terça-feira, outubro 31, 2006

Realismo político/idealismo político

“(…) Muitos europeus afirmam que são eles, e não os americanos, os verdadeiros defensores dos valores liberais universais, porque acreditam nesses valores independentemente da sua concretização em Estados-nação democráticos realmente existentes. As decisões tomadas por democracias liberais soberanas podem ser correctas nos seus processos sem que isso conceda a garantia de que são justas ou estão de acordo com esses princípios superiores. As maiorias democráticas podem decidir fazer coisas terríveis a outros países e podem violar os direitos humanos e as normas de decência nas quais se baseia a sua própria ordem democrática. Na verdade, os debates Lincoln-Douglas versaram precisamente sobre esta questão. Douglas afirmava ser-lhe indiferente se o voto popular era a favor ou contra a escravatura, desde que a decisão reflectisse a vontade do povo. Lincoln, pelo contrário, considerou que a escravatura viola em si mesma o princípio superior da igualdade humana no qual se baseia o regime americano. A legitimidade das acções de uma democracia não se funda, afinal, na correcção de procedimentos democráticos, mas sim nos direitos e normas prévios, provenientes de um domínio moral superior ao da ordem legal.”p. 122
A legitimidade das acções de uma democracia não se funda , afinal, na correcção de procedimentos democráticos, mas sim nos direitos e normas prévios, provenientes de um domínio moral superior ao da ordem legal. Acrescento eu.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Maria Filomena Mónica e Miguel Sousa Tavares.



Salvador Dali, "Metamorfoses de Narciso",

1937.





Conheci Filomena Mónica e Sousa Tavares nas páginas do “Público”. Foi pelos artigos de opinião que escreveram durante anos neste jornal que aprendi a valorizar o pensamento, o humor e a ironia que cada um a seu jeito desenvolve.
Quando saiu a Biografia de Eça de Queirós de Filomena Mónica comprei e apreciei o livro. Quando editou o seu Bilhete de Identidade comprei e ri-me imenso com as reacções machistas de alguns leitores, eu que apreciei o estilo e a ousadia de escrever assim tão bem sobre si e sobre os seus, que me regozijei pelo mérito de uma mulher falar de sexo e de homens como as mulheres falam e se interessam e raramente têm coragem em Portugal de o dizer, sem por isso ficar a gostar mais da pessoa. Diria até que pelo contrário. Da qual aliás não tenho que gostar ou deixar de gostar.
Quando Sousa Tavares publicou o Equador, li e gostei bastante do livro, como se gosta dos livros de uma autora como Mary Renault ou de um escritor como Thomas Wolf. E eu gosto de ambos. Os livros são interessantes, lêem-se muito bem e não deixam de ser inteligentes.

Lembro-me de comentar com amigos mais críticos que tomara Portugal ter uma dúzia de Sousa Tavares a escrever livros com a qualidade deste. Que é uma literatura que cativa e que arrasta para a leitura os que andam em transportes públicos, como nos países que demonstram maor índice de leitura, pela sedução da história e da escrita que não exige excesso de concentração mas um interesse ou uma curiosidade que prende suficientemente ao livro.

Eu li o livro de uma assentada. Diverti-me e aprendi umas coisas, sem por isso ficar a gostar mais da pessoa que o escreveu. Da qual aliás não tenho que gostar ou deixar de gostar.

Mas, dito isto, os autores conseguiram surpreender-me pela negativa este fim-de-semana. Filomena Mónica no programa da RTP 2, “Câmara Clara”, na sexta-feira à noite, e Sousa Tavares no seu artigo de opinião semanal no Expresso.
A primeira porque fala com algum espírito sobre os portugueses, mas, vimos a descobrir, serem os portugueses, afinal, aqueles portugueses que com a senhora se cruzam nos corredores da academia ou nas ruas por onde circula, já que ficamos a saber que detesta sair de casa e não vai ao Porto há que séculos porque fica muito longe! Que portugueses conhece Filomena Mónica, então? Afinal, que universo de amostra tem a autora para vir a perorar tão absolutamente sobre o carácter português?

Sousa Tavares a propósito de uma história de um plágio que não o é ou nunca o foi ou é-o de uma forma explicável, sei lá, atenta contra a blogoesfera, com o direito que lhe assiste, claro, começando por dizer que nada conhece sobre ela, nem tem interesse em conhecer, mas sem que tal desconhecimento o impeça de ir desfiando um rosário de lugares comuns sobre o meio e sobre as pessoas. Com certeza que sabe este jornalista o que diziam os escritores e outros intelectuais portugueses quando se começaram a editar jornais em Portugal? Nem um deles queria escrever para tão desprestigiado e malfadado meio, ao contrário do que se passava por exemplo em Inglaterra. E isso até ao século XIX. E no entanto hoje parece ser o meio por excelência que separa os ignaros escribas da nação dos excelsos e bravos moços do pensamento e da palavra pública.
Afinal, que universo de amostra tem o autor para vir perorar tão absolutamente sobre o carácter da blogosfera?

sexta-feira, outubro 27, 2006

Mudam-se os tempo mudam-se os nomes. O Ministério da Educação e a sua fanfarra

Hoje diz o ME que vai ser obrigatório ter mestrado para se iniciar a carreira de professor. Muito bem.
Segundo o processo de Bolonha será entáo preciso uma licenciatura de 3 anos mais um mestrado de ano e meio a dois anos. O que perfaz no total 4,5 a 5 anos de aprendizagem. Muito bem.

Há quinze anos atrás para se iniciar a carreira de professor do Secundário, com a ideia de um dia conseguir o vinculo à famigerada função pública, era obrigatório possuir uma licenciatura de 4 anos, e uma pós-graduação científica-pedagógica de 2 anos, sendo que o acesso a este segundo ano comportava um "numerus clausus" havendo quem não acedesse, pelas classificações, ao contingente dos que estavam a iniciar então o estágio. Logo, estava-se 6 anos em formação. Vê-se a diferença? Mudou o nome e ... encurtou-se a formação. Mas ficamos todos a saber que agora sim, é que o ensino vai melhorar, pois se vêm aí os mestres! Agora é que vais ser exigência e rigor.

Agora enche-se a boca com o mestrado, tal como o ex Presidente Jorge Sampaio fascinado com uma visita qualquer a umas escolas do Norte da Europa enchia a boca com os mestrados dos "aqueles é que são bons professores". É ridículo. Tão ridículo quanto um actor em "overacting" que é o que este Ministério me está a parecer. Se nos mexermos muito, e todos os dias apresentarmos ideias antigas com nomes novos, pode ser que alguma coisa mude.
Não nos enganem, por favor.

administração pública e as normas sociais e profissionais

"O esforço para ser mais "científico" do que permite o objecto de estudo tem custos reais no facto de tornar cegos para as complexidades reais da administração pública tal como é praticada em sociedades diferentes."
p. 100

"As administrações públicas nos países em desenvolvimento estão contaminadas por compadrios e corrupção, e limpá-las, mediante a implementação de sistemas de serviços públicos "modernos", tem sido um objectivo central da reforma das instituições." p. 95

"No mundo desenvolvido, as administrações públicas "modernas" ostentam variações consideráveis na forma como recrutam, formam, promovem e disciplinam os funcionários. Os sistemas de "mandarins" que existe no Japão e em França são muito diferentes da abordagem feita pelos EUA e permitem aos sistemas francês e japonês envolver-se em actividades que dificilmente seriam levadas a cabo nos EUA. A incapacidade de notar estas diferenças conduziu no passado a importantes fracassos políticos." p.95
"As organizações criam e promovem normas por meio de socialização e treino, mas as normas também se derramam a partir da sociedade envolvente", p.92

"(...) as áreas mais difíceis de reformar são as actividades de baixa especificidade com altos volumes de transicção, como a educação ou o direito.
Não há nenhum sistema legal no mundo que possa ser "reparado" por dez tecnocratas, por mais brilhantes que sejam." p. 94

