sábado, fevereiro 10, 2007

Paga-se para fazer, paga-se para desfazer, e há quem pague para ver

Embasbacaram as nossas ilustres almas lusitanas com o que Al Gore veio dizer. Só pode ser porque o ex futuro senhor presidente dos EUA (como aliás ele tem a graça de se saber apresentar, e a graça de vender a sua imagem como conferencista) tem um odor a poder imperial, porque de resto essas mesmas palavras andam há anos a ser ditas pelo Arq. Ribeiro Teles e pelo prof. Soromenho Marques, entre outros, e nenhuma dessas almas governativas e autárquicas pára em êxtase para os ouvir falar (e há até quem proponha a lei da pedra para os mesmos). E muitos desses autarcas compungidos com o futuro climático do mundo, desde que ombro a ombro com o Sr. Gore (que “frisson” senhores!) são responsáveis por decisões urbanísticas que contribuem para pôr em causa esse mesmo futuro. Contradição? Não, é só consciência (ecológica) de alguns autarcas/políticos portugueses colada a cuspo.

Há em François Lyotard um saber que reflecte sobre a questão do ajustamento entre o homem e o seu meio ambiente. Se eu me situo na linha de um pensamento do desenvolvimento, tal como na modernidade se concebeu a história social e a história da razão em particular, Lyotard, com as suas críticas ao tipo de programa desenvolvido na modernidade, é o autor que serve muitas vezes de contraponto às minhas teses. Quer isto dizer que o ouço, e com ele procuro argumentar, mas não defendo a sua teoria. No entanto, exactamente por não partilhar das suas conclusões, parece-me mais fiável distinguir os seus pontos de vista, porque exactamente me sinto mais distanciada relativamente aos mesmos. Assim quando ele escreve sobre as relações entre o capitalismo e a tecnologia eu paro para pensar, ainda que com alguma resistência. E o que diz ele? Que o ser humano não passa de um transformador de energia entre outros, que assegura, com as suas produções culturais, económicas, artísticas e tecno-científicas, a complexidade do universo. E à resposta que a comunidade humana deu à complexidade do universo com a criação de uma linguagem e de um método cognitivo extremamente sofisticado, e que dá origem às teorias científicas, reage o capital com a capacidade que tem de retribuir com essas teorias, porque as mesmas que dão resposta aos problemas científicos podem servir depois para produzir e distribuir novos produtos comercializáveis.
Ora não sendo no entanto para Lyotard o capital “um fenómeno económico e social”, pois apesar de ser o capitalismo um sistema que permite poupar tempo, trabalho e dinheiro, de intercâmbio, de aumentar as mais-valias, tudo isto é certo, tem a função de reforçar o que o autor chama de sistema de complexidade energética da “grande mónade”, um reforço conduzido por negentropia. Por esta entende-se um factor que organiza os sistemas físicos e humanos no sentido de evitar a desordem do sistema, fenómeno anterior à vontade e à inteligibilidade dos humanos e que os convoca. Ora o que poderia estar a acontecer, segundo Lyotard, é que a tecno-ciência não é um fenómeno decorrente do interesse e da vontade de cada indivíduo, ou de um grupo social, em conhecer e transformar a realidade, mas sim a reacção cósmica por necessidade de se complexificar utilizando a comunidade humana para o efeito, longe de um ponto de vista humanista. É bizarro, mas a degradação do nosso planeta, na soma geral dos sistemas existentes no universo, não interessa, mesmo que isso pressoponha, como pressupõe, o fim da própria espécie humana.

Não podemos deixar de perguntar então o que há a fazer? Para um pós estruturalista, este tipo de fenómenos, não dependem do domínio humano, os seres humanos não o podem dominar:”No estado actual das tecno-ciências e do capital acumulado nos países desenvolvidos, a identificação da comunidade por ela própria não necessita da adesão dos espíritos, não depende de grandes ideologias partilhadas, acontece pela mediação do conjunto dos bens e dos serviços trocados a um ritmo prodigioso, do equivalente geral destas trocas representado pelo dinheiro e do pressuposto absoluto deste equivalente que é a linguagem.”, p.127.
Se compreendo esta teoria como um novo impacto no narcisismo humano (no seguimento do que fora, como Freud os enunciara, os impactos narcisistas de o “homem não está no centro do Cosmos (Copérnico), não é o primeiro dos seres vivos (Darwin), não é dono do significado (Freud)”, o que obrigaria a compreender que mais não passaríamos de um átomo em movimento no sistema de energia universal), também compreendo que nos deixa sem a possibilidade de defender uma intervenção mais inteligente e cooperativa entre os humanos no sentido de criarem uma vida melhor. E a lição de humildade da tese ajuda-nos a defender-nos dos maus decisores? Ou apenas nos ajuda a compreendê-los irrelevantes na soma total da vida universal, mas relevantes para as comunidades afectadas directamente pelas suas acções e/ou pensamentos?

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