quarta-feira, novembro 19, 2008

Os deslizes linguísticos e a falta de crença democrática profunda

A nossa educação pós 25 de Abril falhou. E falhou precisamente por ter-se revelado ineficaz na passagem de valores democráticos que sublinhassem a crença no esforço individual para o seu sucesso pessoal e colectivo, o respeito e tolerância pela livre expressão das crenças dos outros, pelo fazer uso da sua faculdade crítica, de ter coragem e vontade de participar em acções cívicas e em defender em todas as circunstâncias o princípio de uma democracia participativa. Falhou. Não conseguiu socializar os seus alunos nestes últimos trinta anos como uma elite defensora dos direitos e garantias públicas em prol do bem comum. Formámos muitos indecisos, descrentes ou indiferentes, e não conseguimos fazer substituir na memória colectiva o afecto pelo líder que impõe a sua vontade, qual pai de toda a pátria, pela ideia forte de união e solidariedade inter pares, de deliberação pública das decisões. Faltou-nos o quê? Uma imagética forte que convocasse as forças de cada um? O quê? O que devíamos como professores ter feito? E que autores ou legisladores temos nós que nos provoquem a imaginação?
Temos mais censores da democracia do que seus defensores, mais apaniguados do regime assente em interesses particulares do que defensores de procedimentos que estruturem o interesse público.
Os tiques de autoritarismo são convertidos, na boca de muitos deslumbrados, em força de personalidade e reflexo de estado forte. Um Estado que conta com homens e mulheres que se escusam na ideia que é possível, se não mesmo desejável, suspender a democracia. O deslize (uso irónico?!) da líder da oposição é verdadeiramente algo que o governo em funções procura fazer na prática passando entre as gotas de chuva que é a Constituição portuguesa, mas assobiando em desafio ao discurso de Manuela Ferreira Leite. A eles ninguém os apanhará a dizer tal enormidade, a eles só os apanhamos a testar experimentar essa técnica de suspensão, ou pelo menos de retracção, de direitos democráticos. Usando métodos de pressão, de intimidação e trapaceando no discurso e nas pequenas tomadas de decisão que nos empurram a todos para um espaço de estupor, e, perigosamente, de inércia.
Alguma coisa estivemos a fazer mal, nós professores, para termos formado líderes destes. Por exemplo, um de entre nós esteve particularmente mal ao receber um fax de aluno seu a enviar um exercício escrito e legitimar o acto avaliando-o. Passámos a ideia de que tudo era possível fazerem com o nosso brio profissional. E então não é que quase sempre pareceu assim mesmo? Quem se conseguiu fazer ouvir sobre o Estatuto dos alunos? Quem se conseguiu fazer ouvir sobre os programas, horários e processos de avaliação nacional dos seus alunos? Quem? E sobre o processo de Bolonha?
Agora dizem-nos que nós não falámos em tempo próprio. Falar falámos, mas só nos concedem um mínimo de atenção quando gritamos.

Sem comentários: