quarta-feira, fevereiro 13, 2008

A mentira das criaturas

Ouvi uma vez um filósofo francês dizer que a mentira era um sinal de liberdade no discurso humano. Não sei se era isto que ele queria dizer. Às vezes dizemos uma coisa e as pessoas percebem outra completamente diferente. Às vezes ouvimos algo e estamos completamente de acordo e alguém nos demonstra que esse algo não foi dito bem assim ou que não está tudo dito, e concordamos também. É complicado. Os juízes devem pensar o mesmo. Agora vem alguém perante eles e defende uma tese para um tal de comportamento a ser avaliado, vem outro e defende a tese contrária sendo igualmente credível e igualmente passível de ser aceite. E o juíz deve pensar: não há como deixar o processo perscrever ou coisa assim? Não sei. Estou a inventar. Eu acho que era o que faria: "Ora aqui estão dois argumentos perfeitamente fundamentados na letra e com poucos dados para os podermos contrapor e escolher um deles. Arquive-se que isto é muita filosofia."

Inventamos todos a vida dos outros. E ás vezes estamos profundamente convictos que não estamos a inventar a nossa. E que por isso só nós podemos falar dela e ter a última palavra contra a dos outros. E às vezes é verdade.


Não consigo ver nas invenções discursivas deste primeiro-ministro e no seu ministério da educação, na sua despudorada forma de inventarem a realidade que mais lhes convém para justificar as suas decisões, nenhum resto de razoabilidade discursiva. E só me apetece repetir: os homens mentem, os homens mentem, os homens mentem e ainda se mostram como mártires da verdade. E quando o fazem não me parece que estejam a trazer liberdade à sua acção discursiva no mundo, ou à sociedade, mas antes o manto da calúnia por todos sobre os quais mentem.
Mas ele já mentiu antes, porque incomodar-me tanto quando ele diz de forma tão convincente :"Há trinta anos que os professores não são avaliados"? Mas não há outros assuntos mais importantes para o país do que aqueles que dizem respeito aos professores? Haverá, no presente haverá.

Vinha a ouvir na rádio Europa-Lisboa alguém a falar sobre um autor e sobre um livro dos quais nunca antes ouvira nada. É um autor suiço/alemão, editado na pela Relógio d`Água. É Robert Walser. O livro intitula-se Jakob von Gunten - Um Diário. E as palavras que ouvi ler colavam-se à realidade do nosso tempo presente, e à diluição de alguns valores sociais que de forma deliberada e, ao mesmo tempo, com tanta possibilidade de produzir efeitos perversos, se vão propagandeando. Quando descobrir a passagem do livro que foi lida deixou-a registada.
O livro foi tão bem apresentado! As selecções de texto tão bem escolhidas!

Jakob van Gunten: um diário. Lisboa: Relógio d´Água, 2005.

2 comentários:

Anónimo disse...

Durante este ano, decorrem as comemorações do 400.º aniversário do nascimento do Padre António Vieira. Em seus “Sermões”, este gigante da literatura portuguesa e acérrimo defensor dos bons costumes não podia deixar de criticar um fenómeno social intemporal: “Chegou a corrupção dos costumes a tal estado que os poderosos têm ódio a quem repreende suas injustiças”. Séculos passaram de então para cá, mas os maus costumes mantêm-se. E assumiram forma bem mais subtil, até!

Os atropelos nas palavras e, mais ainda, nas incongruências, fazem-nos esfregar com veemência o olhar pasmado, não vá o torpor do choque alienar-nos da realidade que nos arrasta num turbilhão de ideias disparatadas e sem nexo.

Que fobia será esta que invadiu a 5 de Outubro que nos torna cada novo dia mais atabalhoado que o anterior?

Que se espera, afinal do SER PROFESSOR?

Estamos esgotados...nas escolas... nas salas de professores... estamos desesperadamente e silenciosamente estafados...

Todos sussurramos...num surdo desabafo:

"Je travaille tant que je peux et le mieux que je peux, toute la journée. Je donne toute ma mesure, tous mes moyens. Et après, si ce que j'ai fait n'est pas bon, je n'en suis plus responsable; c'est que je ne peux vraiment pas faire mieux." (Henri Matisse)


Não sei onde vou, mas já estou a caminho!

Isabel Salema Morgado disse...

Teresa,
e o que ainda é mais aflitivo é as pessoas pensarem que a reacção dos professores é meramente corporativa.
As pessoas não param para pensar que o trabalho do professor é relacional. Não se faz numa secretária com papéis, faz-se com alunos à frente. O que vier de mau para o ensino e para os professores arrasta os alunos com eles.

Mas se os pais querem que os filhos fiquem todo o dia nas escolas (e haverá muitos que até quererão deixá-los lá institucionalizados 24 sobre 24) então deixem que os valores de socialização assentes na disciplina, no respeito mútuo e no sentido de responsabilização individual seja ele também institucionalizado.

O protesto dos professores deve ser o dos valores em nome do maior bem comum, que até provas em contrário tem a ver com a posse de conhecimentos e técnicas de aprendizagem assim bem como atitudes de trabalho e de esforço na aquisição desses conhecimentos e na demanda dessas práticas, e uma das suas funções é avaliar este ministério e as suas reformas.

