sexta-feira, maio 30, 2008

Quando leio uma notícia como esta, o meu cérebro vai a correr procurar fôlego em outras, como esta cuja referência me chegou via Nuno Rogeiro no seu artigo desta semana na Sábado.

quinta-feira, maio 29, 2008

propaganda política, diz ele

A propósito do livro de Scott McClellan sobre a administração Bush fica aqui este artigo ao qual cheguei via Drudge report. A questão permanecerá durante muitas décadas: o que estava o jornalismo americano a fazer na altura? A tentar dar cabo da sua função de apresentar factos e de questionar os que lhes são apresentados como produzidos?

comunicação política

Por via do blogue Insomnie cheguei a este interessante artigo "Political Hyperlinking in South Korea: Technical Indicators of Ideology and Content" de
Han Woo Park, Mike Thelwall and Randolph Kluver da YeungNam University, University of Wolverhampton; Nanyang Technological University e também a este, mais generalista, The Internet Effect on News.

Pacheco Pereira no seu artigo desta semana da revista Sábado chama também a atenção, numa atitude que já lhe é conhecida, para os efeitos perniciosos do cruzamento entre a actividade do jornalista e a sua exposição pessoal em blogues, numa encruzilhada de interesses que deixam aquém a mera consideração da qualidade do trabalho prestado. O poder da Web na nossa maneira ainda caseira de a investigar.

Às vezes é verdade que aquilo que arde também cura

Na realidade o que eu sou capaz de dizer sem uma análise criteriosa da fonte, ou sobre a análise crítica que está na origem da formação da crença que demonstro, tem vindo a começar a mostrar-se-me como factor de obscurecimento de mim para mim própria.

..
Vem esta conversa a propósito de uma informação que me fez passar num instante da atenção distraída que estava a dedicar uma noite destas ao programa do último Daily Show de Jon Stuart exibido na televisão portuguesa, a um pico de atenção. Brincava-se com as notícias e as imagens recolhidas aquando das reacções à passagem da tocha olímpica em França por parte dos defensores dos direitos do povo tibetano, sobretudo ironizava-se com o facto do atleta ter entrado dentro de um autocarro rodeado de seguranças e com a dita tocha… apagada!
A dada altura Stuart galhofa ainda mais e declara que realmente é muito preocupante em termos civilizacionais andar a investir contra um ritual que tem como patrono, veja-se bem, esse campeão da humanidade, e líder político que propiciou a união pacífica entre os povos, e que se dá pelo nome de Hitler.

..
Ora eu, que tomei o símbolo pelo seu valor clássico e assumi, erradamente, a marcha por estafetas do transporte da tocha como algo que o comité olímpico contemporâneo teria recuperado da tradição, fiquei em desequilíbrio argumentativo. Afinal tinha invectivado as resistências tibetanas por escolherem reagir contra um símbolo de pacificação entre os povos, quando este era uma invenção moderna de um propagandista mor da ideologia nazi. Realmente a estética pensada por Carl Diem, fiquei agora a saber, servia propósitos de divulgação do ideário estético e ideológico totalitário. Espavento!

..
Depois pensei que sendo certo que a origem histórica da cerimónia do transporte da tocha não é politica e eticamente correcta, também não deixou de se transformar num símbolo ético universal. Quer-me parecer que é como se a chama pudesse soerguer-se dos interesses privados de um regime e estabelecer uma ideia para além das intenções propagandísticas iniciais desse mesmo terrível estado, um pouco à semelhança daquela inesperada amizade entre iguais que se respeitam para além dos interesses políticos, como a ligação de Owens e Long. E essa transcendência das circunstâncias fá-lo, ao símbolo, uma representação da humanidade, e reitero o que escrevi antes: pode servir de bandeira a questionáveis conveniências ideológicas, mas também as supera, e na conta final parece-me que qualquer resistência social contra ditaduras ou governos autoritários ganha mais em deixar acesa aquela chama.

Mal explicada a analogia, mas avanço para ela: para mim é como a questão de não querendo verdadeiramente importar-me com a sobrevivência dos actuais partidos políticos portugueses, estando pouco interessada em quem vai ganhar as próximas eleições, e destacando apenas nos partidos, com consideração, as pessoas ou as ideias que avalio como excelentes no meu quadro interpretativo desta experiência que é a minha vida em sociedade, não poder deixar de os pensar como instrumentos que numa democracia são mais um factor de organização e de serviço à pátria do que meios para a auto-satisfação de egos. Enfim.
..
E no meu quadro de intrepretação só entram governantes que saibam ter do exercício do seu poder uma ideia de exclusivo e absoluto serviço público à população que os elege, e isto é mais do que fazer dizer que se está a cumprir um programa sufragado por maioria absoluta, pois é saber da realidade diariamente, corrigindo um programa não ao serviço das flutuações discursivas históricas, mas ao serviço das necessidades históricas de cada povo. Porque se o discurso político fala para o futuro, para o possível, como deve ser, a sua acção é sentida no presente, e é para este que há que ter a sensibilidade e a humildade de desejar compreender, alterando estratégias, procurando soluções.
Se governar for investir o governante de um poder iluminado, qualquer que seja a sua proveniência partidária, então despeçamo-nos da necessidade/possibilidade de aprofundar o regime democrático.

quarta-feira, maio 28, 2008

Só hoje li o suplemento de economia do Expresso. Retirei logo de manhã, para benefício dos meus alunos, o artigo sobre as piores crises em Portugal, para lhes contextualizar o tom arrastado dos discursos contínuos da crise que não esta pela qual estamos a passar, e porque os sinto seduzidos por uma argumentação catastrófica. Convencida que estou que é sobretudo com a circulação de informação e pela posse de conhecimento que poderemos alterar crenças e atitudes.
Mas depois passei ao artigo de Nicolau Santos e fiquei mentalmente emparedada com esta conclusão: "Ou seja, acabou a comida barata, a energia barata, os combustíveis baratos ou a água barata. Por outras palavras: bens democráticos, a que a generalidade dos cidadãos tinha acesso, como a água, pão, electricidade, gasolina ou gasóleo estão a tornar-se bens de luxo ou quase, a que cada vez terão mais dificuldade de acesso as classes médias e de menores rendimentos.

As razões são várias, mas a mais decisiva é que a subida vertiginosa dos preços do petróleo e a ascensão de milhões de cidadãos dos países emergentes a níveis de vida que nunca tiveram antes está a produzir uma enorme transferência planetária de riqueza, estimada anualmente em três biliões de dólares, da Europa e Estados Unidos para a Ásia, África e América Latina.

