Ontem, depois de ler o texto de João Miguel Tavares no DN on line “CASA PIA PARTE II: POR FAVOR, NÓS JÁ VIMOS ESTE FILME”, fiquei a pensar no seguinte: a grande sorte que é poder escapar de uma política infeliz através de uma paixão amorosa; às vezes também temos a sorte de escapar a uma paixão amorosa infeliz através da política. Seja como for, esse sentir difuso ou agudo de uma infelicidade pode ficar suspenso com o estado de choque provocado ou por uma paixão ou, pelo seu contrário, pelo impacto sobre os nossos nervos de um acontecimento social ou político. De uma forma ou de outra somos levados a perspectivar a nossa dor ou existência. A sair da dor convergente. Mas essa saída pode não ser para ir ao encontro de uma solução, podemos sair do sentir ou do pensar sobre nós e ficar paralisados à porta de nós mesmos.
O silêncio sobre o que se passa em sociedade, na política, em Portugal como no mundo pode ser representativo da estupefacção e o da impotência. O silêncio não tem que ser sinal de indiferença.
Habermas, não consigo agora precisar em que texto, fala precisamente sobre este estado de estupefacção que paralisa o agente quando compreende que a mediação entre a sua vontade ou desejo de participar, com o espaço e o momento para o fazer efectivamente, e o resultado prático desse desejo ou dessa participação, é de uma tortuosidade para a qual a teoria democrática não o prepara. O que leva à frustração e ao abandono da vontade de participar, prostrando o indivíduo.
Na prática, as sociedades democráticas protegem-se da formação da personalidade cívica multidireccional e concorrente, fazendo enquadrar essa constituição através dos processos académicos ou partidários, propondo uma ordem. Será nas escolas, com programas restritos, e nos partidos, com programas restritos, que os indivíduos aprendem a pensar a política. Muito diferente seria assumir uma actividade extra curricular e extra partidária que preparasse os indivíduos para a vida pública. Nas sociedades contemporâneas para além do grupo familiar ou de amigos de cada um, só a existência de uma imprensa livre permite esta estrutura de formação política paralela. Mas a imprensa é também um produto que tem que se vender. Entre essa dupla existência (é um objecto comercializável e é um objecto de formação, através da divulgação de informação imparcial e idónea) ela produz efeitos na criação da personalidade pública de cada um de nós. Mas na antiguidade clássica, por exemplo, os filósofos, com um método de investigação mais dialéctico e mais orientado para a procura da verdade, e os sofistas, mais atinentes aos efeitos práticos do seu ensino, preparavam cada cidadão par desempenhar os seus cargos na vida pública. O círculo de participação era mais restrito, eu sei. A mediação política dos gregos era a da dimensão da sua voz na praça pública, certo. Mas existia essa ideia de necessidade de formação de cada cidadão nos assuntos públicos e da sua chamada a fazer escolhas, muito para além do momento cíclico eleitoral.
Na adolescência, lembro-me que não havia hipótese nenhuma da política real apaziguar qualquer dor. Era uma realidade paralela à nossa existência, quando não muito aquém dela. Da minha existência ou a do meu grupo de amigas, já que passávamos a vida a idealizar vidas privadas ou a de comunidades políticas públicas. Inventávamos cidades, estados e regras universais nossas, como inconsequentes pequenas deusas. Havia paixões e havia ideias, o objecto real dessas paixões ou da consequência dessas ideias era uma coisa não pensável ou sequer tomado em consideração. Ditadura da imaginação no poder. Liberdade de quem não tem que ganhar um salário para viver, nem tem que pagar impostos. O menosprezo pelo Estado e a exaltação da afectividade pelo país. Só quando percebemos, ou quando eu percebi que tinha percebido, que a política real não era uma distracção no que aos meus direitos e deveres como pessoa dizia respeito, mas sim garantia ou obstáculo para os mesmos, é que houve a concessão de um olhar mais atento.
Mas a política quando é um jogo do arrisca agora e paralisa o adversário antes que ele te paralise, um jogo de estratégia de sobrevivência de um indivíduo ou de um partido no poder, acaba por levar à paralisação do cidadão. E esta impotência não revela necessariamente uma concessão ao valor do governante, ou do decisor, pode revelar uma dor pública imensa, sem palavras para falar sobre o seu desgosto.
O silêncio sobre o que se passa em sociedade, na política, em Portugal como no mundo pode ser representativo da estupefacção e o da impotência. O silêncio não tem que ser sinal de indiferença.
Habermas, não consigo agora precisar em que texto, fala precisamente sobre este estado de estupefacção que paralisa o agente quando compreende que a mediação entre a sua vontade ou desejo de participar, com o espaço e o momento para o fazer efectivamente, e o resultado prático desse desejo ou dessa participação, é de uma tortuosidade para a qual a teoria democrática não o prepara. O que leva à frustração e ao abandono da vontade de participar, prostrando o indivíduo.
Na prática, as sociedades democráticas protegem-se da formação da personalidade cívica multidireccional e concorrente, fazendo enquadrar essa constituição através dos processos académicos ou partidários, propondo uma ordem. Será nas escolas, com programas restritos, e nos partidos, com programas restritos, que os indivíduos aprendem a pensar a política. Muito diferente seria assumir uma actividade extra curricular e extra partidária que preparasse os indivíduos para a vida pública. Nas sociedades contemporâneas para além do grupo familiar ou de amigos de cada um, só a existência de uma imprensa livre permite esta estrutura de formação política paralela. Mas a imprensa é também um produto que tem que se vender. Entre essa dupla existência (é um objecto comercializável e é um objecto de formação, através da divulgação de informação imparcial e idónea) ela produz efeitos na criação da personalidade pública de cada um de nós. Mas na antiguidade clássica, por exemplo, os filósofos, com um método de investigação mais dialéctico e mais orientado para a procura da verdade, e os sofistas, mais atinentes aos efeitos práticos do seu ensino, preparavam cada cidadão par desempenhar os seus cargos na vida pública. O círculo de participação era mais restrito, eu sei. A mediação política dos gregos era a da dimensão da sua voz na praça pública, certo. Mas existia essa ideia de necessidade de formação de cada cidadão nos assuntos públicos e da sua chamada a fazer escolhas, muito para além do momento cíclico eleitoral.
Na adolescência, lembro-me que não havia hipótese nenhuma da política real apaziguar qualquer dor. Era uma realidade paralela à nossa existência, quando não muito aquém dela. Da minha existência ou a do meu grupo de amigas, já que passávamos a vida a idealizar vidas privadas ou a de comunidades políticas públicas. Inventávamos cidades, estados e regras universais nossas, como inconsequentes pequenas deusas. Havia paixões e havia ideias, o objecto real dessas paixões ou da consequência dessas ideias era uma coisa não pensável ou sequer tomado em consideração. Ditadura da imaginação no poder. Liberdade de quem não tem que ganhar um salário para viver, nem tem que pagar impostos. O menosprezo pelo Estado e a exaltação da afectividade pelo país. Só quando percebemos, ou quando eu percebi que tinha percebido, que a política real não era uma distracção no que aos meus direitos e deveres como pessoa dizia respeito, mas sim garantia ou obstáculo para os mesmos, é que houve a concessão de um olhar mais atento.
Mas a política quando é um jogo do arrisca agora e paralisa o adversário antes que ele te paralise, um jogo de estratégia de sobrevivência de um indivíduo ou de um partido no poder, acaba por levar à paralisação do cidadão. E esta impotência não revela necessariamente uma concessão ao valor do governante, ou do decisor, pode revelar uma dor pública imensa, sem palavras para falar sobre o seu desgosto.
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