Eu hoje preferia estar aqui a escrever sobre a ideia final com que fiquei do livro de Fukuyama já aqui profusamente citado (a propósito, tem o blogue Vestigia Lectiones um bom post sobre a questão das citações: 65. Da citação ), ou sobre o livro de Bessa-Luís, Doidos e Amantes que a minha amiga Ayetsa carinhosamente me ofereceu, com um autografo da autora, pouco antes de regressar à Venezuela, o qual estou a acabar de ler. Ou ainda, de forma mais concertada, devia escrever sobre algumas políticas públicas que julgo cobertas por um nevoeiro de onde não vislumbro sequer o esboço do espectro de um Dom Sebastião. Então no ensino…o sistema científico propriamente dito (já evito falar na questão do estatuto do professor) está a ficar pantanoso, a sorver os fracos recursos científicos e disciplinares, em nome de uma fuga desvairada da equipa ministerial em relação às más classificações de Portugal no concerto Europeu no que à Instrução diz respeito.
Apetecia-me também falar das ideias de Gonçalo Ribeiro Teles, que mais uma vez ensina aos citadinos (que são já agora todos os portugueses) coisas essenciais sobre as culturas e a terra.
Não quero, sobretudo, falar do aborto. Porque me apetecia mais falar da necessidade imperiosa de “partos humanizados”. Sobre o congresso sobre a “Humanização do Nascimento” organizado pela HumPar, e sobre a urgência de em Portugal se começar a exigir mudanças de atitudes das nossas equipas médicas que fazem (tantas vezes tão maus) acompanhamento às parturientes. Ou sobre a dor de casais que tanto gostariam de ter um filho e não conseguem engravidar.
Não devia falar de aborto. Porque socialmente preferia que ninguém tivesse que optar por o fazer. Esse sim seria sinal de evolução e progresso. A lei do aborto representa o falhanço social no que a uma concepção da vida sexual e reprodutiva diz respeito, remendado pela jurisprudência. Gostaria que todas as pessoas estivessem bem informadas, bem acompanhadas, bem conscientes sobre a vida sexual. Que todas soubessem usar anticoncepcionais nas alturas certas, ou que, mesmo se por acaso, cada gravidez, quando acontecesse, fosse uma alegria e um desejo responsável por uma criança. Que as pessoas fossem mais perfeitas, enfim. Mas não são. Não somos. E o peso da morte e do desamparo de muitas mulheres, aliado à questão filosófica e científica sobre a origem do que se pode entender como o começo da vida humana, que não sendo definitiva é suficientemente esclarecedora, é demasiado perturbante e demasiado importante para que eu me silencie neste espaço.
Votei “Sim” da primeira vez. Vou votar “sim”desta vez. Não porque esteja convencida da civilidade da lei (onde pode haver civilidade no sofrimento induzido?), ou de que ela remediará o aborto clandestino na sua totalidade, pois a vergonha e a vontade de manter o segredo levará muitas mulheres a continuarem a recorrer a esses serviços, mas porque reconheço a bondade da lei na procura pública de acompanhar uma pessoa desfavorecida, num momento de grande fragilidade emocional e física, procurando evitar-lhe um mal maior.
Não vou votar convencida de uma grande vitória do progresso se a minha posição ganhar. Acho até que ninguém ganha se o “sim” ganhar, porque ganha-se o quê? Lágrimas agora legitimadas pela lei? Mas voto porque sinto que muitas mulheres perdem ainda mais se o “não” ganhar. Eu vou votar sim.
Sem comentários:
Enviar um comentário