis ditar ali um destino da nova revolução?

Uma questão de perspectiva para uma sociedade justa



Eu ontem, na cidade de Lisboa, só tive que me preocupar em não me molhar nas correrias que fazia entre o carro e os edifícios para onde tinha que ir. Não tinha sequer que me incomodar com a força da tempestade. E a quem me dirigia “Isto hoje é que está um tempo…” conseguia responder altaneira“ É tempo para este tempo...”.
Hoje, no Ribatejo, as pessoas que se encontravam saudavam-se alegremente e perguntavam-se ansiosas: “Então, ontem, como é que te viste?”.

Isto remete-me para a questão da regulação de interesses. Como saber de interesses que não são os nossos e respeitá-los, ou delimitá-los, no quadro de uma legislação boa? Ou de um pensamento solidário, ou mesmo de uma acção justa? Terão os legisladores que ser todas as pessoas ao mesmo tempo, estar em todos os lugares simultaneamente e de tudo saber? Não, porque não têm uma carácter/natureza divina.
Então como legislar justamente para todos, se só conhecemos realmente os nossos próprios interesses? Não pergunto pela legitimidade. Que até a poderá ter se essa pessoa se elegeu por força do voto democrático. Pergunto pela possibilidade de se legislar justamente.

O consenso alargado de Habermas e o princípio do “véu da ignorância” de Rawls procuram responder a esta questão da possibilidade, ou não, da existência de uma lei justa feita por um punhado de pessoas para uma imensidão de outras.

Mas será que é assim que se procede, que os legisladores são, ou será que era assim que se deverá proceder, que os legisladores deveriam ser?
E o que fazemos com legisladores injustos? E como sabemos se são injustos já que só poderemos estar, por nossa vez, a defender os nossos interesses e a confundir a injustiça praticada com equidade da lei aplicada a todos? Se formos muitos a ´reclamar pela injustiça, teremos mais razão? E se for só um, mas mais esclarecido quanto aos critérios e métodos? O que fazer?
"O 'mistério' do 25 de Novembro de 1975" por José manuel Barroso

sexta-feira, novembro 24, 2006

Dia de chuva 2

15

"Se nas palavras vou um pouco sempre
adiantado, como uma quimera
daquelas bem reais que têm bico
e corpo de lagarto? e rosto humano? é que também não vivo neste instante
mas noutro, inteiramente coincidente.
Jamais aceitarei que o mundo seja
vago manto enrugado de montanhas,
Alguns bichos na água, outros em terra, outros voando em fútil incerteza.
Se me prendo ao teu rumor ausente
não é que me consuma numa imagem
ou deseje real o imaginado;
é por outro real em ti presente."

António Franco Alexandre, Duende, Assírio e Alvim, 2002, Lisboa, p.23.

Dia de chuva

Hoje foi um dia de chapéus-de-chuva de varetas partidas e abandonados por todo o lado em Lisboa. Nunca tal vi. O dia dos chapéus mortos.

E eu aqui a fingir que não tenho uma pergunta por responder.

Ou a fingir que no dia de hoje o que há de imagem a realçar tem a ver com as dezenas de chapéus-de-chuva que vi abandonados.

"(...)
Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
(...)"

Fernando Pessoa

quinta-feira, novembro 23, 2006

o ensino e a investigação, desta feita o ensino Superior

O artigo de Paquete de Oliveira
O inferior ensino superior

O blogue de JV Costa com um link para o relatório da Rede Europeia para a Garantia da Qualidade do Ensino Supeior (ENQA).

quarta-feira, novembro 22, 2006

Revolução francesa e Portugal 1

Bonito sarilho. Não que não tivesse pensado na resposta. Mas não me apetece nada discorrer sobre este assunto. Poderia deixar a pergunta de um post anterior suspensa. Na realidade ando a adiar. Mas não consigo avançar na questão do que é a Revolução, por isso lá vou ter que pensar numa solução para esta questão que agora me persegue. Solução insatisfatória, pois que tanto sei eu que possa fechar de alguma forma esta questão de saber porque razão a Revolução francesa que rastilhou muitas sociedades europeias, não teve repercussão imediata na nossa? Não quero fechá-la, procuro saber.


A Gazeta de Lisboa” edita a última notícia sobre os acontecimentos revolucionários em França a 5 de Setembro de 1789. A partir desta data só volta a fazer referência à França no dia 15 de Dezembro de 1789 e com uma notícia, ocorrida e datada de 24 de Novembro, acerca de uma discussão tida na “Academia Real das Ciências” de Paris sobre … astronomia.
Quer dizer, no dia 5 de Setembro ainda há a oportunidade do correspondente em França ver publicado um longo extracto da sua carta escrita em 11 de Agosto, relativa ao que se passou na “Assembleia Nacional Francesa”. No artigo impresso pode-se ler:
A 5 d` Agosto teve principio a sessão da Assemblea Nacional pela leitura do processo Verbal da Sessão do dia precedente: sessão, que será sempre assinalada nos Annaes da França

E a sessão de 4 de Agosto ficaria nos Anais de França, porquê? Porque nesse dia se discutiu “(…) a questão dos direitos do Homem e do Cidadão.”, conforme noticiou a gazeta publicada a 3 de Setembro em Lisboa.

Mas a partir de 5 de Setembro de 1789 estabelece-se o silêncio, em edições impressas com autorização real, sobre os acontecimentos revolucionários em curso. Auto-censura por parte do editor, com temor de uma suspensão da licença de imprimir (privilégio régio)?
Na realidade eu não encontrei provas de que o redactor ou o correspondente da “Gazeta de Lisboa” tivessem sofrido quaisquer pressões oficiais registadas. Não encontrei parágrafos, textos ou ideias censuradas nos manuscritos. Onde procurei, não encontei sinal de censura directa e explicita.

