terça-feira, março 06, 2007

Identidade 6

Mas estou a dar uma importância muito grande à origem social, externa, das estruturas constituintes da identidade. O que identifica um povo, ou uma pessoa, não pode ser apenas aquilo codificado ou que ganha significado pelas ideias controladas e impostas pelo exterior. O peso dado às circunstâncias históricas e sociais faria de cada indivíduo um ser determinado pelo meio sociocultural. E como não o é? Primeiro porque existem outros factores que influenciam a representação de si e a acção ou comportamento correspondente a essa representação, tal como as características genéticas, a faculdade da vontade que permite alterar um traço de carácter, ou corrigir um comportamento, entre outros factores, segundo, porque se o que nos identifica estiver exclusivamente dependente de um ponto de equilíbrio entre os meus interesses e os interesses do meu grupo ou sociedade, eu não passaria de um fiel de armazém, a dar conta das entradas e saídas de ideias e modelos comportamentais, num registo muito comercial da minha existência.
Para evitar a redução da anáilise à heteronomia da identidade (caracterizada pela interiorização de modelos sociais do seu grupo), alguns filósofos buscaram definir a autodeterminação na acção e na reflexão segundo princípios que relevassem a autonomia de cada indivíduo na sua relação com o grupo. Isto é, procuraram encontrar uma dimensão em que cada um se apresenta como Pessoa, em que cada um se apresenta como senhor da sua existência. Foi o que fez Kant, por exemplo, ao desenvolver o conceito de razão prática, faculdade de orientação da vontade que cada indivíduo possui para orientar, escolher, a sua acção.

Assim, cada indivíduo poderia, a partir da faculdade racional, teórica e prática, utilizar a sua vontade regulada pela razão para escolher as suas acções da forma mais autónoma possível, isto é, como um ser que possui livre arbítrio e não se encontra sujeito às mesmas leis de causalidade e necessidade dos restantes fenómenos naturais. Mas como sabemos que isto do livro arbítrio, da possibilidade de cada um escolher, não é mais um jogo de palavras para escamotear uma realidade social em que cada um não passa de uma peça de jogo na mão de um sistema de classes e de poder que determina o nosso lugar, o nosso comportamento e as nossas representações do mundo e de nós, numa linha de interpretação gramsciana? Interpretação que eu devia conhecer melhor, aliás, mas que não domino. Em Portugal nem reeditam as suas obras...

Wittgenstein, ainda que ele explorasse esta questão por contraponto com essa outra do determinismo ou tese que defende a universalidade de leis necessárias para orientar o comportamento, preocupou-se com o problema. Ele conclui que na realidade no nosso contexto científico –cultural nada nos pode fazer crer mais na afirmação determinista do comportamento humano, do que na afirmação de livre-arbítrio, pois afirmar o jogo de predizibilidade absoluta dos acontecimentos não é causa para impossibilitar efectivamente que haja e se possa realizar escolhas. Mesmo que essa predição se realize, o carácter da escolha é da ordem do intencional, é da ordem daquilo que cada um, com o que sabe e como sabe, reconhece ser a melhor justificação para as suas escolhas, logo...

2 comentários:

Anónimo disse...

muito bem!

Isabel Salema Morgado disse...

Agradeço a sua leitura.


isabel