domingo, junho 17, 2007

O mundo e a aldeia

Diria Lévi-Strauss:
"O Mundo começou sem o homem e acabará sem ele. As instituições, os costumes e os hábitos que eu teria passado a vida a inventariar e a compreender são uma eflorescência passageira de uma criação em relação à qual não possuem qualquer sentido senão talvez o de permitir à humanidade desempenhar o seu papel. Longe de ser este papel a marcar-lhe um lugar independente e de ser o esforço do homem - mesmo condenado - a opor-se em vão a uma degradação universal, ele próprio aparece como uma máquina, talvez mais aperfeiçoada que as outras, trabalhando no sentido da desagregação de uma ordem original e precipitando uma matéria poderosamente organizada na direcção de uma inércia sempre maior e que será um dia definitiva". Tristes Trópicos, 1986: 408.


Diria Alberto Caeiro, e, se puder, digo eu com ele:

"/.../ Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido.
bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo,
O mundo será diferente -
Haverá eu a menos -
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada."
Poemas , Edições Ática,1979:101


E digo-o com Caeiro mesmo sabendo que é um poeta quem o diz e que Strauss é um antropólogo. Digo-o, mesmo sabendo que Caeiro tem outros versos em que diz claramente "A realidade não precisa de mim." (p. 85). É verdade. É porque a questão do poeta não é antropológica. Ele não reforça pela positiva ou negativa o papel do ser humano no mundo. É uma questão ontológica. E esta o cientista Strauss não explicou. Nem eu o vou tentar fazer agora.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
Nem o Sol escureceu,
Nem houve Estrelas a mais...
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
Não houve nada de novo
Senão eu.

As nuvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
Bastava
Toda a ternura que olhava
Nos olhos de minha Mãe..."

Sebastião da Gama


"DA MINHA ALDEIA vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver."
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos".

Pois que nada somos de novo no Universo... poucos são os que dão pela nossa presença...apenas somos o tamanho daquilo que vemos... e dos olhos dos que nos vêem...