Antes de começar a perceber que os líderes políticos usavam a metáfora, ouvi falar pela primeira vez em "chicotadas psicológicas" com os treinadores de futebol desta terra, numa era pré-Mourinho. Já não sei quantos, nem quem, mas houve épocas em que se ouviu dizer que muita "chicotada se deu nos jogadores". Como professora, e treinadora de bancada, sempre me confundi com os que confundem a manifestação da autoridade e exigência de disciplina e trabalho com a humilhação e a falta de respeito pela dignidade profissional e pessoal de cada indivíduo. Se isso acontecia no futebol imagine-se quando comecei a aperceber-me que a técnica era utilizada também na política comunicacional entre governantes e governados. Para meu desgosto, o governo Sócrates fê-lo logo no discurso de tomada de posse, quando o nosso primeiro-ministro anunciou um combate aos privilégios dos farmacêuticos e dos juízes. Não, que não houvesse reformas a fazer, nessas como em outras esferas profissionais, mas o tom utilizado, que muitos preconizaram ser o de um corajoso a enfrentar os interesses instalados, eu entendi-o como o início de um princípio de humilhação profissional junto da colectividade, para lhes diminuir a autoridade, enfraquecendo a imagem e a capacidade de resposta. Que os lobbies precisam de um forte poder político que os confronte, ninguém duvida, que a política deve regular as esferas económicas e sociais com vista a um bem-comum, também não, mas procurar governar através da diluição do respeito pelo trabalho dos outros?
Este mesmo tom de "alguns andam aqui para explorar descaradamente o resto da população" encaixa na perfeição na vontade e na razão de queixa que todos temos dos diferentes serviços ao público. É verdade. E assim se procedeu com todos os grupos profissionais a quem se quis cortar nos privilégios, segundo muitos, e nos direitos, segundo outros. O que aconteceu? Humilhação de classes profissionais sem trabalho nenhum no que a uma discussão de interesses e deveres diz respeito, com a salvaguarda do princípio da submissão do interesse geral da população sobre o interesse privado do profissional. Foi um trabalho fácil ao nível discursivo, bastou-lhes dizer duas ou três frases sempre iguais e repetidas em todas as ocasiões: "O país precisa de fazer sacrifícios, todos os estão a fazer e os professores ou juízes, ou forças de segurança ou médicos ou que for, não podem continuar a entender-se a excepção, acima das necessidades de reforma nos procedimentos".
O que ganhou o discurso político com isto? Cortou mais célere nas despesas? E o que o país perdeu em termos paralisia argumentativa que se reflectiu na forma como esses profissionais entendem que são vistos pelas suas tutelas (como párias) e como passaram a ser vistos pelos outros cidadãos, com a consequente desregulação das interacções? Veja-se o aumento no último ano lectivo de casos de violência física e verbal sobre os docentes, por exemplo.
A senhora H. Sellier fez o mesmo. Ao querer alcançar o objectivo certo, uma maior preocupação e empenhamento das autoridades para com os casos que envolvam violência sobre as crianças, arrasou com o sistema policial e judicial português. Este tipo de discurso faccioso, insidioso e falso, ao invés de promover ou obrigar a reformas que envolvam todos os interessados de forma lúcida e autocrítica, só serve para paralisar por sentimento de estupefacção. Quem acredita em chicotadas psicológicas daquele jaez é porque não acredita em democracia, não respeita a inteligência dos seus interlocutores, nem respeita a capacidade de trabalho e de entrega desses profissionais. Não está sozinha no uso destes métodos, no governo português há muitos políticos a partilharem-lhe o estilo. Agora, o que é que em termos de acção pública e melhoria dos sistemas se ganha com esse método é que é algo que eu não vejo.
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