Sabe-se que em Portugal se discutiu a questão dos direitos do homem e do cidadão, mas não se encontra uma publicação com a Declaração propriamente dita. Como é que os leitores saberão então do que se está a escrever, quando se escreve no jornal oficial que há uma discussão relacionada com os direitos na Assembleia Nacional? Onde é que os portugueses tinham ido buscar essa informação?
A sociedade está consciente das ideias e dos actos revolucionárias franceses, porque, como nos diz Tengarrinha no seu livro História da Imprensa Portuguesa, editado pela Caminho e esgotadíssimo há anos:
”No púlpito, frades e padres trovejavam contra os novos ideais subversivos; no seio das famílias nobres ou abastadas reinava o terror contra os ímpios assassinos de Luís XVI. No entanto, sub-repticiamente, insidiosamente, nos botequins, cafés, bilhares, às esquinas onde apareciam pasquins alusivos aos acontecimentos de França, as ideias revolucionárias eram discutidas com voz prudente, mas cada vez mais amplificada.” pp.78-79
Então se eram os "pasquins", folhas volantes ou outras edições proibidas que entravam e circulavam ilegalmente em Portugal a informarem o povo, porque não juntou este a sua acção à acção revolucionária dos outros povos? Afinal estava informado sobre o que se passava.

terça-feira, novembro 21, 2006

Sinal dos tempos

Hoje apresentava aos meus alunos a lista classificativa relativa ao grau e à natureza da democracia no mundo, e perguntava-lhes como interpretavam o facto de a Inglaterra e os Estados Unidos, países matriciais no que à implementação e divulgação das democracias parlamentares diz respeito, estarem a ocupar dos últimos lugares em comparação com os outros países ocidentais.
Nenhum dos meus alunos evocou o papel das medidas de segurança adoptadas internamente como factor de restrição das liberdades civis. Para todos eles, sem excepção, a segurança era o valor supremo sobre o da própria liberdade.
O grupo é pequeno e vale o que vale como amostra, mas é curiosa a inversão de prioridades nos últimos anos. Pessoas menos politizadas, não se estando a fazer uma boa enculturação desses valores ditos superiores em política, ou mudança de paradigma valorativo no mundo ocidental que não sente uma ameaça directa às liberdades, mas sim, e antes de mais, à sua própria existência física?

Darfur. Aí vamos nós outra vez.

Save Darfur ainda e uma vez mais.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Democracia,decisão, discussão

Entre continuar a minha série de apontamentos sobre o tema da revolução, via livro de Arendt, e escrever sobre a importância das palavras em democracia, prefiro seguir esta última via agora. Só por causa da inquietante ausência que sinto de palavras e do ensino do governo da cidade pela discussão nos discursos dos governantes do nosso país. Há uma ausência de palavras.

Eu sabia, quando muitas pessoas repetiam à saciedade os defeitos de um governante como o eng. Guterres que proponha para tudo a busca de um consenso social, que o reverso desta acção iria trazer tantos desapontamentos quantos os que então se descobriam num governante com dificuldades de decisão. Entre o voluntarismo dos que sabem decidir, e a aquietação dos que sabem ouvir e deliberar com o máximo comum de interesses, não há meia escolha no espectro dos políticos?

Escolhi um texto de Péricles. Não porque Péricles seja um intocável governante, numa intocável sociedade democrática. Nem um, nem a outra, o eram, de um ponto de vista da discussão teórica e também de um ponto de vista de um recto exercício do poder. Mas porque estando esse governante no contexto que permitiu institucionalizar o uso que se dava então a uma palavra que se fazia nova realidade política, a democracia, de algum modo a pode apresentar mais próxima para descrever a democracia como ela é, e para a compreensão do uso que dela se faz hoje.

“O regime político que nós seguimos não inveja as leis do nosso vizinho (…). O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria. (…) e por nós julgamos as questões públicas, ou pelo menos, estudamo-las convenientemente, não por pensarmos que as palavras prejudicam a acção, mas sim que é mais nocivo não ensinar primeiro pela discussão, antes de chegar o tempo de actuar. Diferentemente dos outros, temos ainda a norma de ousar o máximo mas reflectir profundamente sobre a empresa a que nos votamos. Enquanto que aos outros a ignorância traz a coragem, e o cálculo acarreta a hesitação.”

Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Hélade, ed. Asa, 1963, pp.288-289.

domingo, novembro 19, 2006

E em Portugal, o que se passava por alturas da Revolução francesa? 4


Era D. Maria I quem ocupava o trono, tinha por ministro do Reino José de Seabra da Silva e como intendente-geral da Polícia da Corte e do Reino Pina Manique.

Jorge Borges de Macedo Macedo, no seu artigo “Absolutismo”, publicado no Dicionário de História de Portugal, Figueirinhas, Lisboa, 1971, p.13, diz-nos que:

“(…) apesar de todos os precursores e de todas as simpatias, a revolução Francesa interessou pouco, no plano da acção prática, a população e mesmo as elites".
No plano de acção prática, sim. Não temos registo de nenhuma movimentação social em Portugal que reflectisse influência dos acontecimentos a ocorrerem então em França. Mas de um ponto de vista do interesse em seguir os acontecimentos, em estar informados, os portugueses não foram excepção europeia.
Leio no nosso jornal diário, a nossa “Gazeta de Lisboa”, nº 31, de 4 de Agosto de 1789 o seguinte:

Como a famosa revolução de Paris é o mais interessante objecto da presente conjuntura, e desejamos que os nossos leitores saibam verdadeiramente as ulteriores circunstâncias (que huma voz mal fundada aqui exagera sobremaneira) publicaremos amanhã em um suplemento extraordinário uma carta fidedigna, que, em data de 17 de Julho, acabamos de receber daquela capital a este respeito.”

A possibilidade dos acontecimentos revolucionários em curso virem a afectar a ordem social e política portuguesa nunca esteve excluída, mesmo num país, ou seguramente por isso, que defendia de forma mais ou menos coerciva, a autoridade e o poder da coroa, legitimada por princípios regalistas. Pelo que tenho investigado é verdade que houve uma declarada e intensa censura sobre tudo o que se editava ou podia circular em Portugal à época, mas não era propriamente uma censura de uma natureza extensa (no espaço), ainda que extensa no tempo. Quer dizer, havia muitos livros e jornais a correrem no reino apesar de estarem proibidos, e havia outros que eram autorizados por relapso dos próprios serviços de controlo e vigia da informação.
Havia mais bibliotecas do que normalmente supomos e havia ainda a autorização especial dada aos membros da Real Academia Portuguesa de História que lhes permitia o acesso a obras geralmente proibidas de circular.
Então porque é que em Portugal não há uma reacção semelhante à da revolução francesa?

