quinta-feira, agosto 31, 2006

Destaco

O meu amigo Fernando Mouro mandou-me estas referências por e-mail:
"Can you really not see?"
By Amira Hass


O artigo pode ler-se no jornal Ha’aretz.

Eu concordo em absoluto com as palavras da senhora Hass, mas não posso deixar de reparar que a autora não propõe nenhum tipo de solução para o grave problema de segurança nacional que realmente Israel vive. Se não assim, então como pode Israel, ou outros países ameaçados, defender-se?



Decidi deixar de escrever com iniciais, ou não ponho o nome das pessoas, se porventura considerar que os seus lugares ou as suas personalidades não me dão o direito de dispor publicamente dos seus nomes, ou escrevo-os por extenso.

Um dia li em Al Berto:"(...) Alexandre segredou a E.
digo E. para não revelar... (...)"

E... mas eu não sou poetisa, nem amo E.

Pode ler-se o poema no livro Salsugem, editado pela Contexto em 1984, p. 43.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Vá lá, vá lá que o nosso Estado não envergonhou na questão do apoio a dar à missão da ONU no Líbano. È com a prática que se fundamenta a teoria da carta das Nações Unidas, e se Portugal contribuir com uma posição clara sobre o que entende ser preciso para trazer paz ao mundo tanto melhor.
No entanto…parece tudo tão demorado, tão arrastado. Bom, talvez se criem hábitos de cooperação na Europa que permita criar uma força comum de intervenção rápida que possa fazer contrapeso às forças americanas, que os obrigue a negociar. Contrapeso democrático, porque contrapeso não democrático já começamos a ter em demasia.
O “Independente” vai acabar? A sério?
È mesmo típico, não compro há que séculos o jornal, mas depois fico muito agastada porque o jornal vai acabar. Pois, que os outros comprassem o jornal e resolvessem eles o problema.
Chavéz… A Venezuela tornou-se especial quando conheci e me tornei amiga de uma venezuelana especial. Foi com ela que aprendi a história recente da Venezuela, foi com ela que a verdade de uma Venezuela dos pobres, dos muitos pobres, se sobrepôs à mirífica visão de uma Venezuela rica e em festa que eu fixara de um qualquer romance dos anos setenta. Sigo com atenção as notícias sobre a Venezuela e, procurando manter a ideia de que o presidente venezuelano é um homem eleito democraticamente, não consigo compreender o folclore da figura. Nem a minha inteligente amiga venezuelana, que mesmo assim consegue esfoçar-se por enquadrar a figura em parâmetros de racionalidade política, me consegue fazer compreender as acções espaventosas e provocadoras do seu líder, só mesmo a literatura Sul-americana o pode explicar. O homem saiu de um romance de Marquez, uma personagem a morar entre a embriaguez telúrica do poder em nome do seu povo, e a ânsia de procurar universalizar esse poder em nome de uma ideologia social que se vê como intérprete de uma qualquer luta de David conta o Golias globalizado. É recorrente nos detentores do poder, e não tem necessariamente que ser um mal, o pior é quando se escolhe por amigos da causa e se faz alianças com tipos que põem a ovacioná-lo com cartazes na rua, os mesmos homens que andaram a queimar embaixadas ainda não há muito tempo.
Alguém lhe devia dizer que mais valia andar só com os seus projectos sociais, do que andar com más companhias.
Os imigrantes que procuram chegar às Canárias…os refugiados metidos em campos pouco salubres, espalhados pelo mundo…as crianças desaparecidas…as pessoas que os procuram ajudar... as pessoas que não sabem ajudar…as pessoas que nem querem saber como ajudar. Pelas pessoas que procuram ajudar. Mantra?

terça-feira, agosto 29, 2006

Voo 93

“Onde estão os militares quando precisamos deles?” que é outra forma de dizer, onde estão aqueles que têm legitimidade para dar as ordens que assegurem o rápido restabelecimento da segurança quando precisamos deles?

O filme, sóbrio e escorreito, é uma bela homenagem às últimas e trágicas horas dos passageiros do único avião, de entre os quatro que foram desviados para missões suicidas, que não embateu contra o alvo civil que os sequestradores tinham determinado. Mas o respeito pela vida daqueles estranhos, e o grau de profunda comoção que podemos procurar partilhar em sua honra e memória, não deixa de nos obrigar a pensar sobre o que terá falhado nas estruturas de resposta de defesa e vigilância da nação americana, quanto à sua velocidade e à qualidade, quando confrontada com uma acção de violência com este tipo de contornos.
Com o desastre natural provocado pelo furacão Katrina de há um ano apetece perguntar a mesma coisa. Onde estão as estruturas políticas e de segurança habilitadas para responder a estes fenómenos?

