quarta-feira, novembro 29, 2006

Revolução (ainda) 3


« Foi a necessidade, as carências urgentes do povo, que soltaram o terror e conduziram a Revolução à sua ruína fatal. Robespierre, no fundo, sabia bastante bem o que tinha acontecido, embora o tivesse formulado (no seu último discurso) em forma de profecia:”Iremos perecer porque, na história da humanidade, deixámos escapar o momento de fundar a liberdade”. Não foi a conspiração de reis e de tiranos, mas sim a conspiração mais poderosa de necessidade e da pobreza (…).
A transformação dos Direitos do Homem nos Direitos do Sans-Culottes foi a reviravolta, não apenas da Revolução Francesa, mas de todas as revoluções que se lhe viriam a seguir.” Hannah Arendt p.73

A revolução terá então sido tomada não pela intenção de alcançar a liberdade, mas de dar resposta à necessidade que, por sua vez, submerge a própria liberdade. Torna-se uma ditadura. Sim. Mas a força da necessidade não é só um ímpeto, uma ideia, ela materializa-se na fome, na miséria e na morte de seres humanos. Se calhar esses estados de carência seriam mais depressa suprimidos se o caminho fosse o da liberdade, o de deixar vir esse tempo, mas a carência toma conta desse tempo, é urgente. Quem tem fome e pode berrar, vai-se calar e deixar-se morrer à espera de que a sua necessidade se subalternize em relação a uma valor mais alto? Como racionalizar uma necessidade?

A reposta aparece dada por Arendt quando ela diz, criticando, que um erro de Karl Marx, foi o de ter afirmado que essa necessidade era uma consequência social (da violência da classe dirigente e exploradora que açambarca os recursos dos necessitados) e não uma necessidade entendida como um estado de carência, um fenómeno natural. Isto é, que transformou a “questão social numa força política”. Tenho dificuldade em compreender. Porque para mim a questão social e política nunca foram categorias que pensasse como sendo de esferas diferentes, porque esse foi sempre o meu modelo de reflexão, e não sei, sequer, se é possível ultrapassá-lo. E também tenho dificuldade em compreender como entender um fenómeno social, como a miséria, e não lhe dar uma resposta política, mas procurar sim uma resposta para um fenómeno natural.
O que é isto de ser um fenómeno natural? Uma força contra a qual não podemos agir? O quê? Como assim?

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