Olha o que escreve hoje Paquete de Oliveira no Jornal de Notícias:

"Não pode ser. Alguém que nos tire deste pesadelo. Vivemos num país em que tudo está sob suspeita. Desde as instituições fundamentais e estruturantes de qualquer Estado ao futebol. O discurso que anda na praça pública sobre o estado das coisas do reino gera um sentimento de tal maneira claustrofóbico que ao cidadão mais pacato ou dá para verter lágrimas ou apetece fugir.

Quem ouviu e leu, de modo lúcido, o que, nestes últimos dias, se vem dizendo e escrevendo sobre determinados factos e situações, dificilmente pode ficar tranquilo. E não venha dizer-se que tudo é «fabricado» e potenciado pelos media para vender jornais ou aumentar audiências. No enredo da complexa teia da sociedade actual, não aceito, de modo intuitivo ou consequente, qualquer uma das teses de que a Comunicação Social é o "quarto poder" ou contrapoder. Porém, é indubitável que vivemos numa sociedade comunicacional. E nesta, tal como o ar, as notícias sobre tudo e sobre todos circulam ininterruptamente. E quem não tiver consciência disso, seja primeiro-ministro, simples ministro, deputado, autarca ou treinador de futebol, não vai aguentar neste tempo e nestas circunstâncias. Aliás, pouco lhes valerá defenderem a teoria dos «bufos», agora ressuscitada, num momento muito infeliz e de grande intranquilidade, pelo treinador Paulo Bento e já muito repetida pelos homens públicos. Não é que eles, os bufos, não existam, mas ou se sabe lidar com eles ou não vale a pena construir fantasmas para explicar o que não se nega, mas não se quer que se saiba.

E também não interessa à solução desta suspeição geral que os políticos se sintam perseguidos pelos media, ou até pela dita opinião pública, considerando-se como injustiçados "bodes expiatórios".

As notícias dos casos "escandalosos" nos negócios do Estado, nos negócios da Bolsa, nas empresas bancárias ou de imobiliária, nas autarquias, nos clubes de futebol, ou então sobre os homens que têm estado ou estão à frente de algumas dessas organizações ou instituições pululam. Os casos são tão conhecidos e falados nestes últimos tempos que julgo não ser necessário identificá-los. É bem provável que muitos destes casos não sejam verdadeiros, que careçam de provas ou até não tenham a gravidade com que são apresentados. Porém, o que choca é o silêncio que sobre eles se procura fazer ou então as explicações insuficientes ou contraditórias que são dadas, porventura na pressuposição de que "a memória do povo é curta". A memória do povo (e não só do povo) pode ser curta. O que não é tão ténue é a ideia que vai ficando cada vez mais interiorizada no povo da nação estamos num país em que perante todos estes casos aludidos de corrupção, de tráfico de influências, de abuso de poder na administração dos negócios públicos ou das empresas, nas fugas ao fisco, etc., a culpa (ou melhor, a responsabilidade) vai morrendo solteira. Falam os jornais ou as televisões e as rádios sobre os casos concretos, como falam sobre estes temas o senhor Presidente da República ou o bastonário dos advogados, ou outras personalidades insuspeitas. É verdade que alguns destes casos estão a ser investigados pelo Ministério Público e alguns já em processo de tribunal. Mas dada a morosidade do sistema judiciário e judicial e a lenta e complicada maquinação dos processos administrativos, é provável que o povo, que pela Comunicação Social tomou conta dos casos, nunca chegue em tempo real a saber do julgamento que sobre estes casos venha a ser pronunciado.

Não restam dúvidas de que o senhor procurador-geral da República, Pinto Monteiro, tomou a peito a necessidade de quanto antes demonstrar aos portugueses que está a empreender acções no sentido de o mais depressa possível restaurar nos portugueses a confiança na administração da Justiça. Mas também não restam dúvidas de que já estão muitos a barrar o seu caminho, dentro e fora da engrenagem da máquina da Justiça.

Importa, todavia, não empurrar sistematicamente para os poderes públicos, e em particular nesta matéria para os poderes de investigação e juízo a responsabilidade da dificuldade em sairmos deste impasse. Este país é uma aldeia e toda a gente quer a defesa da sua aldeia. Numa aldeia, são fortes os laços de consanguinidade. As promiscuidades surgem das próprias relações familiares e vizinhança. Nem é preciso as situações laborais ou organizacionais. Conhecem-se uns aos outros. Nas virtudes e nos "podres". Não há quem não tenha, por isto ou aquilo, telhados de vidro. "Tu conheces os meus males, mas eu também conheço os teus". Aplique-se este raciocínio da pequena aldeia aos partidos políticos ou aos grandes grupos económicos ou aos clubes de futebol deste pequeno país. E talvez se perceba a tolerância zero que grassa sobre os "casos escandalosos". Depois, há o recurso ao dever de reserva ou aos segredos de Estado, seja pelos submarinos ou helicópteros adquiridos, seja pelos despachos assinados fora de tempo, ou pelos eventuais voos da CIA nos Açores, ou pelo inexplicado desaparecimento da pequenina Maddie, e provavelmente conseguirá começar a perceber-se como o "silêncio dos inocentes", em Portugal, se torna igual ao "silêncio dos culpados".