Fica-nos o sabor amargo de outras vítimas, em outras latitudes, não terem homenagens tão fortemente discretas e sentidas quanto esta conduzida por Paul Greengrass.
Aquele plano sobre Nova Iorque é belíssimo, como se de repente um anjo de Wim Wenders se tivesse escapado até ali, e lhe sentissemos mesmo o sopro, voando à procura de alguém a quem consolar, abraçando-a. Devaneio.
Onde estavam as pessoas, aquelas que falseiam citações para justificar as suas teorias sobre o papel militarmente agressivo que os Estados Unidos da América deve ter no mundo, no dia 11 de Setembro?
Há sempre muitas pessoas a agarrarem-se ao argumento de que quem não está a favor das intervenções militares conduzidas pelo seu país é um traidor. O argumento serve as pulsões de qualquer ditador mesmo a viver sob as oferendas cívicas da democracia, mas pior acontece quando o argumento é sustentado em falsas declarações prestadas por ilustres antepassados. Nem o argumento faccioso do princípio de autoridade os salvou no caso apresentado de seguida.

“Supporters of President Bush and the war in Iraq often quote Abraham Lincoln as saying members of Congress who act to damage military morale in wartime "are saboteurs and should be arrested, exiled or hanged. (…)
In fact there's no evidence of Lincoln ever advocating hanging members of Congress at all. We searched The Collected Works of Abraham Lincoln, but the phrase "exiled or hanged" simply doesn't appear there, let alone the entire quote. And according to Lincoln historian Thomas F. Schwartz, there is also no trace of this quote in The Recollected Words of Abraham Lincoln, a 1996 compilation of quotes later attributed to Lincoln by his contemporaries. Schwartz is Illinois State Historian and secretary of The Abraham Lincoln Association, and also writes a column called "Lincoln Never Said That" in the association's quarterly newsletter, For The People. In the issue for Autumn, 2005, he wrote, "The Internet is a great incubator of spurious Lincoln sayings and no clearer examples can be shown than several that have recently surfaced," including the quote in question here.” August 25, 2006. O texto pode ser lido na íntegra no site da Factcheck.org.

segunda-feira, agosto 28, 2006

lucidez amiga e inimiga

Acabei de ler o livro que reúne a correspondência que Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena trocaram entre si durante os anos de 1959 e 1978. É um livro editado recentemente pela editora Guerra & Paz e que me foi oferecido na sexta-feira, de surpresa. Encantada comecei logo a lê-lo e fiz um intervalo na muito interessada leitura da biografia sobre Mao (não, ainda não acabei de ler o livro, e sim já tive tempo de sobra para o ter feito).
Da leitura do livro agora editado com a correspondência dos dois poetas destaco a sua relevância para o estudo e a compreensão de uma época e o conhecimento permitido, pelo que escreve cada um nas missivas que trocam, acerca da existência e da obra de duas pessoas singulares. Mais frequentes as cartas da poetisa, entregues por Mécia de Sena, já que as de Jorge de Sena ou se extraviaram nos arquivos da PIDE ou não foram guardadas por Mello Breyner.
Gosto de os conhecer e não me surpreendo com as emoções reveladas em relação às pessoas do meio político, literário e académico com quem se cruzavam. As histórias de mal-estar provocadas pela maledicência e inveja, pela mesquinhez ou pela prepotência, pela cupidez ou pelo sabujice dos que com eles privaram, são transversais ao tempo e à cultura. Não, nem sequer é uma característica portuguesa. De todo. Somos é um país pequeno e as manifestações desse mal parecem mais generalizadas. Mas é uma questão de proporção. O que não deixa de ser um sintoma de uma sociedade estratificada que se amodorra na autocracia de alguns tantos.

Desgosta-me o que me desgosta em outras edições de correspondência, ou de biografias portuguesas: o uso corrente ao corte de parágrafos ou a utilização de abreviaturas para não dar a ler na íntegra os sentimentos mais sarcásticos ou mais virulentos sobre determinadas pessoas. Não sendo uma “voyeur”, ou julgando eu não o ser, o que é diferente apesar de tudo, fico porém constrangida com este tipo de recurso frequentemente adoptado nas edições portuguesas do género.
Sei da importância inquestionável que a discrição e o direito à expressão privada têm, mas penso que assim que se decide publicar alguma coisa não há nenhum interesse social, literário ou científico que justifique ocultar o que quer que seja sobre quem quer que seja. As pessoas sabem que as outras pessoas falam de si, e que muitas das vezes essa avaliação é negativa, é um processo mais que reconhecido em qualquer tipo de socialização. Claro que pode magoar e é claro que pode fazer sofrer os próprios ou seus descendentes, mas se as pessoas escreveram o que escreveram, no contexto e no tempo em que o fizeram, deve manter-se o texto. Se há uma edição deve publicar-se na íntegra o que o autor escreveu, desde que este não dê indicações explícitas de reserva. Com tudo, até com os erros, os exageros, as falsidades inclusive, que na altura faziam sentido e constituíam prova de sentimentos vividos pelos correspondentes.
Acho mesmo que é pedagogicamente contraproducente a ocultação, porque nos continua a habituar ao secretismo dos julgamentos e das avaliações de figuras pública por figuras públicas, à ideia de que temos que nos calar porque senão…há qualquer coisa que perdemos, e não parece que essa coisa seja a do medo que se perca o respeito pelas pessoas.
Ah que delícia…um computador, e, para mais, um computador com acesso rápido à rede, ah…que bom.