As consequências também serão várias - e todas elas potencialmente explosivas, porque a fome, a sede e a miséria não são boas conselheiras. A primeira é que a possibilidade de violentas convulsões sociais, com impactos fortíssimos a nível político e mesmo riscos para os sistemas democráticos é fortíssima. A segunda é que, à luz da História, situações destas acabam por resolver-se através de conflitos bélicos mundiais, que dizimam milhões de pessoas e reequilibram as condições de vida no planeta. 210 anos depois, Thomas Malthus volta a estar na moda." in Expresso, p. 5.
..
Nem o excelente, uma vez mais, artigo de Baptista-Bastos "O hediondo sorriso" no DN, nem o apelativo artigo de Rui Tavares, "o ano da desigualdade" no Público, conseguiram fazer-me recuperar do torpor. Torpor este que se sentiu coadjuvado por notícias como as que dão conta de abusos de crianças por forças dos capacetes azuis. Isto é o que dá os países ocidentais falarem de direitos humanos e de protecção mas depois não corresponderem com os seus próprios militares, deixam a porta a aberta para que países sem respeito por direitos civis e políticos enviem em massa os seus exércitos a troco de dólares, deixando a organização nas suas mãos.
E depois, eu que até me tinha rido com a boa ironia do artigo "Só ares" de João Paulo Guerra no Diário Económico, fiquei sem conseguir pensar: é que a teoria da necessidade de morte de milhões de pessoas para reequilibrar os sistemas sociais não é uma teoria só hedionda, é defendida por muitos e poderosos governantes que se definem como realistas. É transformar o horrível em facto natural da vida em sociedade. Espero que não seja nenhuma profecia auto-realizável; que este discurso não venha preparar-nos mentalmente para aceitarmos acções que conduzam a tal desfecho na história.

domingo, maio 25, 2008

Churchill:uma leitura 6

Leio Alberto Gonçalves dizer a Ana Gomes: "Primeiro, a dra. Ana Gomes acusa-me de "desvalorizar o sofrimento dos birmaneses". Decerto deixou-se influenciar pelo meu escasso optimismo. É compreensível. Dado que não alimento crenças na bondade panfletária, não atafulhei o texto com invocações de esperança ou lamentos de pesar. Porém, juro: se me garantissem que cada palavra indignada salvaria a vida de um birmanês e abalaria aquele tenebroso regime, eu preencheria mil páginas com gritos de "Basta!". Por incrível que pareça, também a mim me ofende a dor alheia. Não acho é que confessar a ofensa de dez em dez minutos ajude alguém."
--
Faço um grande sorriso à ideia que critica a "bondade panfletária" e uma careta à ideia de que cada palavra indignada nada fará. Mas, esgares à parte, era aqui que podia começar uma proveitosa discussão: podem ou não os discursos de pessoas figuras públicas dispor da realidade reproduzindo-lhe os seus valores?
A minha posição é que se as palavras não arrastassem uma prática atrás de si, então também nunca teríamos tido sucesso com a implementação dos direitos civis e políticos em escala globalizada.
Nestas coisas dos valores democráticos, a realidade antes de o ser já o era em discurso. Mas o discurso que não é o do poder que legisla ou executa, mas tem pretensões a ser normativo, tem esta desvantagem, arrasta atrás de si a ideia de impotência lírica, de vazio argumentativo e até de impudência para com a dor dos acontecimentos presentes. É verdade. O equilíbrio... o equilíbrio entre as palavras da convicção e da luta por uma realidade pensada e a realidade ela mesma apresentada por outra linguagem ou por outro acontecimento que em tudo dominam a primeira, não é uma tarefa clara. Quem dera que soubéssemos sempre que a nossa teoria ou crença ou palavra era mais próxima da verdade. Que de alguma forma o que pensamos é mais próprio para o bem estar da comunidade ou que as ideias que escolhemos e as pessoas em quem votamos são as que podem solucionar melhor os problemas de insegurança, de falta de objectivos sociais, de protecção das pessoas e do seu território. Quem dera!
Conquanto que entre nada dizer e continuar a dizer há ainda um espaço para a filosofia política. Eu gostava realmente de saber qual era a filosofia política dos nossos governantes.
--
Sem querer incensar a figura de Churchill, algo a que psicologicamente me vejo até limitada em fazê-lo, pois não compreendo como se pode ter paralelo entre essa admiração que se tem por uma obra artística ou filosófica, e de que eu sou definitivamente capaz, com a admiração pela acção de um homem público, que dificilmente deixará que momentos da sua vida não obscureçam a existência de outros, mas, sem soçobrar à sua influência, registo com satisfação, o conjunto de questões que contêm a sua filosofia política. E disto, destas questões, eu tenho saudades, e destas palavras eu sei que decorrem estados civilizacionais que não se comparam em luta contra o sofrimento social com nenhum outro sistema de governação:
"Com o governo actual há o direito de livre expressão e de crítica?
Tem o povo o direito de derrubar um governo que desaprovam, e estão estabelecidos meios constitucionais por meio dos quais possam expressar a sua opinião?
Os seus tribunais de justiça estão isentos de violência por parte do pode executivo e de formas de violência por grupos de pressão, e de qualquer forma de associação com partidos políticos?
Esses tribunais administram leis abertas e bem estabelecidas, associadas, pelo espírito humano, com amplos princípios de decência e justiça?
Serão justos tanto para os pobres como para os ricos, tanto para as pessoas particulares como para os funcionários governamentais?
Serão os direitos dos indivíduos, obrigados a cumprir os seus deveres para com o Estado, mantidos, afirmados e exaltados?
Está o vulgar camponês ou trabalhador, que ganha a sua vida com esforço diário e que tenta criar uma família, livre do medo de que qualquer cruel organização policial, sob o controlo de um único partido como a Gestapo, inaugurado pelos partidos nazi e fascista, lhe bata no ombro e o meta na prisão sem um julgamento justo e aberto e o condene à escravidão e à tortura?" pp.575-576.
--
Cada conceito destes pode merecer discussão. Eu sei. Mas há uma ideia de sociedade. São palavras que eu reconheço como propiciadoras de realidade civilizacional.
Porque será que eu as reconheço assim?

quinta-feira, maio 22, 2008

Todos os meios são bons se para uma boa causa?

Pode-se mentir para provocar uma intervenção militar que reequilibre as forças em conflito?

Pode-se divulgar impunemente imagens de pessoas a correrem atrás de um camião de uma ONG que clandestinamente põe os seus voluntários a atirarem comida enquanto prosseguem em grande velocidade com vista a provocar uma reacção emocional nas populações mundiais a favor de uma intervenção?


Em tudo de acordo com as palavras do ministro francês dos negócios estrangeiros, mas sei de formas pouco honrosas utilizadas por ele no passado para, na prática, fazer concentrar a atenção mundial sobre as suas causas.
Não é só uma questão de não querer sujar as mãos da minha parte? Ou de estar sentada comodamente no meu gabinete enquanto a realidade sobre a qual se fala é outra, exigindo medidas menos virtuosas ou procedimentos menos legais, em nome da protecção da vida?
Penso que é antes uma questão de salvaguarda da verdade e de coerência das coisas como elas são, e sendo-o já suficientemente más, independentemente dos estrategemas comunicacionais que para elas se arranjem, como tal devem ser vistas e analisadas, e como tal se deve proceder à necessidade de intervenção. Não é preciso encenar o mal, ele já fala por si de forma suficientemente audível.
E a ONU é mesmo covarde, quando a alguns países lhe dá jeito tê-la assim.

quarta-feira, maio 21, 2008

Devia ter começado o dia por respirar este ar para ter um acordar melhor : "(...) Vivemos, desde a década de 80, um novo período de sufocação, que se manifesta em vários sectores: desemprego, emigração, esvaziamento ideológico e ausência da política, economia, justiça, cultura, educação. Há, hoje, dificuldade em escolher o que se julga ser o lado certo onde se deve estar. E essa dificuldade serve de pretexto para as mais vis renúncias, e de condescendência para com sórdidas traições.

