quinta-feira, março 06, 2008

O português no poder como "criatura contida e calculista"

Pouco a pouco, estou no ano de 1933, vou-me conciliando com a forma de trabalhar do político Churchill. Prefiro ver como ele labora quando está em oposição, como as suas causas e a sua inteligência se estruturam em uníssono para defender os valores em que crê, mais do que as suas movimentações, que considero comezinhas, para alcançar e se manter quando está no poder. Não é que a luta eleitoral seja comezinha, não é isso, é mais o jogo de influências baseado em interesses pessoais. Já é sabido, tenho um problema com certas realidades. Recuso-me a aceitar que seja um problema em relação à realidade.

Os discursos de circunstância dos opositores/comentadores à recente luta dos professores é de uma indigência que chega a tornar-se patética. Ontem ouvi, na repetição do programa Regra do Jogo, que passa na SICn, essa força viva de reflexão sobre princípios éticos e deontológicos que é o senhor ex bastonário da ordem dos advogados, Dr. Miguel Júdice, proclamar que não quereria que os seus netos tivessem como professores aqueles que ouvia e via manifestarem-se na televisão, depois de salvaguardar que os seus filhos já estavam felizmente a salvo de tal influência.
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Eu deduzo: como o senhor Júdice está em tudo a convergir com as propostas deste governo, alguma luz no seu caminho o está a guiar para o socialismo com laivos de imitação de planos quinquenais para a educação, e eu penso que essa luz seja a do capitalismo mais do que a do súbito amor por causas sociais (estas aparentes contradições até são muito bem explicadas no mundo contemporâneo), então, aquele senhor também deve estar de acordo com a ideia de que nos últimos trinta anos, tal como afirma o primeiro-ministro, a educação foi um domínio sem lei e sem ordem, logo todos os finalistas do secundário, os licenciados, os mestres e os doutores deste país que concluíram os seus estudos neste período de tempo, não têm, não podem ter, por essa perspectiva, uma formação científica e social de qualidade, visto que foram sujeitos a tamanha incompetência profissional dos docentes portugueses.
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Se eu fosse sindicalista poria em números os diplomados deste país nos últimos anos, em todas as áreas, e comparava-os com o de qualquer país que tivesse feito a mesma reforma na educação de massas e o mesmo aumento da população estudantil no mesmo período. E depois começaria por dizer um a um o nome de todos os que tivessem concluído o secundário em Portugal e tivessem sido aceites em universidades do mundo inteiro para prosseguirem os seus trabalhos académicos, até cansar, e faria constantes quadros comparativos com outros países. E no fim exigiria um pedido de desculpas aos professores pela forma aviltante com que este processo de reforma tem sido conduzido.
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O Prof. Barreto, no programa supracitado, pedia que os professores apresentassem propostas de avaliação, já que não concordavam com estas. Eu penso que essa questão é um pouco demagógica, pois a proposta é política e não profissional, e os professores não são políticos, nem têm uma ordem. A haver uma avaliação ela deve prender-se com objectivos que são claros para um professor, mas que poderão não ser os da sociedade/governo: eu, por exemplo, penso que um professor deve ser avaliado na sua competência para transmitir conteúdos, logo devia ser em exames nacionais que se poderia aferir essa sua competência. Mas esta minha ideia está ultrapassadíssima pelas propostas actuais que se centram na ideia de que o professor tem que ensinar sobretudo competências. Eu admito que haja necessidade de reformulação pedagógica dos objectivos, mas como se avalia um professor que tem que ensinar competências? Como quantificamos essa actividade? Como esta avaliação depende de uma linguagem pseudo científica e codificada como é a da pretensa ciência da educação (mas o que é esta ciência), os documentos sucedem-se para culminar no edifício da pura vacuidade instrumental que é esta proposta ministerial, que é puro artifício para barrar a progressão dos muitos milhares de professores que estavam agora no 8º escalão.
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E a mim continua a preocupar-me sobretudo que a educação não seja o sistema que institua uma socialização em nome do mérito e para o mérito. E que aí sim, a escola portuguesa não teve o poder de mudar comportamentos. Mas a escola portuguesa é a política dos governos portugueses, nos quais os professores são agentes, é certo, mas devíamos ter feito antes uma manifestação como a que será feita no dia 8 em nome destes valores, os do mérito. Mas vai-se sempre a tempo, e desta vez nem se vai a reboque dos sindicatos ou de interesses instalados.
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Paralisa-me o pensamento quando leio, e lendo-o com ele concordo, o que Pedro Lomba escreveu hoje no DN:
"Lamento decepcionar todos aqueles que buscam o nosso Obama. Mas não há nem pode haver o equivalente português de Obama, vindo talvez de Rio Tinto e, quem sabe, filho de uma moldava budista. Para começar, o percurso e a vida de Obama (com as suas origens afro-americanas, a sua errancia por todo o lado, a sua religiosidade primeiro muçulmana e depois cristã) são um produto genuíno da sociedade americana. O próprio Obama oferece-se sempre nos seus discursos como criação dessa mesma sociedade. Depois, Obama subiu a pulso na vida política e foi reconhecido pelo seu mérito (numa sociedade que sabe reconhecer o mérito) sem nunca perder a espontaneidade, a mesma espontaneidade que lhe dá o seu poder oratório. Quem em Portugal tenta subir a pulso encontra um país avesso ao mérito, esbarra com fidelidades organizadas e transforma-se rapidamente numa criatura contida e calculista. E, terceiro, um Obama à portuguesa, moderado e conciliador, decente e esperançoso, capaz de ultrapassar a esquerda e direita, seria por certo liquidado pelos paroquialismos e facciosismos do costume. (...)"

1 comentário:

rc disse...

Somos um país pequeno, onde há demasiado tempo reina a pequenez...