quarta-feira, junho 13, 2007

Sistema de ensino 2

Que não, avisou-me o meu colega Victor, que eu não tinha inteiramente razão quanto ao facto de considerar preferível o método fonético no ensino da leitura por oposição ao da aprendizagem da palavra associada à imagem. E isso porque, acrescentou, esse foi o método aplicado e desenvolvido no sistema de ensino na União Soviética, o qual foi adoptado logo após a Revolução por contingência de um pensamento ideológico que enfatizava a ideia materialista da história, logo destacara a importância da aprendizagem da leitura pelo reconhecimento de palavras associadas a objectos do dia-a-dia (um pouco como se faz em relação à aprendizagem de uma língua estrangeira), opondo-se ao formalismo dito elitista do ensino no tempo dos Czares. E esse método veio a dar excelentes e comprovados resultados académicos na URSS.
Eu ri-me e lembrei-lhe que os professores deveriam ter sob a sua cabeça a sentença de morte por acusação de sabotagem caso os seus alunos não aprendessem a ler e a escrever exemplarmente, e que essa motivação devia ser mais que suficiente para fazer dos alunos soviéticos matéria prima exemplar para excelentes, e temerosos, pedagogos. O Victor não reagiu e continuou a dizer que mais importante do que discutir uma ou outra forma de aprender a ler seria discutir a ideia de conceder mais tempo a cada aluno para solidificar a sua aprendizagem e não o deixar cair nesta voragem de passagens facilitadas que não atendem senão ao interesse de fazer passar qualquer aluno saiba ele o que souber e como o souber. Concordei, mais sisuda, e acrescentei que no entanto a história de Portugal não era a história da URSS e que nós devíamos desenvolver e adaptar a nossa própria pedagogia. E aí o Victor recomeçou a desenvolver aquilo que achava que era a verdadeira questão: a incapacidade de em Portugal se produzirem modelos (culturais, sociais, políticas, o que seja) e assumi-los como nossos, deixando-nos de vez de ficar permanentemente embasbacados com as modas teóricas já deixadas de usar há muito nos outros países.
O Victor quase não vê, não está muito longe da reforma, e é um inconformista nato. Se tivesse que escolher alguém para representar num teatro amador o papel de Tirésias eu escolhia-o a ele. Tem uma mente que não descansa um segundo e tem sempre uma perspectiva nova para cada assunto discutido. Rabugento, mas lúcido, quase um adivinho.
Isso não impede que eu considere fundamental a discussão, por parte do Ministério, da questão do método de aprendizagem da leitura. Para mim esta questão é mais importante do que aquela outra sobre a localização do novo aeroporto.

2 comentários:

Anónimo disse...

E já lá vão 20 anos de ensino no 1º ciclo e hoje, tal como no 1º dia em que tive um 1º ano de escolaridade, questiono-me se existe um método único e miraculoso para aprender a ler. Parece-me que não...

Posso ler, professora?

Ouvir esta frase da boca de uma criança, seja ela do 1º, 2º ,3º ou 4º ano, provoca, muitas vezes, numa professora um arrepio de emoções... Remete-a para uma viagem através de histórias, textos, poesias, frases, letras... enfim, um recordar de inúmeras situações que, ao longo de dias e dias, tornaram possível abrir àquela criança a janela... a porta... para um mundo novo: o mundo da descoberta de si próprio... de sonhar através do outro... de penetrar nos sonhos dos outros e sonhar também!
“O objectivo primeiro da arte e da literatura deve ser tocar o espírito do homem. Ajudar a criança a descobrir esta realidade é fortalecê-la, abri-la ao mistério e aproximá-la do inefavelmente humano”. Esta frase de Dámaso Alonso descreve o propósito de ensinar a ler, a apaixonante tarefa de abrir à criança as possibilidades de poder penetrar num texto com prazer, com alegria, com capacidade crítica. E esta tarefa cabe a todos os educadores, aos pais e aos professores. Levar a criança a entrar, feliz, na aventura de ler é abri-la a mil possibilidades e oferecer-lhe uma alternativa importante, a alternativa de pensar, de contemplar, de se aproximar do mundo da fantasia, da aventura, da realidade e do mistério.
“Tudo quanto um homem lê é por ele pessoalmente recriado, voltado a criar. Mas o leitor, além de recriar, recria-se, cria-se a si mesmo de novo, volta a criar o seu próprio espírito”. Esta citação de Laín Entralgo define a aventura de aprender a ler como uma viagem de se conhecer a si próprio. E é isso mesmo! Um professor quando, no primeiro dia de aulas de um primeiro ano de escolaridade, olha para tantos pares de olhinhos, quantos mundos de sonhos não imagina à sua frente! Cada brilho ávido, cada sorriso ansioso revela um mistério que lhe cabe descobrir e guiar nessa grande aventura que começou, já há algum tempo, talvez cinco ou seis aninhos, mas que a partir de agora vai também poder partilhar... É uma viagem que passará a ser em comum...