Inculcaram-nos a ideia de que Portugal é inviável e de que somos um povo de madraços. Como já poucos lêem o que deve ser lido, a afirmação fez fé. Mas não corresponde à verdade. Recomendo aos meus dilectos alguns autores antagonistas da absurda tese: Vitorino de Magalhães Godinho, José Mattoso, Luís de Albuquerque, António Borges Coelho e, até, António José Saraiva. Todos interpelam o País, criticam-no porque o amam, e ensinam-nos que o passado altera-se de todas as vezes que o lemos e interrogamos.

O lado certo está, creio-o bem, quando recusamos a indiferença e não admitimos a resignação."
Baptista-Bastos, escritor e jornalista no DN
b.bastos@netcabo.pt
Não é que não tenha assunto, ou vontade de desenvolver um ou outro tema que me anda a importunar, mas não consigo. Nem é o excesso de leituras ou de compromissos profissionais, parece-me que é mais algo parecido com o sentimento de Sísifo quando está a descer a montanha, qualquer coisa entre a impotência e a lucidez sobre a causa dessa impotência.
Ou era aquela referência mitológica ou era a palavra "malhadiço" que eu podia escolher para exemplificar esta apatia. É uma palavra que descreve o governo e o povo que é governado deste país. Estamos todos a ficar malhadiços. Um malhadiço com outro se paga.

sexta-feira, maio 16, 2008

Leio um livro para crianças com uma história que começa assim: "Toda a gente sabe que há sonhos que nunca se realizam". Pasmei. Ai sim?!
Alguém se esqueceu de escrever isto na minha infância e eu esqueci-me de acreditar. Vou sempre a tempo, claro. Acho que chamam a isto o princípio da realidade. Eu chamo o princípio da queda do imaginário.


Agora, agora no preciso momento em que escrevi "imaginário" lembrei-me daquele livro de Bachelard. Há que tempos que não me lembrava de Bachelard. Estou cheia de saudades desse livro que emprestei e que nunca mais recebi de volta: L`eau et les rêves. Que saudades!Trabalhei o texto para a cadeira de Cultura Clássica a propósito do Mito de Narciso em Ovídeo. Sobressaltos estéticos.
"-Boa noite, senhor Bachelard."

quinta-feira, maio 15, 2008

"cartas a uma ditadura"

Um bom documentário. Gostei muito. Mas sai-se a pensar onde é que os líderes democratas falharam, pois que não conseguiram criar um imaginário tão poderoso, ou mais ainda, como o do fascismo, e que tivesse sido capaz de reunir em defesa das suas ideias a força de todas aquelas senhoras num pós vinte e cinco de Abril.
Não temos a certeza que sejam atavismos sociais pela sua parte ou antes uma defesa pessoal, caminhando para os lugares de conforto que conheciam e onde ideias grandiosas as embalavam, mesmo se ideias pseudo grandiosas. Repare-se como há uma senhora que revela a sua vontade de sempre ter crido que estava destinada a fazer algo pela pátria; como essa concepção é fecunda para o seu imaginário político.
..
A democracia portuguesa envergonhou-se desse sentimento (a bandeira, entendida como apelo emocional e identificativo de um desejo e de uma comunhão nacional à volta desse desejo, só vai aparecer nas janelas décadas depois e por razões de futebol), a sociedade civil deixou aos militares a defesa desses valores e envergonhou-se de falar na pátria. Escondeu esses sentimentos. Ora quem vinha fortemente marcada por esses valores, ou por essa linguagem, não encontrou lugar depois, nem se deixou seduzir pela nova linguagem e o que ela antevia de realidade criativa na sociedade. E devia ter-se pensado na socialização dos que tinham vindo com fortes estruturas mentais enquadradas pelo antigo regime, devia ter havido um cuidado maior em explicar a revolução e os seus valores civilizacionais aos que a temiam ou aos que estavam enquadrados por uma linguagem e por uma acção que lhes dava uma espécie de segurança, aos que a desconheciam, enfim.

Atente-se no cuidado com a iconografia que o anterior regime tinha, não falo de propaganda coadjuvada por censura, mecanismo forte de condicionamento mental, mas na própria ideia cénica à volta do ditador. Aquela cena de Salazar a despedir-se das suas pupilas no meio de um campo de milho(?), afastando-se depois pelo meio de um caminho rural com o seu chapéu de chuva aberto a protegê-lo do sol, filmado ao longe e de costas, é uma imagem fortemente cinematográfica. É uma projecção de ideia de homem que toca o imaginário (e deve ter sido isso que a realizadora nela viu, ao mantê-la como registo no seu próprio documentário).
Aquelas mulheres não eram tolinhas, como podemos apressadamente julgar, pois para além de muitas terem escrito cartas por razões estratégicas (veja-se o caso da senhora costureira de província que percebeu que há actos sociais numa ditadura que têm que ser cumpridos mesmo sem se saber para quê, para que outrem nos deixe em paz a prosseguir uma vida de trabalho), houve aquelas que efectivamente temiam a agitação causada pela campanha de Delgado, como se teme o que não se conhece e se pensa ser o anúncio do fim da única ordem reconhecida ou se ama o poder que submete e domina.

Foi pena não se ter falado com aquelas outras mulheres que aproveitaram para escrever mais sobre elas do que sobre a sua adesão à causa. Impressiona a carta da mulher que se oferece como em sacrifício ao Deus cristão pela vontade de ter um filho. Sobreviveu à gravidez de risco? Encontrou o sentido da sua vida na vida do/a seu filho(a)?

Excepto a senhora com que termina o programa, a trabalhadora que se descreve como vencedora na vida, estando bem sintonizada com a realidade presente, todas as outras mulheres vivem ainda como que encapsuladas, em gestos recatados (é comovente ver a senhora que puxa o seu vestidinho para cobrir os joelhos, é aflitivo ver aquela outra que cicia, meio temerosa, contida nos gestos). Há depois a bela senhora que observa o mundo do seu magnífico edifício solarengo e que sonha ainda com uma entrega heróica da sua pessoa a uma ideia de grandeza pátria, sem se decidir a agir nas formas que o mundo hoje lhe dá. Cheia de reticências dentro de si. Como se eternamente ficasse em suspiro. Ou aquela, a mais idosa, que não tem complacência para a nossa época e com energia a nega, ressentida.

É um documentário bem enquadrado historicamente, de grande simpatia pessoal para com estas mulheres, ainda que se procure compreender com algum distanciamento teórico o que viam elas num homem e numa causa que tanto contribuiu para a subalternização do poder político do papel da mulher e para a paralisação de um país.

A evocação das energias de uma nação é uma das qualidades que qualquer discursos democrático terá que contemplar, para que a democracia não seja apenas uma forma de governo, um mal menor na história do poder, mas antes uma forma vivificadora da existência do indivíduo no mundo enquanto cidadão. Se a democracia não dá por si só a felicidade a ninguém na sua vida íntima, terá que lhe dar a base suficiente para ser reconhecida como a única forma verdadeiramente defensável e pela qual vale a pena imaginar mundos e vidas públicas.


