terça-feira, outubro 03, 2006

Ideologia

Por motivos que se prendem com o meu trabalho, fui reler o capítulo “Empirirical methods” do livro de John Fiske, Introduction to Communication Studies. Está traduzido em português, mas quando eu o encomendei não sabia, daí que as minhas citações digam respeito ao original em inglês.

O capítulo seguinte ao que me levou a consultar o livro intitula-se “Ideology and meaning”, li-o pensando em como esta questão das ideologias que nas décadas de sessenta e setenta interessou tantos investigadores, para depois, de certa forma se diluir noutros problemas, ressurge agora como objecto a ser reavaliado no que a um uso operacional da análise da acção política diz respeito, tal como Onésimo Teotónio Almeida defendeu no seu artigo “Ideologia, revisitação de um conceito”, publicado na revista Comunicação e Política nº21-22. Escreveu ele: “(…) um conceito tão usado e debatido como é este de ideologia está longe de ser unívoco, é geralmente vago e frequentemente confuso e contraditório e, na expressão de Michael Oakeshott, continua a ser usado numa “anarquia de diferenças linguísticas”, a ponto de o considerar worthless, isto é, sem qualquer valor. No entanto (...), e porque o seu uso é imparável, gostaria de sugerir (...) um uso operacional consistente e coerentemente articulado com outros termos, como os de mundividência, valor e ética.” (p. 74).

Mas se consultarmos o Dicionário de Política de Bobbio, Matteuci e Pasquino, escrito em 1983, podemos ler como Mário Stoppino, seguindo a linha de N. Bobbio propõe uma excelente definição de ideologia, quer quanto ao seu significado fraco “um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos colectivos”, quer quanto ao seu significado forte que “tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido como falsa consciência das relações de domínio entre as classes (…) é um conceito negativo que denota precisamente o carácter mistificante de falsa consciência de uma crença política.” (2004, p.564).

Normalmente usamos ideologia no seu significado fraco. Ideologia como representando o conjunto de ideias ou valores defendidos por determinada pessoa ou institucionalização, a fim de justificar a sua acção.
A concepção de ideologia no seu significado forte está associada às análises marxistas da sociedade e à sua convicção de que todo o sistema de crenças ilusórias mantido pela classe dominante (económica, social e política) é usado para dominar a classe trabalhadora. Esta concepção está na base de uma determinada explicação da história e da política, que, em termos práticos, se materializou em governos de orientação marxista, com fortes pulsões totalitárias, e levou muitos teóricos a afastarem-se deste discurso. Mas não deixa de ser um campo de análise em aberto e a discussão.

Fiske, em 1982, e na esteira do trabalho de Raymond Williams, apresentou e desenvolveu o uso que se fez das três definições de ideologia ao longo dos séculos. A ideologia como: 1. Um sistema de crenças que caracteriza um grupo ou classe particular; 2. Um sistema de crenças ilusórias – falsas ideias ou falsa consciência – passível de ser contrastado com o conhecimento verdadeiro ou científico; 3. Processo geral de produção de significado e de ideias.

Fiske estava interessado em esclarecer de que forma a ideologia se insinuava através das imagens, dos signos. Não se deteve a discutir a natureza filosófica das definições, nem comentou a terminação marxista para o conceito ideologia.
A leitura que lhe interessou fazer de ideologia é a que deriva da definição nº 3.

Seguindo a intuição de Roland Barthes sobre o tema, Fiske acabará por afirmar em todos os actos de comunicação se manifesta um processo ideológico de significação. A ideologia decorre normalmente do uso, escolha, de determinados signos por comparação com outros. Isto é, atribuir significado a algo ou alguém, é um processo relacionado com o tipo de valores e mitos da comunidade em que se é socializado, e isso é sempre da ordem da ideologia. Toda a relação entre os signos (e as suas conotações culturais) e os falantes que os usam é uma relação ideológica.
Naturalmente, não conseguimos escapar a este procedimento: ao usar signos (palavras, imagens, etc.) estamos a manter viva a ideologia, mas somos também formados por essa ideologia, por esses valores que partilhamos num determinado tempo e espaço, pela ideologia dominante.

Porém, sendo que todas as pessoas de uma mesma cultura são determinadas no seu comportamento pela mesma ideologia dominante no seu tempo, isso não implica uniformidade no comportamento. Na realidade há reacções constantes, individuais ou de grupo, à ideologia dominante. Há oposição. O que representa uma abertura para que outras ideologias venham a desenvolver-se no futuro. Ex. Ideologia dominante do interesse no progresso científico e técnico, por oposição aos que defendem valores culturais não científicos ou até mesmo anti- científicos.

Os estudos nesta área poderão tornar visíveis os processos de doutrinação presentes no processo de comunicação. Em todos os processos de comunicação. (Fiske, pp. 144-155).
O que leva os indivíduos a aceitarem, manterem, ou pelo contrário, a oporem-se, rompendo e, em certos casos, a criar nova ideologias, é todo um outro conjunto de questões.

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