Lembro-me de ter pensado o mesmo quando saciei a sede com a água fresca de uma fonte este Verão. Estranho…muito estranho. Será assustador? Lyotard diria que sim e, quem sabe, abanaria porventura a cabeça lamentando-me. Eu suspiro de satisfação. Criatura alienada.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Os franceses estarão a querer ensinar ao mundo como constituir uma força de influência sem se necessitar de um exército, ou estarão a "gritar" ainda mais alto quão ineficientes e incapazes de agir no mundo são?

Os italianos demostraram coerência com as posições tomadas na reunião de Roma, mesmo antes da resolução das Nações Unidas. E a Europa está a ser arrastada por eles. Ainda bem. Depois digam que ser quem é o primeiro-ministro italiano não faz diferença neste caso.
O documentário sobre Marcelo Caetano apresentado na quinta-feira passada na RTP1 demonstrou mais uma vez que temos equipas muito bem preparadas para fazer trabalhos de grande qualidade em informação. Só registo um aspecto que considero menos bom, o facto dos jornalistas terem sentido necessidade de repetir imagens no decorrer do documentário. Parece-me que deve haver um acervo suficientemente grande para não ser necessário recorrer a essa estratégia. De resto, o conteúdo e a forma foram apresentados de forma exemplar.
Lembro-me de, há muitos anos, ter assistido na SIC a um debate sobre a figura de Caetano, com vários comentadores presentes. Cheguei ao fim do programa exaurida com as discussões que não levavam a lado nenhum, porque profundamente demarcadas ideologicamente, e sem ter ficado um milímetro mais esclarecida sobre esse tempo e essa pessoa. Que diferença para melhor revelou este trabalho.

Antes disso assisti também à entrevista de Judite de Sousa a Ana Maria Caetano e fiquei a pensar como, afinal, este país que ainda há só trinta e dois anos está em democracia e dá importância ao voto universal, precisa de quotas para mulheres na política. Normalmente tenho as maiores reticências em relação a este assunto, como já aqui escrevi, mas quando vejo pessoas como Ana Maria Caetano, que podiam ter pensado e vivido efectivamente o fenómeno da governação política, serem, e a deixarem-se ser, remetidas para o papel de belas acampanhantes sem outro papel de intervenção social que não seja a de modelo fotográfico, fico confundida com a ineficiência da nossa estrutura social, e penso que precisará ainda agora deste empurrão.
Com o computador portátil levo um tempo imenso a editar um "post" mas sempre consigo actualizar o blogue. A suspirar, a encolher os ombros de cansaço, a arrastar-me pela "rede", mas mesmo assim consigo. Sem portátil e com acesso limitado a um computador fixo torna-se complicado.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Günter Grass

As reacções sobre a vida de Günter Grass só podem ser explicadas por gente muito apaixonada por ele. Só um intenso amor ou ódio explicam este frenesim sobre um acontecimento do seu passado. Já assisti a este tipo de fenómeno quando no primeiro ou segundo ano de faculdade se discutia acaloradamente as revelações sobre o passado de Heidegger.
O que importa a um amante da filosofia é a obra filosófica do autor que está a ler, e a um leitor importa a obra literária do escritor que escolheu. Se os autores tiverem um carácter impoluto, tanto melhor para a humanidade. Mas o que é um carácter impoluto? A tentativa de superar vilanias não conta?
O sofrimento dele é de certeza maior do que aquilo que alguma vez poderemos tentar infligir-lhe. O seu passado acorrenta-o mais do que qualquer atitude que possamos adoptar. Não gostamos. Mas não gostarmos não altera esse facto passado, nem ajuda a redimir o futuro.
A vida de um escritor é um ornamento. A vida política de um escritor deve ser avaliada independentemente do valor da sua obra. Eu adoro O Tambor. Vou adorar sempre.
O resto... é a existência de cada um, com as suas contradições, pequenos medos, pequenas traições, pequenas incapacidades de tomar as decisões certas.
Levou muitos anos a acultar esse episódio? Mas as pessoas têm o seu tempo próprio de expiação. Nem todos têm a capacidade de o fazer em quarenta dias.
Quando tomei consciência política pela primeira vez já estava a viver alegremente num país democrático, assim ser-me ia sempre muito fácil condenar outrem pelas escolhas políticas que fez, em tempos que não vivi e que desconheço. Não o faço. O senhor Grass não é um herói? Infelizmente.
Se a comunidade internacional não conseguir fazer cumprir a última resolução para o Médio Oriente bem podemos desesperar: a luta vai continuar.

quarta-feira, agosto 16, 2006

"The Role of the Intellectual in the Middle East": Liberdade para Jahanbegloo.

