sexta-feira, março 13, 2009

Eu não queria nada escrever sobre isto, mesmo nada. Queria escrever sobre os livros que leio, teorias que aprendo, ideias que se me tornaram claras. Sobre exposições que tenho visto, sobre as pessoas que aí tenho encontrado. E não queria escrever sobre aquilo. Mas não consigo escrever sobre os livros, as ideias e as teorias, de que gosto tanto, e de que não consigo escrever há tantas semanas, como se uma garra tolhesse a minha vontade, e vou falar sobre isto de que não quero escrever? Podia parar aqui. Pôr-lhe um ponto final. E não escrever mesmo sobre isto. Porque é demagógico, porque é pessoal, porque não tem interesse. Como este espaço é semi-público, a parte semi-privada que dele me é permitido usufruir, concede-me uma certa liberdade inconsciente na escolha dos temas e das palavras, mas a parte semi-pública impele-me à consideração dos eventuais indivíduos que possam circular pelo espaço, que é público.
Não me apetece falar sobre professores (maioritariamente professoras) mortos ou agredidos nas salas de aula, por esse mundo fora. Nem dos alunos mortos e agredidos na sala de aulas. Não quero. Mas eles continuam lá a morrer como se a escola se tivesse tornado um campo de batalha na cabeça de muitos indivíduos. Penso neles.
A escola é um espaço de frustração exacerbada (que o digam os nossos governantes), porque é nela que estão centrados todos os rituais de iniciação do indivíduo na cidadania. Hoje, pede-se à escola que substitua as figuras parentais, que responda a anomalias clínicas, que dê assistência social, que pratique a solidariedade, que promova o convívio, que forme o cidadão, que o eduque, que o ensine, que o regule e o vigie e o entretenha. A família, os vizinhos, os amigos, a comunidade, a igreja, os clubes desportivos e recreativos, as associações, tornaram-se satélites do grande planeta escola, e aguardam dela a ocupação da maior parte do espaço livre dos indivíduos em formação. Só quem passar a prova "Escola" entra na vida adulta, e nas promessas de mel e pão que os adultos dizem estar à espera de quem a termina.
Mas a escola impositiva, este ritual de passagem sem fim que a nossa sociedade instituiu, é mais um espaço social, e, como os demais, é um espaço agressivo, competitivo, relacionalmente exigente, mesmo quando os currícula se tornam simulacros de aprendizagem. Ou talvez mais agora. Se esvaziarmos os conteúdos ficamos com as formas. As formas de relacionamento. Ora lidar em relações humanas, gerir expectativas, como agora se usa dizer, ficar de frente com as nossas debilidades humanas e emocionais, dá explosões constantes.
Para mais, a universalização do ensino, juntamente com a prática de alguns governos em subverterem o princípio de autoridade do professor, assente no seu trabalho como pedagogo, obrigaram a que certos indivíduos se sintam encurralados na sua individualidade fazendo frente a outras tantas individualidades. Outrora, o menino ou a menina não queriam, ou não podiam, seguir a Escola, e tinham imediatamente actividades em que ocupar a cabeça e as mãos. A comunidade instituía rituais paralelos de aprovação do indivíduo que não o deixava cair na frustração de si perante o olhar dos outros.
A normalização do comportamento não vinha da frequência da escola, mas na capacidade de executar um trabalho, ou de namorar e casar, de ir à missa aos domingos, de saber jogar às cartas, ou de fazer umas calças ou croché, de ter uma casa arrumada e asseada, de beber umas cervejas com os amigos sem cair bêbado para o lado, enfim...uma multiplicidade de papéis, que um jovem podia iniciar cedo e dar-lhe estabilidade.
Hoje encafua-se tudo na escola desde os quatro meses de idade. Tudo para lá. As formas e os feitios a adaptarem-se a outras tantas formas e feitios, porque não há propriamente uma ideia de educação porque não há uma ideia de cidadão.
As classificações baixas são sobretudo vividas pelos pais dos alunos como fracassos familiares, e os alunos cedo se começam a comparar com os seus pares: comparam as roupas, os gadgets, mas também os neurónios. E para além da preguiça de alguns, a verdade é que a natureza privilegia de facto mais uns que outros, assim bem como a estrutura social em que se nasce favorece mais uns que outros. É assim. É a verdade. As pessoas nascem condicionadas e reagem em tempos diferentes à exigência do modelo cultural e social dominante, que os está a avaliar. A Escola é um prolongamento desse modelo dominante e não conseguirá nunca substituir-se à socialização parental, porque as primeiras palavras, os primeiros valores, a primeira forma de aprender a pensar se aprende em família, se vier a aprender isto na escola, aprende ou tarde ou mal. É a realidade. Isto não implica que nos desobriguemos da pública e política exigência de dar oportunidades iguais a todos os jovens. Mas não tenhamos ilusões, ninguém parte, no momento zero da existência, na mesma linha da meta de todos os outros.

Solução? Deixar aqueles alunos que querem trabalhar, começar a fazer essa aprendizagem mais cedo. Voltar à figura de aprendiz. A Escola deve manter-se como uma possibilidade para esses, mas quando for reconhecida como uma necessidade, ou quando for aceite como espaço de conflito de forma natural, não imposta.
Conflito porque há de facto uma luta do saber contra a ignorância, do poder do indivíduo professor contra o do seu aluno, da qualificação académica contra as formas de vida não académicas. De outra forma estaremos a incentivar à desistência, ou à violência, todos os que não conseguem suportar esta institucionalização. Estaremos a querer fazer com que a escola se assemelhe a a um campo de batalha de ódios e de vitimizações, ou de logro, para os que a trapaceiam e adquirem certificados sem consistência científica.

No Japão há indivíduos que se fecham em casa durante anos e se recusam a ir à escola, noutros países entra-se com armas e mata-se e fere-se. Em Portugal assiste-se à violência comportamental crescente.
Quem olha pelos professores e alunos que de facto estão a cumprir o seu dever na Escola? Não devia o governo estar ao lado destes cidadãos de forma inequívoca e frontal?

Mas não, no ensino , como noutras esferas de acção, prefere-se em Portugal dizer mal das pessoas, amesquinhá-las, torná-las ainda mais pequenas. Não sei quem ensinou os nossos líderes que atacar é a forma mais correcta de promover um trabalho correcto e rigoroso. Hão-de conseguir trabalhar com almas enfermiças, hão-de.

P.S. No cordão que os professores (maioritariamente professoras, gente corajosa e digna) fizeram no sábado passado, muito foram os transeuntes ou automobilistas que invectivaram os professores, num discurso e num palavreado digno de regimes totalitários e de ódio sexista e laboral. Fiquei a pensar na podridão existencial em que certa gente pulula. Coisa de escravos e que dura há séculos colada às suas peles.

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