sexta-feira, junho 29, 2007

Diversidade 2

O Zé Tomes informou-me acerca desta petição que está a correr on line:

"Contra a acusação feita pelo 1º Ministro, José Sócrates, a António Balbino Caldeira, atentando contra um dos elementares direitos de cidadania - Liberdade de Expressão"

http://www.petitiononline.com/mod_perl/petition-sign.cgi?tasfasta

Diversidade

Procuro manter-me fiel a três ou quatro sensações que racionalizo num punhado de ideias. Uma delas corre-me nos neurónios desde que eu tomei consciência: a sensação, e a certeza racional, de que a liberdade é um dos mais inquestionáveis valores na vida de um adulto, e, sobretudo, na vida de um cidadão. Seguido logo depois do muito maltratado, ideologicamente, valor da igualdade, depois o da responsabilidade e, para se perceber a noção dialéctica que eu tenho da existência apesar de uma hierarquização piramidal nos valores referenciados, ponho na base o par valorativo Unidade/Diversidade e o par Universalidade/individualidade. Este meu parágrafo deveria ter uns cinco volumes de justificação. Mas adiante que este é um registo de pensamentos e não uma tese.

Na diversidade há o registo das vozes diferentes. Às vezes corre-se o risco da disfuncionalidade. Um risco menor tendo em linha de conta o remédio a aplicar na cura dessa disfunção: a unidimensionalidade dos discursos e das acções. A atonia social. Há quem goste, quem prescreva e quem preconize. Eu não. Mas também reconheço que sem funcionalidade não há ordem, e que sem esta não há refúgio para os comportamentos sociais que queremos, e esperamos, que tenham um certo grau de previsibilidade. Assim, a disfunção política, pela desordem que pode envolver, não augura uma boa sociedade, e certamente que não seria segura, mas a imposição de uma ordem sem uma base de legitimação assente na discussão, também não preconiza uma boa sociedade.
Ditadura/Democracia, Democracia/Autoritarismo, o prato da balança não pode alternar entre estes dois pesos. Só pode haver democracia, e nesta é que entra o balanço entre dois pratos: o das partes que governam/e o das partes que se lhes opõem.
Que um qualquer governante de um país democrático governe a temer a oposição, ou as vozes discordantes, ou a opinião dos seus cidadãos, não é programaticamente concebível.

É verdade que nós temos governantes na Europa que mentiram descaradamente aos seus cidadãos no exercício dos seus governos e que depois são ovacionados em pé pelos seus pares quando estão para sair, mas isso será talvez manifestação da cortesia e da civilidade no trato que merecem todas as pessoas e, sobretudo, os que se nos opõem, pensando naquelas vezes em que o fizeram com lealdade.

Também é verdade que há governantes que nos mentiram quando andavam em campanha. Há quem diga que essa atitude é inevitável, que é política real, uma questão pragmática na conquista do poder. Não é verdade, nem tem que ser verdade, e há, na teoria e na prática, muitas outras formas. A oposição a essas atitudes, a crítica, não é sinónima de antipatriotismo. Isso é que era bom. Eu, europeísta convicta, defensora de um documento constitucional, não me perturba que haja povos que votem contra esse tratado. É normal, se se vive em democracia. O que me perturba é dizer-se uma coisa e depois nas costas dos cidadãos a remendar-se uma outra, como se as pessoas que os elegeram não tivessem capacidade de decidir um assunto que diz respeito a todos, mas já tenham capacidade para os eleger, aos sábios.

quinta-feira, junho 28, 2007

Teoria e prática

Escreveu hoje Maria José Nogueira Pinto no DN: "(...) O colocar de novo as ideias no topo da agenda política terá duas consequências: a reivindicação, pelos diferentes grupos, de espaços ideológicos diferenciados e a capacidade prática de mediação entre o mundo real e o mundo ideal. O político passa assim a ser, antes de mais, um mediador entre as condições concretas - necessidades a serem satisfeitas, interesses sociais e ambições humanas a serem ordenadas e promovidas, serviços e respostas eficazes a serem prestadas - e os ideais - o bem possível - que constituem a dimensão da esperança e a legitimação do desenvolvimento. Se assim for, Maquiavel vai ficar agradecido, e seria bom ressuscitar Thomas More em cursos de reciclagem acelerada."
Parece-me, porém, que a questão nunca foi de as ideias terem estado alguma vez ausentes do topo da agenda política (o pragmatismo e o mediatismo são manifestações de programas ideológicos, não o esqueçamos), a questão é que tipo de ideias, qual a natureza ideológica, enfim, é que queremos destacar e pôr no topo da agenda política.
Há alguma acção em política que não reenvie para um programa ideológico? Desconheço. O que pode é haver acção política desenquadrada do tipo de programas ideológicos que queremos, sabemos ou desejamos reconhecer como mais válidos.
É um combate de ideias que há que travar e não uma luta para pôr ideias onde antes havia um vazio ideológico. Este não existe na história da acção política humana. Eu diria até na história humana, mas aqui já não tenho tanta certeza.
Tem no entanto a autora toda a razão quando aponta o papel do político como sendo o de mediar entre a teoria (o programa) e a prática (a deliberação e decisão política). Esta é que a arte do político.