Excerto do texto
"The Role of the Intellectual in the Middle East" de Ramin Jahanbegloo. Um pensador que não fala inconscientemente, e que sofre consequências mais graves pelo que diz ou pensa do que as que advêm da mera rivalidade frívola dos intelectuais da nossa praça mais a Ocidente.
Um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez...

"If we can no longer speak of “us”, there will be no such thing as a peaceful Middle East anymore. It is only then that we realize that we need each other, but also how much the world needs “us” as citizens of the Middle East. It is our collective responsibility as Arabs, Iranians, Turks and Jews to prove to the rest of the world that this perception is a correct one. Yet it seems to me that despite the appearance of friendly exchanges and dialogues, people in the Middle East do not listen to each other. They are either in a position of subordination and inferiority or in a position of rejection and superiority. It should be immediately obvious that both of these models are unworkable in the long run. Middle East is too complicated a place to allow clichés and reductive formulas to rule us. And this is where the role of intellectuals in the Middle East as critical Aufklarers and bridge makers must play its just role. It is this role of understanding reality, exposing lies and holding the truth that will enable us in the Middle East to ask correct questions about our own identities and about our relationship to the others. These are question not be asked only by intellectuals but are the responsibility of every citizen of the Middle East. Yet there are times that public intellectuals in the Middle East more than private citizens need to be servants of ideas and to speak the truth beyond their private and personal interests. Today in the Middle East intellectuals have a vocation of representing the cause of freedom, justice and peace. That vocation is important to the extent that it is publicly recognizable and involves both commitment and boldness."

Ramin Jahanbegloo

Aliança

E se deixarmos de confiar nas pessoas ou nas instituições com quem fizemos alianças? Pior, e se a opinião pública de um país deixar de confiar nas pessoas e nas instituições com quem os seus governantes se aliam?

Darfur - Human Rights Watch. Está aí alguém? Senhores membros do Conselho de Segurança?


"Sudan is the largest country by area in Africa, with an estimated population of at least 36 million. Darfur is the size of France, with a population estimated at 6 million and very little infrastructure or economic
development.
Two million civilians have been forcibly displaced from their burned and looted homes and farms, most by government forces and proxy militias committing war crimes and crimes against humanity. Those displaced largely remain in camps because security has not been restored; more than 208,000 refugees are in Chad, where cross-border attacks in 2006 have
produced 50,000 Chadian internally displaced persons.

(New York, August 14, 2006) – The United Nations Security Council should impose sanctions on Sudan's top officials for blocking U.N. efforts to protect civilians in Darfur, Human Rights Watch said today in a letter to Security Council members.

The Secretary-General's July 28 report recommends that the U.N. bolster the AMIS forces in the short run, before the U.N. forces deploy on January
1, 2007.
Human Rights Watch specifically urged the Security Council to:
* Apply targeted sanctions to Sudanese officials should the
government not consent by August 15 to the U.N. deployment in Darfur;
* Expand the arms embargo to cover all of Sudan, not just Darfur;
* Provide a robust mandate for the U.N. force for Darfur, including
Chapter VII powers to use "all necessary means" to protect civilians;
* Have the U.N. force assume the duties of AMIS; and,
* Authorize at least 17,300 U.N. troops and 3,300 civilian police for
Darfur.

For more of Human Rights Watch's work on the Crisis in Darfur, please
visit: http://www.hrw.org/doc?t=africa&c=darfur"

terça-feira, agosto 15, 2006

Liberdade para Ramin Jahanbegloo

Leio no site do Centro Nacional de Cultura que o filósofo iraniano Ramin Jahanbegloo foi preso há uns meses.
Pode ler-se no site: "Last March he delivered the paper “Against the Clash of Intolerances” in a conference on dialogue among cultures that was organized in Cairo by Dialogues on Civilizations, foundation whose scientific committee is joined in by Jahanbegloo. Depriving Ramin of his freedom is an unequivocal sign of intolerance against which we want to express our protest by asking people of culture and all those who love freedom to join in our protest and call for Ramin’s immediate release."
Junto a minha voz aos que pedem a sua libertação. Junto a minha voz aos que fazem oposição às tiranias.