Quando se admite então o uso da palavra Revolução com a conotação que hoje lhe damos de novidade, começo, violência e irresistibilidade”? 3


“Essa data foi a noite de 14 de Julho de 1789, em Paris, quando Luís XVI soube, pelo Duque de La Rochefoucauld-Liancourt, da tomada da Bastilha, da fuga de alguns prisioneiros e da derrota das tropas reais frente a um ataque popular. O famoso diálogo que se travou entre o rei e o seu mensageiro foi muito breve e revelador. O rei, segundo se conta, exclamou: “c`est une revolte.” E Liancourt corrigiu-o, dizendo: “Non, Sire, c`est une révolution.” Ouvimos ainda aqui esta palavra, e politicamente pela última vez, no sentido da velha metáfora que vai buscar o seu significado dos céus para a terra; mas aqui, talvez pela primeira vez, a acentuação tinha mudado inteiramente da regularidade de um movimento rotativo e cíclico para a sua irresistibilidade. O movimento é visto ainda à imagem dos movimentos das estrelas, mas agora o que se realça é que não está na mão dos homens impedi-lo, e que portanto, tem uma lei própria.”pp.55 e 56

“(…) Na verdade, a forte corrente da revolução, segundo as palavras de Robespierre, era constantemente acelerada pelos “crimes da tirania”, por um lado e, por outro, pelo “progresso da liberdade”, que inevitavelmente se provocavam um ao outro, de modo que movimento e contramovimento não se equilibravam nem se restringiam ou prendiam um ao outro mas, de uma forma misteriosa, pareciam juntar-se a uma corrente de “violência progressiva” correndo na mesma direcção com uma rapidez sempre crescente.” p. 57.

"Enquanto dantes, isto é, nos dias felizes do Iluminismo, apenas o poder despótico do monarca parecia estar entre o homem e a sua liberdade de acção, uma força muito mais poderosa crescera subitamente, compelindo os homens a seu bel-prazer, força da qual não havia libertação possível, rebelião ou fuga: a força da história e da necessidade histórica.” p.61

Nevoeiro intenso. Nem D. sebastião, nem paixão. Só o casamento funcional do nosso Presidente com a República.

E as teias de aranha hoje tremeluziam espessamente sob o peso de dezenas de gotas de água que nelas se perfilaram. As aranhas…nem vê-las.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Mário Sottomayor Cardia. 1941-2006

Só conhecia Mário Sottomayor Cardia das suas obras. Sabia também que ele tinha uma biblioteca imensa, facto que me fez depois olhar sempre para ele com profundo espanto. Vá-se lá explicar o fascínio de uma biblioteca. Admirava-lhe o intelecto e a sua vida política, ao mesmo tempo que me lembrava de todas as manifestações em que, enquanto aluna, me vi envolvida por estar contra a sua acção política então como Ministro da Educação.

Naquele dia porém tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente. Estava a concluir o mestrado e tinha que fazer uma apresentação do meu trabalho no grupo de investigação criado pelo prof. António Marques e que tinha por membro, entre outros, o professor Sottomayor. Eu estava a escrever uma dissertação sobre as consequências para uma filosofia política das teses do meu intensamente preferido filósofo Karl-Otto Apel. O professor Sottomayor, no seu jeito consequente, criticou do princípio ao fim as teses por mim defendidas, as quais eu apresentava como solução para as questões relacionadas com a valorização universal das acções humanas. Não se coibia de me interromper sempre que achava necessário, e por uma ou duas vezes as suas perguntas me fizeram balbuciar, e, por uma vez, me silenciaram. Nunca foi, nesse exercício, discricionário ou prepotente.

Bom, voltei a vê-lo, no mesmo contexto, mais umas vezes. Logo que podia fazia-lhe muitas perguntas sobre ética e sobre política. Sempre me respondeu pacientemente, sem familiaridade, mas também sem condescendência. Ficamos agora só com a obra.

Este é o meu testemunho a que junto o meu lamento pela sua morte.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Sobre a revolução 2


As ideias, e as palavras que as manifestam, têm uma história. A história das ideias. Isso mesmo é reedito por Arendt quando procura situar no tempo o aparecimento das palavras, e do significado que hoje lhes é atribuído. E isso para palavras como revolução, igualdade ou liberdade. Podiam ser outras.
O termo revolução, por exemplo, viu o seu significado original, usado num contexto astronómico, ser alterado (a revolução “designando o movimento rotativo regular das estrelas que, desde que se soube estar para além da influência do homem e ser por isso irresistível, não era evidentemente caracterizado nem pela novidade nem pela violência.”, p.p. 48 e 49), e essa alteração começou por ocorrer quando no séc. XVII é utilizado como termo político pela primeira vez, significando no entanto ainda o mesmo que “restauração”: “Assim, a palavra começou por ser empregada, não quando aquilo a que chamamos uma revolução rebentou em Inglaterra e Cromwell fez surgir a primeira ditadura revolucionária, mas, pelo contrário, em 1660, após a destituição dos restos do Longo Parlamento e por ocasião da restauração da monarquia. A palavra foi usada, precisamente com o mesmo sentido, em 1688, quando os Stuarts foram expulsos e o poder real foi transferido para William e Mary. A “Gloriosa Revolução”, o acontecimento através do qual, paradoxalmente, o termo encontrou o seu definitivo lugar na linguagem histórica e política, não foi de modo algum uma revolução, mas a restauração do poder monárquico na sua glória e integridades anteriores”. pp. 49 e 50.
Então, quando é que o termo revolução adquire este novo significado agora difundido e aceite de fenómeno criador de uma nova ordem de coisas, mesmo se para isso se fizer uso da violência, e deixou de significar a restauração de uma desejável ordem antiga? Com a revolução americana e francesa?

E se há uma história para a palavra e para a ideia política como a da revolução, por exemplo, e se esse tempo é identificado como o que surge da pré-modernidade em diante, quer isso dizer que a ânsia de alterar radicalmente o estado de coisas onde se vive, mesmo que recorrendo à violência, não era experimentado por povos da antiguidade? Porquê? O que (ou quem) opera esta mudança?
E o que estava a acontecer em Portugal nesse tempo?

Dia Mundial da Filosofia

A UNESCO declarou o dia 16 de Novembro o dia mundial da Filosofia. Porquê? Porque sendo também o dia 16 de Novembro o dia da Tolerância, os responsáveis pelo programa Educação da UNESCO consideraram que a educação para a tolerância seria melhor conseguida se os alunos tivessem a oportunidade de estudar Filosofia, juntando as duas celebrações numa só. Faz sentido. Na realidade, como quase todos os outros termos e conceitos produzidos para explicar a realidade social e política, também o da tolerância foi um termo desenvolvido e difundido pela obra de um filósofo, no caso do termo “tolerância” foi John Locke o responsável.