quarta-feira, junho 27, 2007

O jornalismo como arte de enquadrar

Hoje, Mário Crespo, na ressaca do formidável êxito de adesão do público à exposição da colecção Berardo, em Lisboa, convidou o director do belo museu de Serralves, do Porto, a comentar a frase do nosso primeiro-ministro, e isso no contexto de uma entrevista em que se procurou explanar sobre os apoios públicos à arte em Portugal, às instituições em geral. A frase de Sócrates foi a seguinte: "Antes, o roteiro da Arte Contemporânea acabava em Madrid. A partir de hoje, começa aqui".
Eu gosto do jornalismo de Mário Crespo.
Considero até que certos programas e certos jornalistas contribuem com muito mais do que com os enquadramentos certos ou incertos para as acções políticas, e isso quando provocam eles próprios adesão, acção de aceitação/compreensão, aos assuntos públicos. Dou como exemplo o programa de Fátima Ferreira, o "Prós e Contras". Tenho a certeza que qualquer estudo destacaria que uma de entre as grandes preocupações desta jornalista consiste em manter como tema constante dos seus programas a questão do défice público, procurando os especialistas e os governantes que dão uma resposta a este problema. Respeitando a posição contrária, a que defende que "existe mais vida para além do défice", Fátima Ferreira, no entanto, tem perguntado ininterruptamente ao longo destes últimos dois anos e meio: "Mas como, se não há dinheiro!". Este "slogan" (de uma realidade assim colocada de forma tão clara) terá ajudado, em muito, no princípio da governação socialista, à aceitação das políticas financeiras restritivas que este governo tem vindo a operar. Assim o creio.

segunda-feira, junho 25, 2007

A aldeia e o mundo 2

Mas se pensarmos que todas as intervenções na cena internacional, no sentido de pressionar ou delimitar acções de estados nacionais considerados um perigo para a comunidade internacional, devem abster-se do uso da violência, remetendo para o trabalho dos negociadores toda a atenção e exigência, o que fazer no caso de ameaça indirecta? Isto é, não sancionada pela Carta das Nações Unidas ("Os membros da Organização dar-lhe-ão toda a assistência em qualquer acção que ela empreender em conformidade com a presente Carta e abster-se-ão de dar assistência a qualquer Estado contra o qual ela agir de modo preventivo ou coercitivo") ?
Como apoiar a democracia no Líbano, no mundo? Com palavras e com a força do exemplo. Não há outra forma que não seja uma forma leviana de compreender o fenómeno da vida humana individual. O problema está na descrença em que estagnaram as próprias comunidades que vivem em democracia, relativamente aos seus democráticos políticos. Na sua auto-representação de sujeitos indiferentes aos assuntos públicos, que se potencia em exemplos culturais e sociais mal explicados junto de sociedades que desconfiam de modelos ocidentais pouco valorizados, gera-se uma degradação do sentido do exemplo. A desconfiança gera indiferença, e esta dá lugar a vazios no discurso político a poderem ser aproveitados por oportunistas agressivos.
Se um líder ocidental, democrático, considera natural que se fechem artérias de uma grande capital para ele se passear, tal qual um nababo, algo está errado na percepção pessoal/social do fenómeno da democracia. Mas também me parece que enfatizar excessivamente esta questão, apontando os defeitos dos líderes e reclamando a existência para um conjunto de critérios que assinalam uma qualquer pureza na acção e na teoria reservada aos eleitos, poderá esconder propósitos pouco democráticos eles próprios. Paradoxo: Queremos viver segundo regras democráticas, mas tememos impor essas regras de forma determinante, pouco democrática.
Um líder não é democrático porque assim se afirma, mas é-o no registo quotidiano que fizer com as suas acções. E a democracia não pode ser o trampolim para o salto do tigre na sua jaula do circo. Mas o que poderá ela ser, sendo que brandir um livrinho na mão lembra a ditadura? Que exemplos poderemos dar que sejam universalmente desejados, e que dêem resposta às sociedades globais? Que argumentos podemos legitimamente apresentar para defender a democracia como o melhor dos regimes, até à data?

La presse internationale et la couverture du conflit à Gaza

A atenção mediática internacional está, mais uma vez, conseguida. Que tipo de intervenção se pode esperar para além da intervenção exclusivamente diplomática a incentivar a negociações? Todas as outras intervenções possíveis já deram suficientes amostras no passado de trazerem mais problemas que soluções.

quinta-feira, junho 21, 2007

castigo sem crime

Os políticos não confiam mesmo nas capacidades de decisão dos seus cidadãos, e então no que toca à percepção da capacidade de decisão das mulheres esta está quase ao nível do não registo. Estranho, temos a cobertura discursiva em disfunção com a prática social.

quarta-feira, junho 20, 2007

A dor dos outros

É mais fácil escrever sobre a dor, disse Bendrix. Ou disse algo afim com isto, já que eu procurei e não encontrei o livro.
“Na dor”, lembro-me eu de Greene o ter posto a escrever isto, ou algo assim parecido com isto, “somos todos mais individualistas”. Bendrix a escrever sobre a sua dor, a que o ofuscava para a dos demais, a dor da perda numa luta por um bem.