--
Uma colega de sessenta anos que assistia comigo ao filme saiu muito irritada porque não conseguiu ver onde estavam retratadas as mulheres que durante a ditadura clamavam por mais cultura, mais educação, mais liberdade. Tive que lhe explicar que não era um filme sobre mulheres da oposição ao regime, mas um sobre mulheres apaixonadas pelo regime, e que era essa estranha paixão que se tentou compreender, não só porque tinha existido, mas saber se ainda se mantinha acesa. E, como vimos, está longe de estar extinta. O que para a democracia portuguesa é um pouco menos que uma limitação imensa da sua energia, é um grande desperdício social.

quarta-feira, maio 14, 2008

"Sem Correntes"

Tive a honra de ser convidada por João Ferreira Dias a escrever para a revista "Sem Correntes" uma edição em formato digital da Associação Portuguesa de Cultura Afro-Brasileira.
A revista está graficamente com uma bela apresentação e os artigos são muito interessantes. Assinam textos os autores Augusto R. da Silva Jr. Carla Faleiro, Carlos Manuel Castro, Carlos Vilaza, Ênio José da Costa Brito, Flávio Gonçalves, Francisco Chaveiro Reis, Guilherme Roesler, Helena Félix, Heloisa Pires Lima, João Ferreira Dias, Raquel Patrício, Yvonne Maggie e , com muito gosto, eu própria.

terça-feira, maio 13, 2008

A natureza do mal natural

Ontem preparava uma aula e reflectia sobre o denominado paradoxo de Epicuro e sobre a natureza do mal:"Ou Deus quer impedir o mal e não pode, ou pode mas não quer. Se quer mas não pode, é impotente. Se pode, mas não quer, é malévolo. Mas se quer e pode, de onde vem então o mal?"
A propósito do mal natural sob a forma de catástrofes que afectam milhares de pessoas no mundo, parece-nos que só nos resta reflectir sob a ordem humana da capacidade de prever, resolver ou solucionar os efeitos destes fenómenos, minorando o sofrimento das povos. Como se as reflexões sobre a natureza do mal estivessem datadas, como se as inquietações metafísicas se apaziguassem no mundo com uma linguagem jurídica ou criminal. Mesmo na questão da discussão da natureza do mal moral avança-se logo com uma panaceia penal.
Não quero ser confusa. É claro que os sistemas jurídicos internacionais e nacionais têm que dar uma resposta social e prática à questão do mal, mas essa forma de pensá-lo, se exclusiva, torna-o um acontecimento pensado, de certa forma até esperado, integrado numa determinada ordem.
É como aceitar sem sobressalto (algo que eu não consigo fazer) que quando estamos a sair de casa para iniciar uma viagem longa haja alguém que na rádio nos fale de estatística e de previsão de um número determinado de acidentes, com mortos e feridos, por exemplo. Então já está naturalmente previsto e contabilizada a morte ou o ferimento na estrada de um agente que agora acorda quentinho, que inspira com gosto o cheiro do pão e do café, que se ri, se entristece, se zanga ou se regozija, que prepara a mala e se apressa para ir morrer no asfalto?
Por outro lado, as previsões sobre o que pode acontecer em situações de catástrofe iminente também se ligam com as obrigações dos nossos governantes saberem assegurar a nossa protecção. Liga-se à política. Mas eu recordo como houve um tempo em que os filósofos europeus reflectiam sobre a natureza do mal a partir, por exemplo, do terramoto de Lisboa em 1755. Como se forçassem o pensamento a debruçar-se sobre o abismo do que é dificilmente consciencializado, como se obrigassem a acção humana a olhar de frente o horror, numa preparação inevitável, embora perversa, para a luta contra forças do mal que se iriam juntar em concertos de horror durante o século XX.
Teóricos há que responderam ao dilema de Epicuro advogando que só assim se compreende a faculdade do livre-arbítrio, sendo o mal uma consequência, apesar de tudo menor, dessa liberdade de escolha humana, de autonomia e responsabilidade. Se não houvesse que escolher o que fazer em cada segundo para quê a liberdade da pessoa? Eu não sei se é preciso que morram milhares de pessoas, se é preciso escravizar uma pessoa, para que eu possa saber o que fazer em cada momento, que atitudes devo escolher. As experiências pensadas não seriam suficientes para ajudarem a compreender, é preciso sermos confrontados com a morte e o sofrimento de outrem para sabermos quem somos nós de verdade?
As explicações fundamentalistas também são uma infelicidade. Dizer-se que as catástrofes ou o horror de uma pessoa são uma espécie de castigo divino, é algo que quem tem uma cultura cristã impregnada na ideia de existência, ou de uma ideia de uma ideia de existência, de um Deus benévolo, não lembra de todo. Mas no mundo "existem" deuses malévolos. Existem religiões que não consideram como fundamental ter um deus com traços amorosos, preferindo-lhe o traço de agente punitivo.
Mas isto remeterá para a idiossincrasia antropológica, quanto muito psicológica e social dos povos, se pensarmos que a teoria das representações sociais de Moscovici tem legitimidade como explicação das origens das crenças. Mas não explica a existência do mal.
E explicar as causas dos fenómenos naturais ou dos psicológicos que estão na origem do mal, explicam o mal?
Pelo menos que as ajudas cheguem a tempo.

O Prof.. A. Moreira está a escrever sobre o Iraque, eu estou a pensar na antiga Birmânia.

"(...) Foi em 1988 que a Assembleia Geral da ONU consagrou o dever de "assistência humanitária às vítimas de catástrofes naturais e de situações de urgência da mesma ordem".
Nesse princípio se filiaram, com assentimento do Conselho de Segurança, a intervenção de 1991 a favor dos curdos destroçados pela violência do Governo iraquiano, e também a pouco feliz acção na Somália em 1993, com o nome de Restore Hope. Rapidamente a intervenção foi alargada no sentido de acudir aos Estados falidos (collapsed state), iniciando uma deriva que viria a dispensar a intervenção da ONU, designadamente com a intervenção da NATO no Kosovo em 1999.
A responsabilidade de proteger encontrou doutrinação jurídica de validação para esses casos, desenvolvendo a vertente - coalitions of the whilling - para suprir designadamente a decisão ou incapacidade de um Estado proteger os seus cidadãos contra as catástrofes ou políticas ou naturais.
Que o alargamento do conceito, aliado ao unilateralismo das soberanias mais poderosas, fez tornar frequentemente equívoca a distinção entre intervenção ética e ingerência ilícita, tornou-se evidente, uma evidência que fortaleceu as argumentações contra o unilateralismo americano no Iraque, ou contra os limitados êxitos da intervenção da NATO no Afeganistão.
À medida que as debilidades das intervenções baseadas apenas no poder vão inspirando nos EUA discretas manifestações de políticas de retirada, a secretária de Estado Condoleeza Rice começa a ver recordado o conceito, que em 2006 anunciou na Universidade de Georgetown, de uma nova doutrina chamada diplomacia transformacional. Esta política, não necessariamente apoiada em intervenção militar, procurando até dispensá-la, consistiria em acções multilaterais destinadas ou a construir a democracia ou a mantê-la em casos de risco, para que o bom governo seja uma garantia da boa participação na ordem internacional.
(...)
Talvez uma das debilidades da doutrina esteja na versão missionária do discurso presidencial americano, na como que sacralização da nação indispensável, referências ideológicas que apoiam a lembrança de doutrinas coloniais, e por vezes inspiram decisões, como a reinvenção do protectorado para o Kosovo, que dificilmente escapam a essa caracterização.
A circunstância de a população iraquiana não ter explodido na esperada gratidão por ter sido libertada de um regime tirânico traduz-se numa indicação de pesados custos no sentido de que, antes de tocar na vida interior do Estado, é conveniente ter informação das convicções patrióticas e identitárias.
(...)
Uma coisa é a ingerência legitimada pela comunidade internacional, oposta à indiferença para com as calamidades que atingem os outros povos e Estados: outra bem diferente são as derivas de face missionária e interesse próprio.
Porque estas derivas esquecem que a primeira exigência aos Estados é a do respeito pelo ordenamento internacional: intervir porque a ordem interna não corresponda aos princípios exige respeito pela definição ética e jurídica do direito-dever de intervenção, que não consente nenhuma deriva unilateralista. (...)" Adriano Moreira in DN
--
Como o Prof. argumenta, "uma coisa é a ingerência legitimada pela comunidade internacional (...) outra bem diferente são as derivas de face missionária e interesse próprio", daí que eu não compreenda porque Alberto Gonçalves no jornal DN de Domingo atacou a posição de Ana Gomes que defende uma intervenção na Birmânia segundo o estatuto "obrigação de proteger", como resposta às circunstâncias de deficiente prestação de ajuda do estado de Myanmar ao seu povo. É querer comparar o que não tem comparação, nem consegue ter por mais voltas que queiramos dar ao assunto. O que se passa na antiga Birmânia não é o que se passava no Iraque, ainda que com toda a mediocridade do sistema plítico lá montado.
As necessidades de intervenção que se reclamaram para o Iraque e que se reclamam agora para Myanmar não são de todo da mesma natureza. Ana Gomes tem toda a razão.