Às obras coleccionadas por Gustav Rau. Ao doutor Rau

Com a pele saturada de sal e sol fomos ver a exposição de Fra Angelico a Bonnard no Museu Nacional de Arte Antiga. Estacionámos o carro em frente das abandonadas instalações da antiga fábrica de cerâmica Constância. O ar de descuido dos antigos armazéns contrasta com a beleza que se adivinha nos poucos edifícios recuperados, entre os quais o da pro.dança, e nos azulejos e na chaminé das instalações deixadas ao abandono. Descemos até ao museu e admirámos a colecção do excelso humanista Doutor Gustav Rau. E desse ciclo que nos prende muitas vezes a atenção e nos faz suspender a inteligência, o ciclo da arrogância e da vontade de humilhar manifestado por muitos dos homens que detêm o poder, ou pretendem vir a detê-lo, nos conseguimos libertar, e voltámos a reforçar-nos na crença de existência de valores universais partilháveis entre todas as pessoas do planeta. São narrativas, são...

sábado, agosto 12, 2006

Vida por Vida.
Mais uma vez, a vida deles pela nossa vida. Mais uma vez é uma vez a mais.
Quando a Srª Roosevelt saiu da sede das Nações Unidas em Paris, estava a terminar o ano de 1948, e já depois da aprovação, sem votos contra, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, sabia que o mais difícil estava para começar: como fazer respeitar esses direitos, com que meios?
O Secretário-Geral das Nações Unidas teve ontem, e mais uma vez, que reconhecer a sua frustração pelo tempo imenso e pelas dificuldades constantes com que a comunidade internacional se confronta sempre que é chamada a resolver as questões relacionadas com conflitos nternacionais. Ainda não se conseguiram os meios para defender os valores da Declaração e da Carta das nações Unidas. Mas eles existem.

quinta-feira, agosto 10, 2006

O terrorismo não tem justificação, mas pode e deve ser explicado, ao mesmo tempo que deve ser combatido com todos os meios de um Estado de direito.
Dizer que a Europa só agora vai saber como são insidiosos os meios terroristas, é esquecer que a Alemanha, a Itália, a França, a Inglaterra, a Espanha e a Grécia, viveram desde os anos sessenta períodos de ataques terroristas. E tiveram que solucionar os diferendos com essas comunidades/grupos. Não é algo de absolutamente novo. Nem é preciso desnortear politicamente.
A jornalista Alberta Marques Fernandes no Jornal 2 de terça-feira, vou cita-la de memória:”O Iraque saiu das primeiras páginas, mas continuam a morrer mais de 100 pessoas por dia no território”.
Quantas das pessoas que defendem ser os confrontos armados o meio mais eficaz para resolver os conflitos fizeram o serviço militar e, ou, estiveram de alguma forma a combater numa guerra? Falo, por exemplo, de Bush.
Quantas das pessoas que criticam os confrontos militares os utilizariam indiscriminadamente se os seus interesses ou dos seus grupos estivessem em perigo? Falo, por exemplo, de Chirac.
Relevo no entanto o papel da França na sua intervenção no Afeganistão.

Acusar os Europeus de terem medo da guerra e de não saberem defender os seus valores lá onde dói defende-los, é como acusá-los de terem medo da pena de morte ou de terem medo de ser uma sociedade esclavagista, só porque estes cedo compreenderam que era civilizacionalmente um processo de regressão social proceder à continuidade dessas práticas.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Informação/propaganda

As preocupações com os actos de informação e contra-informação são tão importantes em situações de guerra como durante os processos eleitorais. As partes em confronto procuram "vender" a realidade que favorecerá os seus objectivos militares, estratégicos ou políticos. Mas existe a possibilidade de dar a ler, ver ou ouvir a realidade o mais comprometida possível com a verdade e o menos possível com os interesses de um dos lados em conflito, e a prova disto mesmo é o assassinato frequente de jornalistas, ou a sua detenção arbitrária no mundo inteiro, mas, em especial, em regiões em guerra ou sob governo autoritário.
Se toda a notícia ou opinião fosse assim portadora de uma natureza intensamente relativa, porque se continuam a eliminar aqueles que não concordam, relativamente, com a versão dos que mandam nesse tempo e espaço?