Nos textos que recebi dos meus alunos, aos quais, inadvertidamente, pedi que escrevessem sobre ” O meu lugar no mundo é…”, a dor foi o tema glosado em todos os tons. Quando finalmente no fim do ano os deixei escrever sobre o que eles pensam e sentem e não sobre como pensam sobre o que outros pensam, a mágoa transbordou daquelas páginas e veio direitinha cair-me nas mãos.
Eu nunca pude bem com a dor dos outros. Nem sei como alguém pode poder com uma dor de quem desconhece totalmente a sua força e a sua forma de escoicinhar. Eu só posso bem com a minha dor, porque esta é minha conhecida, e vamo-nos entendendo. Mas a dor dos outros…essa é que é o diabo. Sei lá que palavras não soube inventar durante o ano inteiro, eu a optimista militante, para lhes lavar esse sentimento e os preparar para outro discurso e outra forma de entender a existência. Falhei, não porque não tivesse cumprido o ritual da transmissão de conhecimentos, mas porque nenhuma das minhas palavras serviu de consolo no que quer que fosse, nenhuma iluminou um caminho da racionalização dos desejos, da sublimação das frustrações em oportunidades de conhecimento.
Tenho no meu regaço textos individuais, e não sei se foram fáceis de escrever, mas sei que são difíceis de ler.

E no entanto.....queremos que o sistema democrático funcione. Sem medo.

"Tentam tranquilizar-me com o argumento de que o sistema funciona. E eu acredito: o sistema funciona." de António Balbino Caldeira Do Portugal Profundo

segunda-feira, junho 18, 2007

A Europa, a lentidão e o bom senso

UE vai apoiar governo de emergência palestiniano.

Refugiados palestinianos. Triste sina política. Errado. Isto não é uma fatalidade natural, é um exemplo da má utilização das decisões políticas da comunidade em causa e, sobretudo, da comunidade internacional, com maior papel para os países do Médio Oriente, sem exclusão. Pobre povo.
DEUS NOS PROTEJA DOS ZELOSOS
Ferreira Fernandes, no DN


As fogueiras de Gaza
Francisco José Viegas, no JN

"Os acontecimentos que durante a semana passada transformaram Gaza (que Sharon desocupou, tal como tinha, antes, desocupado os territórios do Sinai, capturados na sequência da agressão egípcia na guerra do Yom Kippur) numa dependência do extremismo muçulmano, podem ser analisados do ponto do vista do equilíbrio de forças no Médio Oriente, como uma espécie de sinal emitido pelo Irão. Mas a ocupação e pilhagem da casa de Yasser Arafat e a comemoração do feito transmitida pelas televisões constituem uma imagem inesperada, patrocinada pelo Islão radical e anunciada várias vezes por Mahmoud Ahmadinejad. Condenando Arafat a inimigo póstumo, sitiando os territórios de Gaza e da Cisjordânia, o islamofascismo do Hamas visa mais longe, repetindo a história e impedindo qualquer forma de diálogo entre os palestinianos e Israel. Esse é o objectivo principal.

Evidentemente que não faltam, já, os discursos "compreensivos" para com a barbárie institucionalizada pelo Hamas - à falta de culpas a atribuir a Israel (elas virão, elas virão), inventa-se um tom muito etnológico para condenar as execuções sumárias cometidas pelo islamofascismo e a tentativa de transformar Gaza numa plataforma incendiada pelo radicalismo."

domingo, junho 17, 2007

O mundo e a aldeia

Diria Lévi-Strauss:
"O Mundo começou sem o homem e acabará sem ele. As instituições, os costumes e os hábitos que eu teria passado a vida a inventariar e a compreender são uma eflorescência passageira de uma criação em relação à qual não possuem qualquer sentido senão talvez o de permitir à humanidade desempenhar o seu papel. Longe de ser este papel a marcar-lhe um lugar independente e de ser o esforço do homem - mesmo condenado - a opor-se em vão a uma degradação universal, ele próprio aparece como uma máquina, talvez mais aperfeiçoada que as outras, trabalhando no sentido da desagregação de uma ordem original e precipitando uma matéria poderosamente organizada na direcção de uma inércia sempre maior e que será um dia definitiva". Tristes Trópicos, 1986: 408.


Diria Alberto Caeiro, e, se puder, digo eu com ele:

"/.../ Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido.
bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo,
O mundo será diferente -
Haverá eu a menos -
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada."
Poemas , Edições Ática,1979:101


E digo-o com Caeiro mesmo sabendo que é um poeta quem o diz e que Strauss é um antropólogo. Digo-o, mesmo sabendo que Caeiro tem outros versos em que diz claramente "A realidade não precisa de mim." (p. 85). É verdade. É porque a questão do poeta não é antropológica. Ele não reforça pela positiva ou negativa o papel do ser humano no mundo. É uma questão ontológica. E esta o cientista Strauss não explicou. Nem eu o vou tentar fazer agora.