segunda-feira, maio 12, 2008

O que estamos dispostos a fazer por aquilo em que acreditamos?

E qual o valor universal daquilo daquilo em que acreditamos?
..
Ontem no programa de Mário Crespo sobre Maio de 1968 na SIC Notícias, ouvi Barata-Feyo dizer como eram, o que defendiam e como se comportavam os maoístas portugueses que estavam em Paris em 1968, afirmando que nenhum deles, dos que agora se disseminaram na vida partidária da direita à esquerda, lhe merece, pelo que testemunhou, confiança. E pensando-se, entre outros, no presidente da comissão europeia... bom.
Não se pode dizer o que ele disse de ânimo leve.
A mim o que mais me interessa seria saber as respostas às seguintes perguntas: O que terá mudado numa mente formada pela moldura e pela violência de uma política como a maoísta? Ou será que no essencial as pulsões totalitárias, sob outra linguagem, continuam as mesmas? Ou não? Há aspectos de maturação e crítica que prmitem superar essas ancoragens iniciais? Como se opta, se em consciência e na posse de todas as informações, por ideologias discriminadoras, exclusivas e repressivas?

domingo, maio 11, 2008

A luta há-de continuar com as senhoras que se seguem

A mensagem no exterior, quem a controla?

Uma amiga fez-me chegar este artigo sobre o relacionamento entre os diplomatas venezuelanos e o seu governo. As designações dos diplomatas passaram a ter como critério... serem apoiantes da política governamental, "mandando-se às malvas" o exercício da diplomacia por profissionais de carreira.
Nada como criar a classe dos "amigos do executivo". Tentações de poder ou tentações de poder à polvo. Resultado? Será um bom golpe publicitário para o governo que garante fidelidade ideológica? Não, claro. Leio: "El politólogo Aníbal Romero advirtió que los diplomáticos son muy estrictos en sus normas y castigan las vacilaciones y el desconocimiento: "Hay un acuerdo de interpretación y protección mutua. Cuando un embajador no domina los códigos y protocolos, el país es el que pierde credibilidad en el extranjero"."
-
Pois, há um saber que se aprende, uma aprendizagem com tempo de linguagens e códigos que não se coadunam com o executar de funções em nome da amizade ideológica..
A qualidade no exercício de um cargo público não é transmissível aquando da entrega do cartão de um partido. Nunca.

Quem ouve os senhores deputados? "Quem me leva os meus fantasmas?"

Na quarta-feira levei um pequeno grupo de alunos meus a assistir à intervenção dos senhores Ministros da Justiça e da Segurança Interna. Não foi premeditado, porque a visita estava marcada há tempos, mas no dia, sabendo qual era a agenda de trabalho, instruí-os sobre o que o tema em debate e chamei-lhes a atenção para o que estava em questão. Quando entrámos as galerias estavam cheias de adolescentes multicolores e ferventes que seguiam com um interesse distraído o que se passava no plenário. E o que se passava?
..
Um deputado do Bloco de Esquerda, provavelmente no exercício dos seus dez minutos de intervenção anual por iniciativa própria, discursava sobre a notícia do dia que dava conta do baixo número de portugueses que afirmavam usar o preservativo de forma recorrente. O plenário zumbia. A desatenção era o mote. Esforçado, a lembrar alguns professores, ele lia o seu discurso fingindo que alguém o estava a ouvir, fingindo que não se importava que quase ninguém o estivesse. Eis que termina e cumpre, eis que é aplaudido exclusivamente pelos deputados da sua bancada. Responde a deputada socialista mais familiarizada com o assunto e debita números, enfim, é aplaudida por alguns deputados da sua bancada menos distraídos.

