segunda-feira, novembro 13, 2006

Sobre a revolução 1


Imaginemos então que o grau de saturação do estado político vigente num qualquer país contemporâneo faria convergir para forças que procurassem não o aperfeiçoamento da democracia (pela aplicação de reformas) mas a sua destruição e substituição por um outro tipo de regime. Que o mal-estar crescente com um governo não se satisfazia com a ideia de uma possível e processualmente cíclica mudança de titulares no governo da “cidade”, a prazo, e reclamava violentamente a mudança total do sistema, um novo modelo de acção política. O que impede os povos e as pessoas de se encaminharem mais frequentemente para este tipo de solução radical? As instituições? A cultura cívica? A socialização política?
Se pensarmos na democracia contemporânea, no esforço imenso da sua manutenção, percebemos que há um trabalho diário de pensadores e de activistas dos direitos civis e políticos que estão permanentemente a fazer circular as ideias de exaltação e de defesa dos valores de uma sociedade democrática. É o reforço constante de uma ideia de regime que tem dado bons resultados práticos, sendo que esses bons resultados práticos servem de prova do interesse e da credibilidade do regime, fazendo aumentar o número dos que aderem aos princípios democráticos. O círculo alimenta-se a si próprio enquanto satisfazer os que chegam de novo a si e/ou enquanto a socialização da maioria dos cidadãos continuar a ser seduzida/convencida para a defesa dos valores da democracia. Não se pode dormir nesta parada, porque não há estados de coisas em sociedade que sejam definitivos. Daí a importância dada pelos Estados às sua crises internas e à dos outros.
É certo que a classe trabalhadora (o proletariado mundial) quer viver bem. O melhor possível no quadro democraticamente possível de redistribuição de bens numa economia capitalista. Quando surgem conflitos laborais ou sociais graves, a democracia tende a aglutiná-los e a procurar uma solução, mesmo que esta se encontre na substituição dos titulares do poder executivo e legislativo, prevista e requerida para a manutenção da própria democracia. Mas então e a revolução? Ainda faz sentido acalentar esperanças num “novo amanhã?”

Hannah Arendt tem um livro escrito precisamente Sobre a Revolução. Vou ficar a lê-lo aqui por estes dias. A propósito, a minha antiga instituição de acolhimento vai organizar um congresso para celebrar o centenário do nascimento da filósofa.

Diz-nos Arendt : “(…) só podemos falar de revolução quando ocorre mudança no sentido de um novo começo, onde a violência é empregada para constituir uma forma de governo completamente diferente, para conseguir a formação de um novo corpo político onde a libertação da opressão visa, pelo menos, a constituição da liberdade. E o facto é que apesar da história ter sempre conhecido aqueles que, como Alcibíades, queriam o poder para si próprios ou os que, como Catalina, eram rerum novarum cupidi, famintos de coisas novas, o espírito revolucionário dos últimos séculos, isto é, a ânsia de libertar e de construir uma nova casa onde a liberdade possa demorar, não tem precedentes nem semelhança em toda a história anterior.” p. 40.

Essa ânsia de libertar e de construir uma nova casa, pacificou-se? Reorientou-se para outro tipo de ansiedades sociais? É um acontecimento político do passado? Ou está camuflada, pronta a manifestar-se violentamente?
Mas ela própria nos diz que a ânsia de libertação e a ânsia de liberdade não são bem a mesma coisa. O movimento que induz o primeiro não declara por si próprio o segundo. Quantos servos da libertação nunca foram livres?

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