A aldeia e o mundo

Vi em DVD o documentário de Al Gore "Uma verdade inconveniente". Comecei logo por estar com uma grande má vontade contra ele mesmo antes de o pôr a correr, um preconceito daqueles que me ataca frequentemente contra situações ou pessoas que sinto pouco fiáveis, de forma pouco fundamentada, logo estúpida, não o nego.
Mais para mais tinha sido avisada da existência de um outro documentário, de cientistas ingleses, que ponham em causa as teoria apresentadas por Al Gore, o qual, aliás, está disponível no You Tube, o "The great global warming swindle compete". Depois comecei a ver o documentário. Embirrei com tudo. Com a pose do orador, o tom, os exemplos, os artefactos técnicos, achei tudo muito "à americana": sedutor, tecnicamente imbatível e cheio de maneirismos dramáticos. Mas o conteúdo, pouco a pouco, os argumentos eles mesmos, foram-se impondo. A construção da defesa da tese estava clara, apresentava contra-exemplos, os dados eram mostrados sem aparentarem manipulação e os pormenores da vida privada do orador... bom, era um filme em que ele precisava de demonstrar que não nascera para a causa da ecologia depois de ficar desempregado na política, mas que esta o acompanhava antes mesmo de ser político, tendo-se ela própria transformado agora numa questão política. Certo, Sr. Al Gore, convenceu-me.

Na parte final, já comigo a reconhecer um mérito ao documentário para além do próprio mérito do biografado, reconheci o tom de alavanca da passagem da pessoa à humanidade. Desde sempre compreendi melhor quando se fala em nome de feitos conseguidos pela humanidade, ainda que aparentemente só realizados por alguns, do que os feitos étnicos de alguns em nome de outros alguns. É como se o que cada povo conseguiu de grandioso todos o tivéssemos conseguido com ele, sendo a inversa não menos verdade.

É por isso que este fim-de-semana pensei muito mais nos conflitos palestinianos do que na eleição à câmara de Lisboa, e na próxima presidência portuguesa da União Europeia, do que no remoque do nosso presidente à programação da RTP no dia 10 de Junho. Neste ponto não é bem de preconceito que se trata, é de impaciência.

sexta-feira, junho 15, 2007

As cigarras e as formigas 3

“Não há qualquer época da história, exceptuando os períodos estritamente feudais ou patrimoniais, nem qualquer região económica do globo, em que não tenham existido figuras capitalistas do tipo dos Pierpont Morgan, dos Rockefeller, dos Jay Gould, etc.
Apenas os meios técnicos disponíveis de que eles se serviram (naturalmente!) mudaram. Consideravam-se e consideram-se “para além do Bem e do Mal”, mas não foram eles, por muito importante que se possa avaliar a sua influência nas transformações económicas, quem definiu decisivamente qual o espírito económico dominante numa época ou numa região. Sobretudo, não foram eles os criadores nem os arautos do “espírito burguês” especificamente ocidental.” (p.201)

“Pelo conjunto da literatura ascética de todas as confissões perpassa a opinião de que o trabalho honrado, mesmo mal pago, para aqueles a quem a vida não deu outra possibilidade, é uma coisa do profundo agrado de Deus. Neste aspecto, a ascese protestante não trouxe qualquer inovação. Mas não somente levou esta norma às últimas consequências mas criou a motivação psicológica que lhe conferia operacionalidade ao considerar que o trabalho profissional enquanto vocação /Beruf/ constitui o meio mais adequado e, por vezes, o único, para obter a certeza da graça divina. Por outro lado, legalizou a exploração desta disposição para o trabalho, ao declarar o enriquecimento do empresário “uma profissão” vocacionada (p.137)


“O puritano queria ser um homem de profissão - nós temos de o ser.” (p.139)


É neste conceito de “temos” que assenta a ordem económica e ética/económica da nossa sociedade. É aqui que a ascese religiosa se transforma em ética secular, pela qual nós regulamos a nossa vida activa. Para Weber o fundamento religioso da acção continua lá, mas a acção propriamente dita, e o sucesso desta como modelo globalizado, já não precisa dessa fundamentação, nem da recompensa psicológica que se traduzia no conforto do crente perante a aprovação dos olhos de Deus. A recompensa hoje quer-se imediata, vistosa e material. De certa maneira, o consumismo está a pôr em causa o próprio espírito do capitalismo. Não deixa de ser curioso. Agora se isso revela libertação do peso de uma certa forma de vida capitalista burguesa ou se a escravidão perante o dinheiro que se quer mas não se tem a capacidade para ganhar ou para gerir, é que não sei. Com certeza não será o espírito dos mendicantes a ser renovado por aqueles que só têm em comum com eles a acção de pedir, e a de se queixarem da sociedade globalizada. Porque se o fosse era uma outra proposta de vida, válida, a atender, assim parece-me só uma irregularidade na socialização contemporânea. Como é que esta deve ser atendida pela sociedade? E por cada família?

quinta-feira, junho 14, 2007

Pragmatismo israelo-palestiniano...na análise.

"(...) For its part, Hamas may find that its victory over Fatah is only the beginning of its problems. The group will need to deal with a hostile international community, tension with Egypt, internal ideological divisions and provision of services to Gaza's civilian population. Similar to King Pyrrhus, whose victory over the Romans was so costly that his men were later defeated, Hamas may find that though it won the battle, it has ultimately lost the war.
We shouldn't expect the way ahead to be easy or that we're on the verge of a Swiss-style utopian peace. Hamas isn't disappearing any time soon, Fatah members haven't suddenly turned into card-carrying Zionists, and Israeli society's ability for extensive territorial compromise is yet to be fully tested.
But if we want to maintain Israel as a Jewish democratic state and prevent the inevitable slide towards anarchy and increased international isolation - the eventual result of continued occupation - we need to find a Palestinian address with which to implement a two-state solution.
Recent events in Gaza may provide our best opportunity for some time to come."

