domingo, maio 11, 2008

Quem ouve os senhores deputados? "Quem me leva os meus fantasmas?"

Na quarta-feira levei um pequeno grupo de alunos meus a assistir à intervenção dos senhores Ministros da Justiça e da Segurança Interna. Não foi premeditado, porque a visita estava marcada há tempos, mas no dia, sabendo qual era a agenda de trabalho, instruí-os sobre o que o tema em debate e chamei-lhes a atenção para o que estava em questão. Quando entrámos as galerias estavam cheias de adolescentes multicolores e ferventes que seguiam com um interesse distraído o que se passava no plenário. E o que se passava?
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Um deputado do Bloco de Esquerda, provavelmente no exercício dos seus dez minutos de intervenção anual por iniciativa própria, discursava sobre a notícia do dia que dava conta do baixo número de portugueses que afirmavam usar o preservativo de forma recorrente. O plenário zumbia. A desatenção era o mote. Esforçado, a lembrar alguns professores, ele lia o seu discurso fingindo que alguém o estava a ouvir, fingindo que não se importava que quase ninguém o estivesse. Eis que termina e cumpre, eis que é aplaudido exclusivamente pelos deputados da sua bancada. Responde a deputada socialista mais familiarizada com o assunto e debita números, enfim, é aplaudida por alguns deputados da sua bancada menos distraídos.

Os meus alunos são adultos. Tínhamos falado sobre o papel do parlamento numa democracia, sabiam que a maior parte do trabalho parlamentar é feito nos bastidores, nas comissões, mas o seu espanto inicial e depois as críticas aos deputados foi emocionalmente consentânea com o que se escutava aos adolescentes que nos rodeavam: - "Então nós não podemos levar o telemóvel para as aulas e eles podem ter o deles a tocar e podem atender enquanto os colegas discursam?"; "-Ninguém presta atenção ao que estão a dizer os colegas deputados?"; "- Olha o que eles conversam!"; - "Só batem palmas ao deputado que é da sua própria bancada!".
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A primeira impressão de um debate parlamentar destrói toda a teoria que um professor lhes queira passar sobre a importância e necessidade do debate público como método de resolução de conflitos e orientação de políticas. Há mais de vinte anos (na altura era o jornal aberto sobre a bancada mais do que o portátil l ou o telemóvel ligados) como hoje, a imagem que fica é de uma grande falta de disciplina de trabalho e de respeito mútuo. E a imagem, no caso em apreço, cola-se como sendo a única verdade, por ser também verdade, de uma realidade legislativa que excede aquele espaço e aquele tempo, mas que não sendo do âmbito da esfera pública, logo não é percepcionada como forma de trabalho parlamentar. O que se vê é aquilo. Lamentável comportamento.
Eu, que não permito que aluno algum se entretenha em amena converseira com o vizinho enquanto eu lecciono, se fosse deputada, e estivesse a falar literalmente para o boneco, acho que fazia uma loucura qualquer.
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A dado momento levanta-se um deputado da CDU, com voz bem colocada, com autoridade e projecção de tom, conseguiu com que o plenário baixasse o vozear uns decibéis. O assunto era dos mais graves: o aumento do preço dos cereais. Pensei que era a altura para a assembleia se fixar no assunto e de as pessoas evocarem as suas competências colectivas para aplicarem o seu saber na resolução/proposta, num assunto que ultrapassa já em muito a esfera exclusiva da comissão parlamentar para os assuntos económicos. Pelo menos os que não tinham estado reunidos com o dito deputado e gostassem de o ouvir agora, ou de discutir ideias, o tema que fosse. Ilusão.
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A voz bem articulada, com uma ideologia clara de interpretação anti-capitalista da questão, mas apesar de tudo, um modelo a seguir ou a desmontar, mas sempre de ouvir, não mereceu mais que uma resposta estereotipada da bancada socialista. Como se o assunto não fosse suficientemente sério para congregar vontades e arrimar lutas ideológicas que apontassem caminho. Como se qualquer acto de presença suficiente baste, como se tudo estivesse cansado de ali estar, como se a realidade fosse passível de ser compartimentada em bancadas. E ao mesmo tempo, como se nem soubessem encenar bem o seu relacionamento num espaço de discussão dos assuntos públicos, como se não estivessem num teatro, a ser vistos, apreendidos e a servirem de exemplo.
Pelo menos que houvesse aprumo na hora de estar ali sentado a ouvir. Que se escutasse mesmo os outros com interesse e não com esse ar de quem pensa: daquele já sei o que vai sair. Chato! "Cassete"! Senão que imagem fica colada ao seu trabalho em plenário?
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Lamento sempre a desilusão nos olhos dos meus alunos de cada vez que lá vou. Às vezes penso que devia ser mais realista e aplicar-me em descrever o que se passa na política com os exercícios pessoais do poder, mas prefiro sempre falar-lhes de instituições, de atitudes e valores. E estes conseguem sempre ser mais perfeitos na sua natureza, mesmo quando não cremos neles, ou naqueles, mas temos o dever de os explicar ou compreender.
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O ministro da Segurança Interna teve um bom discurso. Aplicou-se em defender, de forma suave, sem crispação, a sua Proposta de Lei. Ouvindo-o, podíamos a ficar a pensar em como éramos malévolas criaturas a pensar o pior de tão funcional proposta da criação de uma figura coordenadora de todas as forças de segurança, um secretário-geral com equiparação a secretário de estado, sujeita a fiscalização do Conselho Superior de Segurança. Que não temêssemos pois pelas liberdades, direitos e garantias, que estes estavam acautelados.
Suavemente pergunto-me: Mas o primeiro-ministro precisa de tutelar esta figura porquê? Porque razão há que passar a depender directamente do primeiro-ministro? E o que podem ser consideradas situações excepcionais de segurança por parte de um primeiro-ministro? Porque se concentra tanto poder quando aprendemos na história que é melhor para uma democracia dispersar o poder e delinear depois articulações funcionais, e logo um poder personalizado numa figura que passa a ser pessoa dependente do primeiro-ministro?! E porquê politizar uma carreira profissional como a da investigação e acção contra o crime?

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