segunda-feira, novembro 12, 2007

biografia

As biografias não contam toda a verdade da vida dos biografados. Como poderiam? Em meia dúzia de páginas descreve-se, por exemplo, a participação numa guerra que durou sete meses. Entre o tempo de uma vida e aquele que é contado sobre essa vida, só se destacam os acontecimentos maiores, quase sempre os que resultam da intenção do sujeito.

Nessas páginas não há tempo para que nós sintamos o que sentiam as personagens quando o tédio, a apatia, o lento desenrolar dos dias à espera de uma decisão que tarda, a agonia de uma dúvida que não abandona a consciência, o repetir de gestos mecanizados e que se sabe que se irão ter que repetir até à morte, e que, em rigor, também deverão ter feito parte dessas vidas.
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Por exemplo: Winston Churchill, conta-nos o seu biógrafo, Martin Gilbert, andou pela primeira vez a fazer um circuito de conferências pagas em Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, quando tinha vinte e cinco anos. Conferências cheias de gente entusiasmada. E também conferências onde muitas cadeiras ficaram vazias. Mas o que se destaca nas páginas do livro? Os sentimentos do orador numa casa cheia, ou os seus sentimentos de falar para casas vazias? Vamos a uma aposta?
E sim, eu sei, há uma questão de quantidade e de efeito na vida dessa quantidade. Mais casas cheias equivalem a um efeito de preenchimento existencial diferente daquele de falar para mais casas vazias. Mas elas também lá aconteceram, e lá provocaram sensações ou reflexões. O que cada um faz com elas, ou que imagem dará de si apesar delas, é que pode ser distinto.
Isso ensinava-nos o nosso profundo pensador Virgílio Ferreira, a nós alunos do 10º ou do 11º ano, já não me recordo bem, pela voz da nossa professora de português: "Não importa o que fizeram connosco, importa aquilo que nós fizermos com o que fizeram connosco."
E nós escutávamos as palavras, compenetrados, e desejando todos, quem sabe, fazer delas a nossa verdade.

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