Acabei de ler o livro de Amartya Sen. Percebi que o autor teve todo o cuidado em distinguir entre a ideia de liberdade cultural e a ideia de valorizar a preservação cultural. A primeira das ideias permite-me defender livremente os modelos da minha cultura perante outras formas possíveis de existência, a segunda ideia vai provocar na prática a prisão de um grupo ou de um indivíduo a estereótipos que, tendo por base uma boa intenção antropológica, a de equiparar em valor as culturas, salvaguardando a importância do multiculturalismo, acabam por ter como efeito empurrar as pessoas, as que foram ditas pertencerem à respectiva cultura identificada, para um beco sem saída cultural, sem que muitas delas possam sequer escolher ser vistas dessa forma ou não. Por exemplo, ser muçulmano é uma forma possível de alguém querer ser identificado, e de essa representação de si corresponder a uma manifestação cultural própria com que o indivíduo escolhe apresentar-se. Mas isso não obrigará a que qualquer outro muçulmano não possa escolher ser representado por outras formas de manifestação de si que não passam, nem têm que passar, pelo facto, ainda que para ele seja inquestionável, de ser um crente islâmico. Ele pode escolher fazer-se representar como uma pessoa com uma intervenção cívica ou política que nada tenha a ver com os princípios da religião que professa, por os considerar separados, ou por querer mudar a sua forma de vida em relação a quaisquer modelos tradicionais. O mesmo acontece com indivíduos de outras religiões ou com não crentes, deverão ter a liberdade de escolherem como querem ser vistos, de forma livre e consciente de si.
Assim, salvaguardar a ideia de multiculturalismo (uma medida defendida por alguns intelectuais contra a arrogância cultural dos modelos dominantes mas que acaba por se transformar ela própria num modelo arrogante para com os indivíduos sobre o quais ela estende a sua influência) acarreta a subordinação da escolha individual à ideia de identidade do grupo, e coloca ao mesmo nível as formas de vida, equiparando-as entre si. O que a experiência vem provar que é errado. Há formas de vida que são melhores, pelo grau de satisfação individual ou colectiva que conseguem fazer registar, do que outras. Isto não depende do acaso, ou da arbitrariedade histórica ou genética, depende da capacidade de escolher e de administrar seja na esfera da vida privada ou na esfera do governo da coisa pública, num conjunto de opções que deve ser o mais alargado possível.
Se empurrarmos as pessoas para uma afiliação única na representação de si, estamos a contribuir para a sua uniformização intelectual e vivencial. Algo que só acontece se for provocada de forma artificial. Isto é, se separarmos os indivíduos por credos confessionais, por raça, género ou cultura, e os expusermos a uma influência intelectual e cultural única, alienando-os numa ideia única de si, ao invés de lhes potenciarmos a capacidade de escolha e o sentido crítico, expondo-os a vários modelos de comportamento e de possível identificação.
Sen diz-nos que este tipo de tratamento, potenciado pela política federativa de comunidades em alguns países ocidentais, que potenciou a divisão das crianças por escolas e grupos separados, levou ao sectarismo o qual se exponenciou nos jovens terroristas em luta contra a ideia de uma humanidade comum, partilhável inter credos, inter culturas. Esta ideia de reduzir todos esses outros a uma única identidade, a falarem a uma só voz, que continua a alimentar os políticos mundiais quando eles para resolverem problemas do foro social ou político nacional ou internacional, continuam a convocar, por exemplo, os líderes religiosos das comunidades para falarem sobre assuntos não religiosos mas políticos, ou éticos, ao invés de destacarem também outros líderes com um empenhamento cívico, e com uma concepção distinta do que é ser identificado como um muçulmano, que não como exclusivamente islâmico, por exemplo, que quer separar os assuntos seculares dos do seu credo.
Escreve Amarty Sen : “A confusão gerada pela aceitação implícita de um critério único de identificação levanta barreiras sérias à superação do terrorismo global e à criação de um mundo sem violência ideologicamente organizada em larga escala.” Qual será então a solução para este problema? - perguntamos nós. Sen responde: “O reconhecimento da existência de múltiplas identidades e de um mundo para além das afiliações religiosas, mesmo para pessoas muito crentes, pode fazer alguma diferença no mundo perturbado em que vivemos.”,Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. de La Fuente, Lisboa, Tinta-da-China, 2007, p. 115.