Em Portugal a equipa ministerial à frente do Ministério da Educação, dirigido pela socióloga Maria de Lurdes Rodrigues, pensa o quê sobre o papel da filosofia no desenvolvimento cognitivo e pessoal dos alunos portugueses?
Terá a iluminada equipa ministerial lido os filósofos pós-modernos que anunciaram o fim da filosofia e terá neles acreditado, começando a varrer essa ciência morta dos currículo dos assim futuramente mais esclarecidos alunos portugueses, ou terá, como eu penso que é a linha de orientação deste grupo governativo, tentado ver onde é que podia minimizar o papel de intervenção de grupos de professores a quem é preciso pagar para eles darem aulas, e veja-se bem o despautério destes sofistas a ensinarem filosofia, em nome do emagrecimento dos quadros de pessoal docente?

É curioso que seja uma socióloga a minimizar o papel da filosofia, quando sabe o défice da sociedade portuguesa na produção de um pensamento crítico e reflexivo. Deve ser para não perturbar os espíritos adormecidos. Deixai-os dormir.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Agustina e Meredith Grey (assim de supetão)

Vou escrever sobre duas coisas que ontem de mim se apoderaram, isso antes de continuar o comentário sobre o tema da revolução com H. Arendt.

1. Não gostei muito do romance Doidos e Amantes. É impossível não gostar mesmo, de todo. Isso não. Gosta-se sempre. Mas não gostei muito.
Aquele jogo de espelhos que é comum na criação das personagens de Agustina desgostou-me na pessoa de Maria Adelaide Coelho da Cunha. Na verdade, esperava mais asserções sobre o carácter, ou sobre a vida, ou, ainda sobre o acontecimento passional e social. Mas, demasiado respeitadora do mistério da figura e do caso, Agustina deu-lhe a máxima ambiguidade e procurou não nos acrescentar nada sobre a figura. Sei que a ficção ganhou, e que não está escrito em lado nenhum que se trata de uma biografia, mas incomodou-me os enviés narrativos feitos na apresentação de Maria Adelaide. Ganharam os temas da paixão, do desejo, da loucura, perderam as pessoas. Como se estas existissem para justificar a reflexão (essa sim soberba) sobre as paixões.

2. Eu não vejo telenovelas desde que era adolescente. Pronto, não vejo porque não me interessam, não para demonstrar o que quer que seja a quem quer que seja. Acho eu. Se me interessasse, via, claro. Digo eu. Mas vejo bastante televisão, em geral. E sigo muitas séries de ficção em diferentes canais. Ora ultimamente tenho dado por mim completamente fascinada (do tipo de fascínio que me lembro ainda o de ser o que a telenovela exercia sobre mim) por uma série em particular, a “Anatomia de Grey”. A série passa todos os dias (excepto fins-de-semana, ou se passa eu não sei), no canal por cabo Fox Live. A várias horas do dia. Eu comecei a perceber que um sentimento estranho me ligava àquela série, quando me dei conta que ficava profundamente irritada quando não encontrava nas vinte e quatro horas do dia, o tempo necessário para sintonizar a hora da série e perdia um episódio.
A televisão pública trouxe a série para a sua programação. O que é uma óptima ideia. A diferença é que aqui a emissão dos episódios passa a ser semanal e não diária. O que vai fazer perder aquele sentimento noveleiro de “olhem para ali aquelas “minhas” personagens todos os dias “cá” em casa. Mas fica-se a conhecer a inteligência de Grey, a bondade de Izzie, a fragilidade de O` Malley, a ambição de Yang e a intranquilidade de Karev, num registo ficcional de grande qualidade. É quase, quase telenovela. Mas não é. Atente-se no discurso de Grey durante todos os episódios. Estreia hoje. Mas o melhor está por vir.

terça-feira, novembro 14, 2006

Jurisdição Universal contra crimes de guerra

Reparo como a democracia, através de uma das suas instituições, no caso a jurídica, sabe gerir o seu processo de auto reparação.
Qual é a mensagem que se dá ao mundo não democrático com este caso Rumsfeld? Que em democracia os erros políticos que atentam contra os pressupostos básicos de uma sociedade de direito são vigiados e julgados a seu tempo. Não o serão todos, nem sempre, nem tão bem, nem de forma célere, mas é um sinal positivo para os povos descrentes ou revoltados.

Os realistas políticos dirão que é um sinal de fraqueza da idealista Europa? Ou dirão que a força não se deve sobrepor nunca ao direito, ainda que, no limite, tenha que existir para o garantir, como os europeus têm vindo a compreender e aceitar?

O problema é quando os povos sentem que não há lei, ou que há lei e ela não é aplicada, ou que há lei e ela é aplicada, mas mal aplicada. No falhanço da instituição jurídica segue-se o falhanço da democracia. Foi isso que Sócrates percebeu e procurou evitar, e que Platão descreveu e por isso procurou encontrar outro regime. Se a democracia se tornar injusta, e não houver mecanismos que reequilibrem este estado de coisas, começa a perigosa debandada ideológica.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Sobre a revolução 1


Imaginemos então que o grau de saturação do estado político vigente num qualquer país contemporâneo faria convergir para forças que procurassem não o aperfeiçoamento da democracia (pela aplicação de reformas) mas a sua destruição e substituição por um outro tipo de regime. Que o mal-estar crescente com um governo não se satisfazia com a ideia de uma possível e processualmente cíclica mudança de titulares no governo da “cidade”, a prazo, e reclamava violentamente a mudança total do sistema, um novo modelo de acção política. O que impede os povos e as pessoas de se encaminharem mais frequentemente para este tipo de solução radical? As instituições? A cultura cívica? A socialização política?
Se pensarmos na democracia contemporânea, no esforço imenso da sua manutenção, percebemos que há um trabalho diário de pensadores e de activistas dos direitos civis e políticos que estão permanentemente a fazer circular as ideias de exaltação e de defesa dos valores de uma sociedade democrática. É o reforço constante de uma ideia de regime que tem dado bons resultados práticos, sendo que esses bons resultados práticos servem de prova do interesse e da credibilidade do regime, fazendo aumentar o número dos que aderem aos princípios democráticos. O círculo alimenta-se a si próprio enquanto satisfazer os que chegam de novo a si e/ou enquanto a socialização da maioria dos cidadãos continuar a ser seduzida/convencida para a defesa dos valores da democracia. Não se pode dormir nesta parada, porque não há estados de coisas em sociedade que sejam definitivos. Daí a importância dada pelos Estados às sua crises internas e à dos outros.
É certo que a classe trabalhadora (o proletariado mundial) quer viver bem. O melhor possível no quadro democraticamente possível de redistribuição de bens numa economia capitalista. Quando surgem conflitos laborais ou sociais graves, a democracia tende a aglutiná-los e a procurar uma solução, mesmo que esta se encontre na substituição dos titulares do poder executivo e legislativo, prevista e requerida para a manutenção da própria democracia. Mas então e a revolução? Ainda faz sentido acalentar esperanças num “novo amanhã?”