Calev Ben-Dor, The Jerusalem Post, 14 de Junho 2007

quarta-feira, junho 13, 2007

Esperança

Sudan to Allow a Larger Force in Darfur

Sistema de ensino 2

Que não, avisou-me o meu colega Victor, que eu não tinha inteiramente razão quanto ao facto de considerar preferível o método fonético no ensino da leitura por oposição ao da aprendizagem da palavra associada à imagem. E isso porque, acrescentou, esse foi o método aplicado e desenvolvido no sistema de ensino na União Soviética, o qual foi adoptado logo após a Revolução por contingência de um pensamento ideológico que enfatizava a ideia materialista da história, logo destacara a importância da aprendizagem da leitura pelo reconhecimento de palavras associadas a objectos do dia-a-dia (um pouco como se faz em relação à aprendizagem de uma língua estrangeira), opondo-se ao formalismo dito elitista do ensino no tempo dos Czares. E esse método veio a dar excelentes e comprovados resultados académicos na URSS.
Eu ri-me e lembrei-lhe que os professores deveriam ter sob a sua cabeça a sentença de morte por acusação de sabotagem caso os seus alunos não aprendessem a ler e a escrever exemplarmente, e que essa motivação devia ser mais que suficiente para fazer dos alunos soviéticos matéria prima exemplar para excelentes, e temerosos, pedagogos. O Victor não reagiu e continuou a dizer que mais importante do que discutir uma ou outra forma de aprender a ler seria discutir a ideia de conceder mais tempo a cada aluno para solidificar a sua aprendizagem e não o deixar cair nesta voragem de passagens facilitadas que não atendem senão ao interesse de fazer passar qualquer aluno saiba ele o que souber e como o souber. Concordei, mais sisuda, e acrescentei que no entanto a história de Portugal não era a história da URSS e que nós devíamos desenvolver e adaptar a nossa própria pedagogia. E aí o Victor recomeçou a desenvolver aquilo que achava que era a verdadeira questão: a incapacidade de em Portugal se produzirem modelos (culturais, sociais, políticas, o que seja) e assumi-los como nossos, deixando-nos de vez de ficar permanentemente embasbacados com as modas teóricas já deixadas de usar há muito nos outros países.
O Victor quase não vê, não está muito longe da reforma, e é um inconformista nato. Se tivesse que escolher alguém para representar num teatro amador o papel de Tirésias eu escolhia-o a ele. Tem uma mente que não descansa um segundo e tem sempre uma perspectiva nova para cada assunto discutido. Rabugento, mas lúcido, quase um adivinho.
Isso não impede que eu considere fundamental a discussão, por parte do Ministério, da questão do método de aprendizagem da leitura. Para mim esta questão é mais importante do que aquela outra sobre a localização do novo aeroporto.

terça-feira, junho 12, 2007

As cigarras e as formigas 2


Antes de eu saber que havia um autor que explanara sobre o conceito de "profissão como vocação" , sendo que ele defendera a tese que esta ideia de "vocação profissional" ( irracional se tomada num ponto de vista de uma concepção eudemonista da acção pessoal, segundo o próprio Weber) tinha na origem do seu sentido uma tradução da palavra "trabalho" que os protestantes fizeram da Bíblia, não se encontrando esse sentido no original, o que terá feito dos protestantes os primeiros utilizadores de uma nova palavra, a "Beruf" (trabalho definido), e de uma nova ideia, a de cumprimento do dever, ideia em que assentou o protestantismo, já eu, antes de saber tudo isto, como já escrevi, tinha um exemplo prático da profissão entendida como vocação, e e isso na minha família e ensinado por dois católicos.




Para os meus pais, o trabalho foi sempre visto como vocação, e o dinheiro era um meio que não servia senão para garantir uma vida melhor aos filhos e uma velhice livre de problemas financeiros. Era inaceitável, pela dificuldade que envolvera o seu ganho, mais do que por princípio moral ou social, que se ostentasse a posse de dinheiro, que o esbanjássemos ou que este fosse mal gerido.

A aprendizagem do capitalismo por parte dos meus pais, capitalismo expresso num nível de pequenos burgueses saídos há pouco dos campos, capitalismo que lhes custou no pós 25 de Abril a ruptura na amizade com o meu muito marxista padrinho, fez-se em nome do lema que exemplifica as suas existências, "A necessidade aguda o engenho" ou tem outra origem cultural?


Lema que, aliás, é ignominioso se dito por quem tem uma existência na qual nunca experimentou necessidades, mas acha, por arrogância social ou moral, que esta é o estado necessário para garantir empregados ou empreendedores mais avisados e expeditos, mais entregues ao trabalho.
Mas a necessidade sem projecto é estéril, o que os levou então a viverem de forma economicamente tão racional? A cultura de não ostentação , e de ausência do desejo de ostentação, do seu tempo?

Entre a ideia de Pascal, de que qualquer actividade na terra não passa de vaidade e astúcia, a sua fundadora, a ideia de São Paulo que considerava que todo o ganho material que ultrapassasse as necessidades próprias e que para mais se fundamentasse na exploração de outrem devia ser considerado um sinal de ausência da graça divina, logo algo a rejeitar, e a ideia de origem calvinista, na linha do ascetismo secular protestante, de que o trabalho incessante e continuado era a forma de melhor louvar e dar exemplo vivo da sua crença em Deus, dá-se uma ruptura ética assinalável no que ao entendimento da sua acção profissional diz respeito.