O que implica que os políticos ocidentais falem com as pessoas dos movimentos de oposição dos países cujos governos potenciem mais conflitos internacionais, que admitam a ideia de diversidade e de liberdade e respeito pela escolha, que não empurrem os indivíduos mais moderados para uma posição de defesa radical de uma identidade única sentida como a exclusiva resposta ao poder manifesto.
Assim, salvaguardar a ideia de multiculturalismo (uma medida defendida por alguns intelectuais contra a arrogância cultural dos modelos dominantes mas que acaba por se transformar ela própria num modelo arrogante para com os indivíduos sobre o quais ela estende a sua influência) acarreta a subordinação da escolha individual à ideia de identidade do grupo, e coloca ao mesmo nível as formas de vida, equiparando-as entre si. O que a experiência vem provar que é errado. Há formas de vida que são melhores, pelo grau de satisfação individual ou colectiva que conseguem fazer registar, do que outras. Isto não depende do acaso, ou da arbitrariedade histórica ou genética, depende da capacidade de escolher e de administrar seja na esfera da vida privada ou na esfera do governo da coisa pública, num conjunto de opções que deve ser o mais alargado possível.
Se empurrarmos as pessoas para uma afiliação única na representação de si, estamos a contribuir para a sua uniformização intelectual e vivencial. Algo que só acontece se for provocada de forma artificial. Isto é, se separarmos os indivíduos por credos confessionais, por raça, género ou cultura, e os expusermos a uma influência intelectual e cultural única, alienando-os numa ideia única de si, ao invés de lhes potenciarmos a capacidade de escolha e o sentido crítico, expondo-os a vários modelos de comportamento e de possível identificação.
Sen diz-nos que este tipo de tratamento, potenciado pela política federativa de comunidades em alguns países ocidentais, que potenciou a divisão das crianças por escolas e grupos separados, levou ao sectarismo o qual se exponenciou nos jovens terroristas em luta contra a ideia de uma humanidade comum, partilhável inter credos, inter culturas. Esta ideia de reduzir todos esses outros a uma única identidade, a falarem a uma só voz, que continua a alimentar os políticos mundiais quando eles para resolverem problemas do foro social ou político nacional ou internacional, continuam a convocar, por exemplo, os líderes religiosos das comunidades para falarem sobre assuntos não religiosos mas políticos, ou éticos, ao invés de destacarem também outros líderes com um empenhamento cívico, e com uma concepção distinta do que é ser identificado como um muçulmano, que não como exclusivamente islâmico, por exemplo, que quer separar os assuntos seculares dos do seu credo.
Escreve Amarty Sen : “A confusão gerada pela aceitação implícita de um critério único de identificação levanta barreiras sérias à superação do terrorismo global e à criação de um mundo sem violência ideologicamente organizada em larga escala.” Qual será então a solução para este problema? - perguntamos nós. Sen responde: “O reconhecimento da existência de múltiplas identidades e de um mundo para além das afiliações religiosas, mesmo para pessoas muito crentes, pode fazer alguma diferença no mundo perturbado em que vivemos.”,Amartya Sen, Identidade e Violência, trad. M. J. de La Fuente, Lisboa, Tinta-da-China, 2007, p. 115.
O que implica que os políticos ocidentais falem com as pessoas dos movimentos de oposição dos países cujos governos potenciem mais conflitos internacionais, que admitam a ideia de diversidade e de liberdade e respeito pela escolha, que não empurrem os indivíduos mais moderados para uma posição de defesa radical de uma identidade única sentida como a exclusiva resposta ao poder manifesto.
O muito belo quadro aqui reproduzido é o "saudade" e faz parte do tríptico intitulado "a vida" do excelente António Carneiro.
1 comentário:
"A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo." - Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'
Então e como é que um povo se identifica com a politica que o rege e como é que a politica se identifica com o povo que a elegeu, sem comprometerem a liberdade individual? Ou estará a liberdade individual num plano secundário relativamente à segurança colectiva?
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