1. Não existem interesses pessoais, não no sentido de pessoa que
Kant nos legou. E nós não temos formulação melhor para explicar o conceito, logo ele permanece como marco civilizacional e definidor. E não existem interesses pessoais porque uma pessoa, como explica Kant, não age de acordo com interesses, mas com autonomia e segundo imperativos categóricos da razão.
2. Mas existem interesses individuais, enfim, os interesses sociais que o indivíduo
aprendeu ou intui para si como indivíduo.
3. Toda a aprendizagem do interesse é social, à excepção do interesse de sobrevivência do organismo, matéria sobre a qual não me prenuncio, mas para a qual penso que as questões relacionadas com padrões inatos da natureza animal terão uma explicação.
4. Os utilitaristas disseram-nos que devíamos conceber como critério de justificação de acções por interesses, aquelas que precisamente dessem satisfação ao maior número de interesses desencadeadores de bem-estar (de interessados). Isto é, as consequências de uma acção seriam avaliadas como tanto melhores quanto conseguissem satisfazer o bem-estar do maior número de indivíduos por ela afectados.
Avalia-se as acções de acordo com a capacidade de estas terem como finalidade a produção de felicidade no maior número de pessoas, e de afastar a dor.
Compreende-se que
utilitaristas como
Bentham e
Stuart Mill não concebessem a existência humana como passível de ser regida por
princípios formais da razão humana, que implicasse um recurso a máximas como a que este imperativo prático exprime, "Age de forma a que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio", enquanto formas de testar a acção quotidiana, assente na qualidade das nossas intenções ao agirmos.
Para eles, uma acção nunca seria boa desde que ponderado se agiramos de acordo com a intenção inicial da realização da sua bondade, isto é, sem pensarmos nas consequências benéficas que dela poderiamos usufruir, mas de acordo com os normativos gerais que a razão humana põe à nossa disposição para nos ajudar a viver.
Mas, tal como Kant, também estes tinham uma ambição: que a sua definição de acção boa (moral) fosse aceite como universal, e que a ela ficasse sujeito qualquer indivíduo do mundo (tanto o governante como o governado).
5. Na actualidade, podemos continuar a argumentar nestes dois sentidos, acrescentando aos autores matriciais, novos planos de reflexão.
John Rawls quer compreender como evitar as contas do deve e haver em que os interesses do indivíduo se jogam contra os interesses sociais, num défice dos primeiros em relação aos segundos. Ora a ponderação da defesa dos interesses de cada um não deverá ficar submetida aos interesses da comunidade, pois o bem-estar geral desta pode significar precisamente a imposição de uma forma de acção que repugna ou subestima os direitos de cada indivíduo.
Rawls não aceita que as desvantagens no desinteresse para com o interesse do indivíduo compense as vantagens que uma maioria oferece. E porquê? Porque nada garante que os interesses da comunidade, ou do maior número de pessoas, corresponda a uma ideia universal do que é uma acção boa (isto é, a maioria pode errar, e de que maneira, na defesa de uma acção que lhe dê satisfação a ela e que contribua para o seu prazer, mas que aniquile direitos fundamentais do indivíduo). As definições do que é praticar uma boa acção, ou do que uma sociedade pode considerar um bem, não é universal, segundo Rawls, e por isso confrontam-se várias concepções de interesses.
Então como agir de modo a salvaguardar a liberdade de cada um? Agindo de forma equitativa e promovendo princípios de justiça que sejam reguladores imparciais das interacções sociais a fim de assegurar que não haja uns grupos de beneficiados e outros de privilegiados, mas que todos possam, no resultado final, afirmar que não são vítimas, ou delfins, das circunstâncias sociais e naturais em que nasceram.
6. Claro que também há quem continue na senda de
Kant , e a procurar princípios os universais para a acção na forma de produção da razão humana. Princípios que se querem
trans-históricos, de e para todos os indivíduos, e assente em
estruturas formais e cognitivas, que tenham como único imperativo afirmar a necessidade (e garantir) que todos os
indivíduos interessados numa determinada questão, tenham a hipótese de exercer a sua competência em participar na discussão livre e crítica, que lhes diga respeito, de forma a salvaguardar a sua autonomia.
Habermas fá-lo. E
Apel, o meu filósofo bem-amado, vai ainda mais longe ao enunciar um conjunto de condições pragmático-
trancendentais que regulam a interacção
comunicacional humana.
7. Mas com tudo isto, como ficamos? A ponderação dos interesses é matéria do indivíduo, da sociedade ou do governo dessa sociedade? Quem os deve legitimar ou impor?
8. E porque hão-de estes filósofos ter mais razão nas suas teorias que
Hobbes teve com a dele, que defendia que a luta de
interesses numa sociedade só pode ser regulada com a imposição de um poder absoluto (autoritário) que
dirimisse os conflitos sempre em presença?
9. E porque nos interessam a nós teorias, venham de onde vierem, e não nos devemos apenas submeter ao peso da lei, ou do decreto-lei, à preocupação com as questões da produção legislativa dos nosso governos?
(a continuar)
...
Eu volto a este espaço de onde certas aplicações da minha atenção me tinham distraído. Atenção à prática, distracção da teoria, e vice-versa, à vez. Sou limitada. Tenho dificuldades em conciliar os dois planos da existência. Falta de experiência ou incompetência mesmo?
O mais lamentável é que não consigo deixar de querer fazer as duas coisas: pensar e agir, com a sensação que ambas são insuficientes em si e por si, por minha causa. Mas sou.
Estou imersa numa acção cívica circunscrita, em espaço comunitário localizado, mas, mesmo assim, um laboratório para testar o carácter e as ideias, assim bem como a coerência entre um, outras e ainda com uma forma de lidar com o incontrolável de um processo de escolha e selecção social. Nem sempre gosto, ou me congratulo, pelo que aprendo. Mas aprendo.
Entrei na defesa da democracia activa pela porta dos fundos: para procurar garantir, sem arremedo revolucionário ou pirosice centralizadora e basbaque da autoridade, o que se pretende precisamente fazer substituir a democracia de uma gestão democrática por uma selecção colegial de uma gestão uni pessoal. Uma espécie de participação na vida pública.
Neste percurso aprende-se que as coisas que se escondem do público português (para seu bem), ou para bem dos interessados em manter esse segredo resguardando-se de críticos (para bem deles) ou porque os mediadores (leia-se os jornalistas) não têm sensibilidade para o bem, e para as causas, mas para o comércio (para o bem dos seus patrões), é um rol sem fim. Num ciclo de quebra de confiança.
Sem comentários:
Enviar um comentário