quarta-feira, setembro 20, 2006

Os rapazinhos e a escola


Hoje apetece-me escrever sobre as histórias fabulosas do “Menino Nicolau" de Goscinny e com ilustrações de Sempé, para aproveitar e falar sobre os que falam de educação? Ou falar do livro de Fukuyama sobre a construção de Estados, para falar sobre o nosso Estado? Hum… e o vencedor é: “O menino Nicolau”!

Ainda não estou completamente convencida de que não devia falar da importância social de proferirmos ideias "proibidas". Eu posso dizer o quê? Quando? E Porquê? Respondo primeiro perante quem? Perante a minha consciência ou perante os meus parceiros sociais, mesmo os que eu amo, mesmo a quem eu devo obediência? Perante a intuição ou perante a convenção? Digo alguma coisa de novo ou repito o que já li, escutei ou vi? E em quantas vezes me enganei, me confundi e disse asneiras sem balbuciar? Quais são as minhas certezas? E as minhas dúvidas? Quando falo não abro caminho para que outrem fale também, me responda pelo menos? E isso não é já uma provocação ao diálogo? Adiante.

O tempo da infância não pode tudo, é o tempo precisamente da aprendizagem de que não se pode tudo, mas, para os mais sonhadores, aqueles para quem a disciplina chega de forma tangencial porque não a provocam, logo não a enfrentam inequivocamente, há todo um espaço, de auto-sugestão, de uma liberdade infinita. Julgo que para estes chega a ser surpreendente descobrirem um dia que cresceram e que são pais, e que agora há na sua esfera de gravidade um outro ser a procurar tudo de novo, tudo para si, tudo da primeira vez. E o sonhador ou se torna um moralista desgraçado que prega o que não fez, por desistência da vontade de resistir e de ser difícil ou porque não estava ali, ou se torna espectador dessa natureza e observa-a a seguir o seu curso, planando sobre a existência, escutando.

Porque é que as pessoas que nunca foram professores do secundário ou do ensino básico, que nunca tiveram que andar seis anos a estudar, com vários concursos públicos pelo meio, só para iniciar a carreira, só, falam dos professores como se tudo soubessem destes? Porquê encher a boca com os mestrados que os professores no estrangeiro têm (onde é que isto fica?), como se não soubéssemos que esses graus não se comparam ainda em termos de exigência com os nossos trabalhos? Porque é que quem sempre leccionou no superior e levou anos e mais anos a fazer em doce remanso um doutoramento, debita sobre o que falta aos outros professores em Portugal? Algum professor, sem ser os do ensino não universitário, deixou de cumprir escrupulosamente os critérios de admissão pública ao ensino, providenciados pelo Estado? Conhecem algum professor, fora das universidades, que estivesse a dar aulas porque, com toda a legitimidade, mas uma legitimidade mais que subjectiva, alguém o convidou? Porque é que de repente o estado se vira contra os seus professores na voz de alguns ex-ministros, ministros e afins? O estado do ensino deve-se exclusivamente à política da educação e social escolhida para Portugal e nunca aos seus agentes. Quem é que tem dúvidas?

Não falei ainda do livro “o menino Nicolau”. As histórias, só ligeiramente datadas, porque na realidade algumas coisas mudaram nas estruturas familiares e na escola, contam-nos a vida do menino Nicolau com a sua família e amigos. Era um tempo em que não existiam pedagogos e pediatras, nem a ansiedade de pais a ouvirem pedagogos e pediatras sobre tudo e mais alguma coisa, era o tempo de brincar na rua com os amigos e de ir para a escola sozinho. O tempo em que os pais, ou o estado, não tinham que obrigatoriamente preencher as horas de brincar dos miúdos com actividades pedagógicas, para que os papás possam produzir muitos produtos para o país ser rico. Ou o que quer que seja que se quer rico. Como são histórias pequenas cabem bem na hora de ir deitar. Esses rapazes são os nossos rapazes, sempre a resolverem com os punhos o que não conseguem através do discurso. O humor é superior. Compreendo o desespero do Clotário quando diz aos seus amigos, que "pintaram a manta" na festa dos seus anos: “Ele explicou-nos que queria conduzir uma locomotiva quando fosse grande, mas depois da festa de ontem ele não iria crescer mais porque o papá dele lhe tinha dito que não ia haver mais aniversários”. (p. 84).

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