sexta-feira, julho 28, 2006

Paradoxo

Maria João Pires foi para o Brasil. Há anos que tenho seguido pelos jornais a sua saga de criar uma instituição em Portugal. Haverá razões que não compreenderei, porque não tenho acesso às pessoas ou à história do processo, mas não posso deixar de concordar que, pelo que li sobre a pressão dos caciques locais sobre a sua pessoa, numa tentativa de a levarem a abandonar o seu terreno, a sua fundação e o seu projecto, a artista deve ter sentido um peso verdadeiramente insustentável sobre as suas mãos, mais para mais se o poder político finge que não vê ou não ouve.

José Miguel Júdice escreve hoje no jornal: "Os portugueses são, infelizmente, assim. Abusam do poder, confudem poder com autoridade, acham - como os romanos achavam do direito de propriedade - que é no abuso que se revela no seu esplendor o poder de que se usufrui. E depois admiram-se que ninguém os respeite, que todos os despresem: os menos afoitos, da forma rasca e merdosa, com facadas pelas costas logo a seguir às palmadinhas. Os outros, de frente, olhos nos olhos... mesmo quando - como há dias me dizia um jovem e notável advogado - se não esteve a falar para o boneco porque o boneco fugiu.", in Público, 28 de Julho de 2006, p. 11.

Todos nós sabemos que assim é, porque nas diferentes escalas do poder já fomos confrontados com estas atitudes de abuso do poder (mesmo de pessoas que aparentemente são entendidas como não o tendo, como os funcionários de PBX de certas instituições públicas, por exemplo). Mas para quem tem um papel de mínima intervenção na vida pública, como é o meu caso, essa realidade é dificilmente combatível, no que a uma alteração geral do comportamento diz respeito, mas, para pessoas como Maria João Rodrigues e Miguel Júdice, o que as leva a desistir, a ficar pelas queixas? Será que é assim tão definitivamente institucionalizado o mau carácter das pessoas que detêm lugares de poder? Ou seremos todos nós só conhecidos, na nossa alarvidade ou na nossa grandeza, se passarmos por esses lugares?

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