Fukuyama


E não há sistema de educação nenhum do mundo que seja "reparado" por dez tecnocrtas por mais brilhantes que eles sejam. Acrescento eu. O que é preciso? Pessoas que ao invés de só saberem analisar números, saibam que realidade estão a querer transformar, e cativar os agentes responsáveis por operarem essa transformação a compreenderem a necessidade, e a pertinência, se a houver, dessas reformas. Talvez os interesses desses agentes se confunda com os interesses públicos e não sejam exclusivamente egoístas. Há que conhecer a realidade. Estar envolvido nela e não se pôr a ditar regulamentos ancrónicos que só irão saturar a acção livre ensino-aprendizagem com mecanismos de controlo absolutamente burocratizados, inúteis e irrelevantes para as avaliações do sistema.

realismo/idealismo na análise social

Gostei muito deste artigo de Nuno Rogeiro no JN. Idealista quanto baste.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Questões morais e normativas no funcionamento das instituições que materializam o poder do Estado

“Há quatro poderes do Estado, encadeados entre si, que é preciso tratar: 1) concepção e gestão organizacional, 2) concepção do sistema político, 3) base de legitimação, e 4) factores culturais e estruturais.” P. 36

“O grau de poder discricionário que uma organização concede a uma divisão subordinada, a uma filial, uma repartição ou um indivíduo está entre as decisões mais importantes a ser tomadas a nível da concepção institucional”. P. 83.

“É seguro afirmar que relativamente poucos economistas gastaram tempo a escrever, à maneira de Schein (1988), sobre o papel da liderança nas organizações, sobre como são treinados os líderes, e como comunicam com os trabalhadores e os inspiram. Uma excepção a esta regra é Gary Miller, que no seu livro Managerial Dilemmas (1992, 217) conclui que os líderes “modelam as expectativas dos subordinados sobre a cooperação entre empregados e entre empregados e superiores herárquicos. Isto é feito por meio de um conjunto de actividades que tradicionalmente têm estado no campo da política, e não no da economia: comunicação, estímulo e assumir de posições simbólicas”. Miller estava, infelizmente, a reinventar uma roda que tinha rodado pela primeira vez há mais de cinquenta anos. Tal é a natureza do progresso nas ciências sociais.” P. 89 Fukuyama


A saber: Quais são as questões morais e normativas que estruturam os nossos poderes em Portugal? Quem sabe responder acerca dos valores que os líderes portugueses defendem e através dos quais condicionam as práticas dos seus subordinados/pares? Como se processa o ritual de iniciação nas organizações/instituições de poder, e que tipo de subordinação e condicionamento no comportamento mais crítico, essa aceitação/reconhecimento implicará? Que normas/acção estamos a perpetuar? Quem? Como são treinados os líderes em Portugal? A família, sistema de educação, igreja, partidos políticos, organizações e associações culturais, civis e políticas de várias ordens. Quem condiciona a socialização portuguesa no início do século XXI?

Pelos menos em palavras os Estados sabem.


"Over the past 10 years, we have made some big steps forward in our common struggle for development, security and human rights.
Aid and debt relief have increased, making the world economy somewhat fairer.
At last, the world is scaling up its response to HIV/AIDS.
There are fewer wars between States than there used to be; and many civil wars have ended.
More Governments are elected by, and accountable to, the people whom they govern.
And all States have acknowledged, at least in words, their responsibility to protect people from genocide, war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity.
But, there is so much that still needs doing:
The gap between rich and poor continues to grow.
Very few countries are on track to reach all eight of the Millennium Development Goals by 2015.
Many people still face atrocities, repression and brutal conflicts.
The nuclear non-proliferation regime requires urgent attention.
Terrorism, and the reaction to it, are spreading fear and suspicion.
It seems we don't even agree which threats are most important. Those who live in small islands may see global warming as the biggest danger. Those who live in a city that has suffered terrorist attacks – like New York, or Mumbai, or Istanbul – may feel that confronting terrorism is more urgent. Others, again, may cite poverty, disease, or genocide.
The truth is, these are all global threats. All of us should be concerned about all of them. Otherwise, we may not succeed in dealing with any of them.


Long live our planet, and its peoples. Long live the United Nations! "



terça-feira, outubro 24, 2006

"Agenda-setting, opinion leadership and the world of web logs"

"Agenda-setting, opinion leadership, and the world of web logs"
Aaron Delwiche

"More than 350 studies have explored the agenda setting hypothesis, but most of this research assumes a clear distinction between reporters and their readers. Web logs erode this distinction, facilitating participatory media behavior on the part of audiences (Blood, 2003). The activities of journalistically focused web log authors give us new ways to understand and measure the agenda setting process. While previous researchers have explored issue salience by focusing on audience recall and public opinion, web logs invite us to consider hyperlinks as behavioral indicators of an issue’s perceived importance. This paper tracks news stories most often linked to by web log authors in 2003, comparing the results to stories favored by traditional media. Arguing that web log authors construct an alternative agenda within the admittedly limited realm of the blogosphere, I note that their focus has shifted from technology to broader political issues. My findings support Chaffee and Metzger’s (2001) prediction that “the key problem for agenda-setting theory will change from what issues the media tell people to think about to what issues people tell the media they want to think about” (375).

Estado forte estado nacionalista? 2

”Não existe, é claro, uma hierarquia consensual das funções do Estado, especialmente quando estão em causa questões como a redistribuição e as políticas sociais. (…) O Relatório sobre Desenvolvimento mundial de 1997 do Banco Mundial (World Bank 1997) fornece uma lista plausível de funções do estado, dividida em três categorias que vão de “mínima” a “intermédia” e “activista”. Esta lista não é, obviamente, exaustiva, mas fornece pontos de referência úteis para o âmbito do Estado.
(…)
Força inclui, neste sentido, e como já dissemos, a capacidade de formular e levar a cabo políticas e promulgar leis; administrar com eficiência e com um mínimo de burocracia; controlar os abusos de poder, a corrupção e o suborno; manter um levado nível de transparência e responsabilidade nas instituições públicas; e, o mais importante, fazer cumprir as leis.
(…)
Este novo reconhecimento da força sobre o alcance está reflectido num comentário feito em 2001 por Milton Friedman, decano dos economistas ortodoxos do mercado livre. Afirmou que uma década antes teria dado três conselhos aos países saídos do socialismo:”privatizem, privatizem, privatizem”. “Mas estava enganado”, prosseguiu, “sabemos agora que a primazia do Estado de direito é provavelmente mais importante do que a privatização” (entrevista com Milton Friedman, Gwartney e Lawson 2002).”

F. Fukuyama, A construção de Estados, pp. 23, 24 e 32.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Estado forte e Estado fraco – a pensar


Escreve Fukuyama no seu livro A construção de Estados:”(…) a dilatação do Estado tinha infectado igualmente muitos países em vias de desenvolvimento não comunistas. (…)
Em resposta a estas tendências, o conselho dado por instituições financeiras (IFIs) como o Fundo Monetário Internacional (FMi) e o Banco Mundial, bem como pelo governos dos EUA, deu especial relevo a um conjunto de medidas destinadas a reduzir o grau de intervenção estatal nos assuntos económicos - este pacote foi designado por um dos seus criadores (Williamson 1994) como “consenso de Washington”, e como “neoliberalismo” pelos seus detractores da América Latina. O consenso de Washington tem sido implacavelmente atacado no início do século XXI, não só pelos manifestantes antiglobalização mas também por críticos académicos com melhores credenciais em economia (veja-se Rodrik 1997; Stiglitz 2002). (…) Mas o verdadeiro problema era que, se os Estados precisavam de ser reduzidos em certa áreas, precisavam simultaneamente de ser fortalecidos noutras. (…) A teoria da construção de Estados, que era pelo menos tão importante como a que defendia a sua redução, não recebeu metade da ênfase desta e não foi pensada ao mesmo nível. O resultado foi que a reforma económica liberalizadora falhou o cumprimento das suas promessas em muitos países. (…)”, pp.18, 19

Estado de coisas


De repente os semanários começam a contar-nos histórias de pessoas que estão a viver muito mal em Portugal. Dos que estão desempregados, dos que têm vencimentos magros e que não chegam para suprir as necessidades da família, os que têm dependentes com deficiências graves, os que não têm saúde e os que estão velhos e com baixas reformas.
Histórias de pobreza a regressar ou que, de facto, nunca foram definitivamente embora?

domingo, outubro 22, 2006

Um livro dentro do qual se pode viver




"O meu processo baseava-se numa série de observações feitas desde há muito em mim próprio: toda a explicação lúcida me convenceu sempre, toda a delicadeza me conquistou, toda a felicidade me tornou moderado. E nunca prestei grande atenção às pessoas bem intencionadas que dizem que a felicidade excita, que a liberdade enfraquece e que a humanidade corrompe aqueles sobre quem é exercida. Pode ser: mas, no estado habitual do mundo, é como recusar alimentação necessária a um homem emagrecido com receio de que alguns anos depois ele possa sofrer de super-abundância. Quando se tiver diminuído o mais possível as servidões inuteis, evitado as desgraças necessárias, continuará a haver sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de verdadeiros males, a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não correspondido, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta que os nossos projectos e mais enevoada que os nossos sonhos: todas as infelicidades causadas pela divina natureza das coisas."


Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, 5ª edição, trad. Maria Lamas, Lisboa, Ulisseia, 1974, pp. 98-99.
Naquele dia, a minha audiência era constituída por idosos que tinham feito a gentileza de me ir ouvir. O grande auditório da Junta de Freguesia estava cheio. Naquele tempo acabava sempre as minhas prelecções ou as minhas aulas com a leitura deste texto, que conhecia quase de memória. Digo quase porque nunca é mais do que quase. Quando comecei a ler, lembrei-me: são maioritariamente velhos os que me ouvem, gente informada, interessada e activa, mas velhos. Vou dizer-lhes que a velhice é um verdadeiro mal? Não faz sentido. E quando me aproximei dessa parte do texto, hesitei, suspirei e...saltei a palvra. Cobarde. Deixei de lado a velhice e entreguei-lhes a morte, as doenças incuráveis, o amor não correspondido e o mais de mal que há. Mas a velhice não. Porque a velhice só é um mal quando assoberba o indivíduo com todos os outros males. Não por si.
Não por si, justifico-me eu. E acredito.

sábado, outubro 21, 2006

Intelligentsia - definição por I. Berlin


"A palavra intelligentsia, como o conceito que designa, é de origem russa e foi inventada a certo momento algures entre a década de 1860 e 1870. Não significava simplesmente o conjunto de pessoas instruídas. E também não, sem dúvida, simplesmente os intelectuais nessa qualidade.


(…) Num momento de crise, as preocupações sociais podem tornar-se facilmente uma espécie de histeria, como acontece no caso daqueles que tentam proteger as nossas sociedades contra certas perversões reais ou imaginárias: trata-se de um fenómeno responsável por toda a espécie de dispositivos de censura, de cruzadas intelectuais, de esforços no sentido de organizar os escritores ou artistas em defesa do país, contra o comunismo ou o fascismo, contra o ateísmo ou contra a religião. (…) Assim, aqueles que se ocupam das ideias e outras formas de comunicação humana são obrigados a viver entre estes dois pólos em matéria de responsabilidade, procurando uma ou outra solução de equilíbrio aceitável.


(…) Mas no país em que a intelligentsia nasceu, o seu fundamento foi, a traço grosso, a ideia de uma oposição racional e permanente a um status quo considerado a todo o momento em vias de ossificação, tido por um obstáculo barrando o caminho do pensamento e do progresso humanos.


Eis o papel da intelligentsia, como ela o própria o vê, então como agora. O termo intelligentsia não designa simplesmente os intelectuais ou os artistas enquanto tais; (…) As pessoas instruídas podem ser reaccionárias, do mesmo modo que as desprovidas de instrução. (…)


O simples protesto, justificado ou injustificado, não torna automaticamente alguém membro da intelligentsia. Para tanto, é necessário que se verifique uma combinação da crença na razão e no progresso, juntamente com uma profunda preocupação moral pela sociedade. (…) A intelligentsia militans – e assim era a intelligentsia original, sendo o traço da militância parte integrante da sua essência – é engendrada por regimes efectivamente opressivos.”


Isaiah Berlin, O Poder das Ideias, trad. Miguel S. Pereira, Lisboa, Relógio d`água, 2006, pp. 147 a149.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Parir um filho

Há um carácter torcionário patente em muitos dos técnicos hospitalares que acompanham uma mulher quando ela vai parir um filho.
A minha mãe contou-me que quando eu estava para nascer havia uma senhora que estava no mesmo quarto que ela e que a dada altura se descontrolou com as dores. Gritava, maldizia o marido, vilipendiava quem andava por ali. As enfermeiras fartas de a ouvirem gritaram-lhe: “Olhe lá, você quando o estava a fazer não gritou assim, pois não?”. Eu, que ouvi isto pela vida fora, entre risos condescendentes, achava que isso era o pior que se podia dizer a uma parturiente, e insurgia-me contra a falta de profissionalismo, julgando que essas palavras nunca mais poderiam ser proferidas e que, a terem-no sido, só o foram em momentos de pontual distracção.
Quando chegou a minha hora eu levava a lição bem estudada, quer das dezenas de livros que tinha lido sobre técnicas de relaxamento e assuntos quejandos (eu sou uma teórica) quer do aviso impresso na memória dessa história que a minha mãe me contou. Privilegiada, mas sem querer incomodar o meu obstreta às 3:00 da manhã, lá apareci no pequeno hospital acompanhada pelo futuro pai Amadeu, sem aviso prévio. Tudo parecia dormir naquele piso. Eu comecei por perturbar, pois claro. Rabugenta, a médica de serviço anunciou-me a novidade. Eu não queria fanfarra com pandeireta, mas alegria confesso que era coisa que estava pronta para ouvir e ver na voz e nos olhos de quem me anunciasse para breve o nascimento de um primeiro filho. Está bem, está, vai lá para o quartinho e aguarda pela hora da expulsão.
Fiz sempre por me dominar, com medo de aborrecer alguém, e mesmo sem a bendita da epidural, porque a senhora enfermeira por algum motivo considerou que eu iria levar muito tempo a fazer a dilatação e quando se chamou a anestesista já eu ia a caminho da sala de partos, até acho que não gritei muito. Excepto quando me cortaram para o pequeno nascer. Aí ouvi um “Cale-se!”, com um tom daqueles que se deve ouvir na tropa. E meio atordoada pela dor imensa de ter um filho lá consegui festejar esse filho que me puseram nos braços, enquanto pensava, ter um filho é uma tortura. Como é que uma mulher consegue pensar em ter mais do que um quando passa por isto?

Depois fui recolhendo histórias de mulheres que tinham parido. E percebi que há uma história de dor e humilhação por contar. Por vergonha, por desinteresse da maioria dos ouvintes, porque isso é um assunto de mulheres, porque “ai filhinha que vale a pena quando nos põem os anjinhos nos braços”, porque as “mulheres sempre pariram e tu não foste a primeira nem hás-de ser a última”. Por medo que digam que as mulheres não amam suficientemente o bebé, ao pensarem assim. Enfim…
É por isso que não suporto ouvir dizer que fecham maternidades, que circunscrevem os cuidados de saúde às grávidas, que não se alarga a formação científica mas também humana aos técnicos de saúde, de ouvir discursos de pessoas que engravidaram outras sem a responsabilidade, ou as que nunca pariram, nem acompanharam a dor das que engravidam sem o desejar.