Hannah Arendt tem um livro escrito precisamente Sobre a Revolução. Vou ficar a lê-lo aqui por estes dias. A propósito, a minha antiga instituição de acolhimento vai organizar um congresso para celebrar o centenário do nascimento da filósofa.

Diz-nos Arendt : “(…) só podemos falar de revolução quando ocorre mudança no sentido de um novo começo, onde a violência é empregada para constituir uma forma de governo completamente diferente, para conseguir a formação de um novo corpo político onde a libertação da opressão visa, pelo menos, a constituição da liberdade. E o facto é que apesar da história ter sempre conhecido aqueles que, como Alcibíades, queriam o poder para si próprios ou os que, como Catalina, eram rerum novarum cupidi, famintos de coisas novas, o espírito revolucionário dos últimos séculos, isto é, a ânsia de libertar e de construir uma nova casa onde a liberdade possa demorar, não tem precedentes nem semelhança em toda a história anterior.” p. 40.

Essa ânsia de libertar e de construir uma nova casa, pacificou-se? Reorientou-se para outro tipo de ansiedades sociais? É um acontecimento político do passado? Ou está camuflada, pronta a manifestar-se violentamente?
Mas ela própria nos diz que a ânsia de libertação e a ânsia de liberdade não são bem a mesma coisa. O movimento que induz o primeiro não declara por si próprio o segundo. Quantos servos da libertação nunca foram livres?

E "Antony and the Johnsons" aqui tão perto.

Muito obrigada ao Rui Ribeiro do Som Activo. Muito obrigada.

domingo, novembro 12, 2006

sexta-feira à noite. E no sábado, Braga ali tão longe.

O Amadeu pôs esta música a tocar. O carro avançava devagarinho, muito devagarinho. Quando chegámos ào nosso lugar, ele não desligou o motor e não se mexeu do seu lugar.

No dia seguinte de manhã este disco já me iluminava. Ouvi-o e ouvi-o . Sem palavras.

Não conhecia nada. Queria saber tudo sobre Antony and the Johnsons. O Amadeu disse-me que no sábado ele ía estar em Braga. Que terminava aí a apresentação do seu trabalho pela Europa.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Há lugar na democracia para partidos fora do espectro da social-democracia, sem se cair em anacronismo?


Leio na introdução à parte 8 do livro História Crítica da Filosofia Moral e Política de Alain Caillé e outros, o seguinte: “Como acontece muitas vezes (como sempre?), o movimento das ideias terá precedido o da realidade política e económica.”, p.721

Já disto tendo consciência há muito (e sublinhando o como sempre, com um tom de excepção quando, por acaso, o pensamento e acção estão incarnados, por força da sua autoridade, no mesmo Homem que os pode actualizar a cada momento da história comum - como faz o tirano ou o autoritário iluminado), pergunto-me: Que ideias políticas tivemos nós à disposição que precederam, e circunscrevem agora, a acção política? Que argumentos foram produzidos (conceito marxista à falta de outro) no século XX que influenciam agora a prática política neste início do século XXI?

Respondem os autores: “Depois da experiência da crítica teórica do racionalismo das Luzes conduzida pelas filosofias do século XIX, depois experiência da crítica real realizada pelos totalitarismos e pelo antiparlamentarismo do século XX, o momento é de reconciliação definitiva com a democracia e de refundar solidamente, no plano teórico, o seu ideal, aceitando completamente o liberalismo político, mas também, em grande parte, o liberalismo económico atenuado. Em todos os casos, o que acontece é um regresso às fontes, ao pensamento de finais do séc., XVIII enriquecido pelo conhecimento do percurso realizado desde então. No que diz respeito a Rawls e Habermas, é essencialmente um regresso a Kant, no caso francês, é um regresso aos direitos do homem. Mas é um regresso que deixa por solucionar a questão do estatuto da razão calculadora e do utilitarismo.”, p.722

Quem são então os pensadores influentes na vida política que experimentarmos, e que servem de critério à acção dos governantes, dão sentido às críticas dos governados e dão perspectiva aos comentadores (mesmo de computador, como eu) de política mundial? O americano John Rawls, e o europeu, alemão, Jürgen Habermas (os autores do livro, franceses, agrupam os pensadores políticos franceses como tendo um papel de destaque neste debate internacional. Faço-lhes esse favor e digo que sim, que há um conjunto de autores franceses que ao tomarem como objecto de reflexão a problemática dos direitos humanos também estão a influir na contextualização da prática mundial de política).

O pensamento político é então moldado principalmente por Rawls e Habermas. E pela sua obra compreendemos como estão interessados em aprofundar os processos de legitimação e de participação cívica da democracia. Não em proporem a sua destruição ou substituição por qualquer outro tipo de regime.
Eu conheço relativamente bem a obra de Habermas. Menos bem a obra de Rawls. Admiro profundamente os seus esforços teóricos. Partilho algumas das conclusões de Habermas sobre o nosso processo de socialização, que ele defende assentar na nossa competência comunicativa, derivando do estudo deste fenómeno um conjunto de princípios que fundamentam procedimentos prático/políticos. Posso discutir a importância da sua herança marxista na sua teoria, e que nunca foi a sua convicção na solução marxista para a política ou para a economia. Mas reconheço que nem ele, nem Rawls, nos prepararam para o tipo de questões que um pensamento desenvolvido à volta do conceito e da potência de uma razão calculadora, como parece ser a de todos os políticos que defendem os interesses do seu Estado contra a de qualquer outro que interfira com a obtenção/reconhecimento desses proveitos. Veja-se o que acontece com o pensamento dos chamados a defender as posições do realismo político americano (mais evidente como modelo mas não menos disseminado nas consciências de outros pensadores e governantes no mundo).