Em Portugal, e sendo esta minha conclusão assente em percepção e não partindo de um estudo estatístico, os jornais têm procurado dar diferentes versões/opiniões sobre o que se está a passar, ou poderá vir a passar no Médio Oriente, por exemplo.
Seria importante saber até que ponto as opiniões públicas se formam, se modificam e influenciam a realidade que lhe é apresentada em situações de conflito.

terça-feira, agosto 08, 2006

Uma vaca no quintal

Num jantar, ontem à noite, discutiu-se a situação em Cuba. Falávamos sobre o sistema de saúde e de educação, da economia da ilha e da sua vida social. Falávamos de Castro. Eu citei uma jornalista, francesa, salvo o erro, que terminava assim o seu comentário sobre Fidel Castro: “Que pena que eu tenho que a tua revolução não tivesse dado certo. Que pena que eu tenho que tu não tivesses visto que a tua revolução não estava a dar certo.” B., natural de Porto Rico, contou o seguinte episódio: “Sabes, conheço uma Cubana que fugiu durante a noite para os EUA. Ela tem hoje uma vaca no quintal.”
Sabíamos que cada cubano tem uma história. E que há demasiados com história de privação e de sofrimento. E eu sei muito bem qual a importância de se ter uma vaca no quintal. Nenhuma revolução pode apagar esse sentimento. Mas também sei da importância dos países não intervirem directamente na vida política dos outros quando a isso não são chamados.

segunda-feira, agosto 07, 2006

realistas/idealistas

O que dizem agora os realistas quando são não só os Estados fracos a esperar avidamente por uma resolução da entendida como idealista ONU que ajude a controlar os acontecimentos, mas também os ditos Estados fortes a aceitarem e a esperarem que daí venha uma solução? Afinal, mais uma vez, o realismo, assente na contabildade de forças e de pressões, precisa do suposto idealismo dos que defendem a via negocial para sair das situações que criou e que não controla. A ver o que vai acontecer.
Um dia vi o Francis Obikwelo correr na pista de atletismo em Lagos. Um privilégio.

sábado, agosto 05, 2006

É comum ouvir-se dizer que não há ninguém insubstituível. Não é verdade. Se assim fosse não se procurava eliminá-las ou destituí-las visando alterar os acontecimentos. No bem e no mal que as pessoas conseguem fazer nunca é possível substituí-las. Parafraseando livremente Alberto Caeiro: é o universo do bem ou o do mal menos elas.
Então os indivíduos são assim tão decisivos na direcção das forças sociais? Fazem assim tanta diferença? Parece que sim. Se em democracia é uma realidade que se sujeita ao ciclo próprio das avaliações e das escolhas, sendo delimitado o imenso bem ou mal que se pode fazer, em regimes não democráticos é assustador o poder destes indivíduos: resta que se espere pela sua morte ou pela sua transformação política? Assustador. Não estou só a pensar em Cuba, mas em Angola, no passado e no presente, também.Entre outros países sem democracia.

sexta-feira, agosto 04, 2006

O poder do indivíduo ou o poder da ideologia do indivíduo

A biografia de Mao, que ando a ler, fez-me pensar na importância da personalidade e do carácter como factor de sobre determinação em relação à ideologia.
É-me mais fácil compreender a vontade de poder, no quadro da intenção de impor um modelo de acção ou de regular a ordem social, segundo um modelo teórico passível de ser identificado nos volumes de pensamento filosófico, ou descoberto nas suas manifestações na história.
A vida de cada um, a história das ambições, das intenções, dos desejos, dos medos e das paixões, a história das suas relações sentimentais ou profissionais, julgo-a dificilmente susceptível de ser apreendida para além do que se entende normalmente ser como um enquadramento fotográfico. È uma perspectiva. Não inteiramente falsa, não inteiramente verdadeira. Sendo que a verosimilhança entre a pessoa e a identidade biografada aumentará com o número de documentos que são evocados para justificar as conclusões sobre os biografados.
Por exemplo, no caso de Mao, apresentado por Jung Chang e Jon Halliday, percebe-se a intenção de os autores nos apresentarem provas sobre a tese que defendem para explicar a ascensão e a manutenção no poder de Mao Tsé-tung. As provas de que Mao era sobretudo um indivíduo interessado em alcançar o poder a todo o custo, independentemente da ideologia que proclamava como fundamento para a sua acção política e militar, parecem-me provas convincentes.
É pelo conjunto de argumentos aduzidos que eu penso até que ponto os indivíduos que lutam pela permanência no poder ou lutam por um lugar de poder, estão realmente convencidos de o estarem a fazer em nome de um projecto político, social ou económico que os transcende e que eles querem, ainda que com abjecções pelo caminho, ver realizado, ou se sujeitam as ideias, quaisquer que sejam, mas sobretudo as que pressentem ser influentes sobre os seus cidadãos, aos seus interesses pessoais de domínio e de exercício de mando. Se é a ideia de bem comum que os rege, ainda que se possa discutir a validade desse conceito, ou se é a ideia de interesse próprio.
Tendo sido sempre nulo o meu interesse por Mao, e tendo tido por ele a mesma antipatia que nutro por qualquer outro ditador da história, incomoda-me no entanto que Chang e Halliday estejam recorrentemente a sublinhar a perversidade do comportamento e do carácter de Mao, como se quisesse explicar o que já estava compreendido. Parece-me demasiado rebarbativo por vezes o comportamento que defino como o “ pegar no cotovelo do leitor” e, beliscando-o, afirmar: Já viu? Reparou bem na acção insidiosa do indivíduo? Vá, não fique com dúvidas.