Estado social

Albino Aroso, G. Ribeiro Teles e Medina Carreira, nas suas respectivas áreas de conhecimento eu consigo dar-lhes a palavra. Isto é ser de direita ou de esquerda?
Um pensador deve pensar a esquerda ou a direita, logo não deve ser importante que se defina como sendo de direita ou de esquerda, a não ser que isso contribua para ser mais bem escutado pela área ideológica que se lhe opõe, já que de certa forma os seus correligionários têm menos paciência para escutar propostas de modelos que vão contra o status quo. Eu assim o julgo.
A questão é que as últimas décadas introduziram tantas varáveis para se reflectir sobre o papel do Estado que ser de direita ou de esquerda parece mais uma questão ficcional do que de ideologia correspondente a uma realidade de facto.
Por exemplo, se queremos manter a hipótese de existência de um estado social, ainda que não totalizador, como eu o entendo ser fundamental à sociedade, há que encontrar novas formas de o garantirmos. Como? Não sei.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Coisas que eu ouvi 6. Doutor João Almeida Santos evocando as análises de Zaki Laidi

A candidatura de Ségolène Royal ao Eliseu foi pensada como fazendo parte de um fenómeno que os especialistas denominaram de efeito “bolha mediática”. Passando a ideia de que ela era o tipo de candidato que através da imagem simula a existência de uma ideia, e que tal como aparecera o fenómeno Royal também desapareceria.
A deputada socialista francesa viu-se em confronto com o discurso tradicional dos seus pares socialistas tanto quanto com os discursos dos candidatos da oposição. Isto mesmo é analisado por Zaki Laidi.
Ségolène estará a fazer um discurso político enquadrado pela sua mundivivência no seguimento do que é entendido ser a filosofia dos blogues (meio mediático que ela privilegiou no primeiro contacto com os seus eleitores), abandonando nos seus discursos os grandes conceitos da teoria política clássica, mais programática, chamando à discussão temas do mundo da vida.
A candidata à presidência francesa está a levar a uma nova vaga de inscrições no partido socialista francês mesmo tendo contra ela figuras importantes dentro do partido. Logo, há estudos a fazer relativamente ao tipo de escolhas das narrativas que as pessoas em geral parecem estar interessadas em ouvir.
Recorde-se, e isto sublinho eu, que o facto de a maioria das pessoas parecer estar a preferir essas narrativas políticas da senhora Royal, isso não as torna por si mais verdadeiras. Indica apenas que as pessoas as preferem. Diz alguma coisa acerca da acção comunicacional em política, não diz tudo acerca da realidade discursiva política.

Tive pena que Almeida Santos não falasse na questão do discurso orientado para o género, como se torna evidente quando os jornalistas perguntam à candidata: “Quem vai tomar conta da sua família?”.
Alguém ouviu alguma vez perguntar coisa semelhante a um homem que tenha filhos e se candidate?

quarta-feira, outubro 18, 2006

Coisas que eu ouvi 5 – Doutor João Almeida Santos

Como foi possível que Berlusconi detendo uma elevadíssima capacidade de fazer aceder a sua imagem e mensagem ao público por via dos meios comunicacionais, tendo usufruído de um número de horas muito superior aos outros candidatos, nomeadamente a Prodi do “Centro Esquerda”, quer na categoria espaço e atenção, quer na categoria de exposição directa, vem a perder com a sua coligação “Força Itália” as últimas eleições legislativas em Itália? Com os votos vindos do círculo de emigração que deram essa vitória ao “Centro Esquerda”.
Isto nos foi dito por J. Almeida Santos. Mais um dado a confirmar o condicionamento do voto de todos os que se mantêm sob a influência da mensagem mediática organizada como um produto publicitário, independentemente da orientação ideológica e da história pragmática do governo do candidato?

Orçamento de Estado e Educação

Estive a assistir uns largos minutos à discussão da proposta de Orçamento de Estado para 2007 organizada pelo Diário Económico/Sapo no âmbito do Observatório sobre a proposta de Orçamento que nos chegou em directo sobre a forma multimédia na página do motor de busca "Sapo". A imagem do que nos chegava era má, mal conseguiamos perceber quem eram os intervenientes na discussão, mas a qualidade do som era razoável.
Ouvi falar as senhoras economistas Teodora Cardoso e Manuela Ferreira Leite e ouvi parte da intervenção de Pina Moura relativamente aos cortes a fazer nos serviços da Função Pública. Ficou ali claro que é financeiramente incomportável a um qualquer governo continuar a deixar aceder por promoção automática os professores aos últimos escalões. E que será no 7º escalão que terá que se reter a maioria dos docentes. Ora esta explicação, e esta preocupação com o dinheiro para pagar os ordenados aos professores, não nos é apresentada como a causa para as novas reformas no novo Estatuto da Carreira Docente apresentado pelo governo. Este ilude, e pretende passar a mensagem de que está sim é preocupado com a qualidade do ensino, quando, na realidade, o que o preocupa é o número elevado de docentes que estão a atingir os últimos escalões de vencimento.

Sejamos claros.
Porque é que os governantes não falam claro e tentam consecutivamente atirar areia para os olhos da opinião pública? Porque infantilizam as pessoas? Não seria melhor dizer-lhes: "Meus amigos, não há dinheiro que chegue para pagar estes ordenados todos. Vamos lá encontrar uma solução de forma a manter a qualidade de ensino mas controlar os custos?"

Ontem gostei de ver o senhor secretário-adjunto da educação a falar num tom mais respeitoso e menos fanfarrão com um dos representantes da frente de sindicatos no jornal das 22:00 na Sic Notícias. Confesso que acho as intervenções públicas do dito governante uma lástima. E desgosta-me profundamente que os decisores públicos utilizem a arrogância para falar com quem se lhes opõe. A oposição é garantia de existência de democracia.
O que eu aí ouvi foi que os sindicatos concordam com a realização de avaliações exigentes e rigorosas aos docentes, não negam a importância destes processos de selecção, o que negam e pretendem ver explicado, é a razão pela qual se irá impedir muitos daqueles que atinjam os patamares de excelência, de aceder então ao topo de carreira, não lhes sendo reconhecido o mérito, o trabalho e o esforço, em nome do número elevado dos que já lá estão.

Dir-me-ão que no ensino superior também há um processo de selecção rigoroso, o que faz com que, por exemplo, só uns quantos sejam titulares de uma cátedra. E que é um título inteiramente alcançado tendo por base critérios de avaliação universais e objectivos, que não se prendem nada com o tipo de relação que o docente foi tecendo ao longo da sua vida académica com os membros do júri que o irá avaliar. Pois sim. Um dia hei-de acreditar.

terça-feira, outubro 17, 2006

construir a educação a partir dos políticos

"Se encararmos o problema central da administração pública como o de criar um sistema institucional formal que alinhe os interesses dos subordinados com os dos chefes, então os casos mais difíceis ficarão todos no quadrante IV (volume de transacção elevado e especificidade baixa. ex. sistema judicial, ensino básico, medicina profilática, aconselhamento profissional). O ensino público básico e secundário são claros exemplos disso. Os resultados educacionais são difíceis de medir, e é praticamente impossível responsabilizar individualmente os professores. O ensino público é uma actividade de elevado volume de transacção que pode ser muito visível em grandes cidades mas que fica escondida nas áreas rurais. Mesmo num país rico e com grande quantidade de informação acumulada como os Estados Unidos, tem sido muito difícil desenvolver mecanismos de responsabilização. Boa parte da tendência para a adopção de testes estandardizados em muitos Estados visa responder a esta necessidade, mas conta com a resistência feroz de professores, administradores escolares e comunidades locais que não querem ter de lidar com as consequências de um fraco desempenho." Francis Fukuyama, A Construção de Estados, trad. F.J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, Gradiva, 2006, p. 70

Mas em Portugal já há testes estandirzados há anos, já há listas classificativas de escolas, já há muito que obrigaram os professores a doptarem todos o mesmo manual, a cumprirem rígidos planos de aulas iguais entre si, a ser classificados internamente para progressão de carreira. O que mais querem estandardizar? Será que os políticos ainda não perceberam que o sucesso escolar em Portugal tem a ver com as suas políticas de facilidade e de desresponsabilização em relação ao trabalho, assim bem como de incentivo à desautorização do professor, e não com o desempenho de uma vasta maioria de professores?

Alguém sabe neste país como se procede à avaliação dos alunos no ensino nocturno por comparação com o que era há dez anos? Tudo por via do sucesso.

Fazer ou não fazer greve, eis a questão.