Assim, se por um lado a teoria tem vindo a reforçar as teias que tecem as democracias liberais, não deixando espaço de legitimação para que nestas se desenvolvam partidos com possibilidade de governarem, fora do espectro da social-democracia, por outro lado, há nas franjas do pensamento e da acção, espaço suficiente para surgirem reacções, para evoluírem e manifestarem-se em partidos, ou grupos de pressão, que influam sobre a acção política de forma mais violenta contra os direitos delineados pelas democracias, procurando a dissidência por oposição ao consenso, reiterando a defesa de uma razão egoísta, ditatorial, em nome de uma nova ordem social, não democrática. O balanço faz-se ainda a favor da democracia, mas ela terá que encontrar dentro dela processos que permitam a manifestação de ressentimentos, de críticas profundas, de tentativas de destruição. Porque o que hoje é visto como uma anomalia no comportamento social pode relamente tornar-se ideologia dominante. Como evitar? Com as ideias da reforma da democracia ou com um tornar aos modelos do passado anti-democrático, com paramentos novos? Com que partidos/governantes? E quando estivermos saturados, fazemos o quê?

Desapontamento

Aponto neste meu caderninho: quem gosta de estudar o passado, mas pensa a sociedade como uma realização de uma ideia no futuro, nunca compreenderá o presente. Como eu. É um simulacro. Mas também quem aplica a sua razão a desenvencilhar-se no presente, sem perspectiva passada e sem projecção no futuro, é o quê?

quarta-feira, novembro 08, 2006

Reforma 2

“Reformista é, pelo contrário, o movimento que visa a melhorar e a aperfeiçoar, talvez até radicalmente, mas nunca a destruir, o ordenamento existente, pois considera valores absolutos da civilização os princípios em que ele se baseia, mesmo que sejam numerosas e ásperas as críticas que, em situações particulares, se possa dirigir ao modo concreto como tais princípios se traduzem na prática. É por isso que em seu seio predominam naturalmente os defensores da via gradual e pacífica, uma vez que a violência poderia certamente comprometer os valores fundamentais; mas não falta, aliás, quem, em certas contingências históricas, invoque o uso da violência, quer para impedir que tais valores se desenvolvam plenamente, quer para obstar a que sejam sufocados.”, p. 1077.


“Os reformistas pensam (…) que é seu dever concorrer para a eficiência económica do sistema, porque só uma produção em constante aumento cria os meios necessários para a melhoria incessante do nível de vida das massas, condição indispensável, por sua vez, para que o povo possa participar efectivamente na vida democrática e se possa chegar pela democracia, caso não surjam dificuldades inerentes à própria natureza humana, ao único socialismo com sentido, ao realizado pelas massas e para as massas, ou seja, à socialização das liberdades e do auto governo, há muito privilégio de poucos.” P. 1078

“(…) a sua (de P. Leroux) originalidade e grandeza estão em ter sustentado com firmeza que a função, e portanto o limite, da intervenção estatal na economia e na vida social em geral é a de garantir a todos a participação efectiva nas liberdades, pois a única igualdade que realmente conta e tem sentido é a igualdade na liberdade”. pp.1078-1079
(…)

D. Settembrini

Vivemos então os tempos de um socialismo liberal em Portugal. Com que convicção?
E se não o reformismo, então o quê? Se não isto, então o quê?
Settembrini só enuncia como soluções teórico ou práticas ao estado de coisas das democracias liberais, as que são oferecidas pelo reformismo, pelo anarquismo e pelo marxismo. Quer dizer que o reformismo engloba ideologicamente os partidos sociais-democratas, de entre os quais os partidos socialistas liberais. Os partidos que visam melhorar a ordem democrática existente sem destruir os valores, as instituições e os processos que a materializam. Com que convicção, volto-me a perguntar? E só há, no espectro das ideologias e dos comportamentos políticos por elas afectados, os que defendem esta ordem tal como ela existe, os que a querem ver revista, os que a querem destruir e os que a querem ultrapassar?

Pena de morte

Pois...pois...

"Pena de morte: uma herança silenciada", Vicente Jorge Silva. Jornalista.

terça-feira, novembro 07, 2006

Movimento revolucionário


“Chamaríamos então revolucionário aquele movimento que, independentemente dos meios invocados ou usados, predominantemente pacíficos, violentos ou mistos, visa a um tipo de ordenamento social, talvez não claramente especificado em sua articulação concreta, mas declaradamente antitético em todos os campo – económico, político, cultural e civil – em relação ao ordenamento capitalista democrático. E é precisamente em razão da oposição radical entre cidade do futuro e cidade do presente que predomina em tal movimento a tendência a julgar indispensável, mesmo que se creia doloroso, o recurso à violência. (…)
A sociedade que têm em vista nem é mais verdadeiramente democrática e liberal, nem o é em mais alto grau que a presente; é anárquica, isto é, baseada no total autogoverno dos indivíduos. Sobre o que isto possa significar e sobre como chegar lá, se de golpe, mediante a palingenesia apocalíptica da revolução, como sustentam os verdadeiros e autênticos anarquistas, ou através de um período transitório de ditadura do proletariado, como pensam, em vez disso, os socialistas de estampa blanquista ou marxista, os revolucionários podem discordar duramente entre si; mas o que os caracteriza em relação aos reformistas de qualquer tendência é a convicção de que o ponto de chegada será, sem sombra de comparação, melhor que a democracia e a liberdade “burguesas”, que podem, portanto, ser e são bastante sacrificadas. (…)
(…) Os revolucionários começam por desprezar o liberalismo, a democracia, e o capitalismo, por estarem sempre unidos a profundas injustiças e misérias. Mas, até aqui, nada os distingue ainda dos reformistas. Quando surge porém, a possibilidade de solução, pelo menos em parte, para tais misérias e injustiças, enquanto o reformista põe mãos à obra, convencido de que, no mais (o socialismo) está, de alguma maneira, o menos (as reformas), o revolucionário, em vez disso, se desespera, temendo que diminua assim a força do descontentamento de que é mister tirar partido para estabelecer um mundo melhor, diante do qual empalidecem, a seus olhos, todos os melhoramentos que se possam alcançar no âmbito da democracia, com a prática sindical e política. Para eles, o menos impede o caminho do mais.” pp. 1076 a 1078.
Domenico Stembrini, in Dicionário de Política 2 vol.


Qual é a matriz ideológica de todos os nossos governantes? E da nossa sociedade? Que tipo de socialização política foi a nossa? E como racionalizamos hoje a nossa política?