Os meus alunos são adultos. Tínhamos falado sobre o papel do parlamento numa democracia, sabiam que a maior parte do trabalho parlamentar é feito nos bastidores, nas comissões, mas o seu espanto inicial e depois as críticas aos deputados foi emocionalmente consentânea com o que se escutava aos adolescentes que nos rodeavam: - "Então nós não podemos levar o telemóvel para as aulas e eles podem ter o deles a tocar e podem atender enquanto os colegas discursam?"; "-Ninguém presta atenção ao que estão a dizer os colegas deputados?"; "- Olha o que eles conversam!"; - "Só batem palmas ao deputado que é da sua própria bancada!".
..
A primeira impressão de um debate parlamentar destrói toda a teoria que um professor lhes queira passar sobre a importância e necessidade do debate público como método de resolução de conflitos e orientação de políticas. Há mais de vinte anos (na altura era o jornal aberto sobre a bancada mais do que o portátil l ou o telemóvel ligados) como hoje, a imagem que fica é de uma grande falta de disciplina de trabalho e de respeito mútuo. E a imagem, no caso em apreço, cola-se como sendo a única verdade, por ser também verdade, de uma realidade legislativa que excede aquele espaço e aquele tempo, mas que não sendo do âmbito da esfera pública, logo não é percepcionada como forma de trabalho parlamentar. O que se vê é aquilo. Lamentável comportamento.
Eu, que não permito que aluno algum se entretenha em amena converseira com o vizinho enquanto eu lecciono, se fosse deputada, e estivesse a falar literalmente para o boneco, acho que fazia uma loucura qualquer.
..
A dado momento levanta-se um deputado da CDU, com voz bem colocada, com autoridade e projecção de tom, conseguiu com que o plenário baixasse o vozear uns decibéis. O assunto era dos mais graves: o aumento do preço dos cereais. Pensei que era a altura para a assembleia se fixar no assunto e de as pessoas evocarem as suas competências colectivas para aplicarem o seu saber na resolução/proposta, num assunto que ultrapassa já em muito a esfera exclusiva da comissão parlamentar para os assuntos económicos. Pelo menos os que não tinham estado reunidos com o dito deputado e gostassem de o ouvir agora, ou de discutir ideias, o tema que fosse. Ilusão.
..
A voz bem articulada, com uma ideologia clara de interpretação anti-capitalista da questão, mas apesar de tudo, um modelo a seguir ou a desmontar, mas sempre de ouvir, não mereceu mais que uma resposta estereotipada da bancada socialista. Como se o assunto não fosse suficientemente sério para congregar vontades e arrimar lutas ideológicas que apontassem caminho. Como se qualquer acto de presença suficiente baste, como se tudo estivesse cansado de ali estar, como se a realidade fosse passível de ser compartimentada em bancadas. E ao mesmo tempo, como se nem soubessem encenar bem o seu relacionamento num espaço de discussão dos assuntos públicos, como se não estivessem num teatro, a ser vistos, apreendidos e a servirem de exemplo.
Pelo menos que houvesse aprumo na hora de estar ali sentado a ouvir. Que se escutasse mesmo os outros com interesse e não com esse ar de quem pensa: daquele já sei o que vai sair. Chato! "Cassete"! Senão que imagem fica colada ao seu trabalho em plenário?
..
Lamento sempre a desilusão nos olhos dos meus alunos de cada vez que lá vou. Às vezes penso que devia ser mais realista e aplicar-me em descrever o que se passa na política com os exercícios pessoais do poder, mas prefiro sempre falar-lhes de instituições, de atitudes e valores. E estes conseguem sempre ser mais perfeitos na sua natureza, mesmo quando não cremos neles, ou naqueles, mas temos o dever de os explicar ou compreender.
..
O ministro da Segurança Interna teve um bom discurso. Aplicou-se em defender, de forma suave, sem crispação, a sua Proposta de Lei. Ouvindo-o, podíamos a ficar a pensar em como éramos malévolas criaturas a pensar o pior de tão funcional proposta da criação de uma figura coordenadora de todas as forças de segurança, um secretário-geral com equiparação a secretário de estado, sujeita a fiscalização do Conselho Superior de Segurança. Que não temêssemos pois pelas liberdades, direitos e garantias, que estes estavam acautelados.
Suavemente pergunto-me: Mas o primeiro-ministro precisa de tutelar esta figura porquê? Porque razão há que passar a depender directamente do primeiro-ministro? E o que podem ser consideradas situações excepcionais de segurança por parte de um primeiro-ministro? Porque se concentra tanto poder quando aprendemos na história que é melhor para uma democracia dispersar o poder e delinear depois articulações funcionais, e logo um poder personalizado numa figura que passa a ser pessoa dependente do primeiro-ministro?! E porquê politizar uma carreira profissional como a da investigação e acção contra o crime?

sexta-feira, maio 09, 2008

Churchill: uma leitura 5

Ars retórica - parte 2

Só conheço um discurso na íntegra de Churchill. Aquele que Leopoldino Serrão seleccionou para o livro Grandes Discursos Políticos, vol. 1, publicados pela editora Ausência. De resto falo da sua competência discursiva por ouvir dizer, mais do que por meu saber. Por ouvir dizer quem o admira e o comenta, e por ler o que os seus pares pensavam então das suas intervenções e sobre as reacções registadas da população aos seus discursos.

Um discurso pode transcender o momento histórico em que é escrito e para o que é escrito, sobretudo o poético, muitas vezes também o filosófico, mas não é uma tarefa acessível a todos os autores, nem a todos os géneros literários. Os textos têm uma data, falam uma linguagem que tem lastro cultural e social, falam entrincheirados na formação do seu autor, nos seus conhecimentos, no seu registo de memória, na sua capacidade de intuir ou de imaginar, de representar a sua experiência no mundo.
O discurso político mais do que qualquer outro perece nas mãos do tempo, sobretudo se dito por quem não se deixa dominar senão por modas discursivas, por modas ideológicas, e sem traço de reflexão crítica, de saber sobre a história ou capacidade de analisar as consequências das acções no futuro.

Textos poéticos, textos analíticos ou conceptuais, textos de aforismos, mais facilmente podem interceptar os tempos e convocar os leitores do futuro.

O discurso de Churchill que eu conheço intitula-se A frente de Guerra contra os “Filhos do Sol Nascente” e foi pronunciado perante os membros do Congresso dos Estados Unidos em 1943. Não é um texto que convoque o futuro. Não no meu entendimento. É um bom texto histórico e biográfico. Não é um discurso imortal.

É um discurso de reconhecimento e de regozijo pela associação entre as duas nações em guerra, mas também claramente um texto em que se dá a entender firmemente quais são as ideias estratégicas a que a Grã-Bretanha quereria dar continuidade no mundo. Reparei como Churchill teve que reforçar várias vezes a ideia de que o esforço de guerra estava a ser suportado igualmente com grandes custos para a Grã-Bretanha e seus aliados, tanto quanto pelos Estados Unidos, listando o número de mortos e feridos em combate, tanto quanto os meios de luta e os meios logísticos envolvidos. Não devia ser essa a percepção da opinião pública americana e Churchill veio relembrar que o esforço de guerra do império inglês começara antes e continuava inexorável a par dos Estados Unidos. Este com a maioria das suas forças concentradas então, em 1943, na frente do Pacífico, aquela com responsabilidades de conduzir a guerra no Atlântico e no Mediterrâneo.

Numa linguagem aqui e ali alavancada em frases emotivas a apelarem ao sentimento de heroicidade, a “voz do sangue”, que permitiam dizer-se e sentir-se com convicção que “Travaremos esta guerra com gosto enquanto os nossos corpos respirarem, enquanto correr sangue nas nossas veias”, p. 174.
Discurso de exortação, aliás, que qualquer líder em qualquer batalha que trave convictamente contra um inimigo, igualmente convicto das razões do seu uso da força, utiliza. O que era próprio deste discurso? A compreensão do seu lugar (e a do seu país) na história presente. A sua consciência de que tinha necessidade da cooperação americana, que tinha que manter a via de negociação sempre aberta mas de forma a manter-se como decisor e não como mero executor das directivas (estratégias) americanas, sendo que ao mesmo tempo tinha que ter um discurso de reconhecimento pelo esforço de guerra americano.

Com uma mão a agradecer e com a outra a instigar a América a seguir um rumo no qual os interesses nacionais da Grã-Bretanha não ficassem diluídos na grandeza do envolvimento americano na guerra, sendo que isso teria que ser feito com interlocutores convencidos da fidelidade aos princípios comuns que os reunira na luta e convencidos da necessidade de combinarem execuções, fazendo-se apelo à urgência de realização de reuniões constantes entre os Estados Maiores e os chefes de executivos das duas nações.
Sabemos que Churchill iria ter razões, ao longo da guerra, para evocar quebras neste compromisso. A grande nação americana seguia muitas vezes, sem disso dar conhecimento, a sua própria estratégia, ainda que outras tantas vezes tivesse acorrido às solicitações britânicas e ajudado a minorar as baixas ou a coadjuvar as suas forças procurando a vitória conjunta em batalhas decisivas no Norte de África.
Reparo também como Churchill cuida de elucidar a importância do papel das forças russas em terra no desenrolar da guerra. E noto igualmente como os princípios que levavam uns e outros a combater eram tão distintos entre si, mas permitia-lhes uma união contra o inimigo comum: Hitler. Engraçado que na Europa o inimigo tenha um nome, e na Ásia seja todo um país identificado como inimigo. A proximidade entre os povos europeus a ditar a reserva emocional de tomar o todo alemão pela sua parte, algo que a distância, e provavelmente o respeito pelo sentimento dos americanos em face do que sentiram como grave agressão japonesa aos interesses americanos, deve ter elidido no tratamento do caso japonês.