Incomoda-me tomar atitudes políticas quando sinto que há atitudes pessoais a resolver relativamente a essas políticas. Igualmente me desagrada tomar atitudes que se prendem com a minha vida profissional quando sinto que estou a deixar interferir emoções que se prendem com a minha vida pessoal. Há quem diga que estas distinções são puras abstracções. Não são. É difícil equilibrá-las mas elas existem e podem ser actualizadas na nossa prática. É o que impede que confundamos os nossos deveres com as nossas dores ou prazeres pessoais. Sei de pessoas que fazem análise da sua vida pessoal com os seus alunos, clientes, utentes ou colegas de trabalho nas horas de trabalho. Também sei de pessoas que de si nada dizem, nem dos livros que preferem nem das escolhas sobre assuntos públicos que propõem, de um acontecimento vivido que ajude ilustrar as suas explicações científicas ou de uma manifestação de gosto. É uma questão de balanço.

Fazer greve ou apoiar uma greve é uma questão profissional. Racionalidade das causas ou racionalidade dos interesses ? Será porque convictos da injustiça da causa para todos e contra o poder, ou do ataque aos nossos interesses particulares?
Ou porque não? Ou porque não pode deixar de ser, para que alguém escute a voz?

segunda-feira, outubro 16, 2006

Coisas que eu ouvi 4 - prof. Alvarez

Relativamente às campanhas políticas, à criação de candidatos pelos media e sua sustentação política através dos mesmos, Alvarez faz uma distinção entre as campanhas de José Sócrates, Merkel e Prodi, e as de Zapatero e Blair, dizendo as primeiras como sendo mais políticas que mediáticas e as dos segundos mais mediáticas que políticas. O que permite àqueles governantes europeus, na perpectiva do orador, dar prosseguimento às suas políticas, executando os seus programas sem que isso os deixe submetidos à imagem que os media deles passam, e sem que as sondagens os afectem tãoprofundamente quanto os que governam para a sua imagem, a imaginada, junto do eleitorado.
É curioso como esta análise do professor espanhol contraria de certa forma a ideia que os comentadores nacionais têm de que o Primeiro-ministro Sócrates e o seu governo sabem muito bem vender uma certa imagem enquanto políticos reformadores.

Coisas que eu ouvi 3- Prof. Alvarez

Ainda procurei contrapor às teses do prof. Alvarez com exemplos de jornalistas e de uma certa imprensa que reage contra a conversão da política aos interesses mediáticos altamente financiados, prosseguindo na sua tarefa de informar com rigor e espírito crítico. Mas o professor calou-me ao informar-me acerca da percentagem em termos de audiência desses programas e do número de vendas desses jornais. Perguntou: "E como resolvem os Diários esses problemas?" Respondeu: "Aliando-se a grandes grupos económicos."
A relação dinheiro, política e media é um tema incontornável, desde que a imprensa surgiu, claro, mas mais ainda hoje em dia, certo. No entanto, há esferas de resistência.

Coisas que eu ouvi 2 - José Timóteo Alvarez

Karl Rove , o director da campanha de Bush, o seu “spin doctor”, conseguiu ganhar 9,5 milhões de votos para o seu candidato de entre os 12 milhões de primeiros votantes. Sabendo-se da autoridade que o primeiro voto tem na determinação das intenções futuras de votação, Rove “deu” aos conservadores uma bela base de sustentação das suas políticas.
Karl Rove construiu a sua campanha com base em quatro ideias: 1. "As pessoas não ouvem o que se lhes diz"; 2. "As que ouvem não entendem"; 3. "As que entendem não têm interesse"; 4 "As que têm interesse esquecem-se".
Não ouvem, não entendem, não têm interesse e esquecem-se, então o que se dá às pessoas? Campanhas de política espectáculo.

Dizia ele que o paradigma de conceito mudou nesta última década por influência dos meios de comunicação que estariam a abandonar a sua função instrumental, de mediação das mensagens entre governantes e cidadãos e destes para os políticos, para se tornarem dominadores na forma e no tipo de selecção de conteúdo, obrigando os actores políticos e sociais a seguirem na sua acção comunicativa o formato por estes impostos. Deu como exemplo o preço das campanhas políticas que, com a generalização da TV já nos anos 80, se têm vindo a tornar incomportáveis para os partidos políticos, ficando por esclarecer a questão de “onde é que se vai buscar o dinheiro para pagar as campanhas?” Quem é que financia as campanhas políticas dos nossos candidatos a governantes?
Neste sentido, a confusão entre a política e os negócios torna-se a marca do poder que temos. Passa-se a ter mais uma definição de Estado, paralela à de muitos outros: o Estado contemporâneo tende a ser um Estado Virtual em que o poder se dilui. O Estado dos que funcionam segundo o sistema que envolve a troca e a venda de mercadoria ideológica organizanda entre os meios de comunicação, os políticos e os financeiros.

Será na tríade política, dinheiro e media que teremos então que buscar indícios da nova forma de poder travestida no mundo, sendo que todo o poder que se converta a uma só ideologia (no caso à dos poderes económicos) se transforma numa tirania.

domingo, outubro 15, 2006

Coisas que eu ouvi 1 - Lakoff e um “think tank” para a esquerda


Georges Lakoff no lançamento de um dos seus últimos livros terá discursado sobre a necessidade dos liberais americanos concentrarem os seus recursos económicos na criação de grupos que se dediquem à análise e produção de ideias novas em política (“think tanks”) à semelhança do que é já tradição para os conservadores. Para Lakafoff a esquerda estaria a perder no campo da interpretação da realidade política (incapaz de produzir novas metáforas representativas), tanto quanto na capacidade de criar argumentos para propor novas visões políticas do mundo.

Não sabia que Lakoff era um liberal. Nem sabia que ele se preocupava com a produção de novas ideias liberais para analisar a realidade. Também não tinha a percepção tão aguda de que fossem os conservadores a potenciarem com as suas contribuições financeiras os maiores, melhores e mais efectivos grupos de estudo na área da política. Sempre julguei que isso era indiferente e que, de um ponto de vista da investigação, seria mesmo necessário ultrapassar a necessidade pessoal de identificação ideológica por parte dos que se dedicavam ao trabalho de análise política nacional e internacional.
O livro Think Tank Traditions, Policy Research and the Politics of Ideas não me tinha aliás preparado para outra visão. Sendo no entanto um livro exaustivo sobre a identificação dessas instituições no mundo.

Perguntei ao meu interlocutor se acaso Lakoff não teria interpretado a ausência de um discurso de esquerda no facto de essa esquerda ter tido Marx como o grande dínamo ideológico, sob a energia do qual dezenas de governos pareceram pôr-se em movimento, deixando exauridos todos os outros ideólogos de esquerda que não cabiam no sistema do comunista astro rei, e que não tinham tido a hipótese de se manifestar, pelo efeito do argumento de autoridade que, neste campo, lhes retirava a palavra e submetia a vontade. Mas, segundo julgo ter compreendido, a interpretação de Lakoff prendia-se mais com o tipo de opção financeira, distinta entre si, dos conservadores e liberais, sendo que os primeiros tendem a concentrar esforços na criação desses centros de investigação, e a dispersar menos o dinheiro em miríades de outras causas causas sociais.


Quem me contava este e outros episódios era o professor Tito Cardoso e Cunha. Fora meu professor no curso de mestrado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova e agora, no jantar que reuniu a maioria dos oradores das III Jornadas de Comunicação e Política, organizadas pelo prof. João carlos Correia da Universidade da Beira Interior, eu tinha a sorte de o ter sentado à minha frente. O tom pausado, baixo e comedido do professor fá-lo um orador mais atractivo numa conversa com um grupo pequeno de interlocutores, que se calam reflectidamente para o ouvir.