Weber considera que é no ascetismo protestante que se encontra ao mesmo tempo a ideia de libertação do desejo de lucro, este deixa de ser algo negativo como objectivo, e a ideia de necessidade de limitar o consumo. Ora o capital passa a acumular-se através do espírito da poupança, e este capital pode, posteriormente, via a aplicar-se em investimentos (p.134).

"O poder da concepção da vida puritana favoreceu sempre, nas zonas onde chegou - e isto é bem mais importante que o simples incremento da acumulação de capital - a tendência para a conduta económica racional da burguesia. Foi o seu único suporte consequente e o principal, foi a ama-seca do Homo economicus moderno." (pp.134-135)

Mas estes traços não eliminam a contradição entre as formas de vida que assentam na força do trabalho e as que procuram viver de modo senhorial a partir da força do trabalho dos outros. Nem o respectivo ressentimento mútuo pelo inconformismo dessa, assim considerada, uma desordem social.

Sistema de ensino

Num comentário a um post meu, José Carrancado, autor do blog "Educação em Portugal Metas e Medidas", apela a uma mobilização geral em nome da reconstrução geral do sistema de ensino, começando ele por destacar a importância de um programa no ensino básico que reintroduza as competências correctas para que em português e em matemática os alunos passem a ter uma efectiva aprendizagem dos conteúdos.

Confesso que descuro frequentemente os programas do ensino básico, mesmo sendo mãe de um rapazinho que entrará para o próximo ano lectivo para o 1º ano do ensino oficial, mas apesar de tudo houve o cuidado em saber qual era o método de aprendizagem de leitura praticado e defendido no Externato do meu filho. Fiquei, descansadamente, a saber que a professora utilizava o método sintético ou método fonético como José Carrancudo o apresenta e defende, ele também. Sem conhecer muito dos sistemas, já tinha lido o suficiente para saber que este método (o mesmo que a minha geração seguira) era o que apresentava um saber prático mais consolidado na técnica da leitura.

Estes assuntos programáticos com exigências de novos métodos e novas propostas de educação são aquilo eu julgo serem assuntos do foro da prática de uma Ministra da Educação e de um governo que apoia a excelência no ensino e na aprendizagem. Mas como esta é uma ministra e um governo que submeteram a política às finanças, as ideias ao dinheiro e as práticas educativas às práticas laborais, então bem podemos reclamar. Ou, de forma pouco cívica, assegurar que na escola do nosso filho se escolhem as boas práticas, como se este não fosse um assunto nacional. O dinheiro continua a comprar a excelência, até no básico.
A seguir, e a anotar os argumentos sobre esta questão, aqui.

Alguns Ministros são gente "Chique, chique a valer"

Às vezes fico sem saber nada. O meu colega Victor que arenga sobre tudo, diz-me: “A situação do país nunca esteve melhor, porque nunca ninguém se preocupou, ou conseguiu escapar a esta não preocupação, senão a satisfazer as suas necessidades ou a dos seus correligionários. Ninguém com verdadeiro poder escapou a este vício em Portugal. O que acontece é que estes no governo de agora atacaram mais a nossa classe profissional daí que tenhamos ampliado os seus vícios discursivos. Outros o fizeram antes e, de forma mais ou menos subtil, contribuíram igualmente para o descrédito contínuo e sistematizado pelos cidadãos que os elegem.
Deixa, que estes, como os outros, hão-de ir-se embora.”

Mas eu digo-lhe que não. Que eles nunca se vão realmente embora, que estão sempre a amassar-nos com as suas faltas de ideias, com os seus discursos atravessados de nulidades, com a sua falta de perspectivas ideológicas, com o seu carácter mesquinho no trato com os subordinados, século após século.

Compreendo quando Mário Soares nos diz que preferia ter escrito Os Maias a ter sido Presidente da República. Isso deu uma discussão gira ontem no fim de uma reunião na Escola. Eu dizia que realmente entre ser um génio literário e um político de relativa excelência também não teria dúvidas. O Victor respondia-me: “Ele di-lo depois de ter experimentado, voltado a experimentar e querer experimentar uma vez mais ser Presidente. Assim até eu o dizia.” O José achou que era por causa do sentido cáustico com que Eça analisou a sociedade portuguesa e que Soares ele próprio não teve o engenho de desenvolver. Depois elencou as personagens inesquecíveis pelo sentido crítico, pelo desatado idealismo, pelo oportunismo político, e pela sebentice verborreica, nomeadamente o José da Ega, Tomás Alencar, o deputado Carvalhosa e o jornalista Melchior (entre outros, sendo que os dois primeiros pertencem ao universo ficcional do livro Os Maias e os segundos aos do A Capital). A Helena congeminava uma saída de Portugal em breve enquanto recordava, rindo-se, os feitos da educação portuguesa que continua a produzir Euzebiosinhos e Dâmasos Salcede a torto e a direito. Com a crítica às políticas educativas dos governos demos por terminada a reunião após a reunião, da qual lavrei a presente acta.

domingo, junho 10, 2007

As cigarras e as formigas

- Diz-me, Ana, como é que não saímos deste arremedo de elites há tantos séculos? Mas o que fizeram afinal as revoluções que não cumpriram o seu objectivo de transformação?

