Albert Hirschman mostrou-nos como ciclicamente as grandes reformas políticas da modernidade foram sujeitas a reacções argumentativas violentíssimas, por quem as temeu e viu nelas os princípios que poderiam propociar ou o desaparecimento, ou a inibição, das conquistas no domínio da liberdade individual que se tinham conseguido alcançar (pôr em perigo), ou como potenciadoras de um mal maior do que aquele para o qual foram chamadas a dar solução (efeito perverso), ou como incapazes de alterar verdadeiramente o que quer que seja na realidade cívica, política e social tal como se apresenta realmente (inanidade).
Durante três séculos as pessoas que não concordavam com essas grandes reformas civilizacionais iam recorrendo, sistematicamente, a cada um destes três tipos de argumentos, visando suspender ou combater as acções anunciadas ou previstas. Assim aconteceu de cada vez, quer com a afirmação do princípio de igualdade dos direitos civis, quer com a instituição do sufrágio universal, quer com a concepção de Estado Providência.
Do século XVIII ao XX, grande parte dos cidadãos de alguns países puderam discutir publicamente estas questões, tomar partido e compreender o que estava em jogo por detrás das ideologias dominantes. Em Portugal, esta discussão, de três séculos, foi feita em 32 anos. E, quando nós acabávamos de chegar à concepção e experiência social de viver num Estado Providência, de assumirmos o direito universal ao voto e a igualdade de direitos cívicos, eis que começavam as primeiras reacções na Inglaterra e Estados Unidos, no fim dos anos sessenta princípios dos setenta, a uma concepção de Estado Providência que até aí fora razoavelmente bem aceite pela generalidade dos pensadores.
Igualmente descapitalizado, igualmente sôfrego pelo reconhecimento de direitos cívicos universais no relacionamento social e político, Portugal não teve três séculos para pensar e agir conforme o pensamento comum. Não deixaram as pessoas pensar e cuidar da sua vida de forma livre, eficaz e solidária. Portugal cristalizou. E agora, cá estamos, a fazer o nosso caminho.
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