Percebe-se que os autores querem distinguir os ideais dos comunistas e até a acção dos comunistas ao serviço do aparelho, mesmo que este fosse uma emanação da organização do violento poder soviético, das acções dos oportunistas que circunstancialmente foram de boleia na ideologia comunista, para fazerem valer as suas conveniências, satisfazendo cobiças. Mao é-nos apresentado como um egocêntrico com uma vontade desmesurada de exercer o poder de forma absoluta. E toda a sua vida é uma obra forçada a alcançar esse objectivo. Neste indivíduo, a ideologia perfilhada parece de somenos importância, excepto do que nela se pode reivindicar para impor uma forma unidimensional e violenta de ver o mundo.

É por causa desta biografia que penso na pertinência de se biografar todas as figuras das elites que estão o poder. Em tempo útil de percebermos se o que as move é uma ideia geral para a sociedade que gostariam de ver potenciada, em nome da tradição, ou da inovação, enfim, ou é apenas a satisfação da exibição do seu poder pessoal.
Faz diferença, apesar de tudo, sabermos se Bush ou Bin Laden acreditam realmente nas teses que enunciam, se os enquadramentos ideológicos que reclamam são fundamentais para a criação das suas identidades públicas, ou se essas teses nas actuais circunstâncias históricas, servem para os catapultar para os lugares de exibição de poder que sempre ambicionaram de forma pouco escrutinada. O mesmo para todos os outros líderes mundiais, sobretudo os que estão envolvidos em conflitos.
Os jornalistas políticos saberão disso, porque é a partir das suas visões que se poderá dar ao público um vislumbre da “massa” com que os seus líderes são feitos. Necessariamente parcelar, porém. Biografias apresentadas em modo psicadélico, pouco adaptada ao conhecimento, mais à informação.

quinta-feira, agosto 03, 2006

À espera

Do alto da minha capacidade para ler um parágrafo ou dois de um qualquer jornal do dia quando estou na praia, olhei de relance para todas aquelas pessoas estiradas ao sol a lerem o seu livro, com um pensamento trocista: “Está bem, está! A lerem livros na praia…romancezinhos de cordel é o que deve ser! Olha só para eles todos entretidos com o “Simplesmente, Maria” lá da terra.
Passa uma família à minha frente: três crianças, a falarem um alegre alemão entre si, um pai carregado com as parafernais coisas das famílias, e uma mãe distraída a olhar para o mar. Na mão, juntamente com uma toalha dobrada, a mãe transportava um livro. Obriguei-me a olhar para ver se conseguia ler o título. Não consegui, mas o nome do autor, ao invés, sobressaía claramente sobre a dobra da toalha: Samuel Beckett. Samuel Beckett?! Consegue e deseja ler Beckett na praia? Quando é que eu li Beckett pela última vez…deixa cá ver…pois…adiante.
Devem dar uma poção qualquer aos cidadãos ingleses, alemães e aos de demais nacionalidades dos leitores turistas das nossas praias quando estes nascem. Não pode ser genética. Será coincidência? Ou acaso essa poção chamar-se-á educação pública aliada a responsabilidade individual de cada aluno, e dos seus pais, desde o primeiro ano do ensino oficial?
O quê? Responsabilidade individual dos infantes portugueses, qual quê, não querem lá ver a professora a querer fugir à culpa de ser co-responsável pelo mau ensino praticado em Portugal? Olha a calaceira.

Qual é o défice das nossas contas em Portugal?
Como é com os exames em Portugal?
Como se julgam os crimes praticados contra crianças em Portugal?
Como se julgam os crimes praticados por crianças em Portugal?
Qual é o discurso que sobressai para regular os comportamentos sociais em Portugal?
Qual? O do exemplo? Da consistência? Da avaliação isenta e rigorosa, com consequências? O da publicação de listas? ah!

quarta-feira, agosto 02, 2006

intensos esforços diplomáticos

A figura está vestida como se fosse fazer de personagem estátua. O corpo está coberto de vestes brancas, cara com máscara branca, mãos e pés cobertos de branco. Mas não faz de estátua, não posa. Aplica-se a encher balões e a olhar em volta, saltitante, à procura de crianças que chama freneticamente, para lhes entregar o balão e pedir uns trocos de retorno. Parece uma ave. Movimenta-se ao ritmo sincopado das aves: em vigília mesmo quando debicam a comida. Algumas crianças aproximam-se, pensam que os balões são oferecidos. Mal avisadas foram as crianças.
Esparta e Atenas. Esparta e Atenas.

