sábado, dezembro 23, 2006

Reencarnação/Ressuscitação 2

Querer (não é só dizer) que nem um cabelo mude numa determinada pessoa, ou melhor, nem se quer conceber a palavra mudança em relação ao que quer que seja em alguém, e não o sentindo por indiferença ou passividade emocional, revela que tipo de estado afectivo?

Quando Cristo afirmou que um dia todos ressuscitaríamos, sabia, com certeza, que esse todos implicava mesmo todos, e os todos com o seu tudo que define cada um. E ele há cada um… Mas quem consegue estar assim tão apaixonado pelo um de cada um? Quem consegue aceitar a humanidade personificada de forma tão radical? Se na vida tudo se opera pela mudança, quem prefere que nada mude numa pessoa por toda a eternidade? Só pode ser os que estão apaixonados, os que amam profundamente alguém, os que temem mais do que perder a sua própria vida perder a vida dos amados, os que mais do que darem a sua própria vida, querem a vida eterna dos que amam. Uma e outra vez, e para sempre, tal e qual como eles só, e sem que um só cabelo mude sequer.

Platão, pela personagem de Sócrates, ensina-nos no Fédon que imortal só a alma, e que essa incarna numa forma, humana ou não, tantas quantas forem as vezes necessárias para adquirir um elevado grau de virtude e de inteligência. É uma concepção mais cáustica no que à natureza da pessoa diz respeito. Platão, como Sócrates, o pedagogo, quer o que cada mestre quer, a saber, mudar, moldar, aperfeiçoar a natureza do seu discípulo. Mesmo se amado, um discípulo é um aprendiz, um ser imperfeito, inacabado, que urge alterar para corresponder a uma forma exemplar, precisa de ser realizado tendo por modelo um projecto entendido como lhe sendo superior e que ele procurará, se aceitar a autoridade daquele que sabe, ou da ideia que guia o plano do mestre, executar. A reencarnação é pois exemplo de uma teoria que vê na pessoa de cada um a existência de uma parte imortal, a alma, a quem é dada uma outra parte, que é o corpo, que a aprisiona à materialidade, mas que também lhe permite manifestação, numa luta pela emancipação das partes. É um processo que assume que não só quer mudar algo na pessoa, como exige essa mudança.

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