As perguntas fazem sentido, julgo, sabendo nós que o nosso modelo de implantação da democracia nasceu de uma revolução e não de uma reforma do sistema. Mesmo sem ser uma revolução declaradamente marxista, o seu cariz é de fundo marxista. Há que pensar pois, como é que este tipo de integração do cidadão na sociedade afecta a nossa perspectiva/acção política hoje em dia.
Como fomos racionalizando então a política, como começamos a pensar hoje em termos de reformas e não de revolução? Penso que a conhecida expressão de Mário Soares quando chegou ao governo, de que havia que “meter o socialismo na gaveta”, foi o sinal de mudança na política partidária, e também nos espíritos da maioria dos seus eleitores. Leia-se esse enunciado como: “Há que meter o socialismo de matriz marxista na gaveta”.
O partido trabalhista inglês, por exemplo, não teve esta influência marxista, daí que haja quem olhe para Blair como uma “anomalia da esquerda”, quando na realidade a esquerda inglesa trabalhista não tem equivalência ideológica com a base que sustentou ideologicamente a maioria dos partidos de esquerda do continente.
O partido socialista português também encontrou a sua via sem precisar da alavanca marxista, mas este constituiu o seu primeiro ambiente ideológico, e isso é indelével. Como aliás o foi para grande maioria dos dirigentes deste país, muitos de partidos ditos de direita. Não há qualquer motivo para esta mudança ser encarada como uma perturbação social ou política, são mudanças de paradigmas ideológicos que acontecem normalmente, mas eles precisam de ser assumidos, compreendidos e explicados.
E o que querem os portugueses? Continuar a viver cada vez melhor, reformando o que está mal, ou uma revolução, para alterar radicalmente o estado de coisas? E não, os resultados das eleições não permitem responder a esta questão. Este é um estudo para a sociologia, para se investigar que impulsos políticos profundos estão registados no comportamento público dos portugueses e dos seus políticos. QUANDO NOS CONHECERMOS MELHOR. E isto também de um ponto de vista filosófico.

segunda-feira, novembro 06, 2006

reforma 1

Agora fala-se tanto de reformas. O que se entende por tal?
Numa primeira leitura, a da Wikipedia, temos a seguinte definição: "A reform movement is a kind of social movement that aims to make gradual change, or change in certain aspects of the society rather than rapid or fundamental changes. Reformists' ideas are often grounded in liberalism. It is distinguished from more radical social movements such as revolutionary movements or transformational movements. Reactionary movements, which can arise against any of these, attempt to put things back the way they were before whatever successes of the new movement(s), or prevent any such successes in the first place".
Nesta primeira leitura ficamos a saber que o movimento de reforma é um movimento social. Isto é, que o poder reformista tem que ganhar o apoio social se quer que a reforma se torne um facto na sociedade a reformar. O poder político terá que identificar os aspectos a reformar, esclarecer quantos aos objectivos, e promover junto da sociedade os métodos necessários para essa reforma. Tudo isto de forma gradual. Gradual é o termo a sublinhar. A adesão dos cidadãos também é um termo a não descurar nesta definição. E isto para que possamos distinguir uma reforma de um movimento radical de mudança, a revolução.
Sendo que as ideias reformistas terão então como base ideológica, ou filosófica, se preferirmos, o liberalismo. Em Portugal a nossa história liberal teve um tempo curto mas profundo. Deixou raízes? Ou seremos nós mais filhos da revolução, mesmo quando falamos de reformas? Serão os partidos, e os governantes das reformas, políticos e governantes com espírito liberal de precursores de reformas, ou com espírito revolucionário, tanto à direita como à esquerda? Evoca-se o termo reforma, a sonhar-se com uma revolução? Então não a encapotem. Pois está a desvirtuar-se o termo reforma que enche a nossa boca na política nacional.

sábado, novembro 04, 2006

As nossas fundações/associações

Ao ler "Havia outro motivo para o doutor Alfredo da Cunha preferir o manicómio do Conde Ferreira. Ele funcionava também como casa de correcção, e os intuitos do Conde, um brasileiro bem sucedido nos negócios talvez de laranja, tinham sido largamente ultrapassados. Destinado a albergar e tratar de doidos pobres, o hospital tinha-se adaptado a outro género de assistência. (...)."p.189, no livro de Agustina, Doidos e Amantes, editado por Guimarães, fiquei a pensar como o país reconhece pouco as instituições fundadas por doações privadas.
Geralmente extasiamo-nos com as grandes doações dos estrangeiros nos seus países ou no nosso, e damos pouca conta à solidariedade, menos espectacular, dos nossos concidadãos que se manifesta, quantas das vezes, nas pequenas localidades.
Atente-se no que aconteceu à maternidade de Elvas e à Fundação Materno Infantil Mariana Martins. Quais acordos quais o quê com as fundações particulares, atirem-se às malvas os compromissos com a sociedade civil e imponha-se iluminadamente do topo para as bases os pareceres tecnocráticos. Fundações pobres, dependentes dos dinheiros do Estado, as nossas. Sem poder negocial. Mas sem que isso tire o mérito de quem fez do seu pecúlio pessoal, dinheiro público.
O que aconteceu em Elvas é uma vergonha para o nosso Estado. E sim, eu conheço o parecer científico e económico. Mas sendo que a decisão política deve ser fundamentada, não deve ser cega, surda e muda aos interesses da comunidade que serve no presente.

