quarta-feira, janeiro 16, 2008

país moral ou salto do tigre

Às vezes há dias assim. Dia em que sentimos o tempo instalar-se definitivamente no nosso corpo ou no corpo dos que nos estão mais próximos. Sabemos racionalmente que essa instalação é contínua, que é inexorável na sua lei, que é natural que assim seja, mas só de vez em quando a razão se torna matéria e conhece de experiência física o que o espírito lhe ensinou. São momentos que eu chamo de viver ao rés-do-chão. Podem ser provocados por qualquer coisa, talvez uma dor ou uma alegria intensa, um desapontamento ou uma alegria, uma humilhação ou um orgulho em si, uma sensação de impotência ou pelo resultado de um esforço bem sucedido. Não sei quantas formas haverá de o provocar. Depois cada um processará essa experiência como souber ou conseguir. Eu gosto da maneira como o filósofo procede. Quando digo filósofo penso nos filósofos que conheço da história da filosofia e na ideia que nos deram desse seu trabalho. Onde muitas pessoas dizem o filósofo aéreo eu digo-o concentrado, onde dizem longe da realidade eu digo-o reflexivo à realidade, onde o dizem rebarbativo eu digo-o paciente pesquisador de palavras e ideias novas, onde o vêm a querer ser orgulhosa criatura a pensar-se de uma espécie acima da comum atitude humana eu vejo-o pesquisador de novas formas de compreender e de comportar em face da natureza, onde o dizem supérfluo eu entendo-o criador.
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Não há como fugir à necessidade. Quase não há como fugir à necessidade, melhor dizendo. Seres pelo mundo tentaram. Dostoiévski diz-nos que Zóssima, o stárets Zóssima, o conseguiu durante um tempo. Dominar a necessidade, entenda-se. Mas já antes a literatura nos dá testemunho de outros eremitas no mundo, de outros monges de várias confissões religiosas que procuram de forma ascética controlar a necessidade dos seus corpos.
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Há a realidade temporal, os acontecimentos que circunscrevem a história pessoa ou dos povos e há a possibilidade de reflectir sobre tudo isso num ritmo próprio do pensamento. É como saber que se está ali mas que também se pode estar noutro lugar. É uma espécie de liberdade. Uma preparação mental como se fora um salto do tigre. Agora o que me acontecer será trampolim e não uma teia de conformismo, podia dizer o filósofo. Mérito o dele. Posição consagrada.
Está a ter lugar no grupo de discussão phimopo uma discussão que versa sobre a questão: "Dans quel pays serait-il le plus moral de vivre ?" Veja-se, no país de Sarkozy, o bobo, e sem dispromor para o presidente porque basta ver o papel do bobo no filme de Kurosova para se compreender como um bobo é importante, mas como escrevia, de um país que tem Sarkozy como presidente vem uma discussão tão fascinante.
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Quem colocou a questão "Qual seria o país onde se poderia viver da forma mais moral?" quis partir de uma situação semelhante ao processo do "véu de ignorância" de John Rawls. O filósofo Rawls propôs a seguinte experiência pensada: ponha-se numa posição em que por amnésia entrou num estado em que desconhece inteiramente o seu estatuto social, o seu papel representativo na sociedade, as suas aptidões e os seus recursos relacionais, emocionais, cognitivos, psicológicos ou físicos. Ponha-se nessa posição que admitamos ser uma posição original, um grau zero da identidade, o que acha que iria defender como princípios de justiça se se mantivesse sob esse "véu da ignorância"?
Para Rawls, só a imparcialidade pode fazer aceder ao enunciado de princípios universais, e se pessoas distintas não souberem como hão-de defender os seus interesses pessoais porque não têm hipótese de conhecerem as suas qualidades ou defeitos, então defenderão os seus interesses no sentido de preservar que em qualquer circunstância da sua história pessoal ou social lhe garantam uma vida justa. Assim, Rawls identificou que os interesses que toda a gente quer ver assegurados são os que cabem na satisfação dos seguintes princípios: Princípio da liberdade e o da equidade (as desigualdades sócio-económicas devem ser distribuídas tendo em conta a igualdade de oportunidades e que sejam a consequência de uma distribuição equitativa de oportunidades).
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A ideia do dinamizador do grupo de discussão filosófica supra citado era saber em que país uma pessoa podia viver, se pudesse completamente escolher, por ser o mais moral. E assim a discussão tem corrido entre saber se a moral de um país pode ser definida a partir dos seus governantes, ou dos seus cidadãos ou dos seus indivíduos. Curioso. Até agora fala-se dos países que melhor tratam os seus imigrantes, como um dos critérios para definir a moralidade de um país, apontando-se assim a Itália como um país moral. Mas outros lembram a baixa taxa de natalidade da Itália que obriga as autoridades e a sociedade a aceitarem, por interesse, os emigrantes como bem vindos. Ora um país moral, como uma pessoa moral, é tal como Kant a definiu, aquela que realiza acções sem outra intenção a não ser o de respeitar os direitos da pessoa, independentemente do que isso lhe trouxer como benefícios ou como obrigações.
Então qual será o país mais moral para se viver? Que Estado há no mundo que seja o mais moral? O Estado português enlameado como anda em interesses privados que não dizem respeito a todos e, no que à educação diz respeito, apostado em destruir ainda mais a ideia de sociedade de conhecimento e saber de muitos, não será com certeza. Mas a moral começa no indivíduo. Em cada um de nós. A tarefa começa pois em mim, antes de poder olhar para os outros. Difícil.

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