quarta-feira, abril 12, 2006

“Não queremos o seu dinheiro, queremos a sua voz”

FM enviou-me por e-mail o filme da campanha de acção global contra a pobreza. O filme pode ser visto no site http://www.chamadacontrapobreza.org.br/.
A mensagem do anúncio, pela verdade paralisante dos números, é de uma grande eficácia comunicativa. Em cada três segundos morre uma criança no mundo. O pior é quando somos levados a querer agir. Fazemos o quê com esta informação? Mobilizamo-nos, dizem-nos eles. Bom, à volta de quê? Mobilizamo-nos para controlar se os nossos Estados estão a tomar as medidas certas na erradicação da pobreza do mundo, acrescentam. Mas quais são os critérios para definir a nossa necessidade ou possibilidade de controlar o que quer que seja? E quais os meios?
Eu concordo com algumas medidas gerais de erradicação da pobreza que no site estão devidamente sintetizadas (e “devidamente” generalistas) no item objectivos. Mas não concordo com todas. Vou fazer o quê?
Por exemplo: porquê cancelar a dívida de países mais pobres, sem fazer a distinção entre países pobres com Estados pobres e países pobres com Estados ricos? Porquê aumentar o volume da ajuda financeira a esses países sem se exigir contrapartidas por parte dos seus Estados? Tais como as que assentam no poder de fiscalizar permanentemente o processo de atribuição e distribuição dos bens, a ser exercida por instituições que, no território, estejam habilitadas a avaliar o grau de impacto da ajuda internacional nas populações desvalidas.
É uma forma de neocolonialismo disfarçado esta minha forma de pensar? Ou é uma exigência que pode contribuir para incentivar a um maior auto controlo por parte das administrações desses países carentes de ajuda humanitária? Porque há regras, e querem-se universais, seria bom que todos os Estados as cumprissem, e a pobreza de uns não justifica o enviusamento moral dos seus líderes. Será preciso pensar se as Razões de Estado são superiores à da razão humana? Para mim não são. Há órgãos internacionais superiores aos Estados. Que estes não o admitam é que é outra questão.
É preciso agir contra a pobreza mas sem o paternalismo que, nas relações internacionais, alimenta muitas vezes os corruptos e tiranos que se servem demagogicamente dos seus povos. Entre iguais não se dá esmola, presta-se solidariedade, em nome da igualdade e para promover a liberdade.


Neste tempo de escrita muitos foram os três segundos que se passaram.

2 comentários:

lector disse...

Ainda que o silêncio seja, neste caso, mais pernicioso do que as palavras, é muito habitual ver um discurso sobre pobreza resvalar para o obsceno (precisamente porque sobre). Mas julgo que o seu consegue evitar as armadilhas do caritativo, ao abordar o assunto em termos de solidariedade e ao questionar a eficácia dos meios usualmente utilizados para acabar com ela. No entanto, a questão da impotência do cidadão anónimo e destes movimentos bem intencionados continua a ser pertinente e a merecer reflexão. Seria interessante vê-la a aprofundar este aspecto.

Isabel Salema Morgado disse...

Obrigada pela crítica e pelo pedido de esclarecimento. Obrigada pela sua leitura, enfim.
Em breve explanarei um pouco sobre a questão da acção individual, já que provocou essa reflexão.