domingo, maio 25, 2008

Churchill:uma leitura 6

Leio Alberto Gonçalves dizer a Ana Gomes: "Primeiro, a dra. Ana Gomes acusa-me de "desvalorizar o sofrimento dos birmaneses". Decerto deixou-se influenciar pelo meu escasso optimismo. É compreensível. Dado que não alimento crenças na bondade panfletária, não atafulhei o texto com invocações de esperança ou lamentos de pesar. Porém, juro: se me garantissem que cada palavra indignada salvaria a vida de um birmanês e abalaria aquele tenebroso regime, eu preencheria mil páginas com gritos de "Basta!". Por incrível que pareça, também a mim me ofende a dor alheia. Não acho é que confessar a ofensa de dez em dez minutos ajude alguém."
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Faço um grande sorriso à ideia que critica a "bondade panfletária" e uma careta à ideia de que cada palavra indignada nada fará. Mas, esgares à parte, era aqui que podia começar uma proveitosa discussão: podem ou não os discursos de pessoas figuras públicas dispor da realidade reproduzindo-lhe os seus valores?
A minha posição é que se as palavras não arrastassem uma prática atrás de si, então também nunca teríamos tido sucesso com a implementação dos direitos civis e políticos em escala globalizada.
Nestas coisas dos valores democráticos, a realidade antes de o ser já o era em discurso. Mas o discurso que não é o do poder que legisla ou executa, mas tem pretensões a ser normativo, tem esta desvantagem, arrasta atrás de si a ideia de impotência lírica, de vazio argumentativo e até de impudência para com a dor dos acontecimentos presentes. É verdade. O equilíbrio... o equilíbrio entre as palavras da convicção e da luta por uma realidade pensada e a realidade ela mesma apresentada por outra linguagem ou por outro acontecimento que em tudo dominam a primeira, não é uma tarefa clara. Quem dera que soubéssemos sempre que a nossa teoria ou crença ou palavra era mais próxima da verdade. Que de alguma forma o que pensamos é mais próprio para o bem estar da comunidade ou que as ideias que escolhemos e as pessoas em quem votamos são as que podem solucionar melhor os problemas de insegurança, de falta de objectivos sociais, de protecção das pessoas e do seu território. Quem dera!
Conquanto que entre nada dizer e continuar a dizer há ainda um espaço para a filosofia política. Eu gostava realmente de saber qual era a filosofia política dos nossos governantes.
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Sem querer incensar a figura de Churchill, algo a que psicologicamente me vejo até limitada em fazê-lo, pois não compreendo como se pode ter paralelo entre essa admiração que se tem por uma obra artística ou filosófica, e de que eu sou definitivamente capaz, com a admiração pela acção de um homem público, que dificilmente deixará que momentos da sua vida não obscureçam a existência de outros, mas, sem soçobrar à sua influência, registo com satisfação, o conjunto de questões que contêm a sua filosofia política. E disto, destas questões, eu tenho saudades, e destas palavras eu sei que decorrem estados civilizacionais que não se comparam em luta contra o sofrimento social com nenhum outro sistema de governação:
"Com o governo actual há o direito de livre expressão e de crítica?
Tem o povo o direito de derrubar um governo que desaprovam, e estão estabelecidos meios constitucionais por meio dos quais possam expressar a sua opinião?
Os seus tribunais de justiça estão isentos de violência por parte do pode executivo e de formas de violência por grupos de pressão, e de qualquer forma de associação com partidos políticos?
Esses tribunais administram leis abertas e bem estabelecidas, associadas, pelo espírito humano, com amplos princípios de decência e justiça?
Serão justos tanto para os pobres como para os ricos, tanto para as pessoas particulares como para os funcionários governamentais?
Serão os direitos dos indivíduos, obrigados a cumprir os seus deveres para com o Estado, mantidos, afirmados e exaltados?
Está o vulgar camponês ou trabalhador, que ganha a sua vida com esforço diário e que tenta criar uma família, livre do medo de que qualquer cruel organização policial, sob o controlo de um único partido como a Gestapo, inaugurado pelos partidos nazi e fascista, lhe bata no ombro e o meta na prisão sem um julgamento justo e aberto e o condene à escravidão e à tortura?" pp.575-576.
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Cada conceito destes pode merecer discussão. Eu sei. Mas há uma ideia de sociedade. São palavras que eu reconheço como propiciadoras de realidade civilizacional.
Porque será que eu as reconheço assim?

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