O “Posso ler, professora?” faz-me sonhar um pouco... principalmente porque é o sonho que comanda a vida, fundamentalmente a de um professor. O ser capaz de ensinar uma criança a apreciar a dança das letras, a trautear a sua melodia com deslumbramento e a aprender a cor e o sentimento das palavras, porque, conforme dizia Sebastião da Gama, “...há palavras alegres e há palavras tristes (...) e essa tristeza umas vezes está nelas, outras no modo de as dizer...” é um desafio, aliás uma grande responsabilidade.
É importante que os professores reinventem estratégias, transformem os métodos, revolucionem o seu modo de estar na vida readaptando-se em cada dia às vidas que têm nas suas aulas, que se interessem por progredir, por inovar!
Parafraseando uma vez mais Sebastião da Gama, “o que interessa mais é ensinar a ler. Ler sem que passe despercebido o mais importante... Ler, despindo cada palavra, cada frase, auscultando cada entoação de voz para perceber até ao fundo a beleza ou o tamanho do que se lê. O mais importante é que as crianças amem as palavras” – mostrar-lhes a sua beleza... e é aí que está o segredo!
A motivação para a leitura e para a escrita torna-se muito árdua, muitas vezes até infrutífera, quando as actividades são apresenta¬das de forma seca e divorciada da vida, da fantasia que os chama, atractivamente, lá fora. E a aprendizagem através das histórias, dos contos ou da poesia torna-se fascinante, tanto para os alunos, como para o professor. De cada vez que tenho um primeiro ano dou por mim ansiosa, com receio de não ser capaz de lhes mostrar a beleza, a cor e a melodia das palavras... de que ao longo do percurso algo possa falhar... É o relembrar do suspiro da minha avó, quando, com a sabedoria dos seus 80 anos, à lareira me falava da sua meninice, e me confessava que desta vida só tinha pena de não ter aprendido a... ler!
E é por isso que há que aprender a ensinar hoje, os homens de amanhã.
Independentemente dos métodos utilizados... o importante mesmo é a dedicação, o trabalho, o esforço e o entusiasmo pelo saber dentro da sala de aula.

Isabel Salema Morgado disse...

Querida Teresa, como eu sei que tu sabes isto:

"o que interessa mais é ensinar a ler. Ler sem que passe despercebido o mais importante... Ler, despindo cada palavra, cada frase, auscultando cada entoação de voz para perceber até ao fundo a beleza ou o tamanho do que se lê. O mais importante é que as crianças amem as palavras” – mostrar-lhes a sua beleza... e é aí que está o segredo!"
Sebastião da Gama


Aliás, o problema da indisciplina é tanto mais grave pela inevitável perda de concentração de um professor no tom certo com que há que dizer as coisas.
Há uma música certa no discurso que o torna absolutamente de cada um que o ouve, como se só para esse um fosse dito. Há dias que nas nossas aulas se pode sentir as palavras a colarem-se ao espírito das pessoas que nos ouvem, não é?

Aconteceu-me um dia destes enquanto eu lia um texto de Bernardo Soares. Cada palavra riscou no espírito dos meus alunos como um diamante no vidro. Eu soube-o. É uma maravilha.