Covilhã

A montanha estava soberba nos dias quentes e limpos. No seu sopé, ela impôs-se-nos, obrigando-nos a levantar os olhos para a contemplarmos.

quarta-feira, outubro 11, 2006

MIT

O MIT chegou. Só posso ficar satisfeita. E no entanto não posso deixar de pensar no artigo de Paulo Ferreira que em tempos o "Bloguítica" assinalou, não porque Ferreira acertasse totalmente na previsão, felizmente, mas pelo que se pressente de mal-entendidos na origem do processo, e pelo que sabemos revelar sobre um comportamento endémico nas academias.

liberdade de expressão também é assassinada no Iraque

Depois de ler ontem a notícia do assassínio de Anna Politkovskaya na página do Committee to Protect Journalists fui ler a notícia dos jornalistas mortos no Iraque. Foram assassinados 8o jornalistas desde o início do conflito em 2003, e estão dados como raptados 41.
Um jornalista não é mais importante que qualquer outra pessoa. Mas a sua função em política é das mais importantes no sentido em que se apresenta como o agente que pode manifestar o uso da liberdade de expressão. A sua morte não é só o da sua pessoa, é a morte da prática da liberdade de expressão na sociedade que o mata.

terça-feira, outubro 10, 2006

Tentativa de resposta

Aceitará o meu leitor Marco Aurélio que eu argumente num sentido ligeiramente diferente relativamente à questão EUA/Coreia do Norte?

Ontem estive a ver o programa "60 minutos" que em Portugal passa na Sic Notícias. Parte do programa era a apresentação de uma entrevista ao jornalista Bob Woodward, na qual ele comentava as descrições e opiniões expressas no seu livro "State of Denial". Com um ar sóbrio e procurando fundamentar as suas conclusões, descrevendo situações, diálogos, relatando mesmo estados de espírito, o jornalista reconstitui as acções que levaram, no pós 11 de Setembro, à calamitosa decisão de invadir o Iraque por parte dos Estados Unidos da América.

Ficamos a saber como o Vice-presidente Dick Cheney pressionou Bush até à exaustão, e como este se deixou convencer, defendendo-se com a ideia de que a intervenção dos EUA (leia-se a sua intervenção pessoal) relevava de um designío divino de imposição de paz no mundo. É assustador. Tanto pelos motivos que esconde para justificar a legitimidade da sua escolha, sendo que estes não são passíveis de ser fiscalizados ou possam ser comentados, porque são da esfera da crença pessoal, não partilhável, o que torna o caso ainda mais assustador, mas sobretudo pelos motivos que evocou para defender essa intervenção. E estes são passíveis de ser fiscalizados. São mentiras. São factos que podem ser apresentados para contrapor às suas posições.

Mas, ao contrário de muitos líderes mundiais, Bush vive numa democracia dinâmica, com uma imprensa que está a acordar da sua vertigem patrioteira e a voltar a cumprir o seu papel que é o de informar e de publicar opiniões diferentes sobre o mesmo assunto para permitir aos leitores um maior leque de influências. O mesmo não se pode dizer de outras partes do mundo.

Por outro lado, o mal da administração Bush no Iraque (e dos milhares de iraquinanos mortos e feridos em consequência dessa intervenção militar) é o bem das Nações Unidas que vai reforçando nos últimos meses o seu papel como organização orientada, sobretudo, para a manutenção do estado de Paz no mundo. Sem o desaire do Iraque, talvez o Irão e a Coreia do Norte não tivessem sentido que era oportuno iniciarem ou desenvolverem os seus programas nucleares, talvez, mas também não teríamos os Estados Unidos tão afinados em prosseguirem esforços de resolução de conflitos por via diplomática em colaboração com a China ou com o Líbano, como por exemplo temos vindo a acontecer nos últimos tempos. Deixou o presidente americano de se sentir o "iluminado" que pode avançar sozinho pela pradaria a combater os maus e passou a ter que contar com a influência de Instituições que estavam cá antes de ele chegar à política, e hão-de cá ficar depois de ele desaparecer da esfera da acção política. Para desgraça de muitos, o homem teve que aprender isso pela experiência.

Os pupilos do Sr. Estaline

Andei distraída com o jogo de domínio de mestres estrategos da Coreia do Norte e a tentar perceber como iria reagir a China que foi posta entre a espada e a parede no que à sua política de apoio sustentado à Coreia do Norte diz respeito. E o meu meio sorriso pelo discurso cauteloso do governo chinês relativamente a uma acção concertada com outras nações contra o regime de Pyongyang é mais de desânimo do que de contentamento pela previsibilidade. Por isso deixei passar a notícia do assassínio da jornalista russa Ann Politkovskaya.
Teresa de Sousa no seu artigo hoje do "Público" tem toda a razão quando alerta para o perigo de descuidarmos na vigilância das acções do governo russo, de subestirmarmos as acções de um governo autoritário, já que se revela pouco respeitador dos tratados internacionais no que a questões dos direitos humanos diz respeito, e sem que a que comunidade internacional esteja a fiscalizar convenientemente o que se passa com a intervenção russa na Tchechénia.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Falar de dinheiro

Porque é preciso falar de dinheiro, de como ganhá-lo, mas sobretudo como planear as finanças e investir, para saber gastá-lo, é que eu penso que o artigo de Helena Garrido hoje no "diário de Notícias" é fundamental.
Nos programas americanos de grande audiência, e que passam em Portugal como o "dr. Phil" ou "Oprah", já vi dedicarem ao tema da planificação económica das famílias quase uma hora inteira. Daquela maneira prática americana, embora muito superficial e com o recurso narrativo do tipo "agora nós vamos resolver-lhe o seu problema desde já, é só começar a ler este livro", a vida económica das famílias que pedem ajuda é escrutinada e depois é-lhes sugerido um plano estrito para as ajudar a saldar as divídas em que estão submersas.
Todos sabem da importância social que representa o endividamento das famílias e por isso procuram mudar atitudes, influenciar positivamente um comportamento mais racional com o consumo.
A taxa de divórcios a aumentar, o baixar das possibilidades de pagar uma boa educação aos filhos, o prenúncio de uma velhice com dificuldades financeiras, são problemas reais com que as pessoas lidam. É preciso estimulá-las a defenderem-se de uma instituição agressiva e que induz ao consumo como é a banca, fornecendo um modelo de vida mais estimulante do que viver acima das reais possibilidades económicas da sua família.
É bom que em Portugal se fale destas questões o mais pragmaticamente possível. Se fale de como distribuir dinheiro, de como pagar divídas, ajudando as pessoas a livrarem-se desse peso que carregam até à próxima geração.
É triste porque o dinheiro chegou tarde e já não é muito, e é bom gastá-lo, mas é preciso dizer o que os nossos antepassados sabiam, viver de aparências destrói o próprio indivíduo pelo esforço sem sentido em que está envolvido.
Seria bom também que o mercado de aluguer de habitação se equilibrasse finalmente, porque até agora os senhorios estão em pânico com o aumento desproporcionado do IMI e há uma grande maioria que prefere não adoptar a nova lei das rendas, para já, o que deixa muitas famílias sem opções a não ser a de comprar casa ou alugar por preço exorbitante.

nos meus programas de televisão - ontem

Ontem, antes de ver o último episódio do "Sexo e a Cidade" de que gostei mais ou menos, mais pelas personagens, pelo guarda-roupa e por uma ou outra emoção, menos pelo desfecho em passo acelerado de quem quer terminar e é assim e agora, ainda consegui ver um bom bocado da entrevista de Maria João Avillez. Concordei em absoluto com a definição que o director do "Correio da manhã", João Marcelino, deu do semanário "Sol": "Começa-se como com o Expresso, passa-se pelo Público e pelo Correio da Manhã e termina-se no 24 Horas". Mas enquanto percebi a pertinência da presença de João Marcelino e de José Manuel Fernandes, director do "Público", não percebi a presença de Proença de Carvalho num programa em que se discutia os meios de comunicação em geral e a imprensa em particular no actual contexto cultural e tecnológico. Só se o conhecido advogado estava lá para dar o contributo de um leigo sobre o assunto. O que, convenhamos, é uma justificação muito coxa.
Não há especialistas académicos em jornalismo que servissem de maior e melhor contrapeso explicativo à prática dos directores presentes?

o discurso do Procurador

Quando os Presidentes da República falam de ética, dão um discurso bonito, podem estar a indicar vias de acção, mas podem fazer pouco para desenvolver realmente a consciência moral social. Quando um Procurador-Geral da República fala de ética, dá um discurso bonito, está a indicar vias de acção e pode fazer muito para desenvolver a consciência moral social.

