O ano passado fiz uma apresentação sobre o tema das quotas na vida política. Apresentei os argumentos a favor e os argumentos contra, mas no fim evidenciei o que ganharíamos todos enquanto sociedade se houvesse quotas em Portugal de representatividade feminina no parlamento, e se de facto fosse a lei cumprida. Dei como exemplo os países do Norte da Europa (falei também no incrível caso do Ruanda, com a maior representação parlamentar de mulheres no mundo, ainda que por motivos relacionados mais com a questão do desiquilíbrio de géneros na população, devido ao genocídio, do que a uma cultura política). Quando terminei, algumas mulheres presentes, e uns dois ou três homens, disseram-me que tinham ficado, pela primeira vez, mais esclarecidas sobre o assunto e mostraram-se menos reticentes em aceitar essa questão, mas muitas outras afirmaram: "Esteve quase a convencer-me, mas..." Eram todas mulheres cultas, mas com medo que o "príncipe", o consorte político, as achasse muito reivindicativas ou agressivas e que depois as não escolhesse para cargos políticos. Digo eu, a fazer juízos. Porque pode bem ser que era porque achavam de facto que nunca iriam precisar de ter a protecção das quotas no caso de desejarem intervir publicamente. Enternece-me essa ilusão.
Paulo Portas, o inteligente Paulo Portas, acrescento, apesar de tudo, recebe os meios de comunicação em sua casa, e mostra um quadro digital onde surgem as três figuras mundiais que ele admira (ícones, mais propriamente), a saber: W. Churchill, a venturosa personagem de Hugo Pratt, Corto Maltese, e uma mulher, a actriz Sharon Stone, representada no seu papel de Catherine Tramell, no momento em que cruza as pernas durante um interrogatório policial, no filme "Instinto fatal". Lindo! Nada contra. E quase, quase, sem ironia. Os homens são admirados pelas suas proezas como líderes políticos ou líderes de acção, as mulheres... como simbolos sexuais. Nada de novo debaixo deste sol. E porque devia ser novo? As pessoas são obrigadas a ser politicamente correctas e a substituírem, nas molduras lá de casa, a Sharon Stone por uma Golda Meier? Credo, não. Não é isso.
E no entanto, não deixa de ser uma evidência de uma evidência: o que eu escolho define-me a mim e à minha cultura. Esta é a cultura portuguesa. E a cultura portuguesa insiste na subrepresentação do género feminino. E daí?
Daí que quem de facto controla as nomeações para a política são os partidos, e não os eleitores em primeiro lugar,logo as quotas não são violações dos direitos dos eleitores, mas sim violações dos direitos de representação política das mulheres. E quando o Princípe não escolhe, menina não entra.
Claro que mais uma vez uma lei fica por cumprir, e o partido responsável por essa lei, o PS, também lhe fez um bom uso para esquecimento no presente. É mais um indicador dessa boa governabilidade do passado recente, é!
Jornal de Negócios Online
sexta-feira, outubro 16, 2009
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