O senhor presidente da República acusou a Assembleia da República de deslealdade, e isto relativo a um assunto que eu tenho dificuldade em explicar aos meus alunos, porque saiu fora do âmbito da discussão jurídica e entrou na esfera da política, o que complica as análises.
Quando explico o papel do Tribunal Constitucional e da Constituição da República, vou dizer o quê aos meus alunos para os fazer compreender porque razão o senhor Presidente não recorreu ao Tribunal constitucional nesta questão tão crítica e relativa à concepção dos poderes presidenciais, como é o caso do estatuto dos Açores? Das duas uma: 1. Ou foi ingénuo o suficiente para acreditar que bastaria uma palavra de agravo sua para que a Assembleia (via governo) revisse a lei, no pressuposto de uma informal relação de colaboração institucional; 2. Ou tinha dados concretos, algum acordo pessoal e real com o primeiro-ministro, por exemplo, que lhe permitiria pensar que uma reacção política iria ter consequências no repensar da lei, sem necessidade de acorrer ao tribunal constitucional em matéria de Estado tão sensível. Seja como for ignorou o apetite de poder e a personalidade desejosa de confronto do senhor primeiro-ministro. Má avaliação de expectativas.
Por mim confesso também não ter percebido bem o que a democracia perde propriamente com esse Estatuto, agora contrariadamente promulgado, porque o Presidente não desmontou os argumentos dos que defendem a autonomia como um bem democrático superior de qualquer região; limitou-se a perspectivar o assunto a partir da perda de poderes da figura do Presidente e da Assembleia da República, o que, sendo sério, não explica bem a ideia de atropelo grave à democracia, pois não enunciou, por exemplo, as ilusões e as futuras perdas que a própria lei criará para a região autónoma dos Açores, ou o que este Estatuto representa de quebra na tradição identitária do Estado de Portugal (um povo, um território, um poder político). Faltou História e Teoria Política ao discurso. Sobrou uma valente zanga. Bom, de emoções percebem os cidadãos todos.
Quanto ao conflito político que agora ficou manifesto é uma crise que eu penso que vem por bem. Mais vale termos um presidente atento (não ressabiado, mas atento) aos conflitos que este governo tem vindo a semear, do que um maniatado funcionário público colaborante à voz do chefe, em nome de um bem consagrado para o país como foi o défice, que justificou muitos atropelos à democracia.
E assim como assim junta-se o presidente a milhares de cidadãos indignados que acusam de deslealdade as instituições políticas portuguesas há muito tempo, e com menos voz e, acrescente-se, como menos real poder de contribuir para alterar o estado de coisas.
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