Mesmo sabendo que a justiça não é a mesma coisa que a lei, como terá aprendido com Kohlberg, Pinto Monteiro reconhece que sem a lei e o recto cumprimento da mesma, a justiça mais dificilmente será alcançável, pois mais dificilmente se passará aos outros estádios do desenvolvimento moral da sociedade, que são superiores ao que é caracterizado pelo recto cumprimento da lei.
Será um caso de estudo saber o que irá ele fazer tendo à partida um discurso filosoficamente bem fundamentado e moralmente ambicioso, como é este seu.

A Coreia do Norte ou o pupilo Chinês

A China ajudou a criar e a alimentar essa máquina militar Norte-Coreana, apoiando há décadas, com dinheiro, alimentos, conhecimento e homens, a sua política agressiva. Será interessante ver agora como irá reagir à fuga do seu pupilo para a boca de cena, lugar que a China quer ocupar na região, para já não falar num palco mais alargado que tenha o mundo por dimensão. Assim, ou se cola às políticas de sanção e proibição em nome do uso da força com os restantes países, e torna-se mais uma voz em consonância, mas perde protagonismo, ou se continua a colar ao regime de Kim Il Sung, mas correndo o risco de ver escapar a criatura ao poder do criador e ficar com uma grande tragédia nas mãos.

De qualquer modo, o envolvimento da China será de seguir com a máxima atenção tendo em linha de conta as debilidades militares internacionais, com forças espalhadas já pelo mundo, e as debilidades políticas de intervenção do Japão que tem uma história recente por resolver ainda com muitos países da região e da Coreia do Sul que não tem o poder que gostaria. Será no governo Chinês que se terá que confiar para ajudar a controlar o problema e no quadro dos seus poderes e deveres como membro do Conselho de Segurança da ONU.

sábado, outubro 07, 2006

Prémio Nobel

“Ele é um supervisor competente e exemplar, encoraja muito a comunicação, está sempre disponível para o diálogo e o objectivo dele é estar o máximo de tempo com a sua equipa.” Está a falar de quem este aluno de doutoramento? Do prémio Nobel da medicina deste ano, Craig Mello. Isto pode-se ler no semanário “Expresso” de hoje.

“Há universidades que estão a receber centenas de alunos sem o 12º ano, ou mesmo sem o 9º ano. A possibilidade foi aberta pela autonomia dada pelo Governo, em nome da igualdade de oportunidades na educação.” Isto pode-se ler no semanário "Sol" de hoje.
Estão a falar de quem? Dos alunos portugueses, a quem os Governos portugueses têm vindo desde há décadas a alienar na sua capacidade de trabalho e de evolução ao unificarem e desnivelarem o ensino a parâmetros de insuficiência contínua, em nome da igualdade. Isto não é igualdade, é mediocridade. É sabotar a capacidade de trabalho, de exigência e de capacidade dos alunos, passando-lhe a mensagem de que “deixem lá, no fim entra toda a gente para a universidade”. E enganam-nos, porque a desigualdade se acentua. Os ricos, ou os mais informados, vão estudar para o estrangeiro e cá ficam os que se licenciam para assegurar os vencimentos de professores, para depois engrossarem a bicha do desemprego.

Portugal um país de oportunidades: na cabeça de alguns

Eu gostaria de saber se a Presidente da Câmara de Vila de Reis não corou sequer quando disse relativamente aos brasileiros que estão abandonar a vila:”Se eles não querem ficar ou não se adaptaram, o problema é deles. São todos adultos, para saberem o que querem.” Esta senhora que foi ao Brasil aliciar cidadãos para virem habitar no seu concelho, não deverá ser acusada de incitamento ilícito à emigração, por ter tido a impertinência de promover o que nem ela nem ninguém do seu concelho estava em condições de providenciar aos brasileiros que procuravam uma vida melhor no nosso país?
E já agora, viajou a título individual ou a expensas do erário público quando decidiu pôr em marcha este projecto de repovoação?
Estes políticos espaventados dão cabo da classe. Não pela ideia em si, que tem algum mérito, não pela vontade, que implica um desejo, mas pela incapacidade de prever as dificuldades, pela ligeireza com que se desmarcam das suas próprias acções. Tudo colado a cuspo nas nossas vidas públicas, sem consciência, nem responsabilidade. A eterna fuga para a frente dos nossos poderes.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Porque não falam as portuguesas?


Ontem ouvi o discurso do nosso Presidente da República na Antena 1. Vinha no carro, o sol a bater no vidro, meio amodorrada. O discurso era bonito, correcto. Não empolgava, mas a normalidade, nos discursos como na História, não costumam empolgar. E a data, excepto para os defensores da República para Olivença já, para os monárquicos, para os filósofos que discutem a passagem da ética republicana à ética deliberativa em democracia, ou para os realizadores de eventos que discutem a importância de uma varanda relativamente a uma praça e vice-versa, é de normalidade. Os defensores da causa Olivença têm razão, a diplomacia portuguesa à época andou mal ao não reivindicar o território. Mas não sei se em termos de direito internacional o caso não terá já prescrito, não havendo qualquer hipótese de reclamação. Quem deve ficar feliz é o director do semanário “Sol” que de quando em vez lá descobre meia dúzia de portugueses que gostariam, tanto quanto ele, de ter por dieta principal uns carapaus com molho à espanhola, e que tem ali em Olivença uma antecâmara de acesso ao imaginado paraíso. Como eu e as minhas amigas dizíamos na adolescência, sem pensarmos muito no dramatismo da expressão, “isso só sobre o meu cadáver”.

Estava tudo a correr muito bem. Não havia muito povo, mas o povo também tem que passear, limpar as casas, dormir até mais tarde. Enfim, as coisas que o povo faz quando não anda preocupado com revoluções (sorte a do Eng.º Sócrates). Havia música e, presumo, porque só ouvi, não vi, devia haver flores. Mas de repente a jornalista da Antena 1, terminado o discurso presidencial, resolveu saber a opinião dos que estavam à volta. Falou um senhor, depois a jornalista queria que uma senhora falasse e…está bem está…a jornalista explicava-nos: “Geralmente as senhoras recusam-se sempre a falar”. Eu encolhia-me conforme a repórter nos ía indicando as senhoras que se recusavam a falar, e eram muitas. E ela lá se virou para mais um senhor que, esses, parecem que têm sempre qualquer coisa para dizer.

Razão tem a professora João Silveirinha que investiga o modo como os géneros se manifestam de forma distinta na esfera pública em geral e na política em particular. E eu, que até sou muito reticente, não posso deixar de pensar que a recusa em falar por parte das mulheres portuguesas precisa de ser explicado.

quinta-feira, outubro 05, 2006

os bisnetos da República

Num dia em que se passa o tempo todo com vontade de ir por aí por uma estrada fora de mãos nos bolsos a dar pontapés numa pedra, que atenção dar à mensagem presidencial?

quarta-feira, outubro 04, 2006

E depois da pausa...as eleições brasileiras como os investigadores as vêem

Lula da Silva não quis deixar de ser presidente mesmo naquelas alturas em que necessariamente tinha que se tornar candidato à presidência, por via das regras e dos ciclos da democracia que obrigam cada governante a apresentar-se a eleições. Escudou-se numa pose de Estado que julgou ser suficiente para justificar a sua ausência dos debates públicos, separando-se dos outros concorrentes ao lugar. Escrutinado pelas urnas, mas também por grupos académicos que estudam a actuação comunicacional dos políticos em geral, e dos candidatos a eleições em particular, o discurso de Lula não está a convencer e vai ter que mudar.

Repare-se neste trabalho de uma equipa de investigadores brasileiros sobre as eleições presidenciais no Brasil. Os brasileiros têm uma escola de análise da comunicação política, de influência americana nos métodos utilizados, verdadeiramente interessante. Quando vêm fazer conferências a Portugal conseguem sempre surpreender-nos com o trabalho de investigação empírico que habilitadamente reunem e apresentam. A tradição nesta área é muito consistente.
Veja-se por exemplo a análise de um anúncio televisivo da campanha de Lula de 2002, quando foi eleito presidente pela primeira vez, conduzida por Sérgio Roberto Trein, arquivado e apresentado pelo Laboratório de comunicação on-line.

