quinta-feira, julho 12, 2007

Amanhã será um novo dia

Acordei logo de manhã com aquela imagem cinematográfica/literária do exilado emocional, do exilado da pátria, de histórias antigas que li nos livros. Nos livros de quem? Somerset Maugham, Graham Greene, Malraux ou Conrad? Podia perguntar também se teria sido em Ferreira de Castro. Mas neste autor sei que não encontro a imagem, pois que essa imagem de humidade, floresta, calor sufocante, suor, sofrimento e naturezas ébrias tenho-a de antes de ter lido Ferreira de Castro. Mas onde terei ido buscar essa ideia de homens perdidos, encostados ao balcão de uma qualquer venda no interior de um país bem interior?

Ontem à noite li uma história do pato Donald a um menino. Começava assim: "Um remoto posto comercial nos confins do continente africano. Difícil de alcançar com tempo seco, quase impossível com chuva...". O posto comercial ficava em "N`tali", terra onde havia um bar no qual, encostados ao balcão, todos se diziam perdidos. O pato Donald, a um canto, fixava o balcão, agressivo. A seu lado uma série de copos vazios...de sumo.
Está explicado. O pato Donald foi a minha senha de entrada nesse outro imaginário sobre um espaço e sobre personagens que não conheço, mas sei.

O exame de português B do 12º ano trazia um poema de Fernando Pessoa, rezava assim:

Em toda a noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.

Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor -
Um dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.

Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era,
Para quem,
Por tantas vezes ter sempre 'sperado em vão,
Já nada 'spera.


Pensei, depois de ler, que ali estava um poema que convoca o desânimo, o desapontamento, a impotência. Um poema que sabe o que é estar um homem encostado a um bar a olhar para o fundo de um copo. Isto servirá como analogia para os tempos sociais que estamos sempre a repetir em Portugal? Como se aquele desinteresse no que um novo dia pode trazer, por se saber igual no tempo que antecede a noite temida, fosse o sintoma de uma sociedade que não espera nada de novo, porque ao novo, o que não se sabe como é, mas espera-se que seja novo porque se sabe que o novo sempre vem, haverá sempre algo, ou alguém, que impede que se manifeste. Nem imagino o que seria viver em regime autoritário, em que os dias políticos se queriam a suceder sempre iguais, sob a batuta do ditador.

Lembro-me de Scarlet O`Hara, de M. Mitchell, quando no fim do livro profere a sua vital frase: "After all, tomorrow is another day!"

Mas Fernando Pessoa não tem o mesmo tom, ou intenção, quando diz "Nem o símbolo ao menos vale, a significação /Da manhã que vem". Almas formadas para compreenderem este poema, que semelhança poderão ter com as que reagem esperando, ansiando, acreditando no dia novo que há-de vir amanhã? E essas, que sentimentos reconhecem naquelas?

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