Esparta ou Atenas?

"O colapso de Doha é menos espectacular do que a tragédia do Líbano mas, a longo prazo, vai fazer mais mal ainda".
José Cutileiro, in Expresso, 29-7-06
"Não devemos desistir de globalizar os direitos humanos, nas suas dimensões política, económica, social e cultural."
Mota Amaral, in Expresso, 29-7-06

"Os ataques a civis são exactamente iguais. Todos têm a mesma vileza, a mesma desumanidade."
Vítor Malheiros, in Público, 1-8-06

terça-feira, agosto 01, 2006

Serei eu uma pessoa corajosa?
Sócrates, que costumava fazer estas perguntas a quem com ele se cruzava nas praças públicas, conhecia-se o suficiente para responder. Ele tinha estado em combate mais do que uma vez, no tempo em que a guerra precedia, para depois a fundar, a política de Atenas. Por isso sabia do que falava quando falava sobretudo da coragem do filósofo, daquele que só teme cometer actos injustos ou compactuar com a indiferença para com a questão da verdade, dizendo-a incomparavelmente superior à coragem do soldado, sendo que ambos, na sua missão, temem mais a desonra que poderá tocar as suas acções do que a morte.
Eu, de coragem filosófica ou de coragem castrense, só sei do que vejo nos filmes e leio nos livros. O que remete para uma falta, a da memória de acontecimentos vividos.

Cresci a ver filmes, séries e documentários sobre a Segunda Guerra, interiorizei todas essas perseguições, esse sofrimento, que as vítimas, todas as vítimas, mas em especial os judeus, sofreram, como se da minha própria memória pessoal fizessem parte. Não é razão suficiente para com isto poder dizer que não recebo lições de ninguém que disserte sobre encapotadas tendências anti-semitas dos que criticam o governo de Israel, porque tenho a certeza que haverá sempre alguém a ensinar-me muito sobre isso. Mas não muita gente, e não de qualquer maneira. É por isso que não compreendo os que querem fazer corresponder a causa de uma atitude crítica contra as acções do governo de Israel, a revelação de um consciente, ou inconsciente (?), sentimento anti-semita. Balelas. Como são balelas os que entendem que criticar a administração americana equivale a ser-se anti-americano. A crítica é fundamental em qualquer situação, para qualquer pessoa, para qualquer Estado, sempre que um indivíduo ou uma instituição entenda haver razões para tal. Que o juízo crítico esteja errado, careça de razoabilidade ou esteja deficientemente fundamentado, é aceitável, mas já não o é a assumpção simplista de que quem não está com, está contra. Esta é a política do senhor e dos escravos contados à cabeça, e não pela sua cabeça entre outras cabeças livres.

Serei eu corajosa? O que faria se o meu país fosse atacado?
A última vez que fui confrontada com uma situação de perigo físico fugi o mais que pude. Hum…, não é um sinal promissor.
Mas também porque é que tenho que achar que é por um possível carácter de cobardia que escolho sempre a paz contra a guerra? Não tenho que aceitar esta conclusão. A história da minha civilização procurou superar o estado de guerra na resolução de conflitos entre Estados, porque tenho eu então que compactuar com as civilizações que não perseguem esses objectivos? Porque hão-de eles estar mais próximos da descrição sobre o que é a realidade humana do que aqueles que visam resolver os diferendos com outros métodos?
Fala-se às vezes com um certo desdém das opiniões públicas ocidentais, dizendo-as empanturradas de ilusões consumistas e cegas para as dificuldades de sobrevivência das populações de outras partes do mundo. Mas esquecem-se que são essas populações que contribuem com a maior parte dos financiamentos para reconstruir ou apoiar esses povos. Paga-se para os ter longe da vista? Ou paga-se por solidariedade e tentativa de os resgatar ao ciclo de miséria e violência?
Dizem-me que só posso pensar assim sob o escudo protector do poder militar de uma NATO que sustenta em segurança a política dos povos europeus. Que somos como adolescentes a gastar a mesada dos pais, pensando que já somos independentes e que sabemos tudo. E eu respondo que um conflito internacional tem que ter uma solução internacional, o mais rápida e eficazmente possível, sendo que qualquer iniciativa de agressão deve ser imediatamente dissuadida pelas forças internacionais, na estrita observância de leis e regras aceites universalmente. E se a Europa tiver que gastar mais na criação de forças de segurança bem preparadas e com capacidade de intervenção imediata para impor a paz, que as crie. Que dê sinais de que é mais do que uma união económica, que é um modelo efectivo para as outras sociedades do mundo. Se estas assim o quiserem.