Em Portugal só se pensa sobre Comunicação Política (ou em Comunicação e Política, o que é diferente, mesmo assim), há muito pouco tempo, sendo esse campo ocupado pelas agências de comunicação que desenvolvem a sua prática de assessoria aos candidatos ou aos governantes na área da comunicação política. A monitorização da quantidade e qualidade das notícias políticas, o estudo das imagens e dos discursos, a reflexão sobre a influência das agendas políticas sobre as mediáticas, assim bem como a inversa, ainda está numa fase incipiente, sendo normalmente encarada pela nossa academia clássica como uma excrescência da Ciência política e/ou das Ciências da Comunicação. Falta andar esse caminho.

Pausa para pensar em prioridades


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terça-feira, outubro 03, 2006

Ideologia

Por motivos que se prendem com o meu trabalho, fui reler o capítulo “Empirirical methods” do livro de John Fiske, Introduction to Communication Studies. Está traduzido em português, mas quando eu o encomendei não sabia, daí que as minhas citações digam respeito ao original em inglês.

O capítulo seguinte ao que me levou a consultar o livro intitula-se “Ideology and meaning”, li-o pensando em como esta questão das ideologias que nas décadas de sessenta e setenta interessou tantos investigadores, para depois, de certa forma se diluir noutros problemas, ressurge agora como objecto a ser reavaliado no que a um uso operacional da análise da acção política diz respeito, tal como Onésimo Teotónio Almeida defendeu no seu artigo “Ideologia, revisitação de um conceito”, publicado na revista Comunicação e Política nº21-22. Escreveu ele: “(…) um conceito tão usado e debatido como é este de ideologia está longe de ser unívoco, é geralmente vago e frequentemente confuso e contraditório e, na expressão de Michael Oakeshott, continua a ser usado numa “anarquia de diferenças linguísticas”, a ponto de o considerar worthless, isto é, sem qualquer valor. No entanto (...), e porque o seu uso é imparável, gostaria de sugerir (...) um uso operacional consistente e coerentemente articulado com outros termos, como os de mundividência, valor e ética.” (p. 74).

Mas se consultarmos o Dicionário de Política de Bobbio, Matteuci e Pasquino, escrito em 1983, podemos ler como Mário Stoppino, seguindo a linha de N. Bobbio propõe uma excelente definição de ideologia, quer quanto ao seu significado fraco “um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos colectivos”, quer quanto ao seu significado forte que “tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes (…) é um conceito negativo que denota precisamente o carácter mistificante de falsa consciência de uma crença política.” (2004, p.564).

Normalmente usamos ideologia no seu significado fraco. Ideologia como representando o conjunto de ideias ou valores defendidos por determinada pessoa ou institucionalização, a fim de justificar a sua acção.
A concepção de ideologia no seu significado forte está associada às análises marxistas da sociedade e à sua convicção de que todo o sistema de crenças ilusórias mantido pela classe dominante (económica, social e política) é usado para dominar a classe trabalhadora. Esta concepção está na base de uma determinada explicação da história e da política, que, em termos práticos, se materializou em governos de orientação marxista, com fortes pulsões totalitárias, e levou muitos teóricos a afastarem-se deste discurso. Mas não deixa de ser um campo de análise em aberto e a discussão.

Fiske, em 1982, e na esteira do trabalho de Raymond Williams, apresentou e desenvolveu o uso que se fez das três definições de ideologia ao longo dos séculos. A ideologia como: 1. Um sistema de crenças que caracteriza um grupo ou classe particular; 2. Um sistema de crenças ilusórias – falsas ideias ou falsa consciência – passível de ser contrastado com o conhecimento verdadeiro ou científico; 3. Processo geral de produção de significado e de ideias.

Fiske estava interessado em esclarecer de que forma a ideologia se insinuava através das imagens, dos signos. Não se deteve a discutir a natureza filosófica das definições, nem comentou a terminação marxista para o conceito ideologia.
A leitura que lhe interessou fazer de ideologia é a que deriva da definição nº 3.

Seguindo a intuição de Roland Barthes sobre o tema, Fiske acabará por afirmar em todos os actos de comunicação se manifesta um processo ideológico de significação. A ideologia decorre normalmente do uso, escolha, de determinados signos por comparação com outros. Isto é, atribuir significado a algo ou alguém, é um processo relacionado com o tipo de valores e mitos da comunidade em que se é socializado, e isso é sempre da ordem da ideologia. Toda a relação entre os signos (e as suas conotações culturais) e os falantes que os usam é uma relação ideológica.
Naturalmente, não conseguimos escapar a este procedimento: ao usar signos (palavras, imagens, etc.) estamos a manter viva a ideologia, mas somos também formados por essa ideologia, por esses valores que partilhamos num determinado tempo e espaço, pela ideologia dominante.

Porém, sendo que todas as pessoas de uma mesma cultura são determinadas no seu comportamento pela mesma ideologia dominante no seu tempo, isso não implica uniformidade no comportamento. Na realidade há reacções constantes, individuais ou de grupo, à ideologia dominante. Há oposição. O que representa uma abertura para que outras ideologias venham a desenvolver-se no futuro. Ex. Ideologia dominante do interesse no progresso científico e técnico, por oposição aos que defendem valores culturais não científicos ou até mesmo anti- científicos.

Os estudos nesta área poderão tornar visíveis os processos de doutrinação presentes no processo de comunicação. Em todos os processos de comunicação. (Fiske, pp. 144-155).
O que leva os indivíduos a aceitarem, manterem, ou pelo contrário, a oporem-se, rompendo e, em certos casos, a criar nova ideologias, é todo um outro conjunto de questões.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Poder ideológico


Norberto Bobbio identifica o poder numa acepção tripartida quanto à sua origem e natureza: o poder político, o poder económico e o poder ideológico

Por poder entende-se uma relação de domínio estabelecida entre dois ou mais sujeitos. X será subalterno em relação a Y, se X reconhecer livremente, se for coagido a reconhece-lo ou for persuadido a reconhecer, que Y pode alterar o seu comportamento.
Norberto Bobbio define assim o poder como “a capacidade que um sujeito tem de influenciar, condicionar, determinar o comportamento de um outro sujeito.” (Bobbio, 1999: p.216).
O poder dos meios de comunicação seria então o poder ideológico que “se vale da posse de certas formas de saber inacessíveis aos demais, de doutrinas, de conhecimentos, até mesmo apenas de informações, ou então de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento de outrem e induzir os componentes do grupo a agir de um determinado modo e não de outro.”(Bobbio, 1999: p.221).

domingo, outubro 01, 2006

World Press Photo

Naquele ano decidi comprar o livro de fotografias do World Press Photo. Era o ano em que tinha nascido o meu filho e eu queria que um dia ele soubesse que nesse ano, ele, sobretudo ele, mas também mais uns milhares de coisas gloriosas se tinham acrescentado ao mundo. Cometi dois erros: O ano a que o livro de fotojornalismo reporta não coincide com o ano da edição, são, claro, fotografias tiradas no ano anterior, seleccionadas e publicadas em livro no ano seguinte, e pensei, levianamente, que os acontecimentos que se somaram à história da existência na terra desse ano eram todos passíveis de ser enquadrados por uma qualquer explicação inteligível, a permitirem uma leitura do tipo "sim há coisas terríveis a passarem-se no mundo, mas depois tudo se resolve e há a possibilidade de um final feliz". Não eram histórias com final feliz. Nem eram gloriosas. De todo. Revelavam vidas sujeitas quase todas elas a uma dor e a uma violência tão dolorosa e violenta que eu fechei o livro e nunca mais o abri.

Hoje na exposição do CCB voltei a sentir essa sensação que uma onda de sangue provoca quando invade a nossa cabeça, faz zunir os ouvidos, seca a nossa boca e nos atordoa. O tempo todo como que pegados pelos ombros e pendurados na parede. E ficamos a saber que sabemos, e que vimos.

Pedro Correia, foi o grande vencedor português de 2005 com uma fotografia tirada no funeral do agente da PSP Paulo Alves.