A Ana falou-me de D. João II e da substituição de elites. Os mesmos tons e modos para pessoas pensadas para serem diferentes. Uma aristocracia fascinada com a pose e com o traje.
Falou-me da burguesia dos Países Baixos para quem o dinheiro servia para investir antes de se pensar em comprar a ostentação de si e dos seus.

Elegância versus contenção, gasto versus poupança, aparência versus sustentabilidade financeira.

E no entanto... parece tanto uma luta entre a grandeza e a mesquinhez. De um lado e do outro das personagens desta história. Uma luta de formas de vida. Mesmo se uma pequena luta. E sobretudo pelo dinheiro, ou falta dele, que sustenta, ou devia sustentar, essas formas de vida. O ridículo é a moral da história. É uma moral real, mas nem por isso deixa de ser ridícula. Alarvidade, que constrange, quando se pode dizer-se: "Eu não te avisei..." Mas todas as formigas o podem dizer às cigarras. Terão sempre essa oportunidade. Claro que uma cigarra, se o for verdadeiramente, nem ouve. Os outros vivem para servi-la ou para a incomodar. Luta de irritações. Quem me dera que fosse de declínios ou ascensão de formas de vida, claramente, e não este, este, ressentimento mútuo.

sexta-feira, junho 08, 2007

Política e terror: Estaline 1

Em política quando se perde a fé numa ideia, ou numa pessoa e nas suas ideias, faz-se o quê? Retira-se o apoio. E se esse apoio for não apenas considerado como necessário, mas sinal absoluto de "quem não está comigo está contra mim", sendo que eu tenho o poder de transformar a aversão em agrado mesmo se sob a lei do medo?
Diz-nos Montefiori: "Mas os pensamentos de Estaline, em 1937, revelam a razão mais lata do iminente assassínio de centenas de milhar de pessoas aparentemente por escassa razão. "Talvez se possa explicar pelo facto de terem perdido a fé", disse, dirigindo-se aos Velhos Bolcheviques"." p. 214
Mas a razão da perda da fé não é uma escassa razão no que ao seu peso histórico diz respeito, e às vezes nem sequer o é do ponto de vista da história pessoal, é-o sim do ponto de vista de uma ideia de política assente numa concepção aberta e livre de discussão, de adesão e crítica ideológica, o que do ponto vista da história das ideias é uma razão pouco mais que nascente, convenhamos.
O que me espanta é como tanta gente, tão depressa, reconheceu no terror enquanto forma de fazer política, algo sem justificação. O que me espanta não é a violência, mas sim haver tanta gente contra a violência como forma civilizacional de derimir conflitos. Que se saiba dizer ou pensar o contrário do que se aprendeu historicamente a fazer, eis o que é fascinante. A isto chama-se dar lições de moral. A democracia sabe que não pode deixar de se comportar como velha mestre-escola que não descura nunca certos valores pedagógicos que suportam a sua comunidade educativa, como os que afirma que existem acções correctas e incorrectas, ideias defensáveis e outras que nem tanto, boas avaliações por bons desempenhos e reprovações quando não se cumpre os objectivos clara e inequivocamente determinados.
O nosso primeiro-ministro não quis comportar-se como um velho mestre-escola na Rússia de Putin, não se bateu pela democracia. Comportou-se como um azeiteiro daqueles que mistura o óleo com azeite a pensar no lucro e no mercado. Havemos todos de ficar mais ricos. É uma outra forma de fé, de perda de uma fé ou de não ter fé nenhuma. Um dia destes nós iremos descobrir isso. E entretanto os anos vão passando. Para o país pode ser um incómodo, mais um nesta sucessão de governantes, mas para cada um de nós é a nossa existência pública, finita.

terça-feira, junho 05, 2007

The Nexus of Politics and Terror

A importância de manter os media e os cidadãos focalizados em sucessivos alertas sobre ataques terroristas, para fazer aprovar certas acções ou leis que normalmente não seriam aceites. A iminência de ataques que nunca se concretizaram ou dos quais não existem provas que sustentem a teoria de conspiração. A manutenção de um discurso que destacava as ameaças de grupos terroristas contra os USA sempre que era preciso desviar a atenção de outros acontecimentos/pessoas que afectavam o domínio discursivo da administração Bush. Foram factos/medidas que resultaram de meras coincidências?
Como nos diz o pivot há que respeitar as leis da lógica e evitar cair num pensamento que alimente a falácia lógica, pois só porque o acontecimento "a" ocorre e então o acontecimento "b" ocorre, isto não implica necessariamente que o acontecimento "a" foi a causa do acontecimento "b". É verdade. Mas há relevância na observação destas ocorrências. Eis a proposta deste trabalho.

