Há um carácter torcionário patente em muitos dos técnicos hospitalares que acompanham uma mulher quando ela vai parir um filho.
A minha mãe contou-me que quando eu estava para nascer havia uma senhora que estava no mesmo quarto que ela e que a dada altura se descontrolou com as dores. Gritava, maldizia o marido, vilipendiava quem andava por ali. As enfermeiras fartas de a ouvirem gritaram-lhe: “Olhe lá, você quando o estava a fazer não gritou assim, pois não?”. Eu, que ouvi isto pela vida fora, entre risos condescendentes, achava que isso era o pior que se podia dizer a uma parturiente, e insurgia-me contra a falta de profissionalismo, julgando que essas palavras nunca mais poderiam ser proferidas e que, a terem-no sido, só o foram em momentos de pontual distracção.
Quando chegou a minha hora eu levava a lição bem estudada, quer das dezenas de livros que tinha lido sobre técnicas de relaxamento e assuntos quejandos (eu sou uma teórica) quer do aviso impresso na memória dessa história que a minha mãe me contou. Privilegiada, mas sem querer incomodar o meu obstreta às 3:00 da manhã, lá apareci no pequeno hospital acompanhada pelo futuro pai Amadeu, sem aviso prévio. Tudo parecia dormir naquele piso. Eu comecei por perturbar, pois claro. Rabugenta, a médica de serviço anunciou-me a novidade. Eu não queria fanfarra com pandeireta, mas alegria confesso que era coisa que estava pronta para ouvir e ver na voz e nos olhos de quem me anunciasse para breve o nascimento de um primeiro filho. Está bem, está, vai lá para o quartinho e aguarda pela hora da expulsão.
Fiz sempre por me dominar, com medo de aborrecer alguém, e mesmo sem a bendita da epidural, porque a senhora enfermeira por algum motivo considerou que eu iria levar muito tempo a fazer a dilatação e quando se chamou a anestesista já eu ia a caminho da sala de partos, até acho que não gritei muito. Excepto quando me cortaram para o pequeno nascer. Aí ouvi um “Cale-se!”, com um tom daqueles que se deve ouvir na tropa. E meio atordoada pela dor imensa de ter um filho lá consegui festejar esse filho que me puseram nos braços, enquanto pensava, ter um filho é uma tortura. Como é que uma mulher consegue pensar em ter mais do que um quando passa por isto?
Depois fui recolhendo histórias de mulheres que tinham parido. E percebi que há uma história de dor e humilhação por contar. Por vergonha, por desinteresse da maioria dos ouvintes, porque isso é um assunto de mulheres, porque “ai filhinha que vale a pena quando nos põem os anjinhos nos braços”, porque as “mulheres sempre pariram e tu não foste a primeira nem hás-de ser a última”. Por medo que digam que as mulheres não amam suficientemente o bebé, ao pensarem assim. Enfim…
É por isso que não suporto ouvir dizer que fecham maternidades, que circunscrevem os cuidados de saúde às grávidas, que não se alarga a formação científica mas também humana aos técnicos de saúde, de ouvir discursos de pessoas que engravidaram outras sem a responsabilidade, ou as que nunca pariram, nem acompanharam a dor das que engravidam sem o desejar.
A minha mãe contou-me que quando eu estava para nascer havia uma senhora que estava no mesmo quarto que ela e que a dada altura se descontrolou com as dores. Gritava, maldizia o marido, vilipendiava quem andava por ali. As enfermeiras fartas de a ouvirem gritaram-lhe: “Olhe lá, você quando o estava a fazer não gritou assim, pois não?”. Eu, que ouvi isto pela vida fora, entre risos condescendentes, achava que isso era o pior que se podia dizer a uma parturiente, e insurgia-me contra a falta de profissionalismo, julgando que essas palavras nunca mais poderiam ser proferidas e que, a terem-no sido, só o foram em momentos de pontual distracção.
Quando chegou a minha hora eu levava a lição bem estudada, quer das dezenas de livros que tinha lido sobre técnicas de relaxamento e assuntos quejandos (eu sou uma teórica) quer do aviso impresso na memória dessa história que a minha mãe me contou. Privilegiada, mas sem querer incomodar o meu obstreta às 3:00 da manhã, lá apareci no pequeno hospital acompanhada pelo futuro pai Amadeu, sem aviso prévio. Tudo parecia dormir naquele piso. Eu comecei por perturbar, pois claro. Rabugenta, a médica de serviço anunciou-me a novidade. Eu não queria fanfarra com pandeireta, mas alegria confesso que era coisa que estava pronta para ouvir e ver na voz e nos olhos de quem me anunciasse para breve o nascimento de um primeiro filho. Está bem, está, vai lá para o quartinho e aguarda pela hora da expulsão.
Fiz sempre por me dominar, com medo de aborrecer alguém, e mesmo sem a bendita da epidural, porque a senhora enfermeira por algum motivo considerou que eu iria levar muito tempo a fazer a dilatação e quando se chamou a anestesista já eu ia a caminho da sala de partos, até acho que não gritei muito. Excepto quando me cortaram para o pequeno nascer. Aí ouvi um “Cale-se!”, com um tom daqueles que se deve ouvir na tropa. E meio atordoada pela dor imensa de ter um filho lá consegui festejar esse filho que me puseram nos braços, enquanto pensava, ter um filho é uma tortura. Como é que uma mulher consegue pensar em ter mais do que um quando passa por isto?
Depois fui recolhendo histórias de mulheres que tinham parido. E percebi que há uma história de dor e humilhação por contar. Por vergonha, por desinteresse da maioria dos ouvintes, porque isso é um assunto de mulheres, porque “ai filhinha que vale a pena quando nos põem os anjinhos nos braços”, porque as “mulheres sempre pariram e tu não foste a primeira nem hás-de ser a última”. Por medo que digam que as mulheres não amam suficientemente o bebé, ao pensarem assim. Enfim…
É por isso que não suporto ouvir dizer que fecham maternidades, que circunscrevem os cuidados de saúde às grávidas, que não se alarga a formação científica mas também humana aos técnicos de saúde, de ouvir discursos de pessoas que engravidaram outras sem a responsabilidade, ou as que nunca pariram, nem acompanharam a dor das que engravidam sem o desejar.
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