sexta-feira, novembro 03, 2006

A lei do aborto e a minha posição

Eu hoje preferia estar aqui a escrever sobre a ideia final com que fiquei do livro de Fukuyama já aqui profusamente citado (a propósito, tem o blogue Vestigia Lectiones um bom post sobre a questão das citações: 65. Da citação ), ou sobre o livro de Bessa-Luís, Doidos e Amantes que a minha amiga Ayetsa carinhosamente me ofereceu, com um autografo da autora, pouco antes de regressar à Venezuela, o qual estou a acabar de ler. Ou ainda, de forma mais concertada, devia escrever sobre algumas políticas públicas que julgo cobertas por um nevoeiro de onde não vislumbro sequer o esboço do espectro de um Dom Sebastião. Então no ensino…o sistema científico propriamente dito (já evito falar na questão do estatuto do professor) está a ficar pantanoso, a sorver os fracos recursos científicos e disciplinares, em nome de uma fuga desvairada da equipa ministerial em relação às más classificações de Portugal no concerto Europeu no que à Instrução diz respeito.
Apetecia-me também falar das ideias de Gonçalo Ribeiro Teles, que mais uma vez ensina aos citadinos (que são já agora todos os portugueses) coisas essenciais sobre as culturas e a terra.
Não quero, sobretudo, falar do aborto. Porque me apetecia mais falar da necessidade imperiosa de “partos humanizados”. Sobre o congresso sobre a “Humanização do Nascimento” organizado pela HumPar, e sobre a urgência de em Portugal se começar a exigir mudanças de atitudes das nossas equipas médicas que fazem (tantas vezes tão maus) acompanhamento às parturientes. Ou sobre a dor de casais que tanto gostariam de ter um filho e não conseguem engravidar.
Não devia falar de aborto. Porque socialmente preferia que ninguém tivesse que optar por o fazer. Esse sim seria sinal de evolução e progresso. A lei do aborto representa o falhanço social no que a uma concepção da vida sexual e reprodutiva diz respeito, remendado pela jurisprudência. Gostaria que todas as pessoas estivessem bem informadas, bem acompanhadas, bem conscientes sobre a vida sexual. Que todas soubessem usar anticoncepcionais nas alturas certas, ou que, mesmo se por acaso, cada gravidez, quando acontecesse, fosse uma alegria e um desejo responsável por uma criança. Que as pessoas fossem mais perfeitas, enfim. Mas não são. Não somos. E o peso da morte e do desamparo de muitas mulheres, aliado à questão filosófica e científica sobre a origem do que se pode entender como o começo da vida humana, que não sendo definitiva é suficientemente esclarecedora, é demasiado perturbante e demasiado importante para que eu me silencie neste espaço.
Votei “Sim” da primeira vez. Vou votar “sim”desta vez. Não porque esteja convencida da civilidade da lei (onde pode haver civilidade no sofrimento induzido?), ou de que ela remediará o aborto clandestino na sua totalidade, pois a vergonha e a vontade de manter o segredo levará muitas mulheres a continuarem a recorrer a esses serviços, mas porque reconheço a bondade da lei na procura pública de acompanhar uma pessoa desfavorecida, num momento de grande fragilidade emocional e física, procurando evitar-lhe um mal maior.
Não vou votar convencida de uma grande vitória do progresso se a minha posição ganhar. Acho até que ninguém ganha se o “sim” ganhar, porque ganha-se o quê? Lágrimas agora legitimadas pela lei? Mas voto porque sinto que muitas mulheres perdem ainda mais se o “não” ganhar. Eu vou votar sim.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Sim, a perfeição existe.

Luchino Visconti, Thomas Mann, Gustav Mahler e Dirk Bogarde.

Ouvir, e ver, uma amostra, aqui.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Realismo político/idealismo político 2


Kunsthistorisches Museu, Viena.
O problema das “citações” é que servem para
ilustrar mais o pensamento de quem escolheu e citou uma frase do que seguramente ilustram o pensamento do autor citado. Quando escolhi o último período da p. 122 do livro de Fukuyama estava a sublinhar o meu próprio pensamento expresso nas palavras de outrem. Ora Fukuyama não estava a concluir que a “legitimidade das acções de uma democracia não se funda, afinal, na correcção dos procedimentos democráticos, mas sim nos direitos e normas prévios, provenientes de um domínio moral superior ao da ordem legal”. Estava sim a concluir que os europeus pensam assim. E não estava sequer a dizer com isso que os europeus pensam bem. Porque mais à frente conclui “uma grande parte das leis da Europa, quer nacionais quer internacionais, consiste em algo semelhante a listas de desejos de políticas sociais completamente insusceptíveis de aplicação. Os europeus justificam este tipo de leis afirmando que são expressões de objectivos sociais; os americanos respondem, correctamente na minha opinião, que tais aspirações insusceptíveis de aplicação enfraquecem o próprio Estado de direito.”, p. 123.

Sublinhei a primeira destas citações porque eu, eu, penso assim. E penso que os europeus pensam bem. Mas penso assim porquê? Porque sou europeia? E porque pensam os europeus assim? E que europeus? Em nome de que princípios? Com que fundamentação argumentativa/filosófica? Um dia procurarei aqui enunciar umas respostas possíveis a estas questões.

Mas continua Fukuyama:
Robert Kagan colocou a questão da seguinte forma. Os europeus são aqueles que realmente crêem viver no fim da História , isto é, num mundo em grande parte pacífico que pode ser cada vez mais governado pela lei, por normas e por acordos internacionais. Neste mundo, a política do poder e a clássica realpolitik tornaram-se obsoletas. Os americanos, pelo contrário, pensam estar ainda a viver na História, e precisam de utilizar os meios do poder político tradicional para lidar com ameaças do Iraque, da al-Qaeda, da Coreia do Norte e de outras forças malignas. Segundo Kagan, os europeus têm em parte razão: criaram de facto um mundo de fim-da-História para si mesmos dentro da EU, onde a soberania deu lugar a uma organização supranacional. O que não compreendem, no entanto, é que a paz e a segurança do seu sonho europeu é em última instância assegurada pelo poder militar americano.”, p. 124.

Podem Fukuyama e Kagan afirmar que o “sonho” europeu é suportado pela máquina de guerra americana? Em que acontecimentos, do pós guerra, se baseiam para o declararem? Fukuyama evoca o falhanço da intervenção das forças de manutenção da paz europeias no Kosovo. E que terá sido a “cavalaria” americana a ajudar as forças militares europeias que estavam sem capacidade de acção e sem capacidade de resolver o conflito às portas da Europa. Certo. Mas nos conflitos internacionais recentes, não terá sido a diplomacia europeia a ajudar a cavalaria americana que se encontrava, por si ou por interposto aliado (como no Líbano o exército de Israel contra as forças do Hezbollah) sem capacidade de acção? Então parece que o equilíbrio entre o estrepitar dos canhões e o tempo da palavra à paz é um equilíbrio que não é fácil de manter em política contemporânea. E se é certo que a Europa precisa de começar a assegurar os seus ideais com o recurso à força legitimada, também é certo que os EUA precisam de moderar a sua força de braços com a força da inteligência negocial. Porque se a Europa vive o seu sonho de fim-da-história, os americanos vivem o seu sonho de império económico/ideológico, assegurados pela almofada Europa, que é uma alternativa ideológica para o mundo dos excluídos que não se sentem tão afrontados por ela e têm a esperança de nela virem a morar ou de nela se tornarem. A Europa como mediadora entre o espírito dos que se julgam os herdeiros da terra e, lutam por esse estatuto, e os deserdados? Julgo que sim.

Mas, como superar essa miríade de interesses nacionais e constituir uma organização internacional com poderes efectivos?