segunda-feira, junho 04, 2007

Paz celestial

Há dezoito anos, numa aula de Estética do curso de Filosofia do quarto ano, na Universidade de Lisboa, discutia-se o conceito de sublime em Hegel. Estava uma tarde de calor, e a percepção de uma intensa luz branca dentro da sala preenche hoje os espaços da minha intermitente memória. Nessa manhã a notícia sobre o massacre na praça de Tiananmen tinha a maior das atenções por parte dos meios de comunicação e da população. Eu cheguei à Faculdade, e na minha aula discutia-se o sublime em Hegel. Sem sobressaltos. Ainda hoje não sei bem se isso foi exemplo de uma arte de quem conhecendo demasiado bem o relativismo dos acontecimentos históricos se ocupava deliberadamente com o fundamental, os conceitos, ou se era uma tão grande distracção da realidade por parte de quem não mais sabia que preocupar-se com o acessório.
Mas a deliberação de querer esquecer o passado não equivale ao facto de esse passado não ter existido. Nem mesmo para o regime chinês.
Na entrevista ao presidente Bush, conduzida por Bob Woodward, é-nos revelado que o presidente ao ser questionado sobre o papel que entende ser o que a história lhe atribuirá no futuro, disse: "‘History,’ and then he took his hands out of his pocket and kind of shrugged and extended his hands as if this is a way off. And then he said, ‘‘History, we don’t know. We’ll all be dead.’”
Pois, estaremos mesmos todos mortos. Só que há pessoas que não concederam nenhuma procuração aos líderes mundiais autorizando-os a mandarem matá-las. E isso também terá uma tabuleta na história.
Pois, enquanto houver tabuleta, ou alguém para a ler.
Mas o sofrimento esquecido não equivale a sofrimento não existente. Isso nem mesmo a propaganda o consegue fazer.

domingo, junho 03, 2007

Dia 3 de Junho

"(...)
Eu sorrio e levo pela mão essa criança poderosa,
(...)"


Herberto Helder, Poesia Toda, Assírio e Alvim, p.40



P.S. Pode ler-se o poema na íntegra aqui


"(...)

Essa criança que aperta as veias que iluminam
a minha garganta. Ela dorme. Escuta:
a sua vida estala como uma brasa, a sua vida
deslumbrante estala e aumenta.
Se um dia os archotes incendiarem essa boca, e as faúlhas cercarem
o silêncio tremendo dessa pequena boca, escuta:


a minha boca, lá em baixo, está coberta de fogo."

Herberto Helder, p.85

P.S. O poema pode ler-se na íntegra aqui.


Se houver eterno retorno eu quero retornar eternamente ao dia daquele e deste dia.

sexta-feira, junho 01, 2007

Como fomos amados em criança? Ou como pensamos que o fomos? 1

No vídeo de G. Lakoff que editei na última terça-feira ficamos a saber como é que um cognitivista linguístico (um filósofo que estuda como é que a linguagem pode modelar o comportamento individual e social) vê o uso das metáforas quer por parte dos Conservadores (maioritariamente votantes nos Republicanos) quer por parte dos Liberais (os que frequentemente sufragam os Democratas), e isto relativamente aos valores defendidos no que ao conceito de família diz respeito ( e desde logo da nação) nos Estados Unidos.

Assim, os Republicanos tomam para si a defesa do conceito de família segundo valores assentes numa moralidade estrita, segundo uma ordem moral assente na disciplina e no auto controlo orientado para assumir que a autoridade equivale ao poder, à legitimidade de governar, centralizada na figura dominadora do pai de família. Os Democratas tenderiam a adoptar a metáfora familiar como a de um parentesco protector, no qual o pai e a mãe interviriam em igualdade de importância como agentes para cuidar e ensinar os descendentes a confiarem, a cooperarem e a contribuírem para o progresso social da sua comunidade.

Ora, Lakoff sabe que todos nós somos enquadrados desde que nascemos por estes dois sistemas de valores, que cada um de nós identifica estas duas formas de moralidade sendo que estas muitas vezes coexistem no mesmo indivíduo. O que faz com que, segundo o autor, estes valores sejam imediatamente reconhecidos por todos os votantes, que permitem uma adesão emocional a pessoas cujas teses, ideologias ou posições nunca seriam aceites, se não fossem enquadradas por esses valores. Dá-nos como exemplo Ronald Reagan. Sabendo-se que a maior parte dos americanos era contra a suas posições políticas, não concordado com elas, mesmo assim continuava a votar no indivíduo que se apresentava como o defensor dos valores de família nos quais quase todos os americanos se reconheciam, ou gostavam de se reconhecer. E será nesta moldura valorativa que se condicionam os comportamentos. Rapidamente os Conservadores o aprenderam e aperceberam-se da necessidade de divulgar essas ideias (só Think Tank conservadores há 48, diz o autor), numa alargada e profunda operação intelectual a favor da ideia de governo assente na iniciativa privada por oposição à ideia de governar procurando o bem-comum, a promoção da ideia de que as empresas privadas são melhores a fazerem o mesmo trabalho do que qualquer sector do Estado.

Se as pessoas compreenderem a realidade segundo uma ou outra das perspectivas morais, segundo as duas mesmo, frequente e paradoxalmente, é certo que para Lakoff teremos uma maior compreensão do que elas estão honestamente dispostas a escolher e a decidir.

Alguns acórdãos sobre direito familiar em Portugal, o tom e o modo de cesarzito de província usado por alguns governantes, a desresponsabilização perante o nosso papel de fiscalizadores do processo democrático, a lassidão no que à exigência e ao rigor no serviço ao público que os elegeu diz respeito, tudo isto corresponde a que tipo de valores familiares que enquadra a nossa acção?

Como entendemos nós que fomos amados em crianças e como entendemos nós que devemos amar as nossas crianças? Tendemos para o modelo do pai severo ou da família cooperativa?