O “dever para com o futuro do Mundo e o destino do Homem”. Mas quem defina esse futuro? Nas Nações Unidas, organização recém-criada? Qual seria a voz a delinear esse futuro? A América, a Grã-Bretanha, a Rússia, a China? Quais eram os princípios universais e sob que fundamento se poderia erigir como normativos para a humanidade? Churchill falava a partir da sua história, da sua tradição, e como convencer os outros povos a viverem sob ditaduras do valor desses valores?

O tom, a que infelizmente o registo escrito não nos deixa aceder, terá todo o seu efeito de persuasor. Porque pode ser dita a seguinte frase de múltiplas formas (da forma mais convencional, mais protocolar, mais conformista, mais enganosa, mais aduladora ou mais convincente): “penso que não teríeis podido escolher outro homem melhor do que o general Eisenhower, para manter o bom entendimento entre as suas três grandes forças heterogéneas (…)” p.185. Qual seria o sentimento a pontuar esta frase?

Aceito a originalidade e a grandiloquência do sentimento que instruiu algumas das frases que são incitadoras à emoção. Este sim um elemento comunicacional transversal aos discursos políticos de apelo e de crença nos efeitos do discurso sobre o estado de ânimo, se ditos por quem seja de autoridade reconhecida.
E como é que ela se reconhece? Em política, a forma mais imediata de reconhecimento é dado pelo voto. Mas nós sabemos que aquilo que se pensa e aqueles que pensam, não se põem constantemente à prova por sufrágio, e muitos nem sequer à prova do contraditório entre pares. Então quem reconhece o que acha que está acima da necessidade de justificar o seu reconhecimento?

quarta-feira, maio 07, 2008

Churchill: uma leitura 4

Ars oratoria - parte 1

A democracia como forma de governo obriga a uma aprendizagem do discurso e da elocução. Os gregos, que criaram essa forma de governo, sabiam-no muito bem, e o combate ideológico pela conquista do espírito do discurso entre sofistas e filósofos está aí para provar a importância da arte de discursar em público. A posse do método mais útil ou mais verdadeiro, a luta pela imposição de uma determinada forma de entender a realidade e de actuar sobre ela, a procura de influenciar e de tomar sob sua orientação as jovens personalidades que interiorizassem técnicas e matérias úteis ao seu desempenho como sujeitos capazes de dirigir os assuntos públicos.

A universidade portuguesa, a das humanidades e das ciências sociais, demitiu-se desta querela, e na prática não contribui para a divulgação, execução e reconhecimento do papel fundamental desse exercício de aprendizagem discursiva, dessa demanda pela boa prática quanto à forma e quanto ao conteúdo de um discurso.

Aliás, essa mesma a universidade que de forma sistematizada e universal nunca tomou sequer a defesa ou a reposição da verdade sobre a qualidade dos docentes que formou, avaliou e propôs ao sistema público de educação nas últimas décadas, muitos deles com formações contínuas de seis anos, e por isso encontra-se amodorrada sobre as cinzas do borralho, sujeita ao esvaziamento de competências por fuga de alunos dos seus cursos, ainda convencida que o seu estatuto de superior a algo, ao que será?, a há-de proteger de um ataque virulento como o que este Ministério da Educação lançou sobre o estatuto e o saber dos seus professores, e mais grave, sobre o estatuto e o lugar do saber em Portugal. Adiante.
Na realidade este tolhimento não será o equivalente à perda de uma vida. Não é um tsunami sobre a população da antiga Birmânia. Mas é indicador de uma linha civilizacional que se parece demasiado com um rito de desdém no que ao cuidado a ter em sopesar a força de qualquer ideia quanto aos seus efeitos sociais.
As agências de comunicação substituíram, ou ocuparam em exclusivo, um lugar que os clubes de debate, as aulas práticas de retórica, de exercício público de comunicação, enfim, que as universidades deviam ter desenvolvido. Não para copiarmos o sistema de ensino anglo-saxónico, mas para copiarmos a iniciativa dos gregos clássicos que sobre o assunto disseram aquilo que todos os cidadãos de um país democrático têm que saber: só poderá haver democracia participativa se todos os cidadãos tiverem competência cognitiva e discursiva que lhes permita essa participação, sendo que muitas das áreas de intervenção começam por lhes estar vedadas desde o início pela necessidade de uma formação intensiva no tipo de linguagem utilizada que não é passível de ser utilizada a não ser por especialistas na matéria.
Mas esta exclusividade profissional/técnica não pode ser utilizada como argumento para se impor como modelo de participação social e política. As esferas dos especialistas não podem invadir na totalidade a esfera da vida política, há um discurso e uma prática que terá que ser aprendido por todos os cidadãos que queiram participar na acção pública, e é destes que devem sair maioritariamente os políticos e não dos grupos de "especialistas". Esta declaração de intenções só resultará se houver consciência do público que não tem só o direito de escolher o seu representante, mas tem o dever de se preparar para representante. Isso faz-se numa sociedade que utilize sempre o discurso da participação democrática não como propaganda esvaziada de realidade, mas como princípio de formação social dos indivíduos na família e na escola.
Churchill , como qualquer líder carismático, e com real influência na história do seu tempo, sabia da importância de discursar bem em política. Tinha uma boa formação académica. Tinha aprendido a desenvolver e a dominar uma técnica do que nele se veio a tornar uma arte: a retórica, ou arte de utilizar o discurso para convencer /persuadir outrem da legitimidade das suas considerações.

terça-feira, maio 06, 2008

Churchill: uma leitura 3

As mulheres.

A biografia de Churchill segundo G. Martin não é um livro de valoração ou de qualificação da personalidade escolhida. É um livro essencialmente descritivo e o autor procura manter-se fiel aos factos não intervindo numa via mais psicológica de interpretação do carácter. Ele espelha as valorações que dessa personalidade foram sendo feitas ao longo do tempo, compilando sequencialmente diferentes ou múltiplas perspectivas sobre o sujeito, mas não faz investimentos numa literatura de justificação ou explicação das acções ou da psicologia da pessoa retratada. Em obras biográficas que haja necessidade de justificação pela escolha que o autor faz de uma personalidade mais controversa (Hitler, Mao, Estaline ou mesmo Lenine), nota-se uma maior necessidade de compreender, e de ajuizar sobre essa compreensão, o objecto de trabalho, e isso explorando a sua formação pessoal, os seus contactos, a sua personalidade, investigando o que teria levado a uma ou outra decisão. Na biografia de Churchill segundo Martin não há explicação de causas, há um constatar de episódios que são deixados ao leitor ajuizar do seu interesse ou na sua influência sobre a construção de uma pessoa.
Por um lado é um acto de discernimento e respeito para com os leitores, por outro um distanciamento acordado com um homem que tanto escrevera sobre a sua época e sobre o seu lugar nessa história. É um álbum de acontecimentos e de testemunhos.
Não é um livro fascinado, positiva ou negativamente, com o seu biografado. É um livro sóbrio e que sistematiza com rigor uma vida.

