segunda-feira, novembro 20, 2006

Democracia,decisão, discussão

Entre continuar a minha série de apontamentos sobre o tema da revolução, via livro de Arendt, e escrever sobre a importância das palavras em democracia, prefiro seguir esta última via agora. Só por causa da inquietante ausência que sinto de palavras e do ensino do governo da cidade pela discussão nos discursos dos governantes do nosso país. Há uma ausência de palavras.

Eu sabia, quando muitas pessoas repetiam à saciedade os defeitos de um governante como o eng. Guterres que proponha para tudo a busca de um consenso social, que o reverso desta acção iria trazer tantos desapontamentos quantos os que então se descobriam num governante com dificuldades de decisão. Entre o voluntarismo dos que sabem decidir, e a aquietação dos que sabem ouvir e deliberar com o máximo comum de interesses, não há meia escolha no espectro dos políticos?

Escolhi um texto de Péricles. Não porque Péricles seja um intocável governante, numa intocável sociedade democrática. Nem um, nem a outra, o eram, de um ponto de vista da discussão teórica e também de um ponto de vista de um recto exercício do poder. Mas porque estando esse governante no contexto que permitiu institucionalizar o uso que se dava então a uma palavra que se fazia nova realidade política, a democracia, de algum modo a pode apresentar mais próxima para descrever a democracia como ela é, e para a compreensão do uso que dela se faz hoje.

“O regime político que nós seguimos não inveja as leis do nosso vizinho (…). O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria. (…) e por nós julgamos as questões públicas, ou pelo menos, estudamo-las convenientemente, não por pensarmos que as palavras prejudicam a acção, mas sim que é mais nocivo não ensinar primeiro pela discussão, antes de chegar o tempo de actuar. Diferentemente dos outros, temos ainda a norma de ousar o máximo mas reflectir profundamente sobre a empresa a que nos votamos. Enquanto que aos outros a ignorância traz a coragem, e o cálculo acarreta a hesitação.”

Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Hélade, ed. Asa, 1963, pp.288-289.

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