quinta-feira, outubro 30, 2008

Acerca da biografia de Arendt... 3

A Hannah Arendt que Laure adler nos dá a ler parece-nos uma autora a quem os intelectuais mais conhecidos do seu tempo querem pôr a trela, e com quem ela de certa forma compactua enquanto discípula. Exceptuando o relacionamento com o genial Walter Benjamin, demasiado auto-centrado e com uma existência em todos os sentido no "fio da navalha" para se poder ainda dar ao desbarato de desempenhar papel de macho dominante, os outros homens que passam pela vida de Arendt parecem estar sempre a um passo de a repreender, de a depreciar, de a não distinguir.
Desde aquele confrangedor triângulo amoroso com Heidegger e a mulher deste, que Hannah arrasta atrás de si toda uma vida, ao ponto de nos embaraçar a nós leitores pela sua disponibilidade para ser utilizada como interlocutora, confidente, apoiante e procuradora/editora durante o tempo e nas condições rigorosamente impostas por Heidegger, sendo que nunca parece claro o seu corte emocional com o seu antigo mestre e amante, e ainda que em nome de uma profunda afinidade pela natureza do pensamento filosófico, até àqueles maridos e amantes que proclamam ser seus mentores e se sentem aliás mesmo autores de alguns dos seus pensamentos, achando-se frequentemente superiores a ela em termos intelectuais, Harendt parece querer deixar-se ver como uma senhorita sem querer consciencializar a ideia da sua real influência para a história do pensamento. Deverá ser difícil tendo um marido que se acha um ser muito especial e que lhe diz, meio a sério meio a brincar, que ela devia era estar a secretariar a sua fenomenal obra por escrever (e assim ficou, pois)!
Penso em John Stuart Mill e na sua esposa Harriet Taylor, na confirmação por parte dele da importância da sua mulher na obra, escrita para reflectir precisamente o pensamento comum. Penso nele como poderia pensar noutros autores que fazem relato semelhante, mas Arendt, como muitas outras mulheres de então e...não só, parece-me em luta com a ideia de si própria enquanto mulher, no grupo, no casamento e na sociedade.
Demasiado acabrunhada pelo gigantismo intelectual de Heidegger, que estabelece o paradigma para relacionamentos futuros, ou sinal dos tempos sobre a existência feminina na academia? Mesmo após os prémios, o reconhecimento público, as aulas repletas de estudantes, Arendt é repreendida pelo seu mestre Karl Jaspers, entre outros, ou sente que de alguma forma o seu estatuto não está a par do seu real poder de influência no mundo. Não se concebe nesses termos.

Diz ela: "Os homens têm sempre esta vontade enorme de exercer uma influência, mas, de certa maneira, vejo isso de fora." É que isso era verdade, pois ela tinha sido bem ensinada a senti-lo desde a sua entrada na universidade, e lá em casa haveria quem lho recordasse igualmente, no caso de ter alguma ilusão a esse respeito. Ela foi a amante de Heidegger, escolhida também pela sua inteligência para o interpretar, para seguir, divulgar e proteger a obra do professor, não foi escolhida como criadora de uma futura obra prima.

A questão da influência só era masculina porque não se lhes afigurava a importância, ou a necessidade, de aceitarem a influência das mulheres. À maioria dos académicos, pelo menos. Vamos pensar que hoje as coisas são diferentes nas academias (então não são!).

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