Os referendos há oito ou 10 anos anos estavam na moda. Repetia-se à saciedade o seu valor cívico e participativo. Era o tempo em que os políticos evocavam as democracias do Norte da Europa e vendiam publicamente essa ideia. Desta feita a defesa da ideia do referendo como processo participativo dos cidadãos na política foi defendido de uma forma mais envergonhada. Não está na moda. O que está na moda em política neste Outono/Inverno é apresentar malabarismos com números da função pública e achar que todos os problemas do país se resolvem com a maximização das privatizações dos serviços públicos. È a ideologia do primado do económico sobre o politico. Uma ideologia social, portanto.
Eu comprei totalmente a ideia da importância do referendo, e não desisto dela mesmo quando os que fizemos até agora insistem em demonstrar que os portugueses não querem tornar vinculativas as decisões que daí venham a ser manifestadas. São expressões da vontade, e neste caso específico, da consciência moral de cada um.
Seria interessante que alguém pudesse fazer um estudo sobre os valores da sociedade Portugal em termos de desenvolvimento moral segundo os estádios de Kohlberg. Mas para isso era preciso sabermos as motivações e fundamentações de cada votante. Um estudo mais complexo mas não menos importante para a compreensão de quem somos como povo, do que o que é feito pelas apresentações de sondagens, por exmplo. Aliás, com cada empresa/canal a reivindicar êxitos na previsão. Também com o tipo de intervalos que os mesmos especialistas propõem… e depois há a questão levantada pelo sociólogo Patrick Champagne de que a sondagem é uma falsa ciência que dá a ilusão de um saber: a ilusão de que se sabe o que pensa o público ou, mais sério ainda, de que ao fazer-se sondagens se está a fazer uma consulta “democrática” ao eleitorado. Hei-de voltar a escrever sobre este tema.
As televisões pareceram também não se quererem vincular muito ao referendo e terminaram todas muito antes do tempo que tinham anunciado vir a dedicar à sua discussão. Mas, sinal de maturidade ou de desprendimento? , feitas as contas, e caindo-se na saturação da repetição dos argumentos dirimidos na campanha (em alguns casos a atingir a caricatura, como aconteceu com um representante do “Movimento pelo Não” que interveio a prever o apocalipse do sistema de saúde público e a reclamar como votantes no “Não” os abstencionistas, no movimento contorcionista da noite), e no vazio de uma lei ainda por fazer e sobre a qual ainda ninguém pode apresentar contornos (a entrevista ao Ministro da Saúde na RTP1 foi por isso confrangedora), os três canais de televisões generalistas terminaram todas as suas emissões muito mais cedo do que o que tinham programado e foi um aí vão elas para programas que garantam audiências, com a SIC a ser apanhada na mão e a propor em série de dois a série CSI.
A humilhação pelo acto da mulher em estado de não querer/poder prosseguir a sua gravidez espero que termine, pese embora dependa esta mais da humanidade dos técnicos de saúde escalonados para acompanhar as mulheres do que da bondade de uma lei, mas a dor … a dor, essa é que não desaparece por nenhum referendo, mesmo se vinculativo. E aí estarão sozinhas. E sozinhos. Um dia, na rotunda do Santo António em Alvalade, enquanto esperava que o sinal de trânsito abrisse, ouvi um carro parar bruscamente, de lá de dentro saiu um rapaz que gritava desesperadamente "Não faças isso, tu és uma assassina. Não vás." e agarrado à porta continuava a gritar. Quando finalmente bateu com a porta o carro arrancou e passou à minha frente. Segui o rapaz com os olhos, ele ia visivelmente alterado. Ao mesmo tempo eu consegui compreender o desespero dele, sem pôr em causa a decisão da rapariga. Ela saberia o que eu não sabia. Mas compreendi pela primeira vez a dor de um homem quando é obrigado a abortar. Algo que eu nem admitia. Imaturidade minha, ou excesso de neo-realismo existencial, nem consigo aqui explicar. A dor, pois. Essa maldita dor que não os largará por jurisdição.
As televisões pareceram também não se quererem vincular muito ao referendo e terminaram todas muito antes do tempo que tinham anunciado vir a dedicar à sua discussão. Mas, sinal de maturidade ou de desprendimento? , feitas as contas, e caindo-se na saturação da repetição dos argumentos dirimidos na campanha (em alguns casos a atingir a caricatura, como aconteceu com um representante do “Movimento pelo Não” que interveio a prever o apocalipse do sistema de saúde público e a reclamar como votantes no “Não” os abstencionistas, no movimento contorcionista da noite), e no vazio de uma lei ainda por fazer e sobre a qual ainda ninguém pode apresentar contornos (a entrevista ao Ministro da Saúde na RTP1 foi por isso confrangedora), os três canais de televisões generalistas terminaram todas as suas emissões muito mais cedo do que o que tinham programado e foi um aí vão elas para programas que garantam audiências, com a SIC a ser apanhada na mão e a propor em série de dois a série CSI.
A humilhação pelo acto da mulher em estado de não querer/poder prosseguir a sua gravidez espero que termine, pese embora dependa esta mais da humanidade dos técnicos de saúde escalonados para acompanhar as mulheres do que da bondade de uma lei, mas a dor … a dor, essa é que não desaparece por nenhum referendo, mesmo se vinculativo. E aí estarão sozinhas. E sozinhos. Um dia, na rotunda do Santo António em Alvalade, enquanto esperava que o sinal de trânsito abrisse, ouvi um carro parar bruscamente, de lá de dentro saiu um rapaz que gritava desesperadamente "Não faças isso, tu és uma assassina. Não vás." e agarrado à porta continuava a gritar. Quando finalmente bateu com a porta o carro arrancou e passou à minha frente. Segui o rapaz com os olhos, ele ia visivelmente alterado. Ao mesmo tempo eu consegui compreender o desespero dele, sem pôr em causa a decisão da rapariga. Ela saberia o que eu não sabia. Mas compreendi pela primeira vez a dor de um homem quando é obrigado a abortar. Algo que eu nem admitia. Imaturidade minha, ou excesso de neo-realismo existencial, nem consigo aqui explicar. A dor, pois. Essa maldita dor que não os largará por jurisdição.
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