Churchilll tem essa profunda ligação a uma mãe que não possui de todo a concepção de amor filial de uma mulher burguesa agarrada à sua prole. A mãe paira sobre a sua existência infantil e juvenil, mas não condescende muito com as necessidades afectivas do jovem, preferindo escolher centrar a sua atenção na formação cívica e académica do rapaz. Mais reprimendas do que abraços lânguidos, mais orientação na sua formação escolar do que protecção materna. Mais ausência física do que gratificação sentimental. Uma mãe de nacionalidade americana, independente, com elevado sentido da sua existência, com desdém por preocupações ligadas à sobrevivência económica ou de moral social burguesa, com um lugar aparentemente central na sua própria concepção de mundo.
As amizades femininas ao longo da vida Churchill são ouvidas e são um recurso social no momento de estabelecer ou reatar ligações sociais que lhe foram muitos úteis no seu percurso político, mas não temos propriamente companheiras/camaradas políticas, excepto... com a sua mulher. É espantoso que Churchill acate com tanta acuidade as impressões políticas , as decisões mesmo, da sua jovem esposa. É interessante saber que ela participou em comícios em nome de Churchill proferindo discursos escritos por ela própria, é curioso que esteja constantemente a fazer observações ou a dar indicações sempre lúcidas sobre comportamentos que Churchill devia refrear (a sua pontual agressividade em momentos de tensão com os seus subordinados) ou os contactos que devia estabelecer, advogando junto de quem necessário fosse sobre os propósitos de Churchill. De maneira muito discreta G. Martin dá-nos a entender que essa parceria e essa dependência terá sofrido alterações numa das últimas décadas de vida de Churchill, quando as discussões começaram a ser frequentes, e os conselhos de Clementine a não serem seguidos, pese embora, já fora da política activa, a cumplicidade e a amizade se tenham novamente sobreposto às divergências.

As secretárias de Churchill (chegou a ter temporadas em que se fazia acompanhar de sete secretárias, mais de um ou dois assistentes literários!) descrevem momentos de grande gratificação profissional, pelo labor intelectual de Churchill, pela sua capacidade de trabalho, pela intensidade da sua inteligência.

As filhas acompanham-no em muitas das suas viagens e encontros políticos, escrevem-lhe a dar a sua opinião, mas nenhuma parece ganhar estatuto de interlocutora. Verdade seja dita que isso também não acontece com o seu filho rapaz, apesar de este ter durante um período da sua vida ter conseguido ser eleito como deputado.

segunda-feira, maio 05, 2008

Churchill: uma leitura 2

1940
Clementine queria que o marido declinasse o convinte para ser líder do partido. Argumentava, recordou a sua filha Mary, que "ele era a voz de toda a nação, independente dos partidos", e que ao aceitar a "nomeação, ofenderia grande parte da opinião pública". p.495
Clementine, que tinha interpretado sempre correctamente o carácter de Churchill e fez sempre uma leitura muito clara das condições históricas dos sucessivos períodos políticos que partilhou com o seu marido, sabia porque razão Churchill poderia perder as eleições no pós-guerra.
..
"Mountbatten, que tinha acabado de estar na Índia com as tropas britânicas que já tinham votado nas eleições, escreveria mais tarde:"Era uma sensação estranha e melancólica estar ali a falar de planos com um homem que parecia tão confiante de que eles se realizariam, enquanto eu tinha a certeza de que ele teria perdido o seu lugar dentro de 24 horas." p. 620
Mas porque é que Mountbatten tinha tanta certeza? Pela leitura do resultado das eleições junto das tropas britânicas? Mas se Churchill tinha feito uma boa condução do destino da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra, porque veio a perder? Ou seria a ideologia conservadora a perder, e o seu líder por arrasto, como previra Clementine? Mas então porque isso acontecera? Churchill governara "quase como um ditador" (p.499) uma administração em Coligação, com ministros provenientes de várias facções. Era aclamado como herói pela nação e o seu registo de popularidade era muito alto, mas perde as eleições. Porquê?
As explicações que são avançadas pelo autor da biografia são poucas. O seu combate ideológico centrado na ideia de perigo do totalitarismo e num registo discursivo apocalíptico em nome do socialismo terá sido excessivo no que às criticas aos líderes trabalhistas disse respeito, e não terá sido compreendido pelos eleitores trabalhistas que não entendiam como se podia comparar a situação social do socialismo inglês com a prática na Rússia. Para mais, como a sua filha Sarah lhe disse, aquele socialismo em tempos de guerra contribuíra decisivamente para o sentido de coesão e partilha social dos recursos de forma supra ideológica e supra divisão social ou por riqueza. Acrescente-se ainda a sua tardia tomada de decisão em defesa da criação de um Serviço Nacional de Saúde, da construção de casas sociais e da criação de um Sistema Nacional de Seguros, no pós-guerra, tudo isto bandeiras ideológicas tradicionais dos trabalhistas, e talvez compreendamos os motivos de uma derrota.
Mas o que importa para a democracia mundial a derrota nas primeiras eleições pós Segunda Grande Guerra? Estas palavras, ditas por um derrotado em agonia: "Eles têm todo o direito de votar como lhes apeteça. Isto é democracia. É por isto que temos estado a combater."
Por mim, será por estas palavras, ditas e reditas, sentidas e conscientes, que vale a pena citar Churchill milhares de vezes, quando se quiser falar de cidadania e intervenção democrática genuína.

domingo, maio 04, 2008

Um dia quando a democracia deixar de ser um lamento e passar a ser uma tradição de cada um...

"(...) Demos, uma organização não governamental (ONG) britânica que tem por principal objectivo "pôr a ideia democrática em prática" através, por exemplo, de estudos. A Demos divulgou no final de Janeiro um "top" de avaliação da qualidade democrática em 25 países da UE denominado "Everyday democracy index" (EDI, cuja tradução possível será "index da democracia quotidiana"). Trata-se de uma avaliação sofisticada que envolve mais itens do que o normal em avaliações deste género. O escrutínio não se fica pelos aspectos formais da democracia (eleições regulares, por exemplo). Vai mais longe, avaliando o empenho popular na solução democrática dos seus problemas e, por exemplo, a qualidade da democracia dentro das relações familiares. Os resultados quanto a Portugal contrastam, por exemplo, com o último Democracy Índex mundial divulgado pela revista britânica The Economist, e relativo a 2007. Nessa tabela (ver DN de 5 de Abril), Portugal aparece classificado em 19º lugar (no mundo), posição que sobe para 12º quando vista apenas entre os 27 países da UE.

No EDI, Portugal está em 21º lugar, ficando apenas à frente da Lituânia, da Polónia, da Roménia e da Bulgária. Vários países que até há poucos anos orbitavam no império soviético encontram-se melhores classificados, segundo este "top" (ver gráfico).

O que se passa então com Portugal? Olhando para o gráfico, percebe-se a resposta: de um ponto de um ponto de vista da democracia formal, Portugal fica em 14º lugar, acima de países como a Espanha ou a Grécia ou a Itália. O que puxa a democracia portuguesa para baixo são os outros critérios. Por exemplo: a participação. Aqui a posição portuguesa desce para 19º lugar. Ou seja, as instituições políticas formais estão pouco cercadas de associações cívicas que as escrutinem."
notícia lida no DN
E no entanto foi um povo que quis criar uma tradição, nova, e forte, da defesa da democracia. Perdeu-se com certeza pelo meio das ideologias que partidarizaram as vontades, e aquilo que não tem partido e deve ser matriz de toda a educação cívica: a defesa radical da liberdade num sistema que propicie igualdade de oportunidades, seja por quem for.