terça-feira, junho 12, 2007

As cigarras e as formigas 2


Antes de eu saber que havia um autor que explanara sobre o conceito de "profissão como vocação" , sendo que ele defendera a tese que esta ideia de "vocação profissional" ( irracional se tomada num ponto de vista de uma concepção eudemonista da acção pessoal, segundo o próprio Weber) tinha na origem do seu sentido uma tradução da palavra "trabalho" que os protestantes fizeram da Bíblia, não se encontrando esse sentido no original, o que terá feito dos protestantes os primeiros utilizadores de uma nova palavra, a "Beruf" (trabalho definido), e de uma nova ideia, a de cumprimento do dever, ideia em que assentou o protestantismo, já eu, antes de saber tudo isto, como já escrevi, tinha um exemplo prático da profissão entendida como vocação, e e isso na minha família e ensinado por dois católicos.




Para os meus pais, o trabalho foi sempre visto como vocação, e o dinheiro era um meio que não servia senão para garantir uma vida melhor aos filhos e uma velhice livre de problemas financeiros. Era inaceitável, pela dificuldade que envolvera o seu ganho, mais do que por princípio moral ou social, que se ostentasse a posse de dinheiro, que o esbanjássemos ou que este fosse mal gerido.

A aprendizagem do capitalismo por parte dos meus pais, capitalismo expresso num nível de pequenos burgueses saídos há pouco dos campos, capitalismo que lhes custou no pós 25 de Abril a ruptura na amizade com o meu muito marxista padrinho, fez-se em nome do lema que exemplifica as suas existências, "A necessidade aguda o engenho" ou tem outra origem cultural?


Lema que, aliás, é ignominioso se dito por quem tem uma existência na qual nunca experimentou necessidades, mas acha, por arrogância social ou moral, que esta é o estado necessário para garantir empregados ou empreendedores mais avisados e expeditos, mais entregues ao trabalho.
Mas a necessidade sem projecto é estéril, o que os levou então a viverem de forma economicamente tão racional? A cultura de não ostentação , e de ausência do desejo de ostentação, do seu tempo?

Entre a ideia de Pascal, de que qualquer actividade na terra não passa de vaidade e astúcia, a sua fundadora, a ideia de São Paulo que considerava que todo o ganho material que ultrapassasse as necessidades próprias e que para mais se fundamentasse na exploração de outrem devia ser considerado um sinal de ausência da graça divina, logo algo a rejeitar, e a ideia de origem calvinista, na linha do ascetismo secular protestante, de que o trabalho incessante e continuado era a forma de melhor louvar e dar exemplo vivo da sua crença em Deus, dá-se uma ruptura ética assinalável no que ao entendimento da sua acção profissional diz respeito.

Weber considera que é no ascetismo protestante que se encontra ao mesmo tempo a ideia de libertação do desejo de lucro, este deixa de ser algo negativo como objectivo, e a ideia de necessidade de limitar o consumo. Ora o capital passa a acumular-se através do espírito da poupança, e este capital pode, posteriormente, via a aplicar-se em investimentos (p.134).

"O poder da concepção da vida puritana favoreceu sempre, nas zonas onde chegou - e isto é bem mais importante que o simples incremento da acumulação de capital - a tendência para a conduta económica racional da burguesia. Foi o seu único suporte consequente e o principal, foi a ama-seca do Homo economicus moderno." (pp.134-135)

Mas estes traços não eliminam a contradição entre as formas de vida que assentam na força do trabalho e as que procuram viver de modo senhorial a partir da força do trabalho dos outros. Nem o respectivo ressentimento mútuo pelo inconformismo dessa, assim considerada, uma desordem social.

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