Numa guerra, como em qualquer outro acto de violência entre cidadãos, não é tanto a destruição das estruturas sociais que relevo, mas sim a ponderação sobre a existência de cada indivíduo apanhado nesse turbilhão de violência. Como se o que me importa saber numa sociedade em paz, qual o seu regime político, o sistema económico e as estruturas culturais, desaparecesse, para dar lugar, na minha imaginação, à celebração ou ao lamento pela vida de cada um. Ao seu sofrimento, à sua sensação de impotência para alterar o rumo da sua existência nesse espaço e nesse tempo que enquadra o seu corpo, à sua tristeza, ao seu desamparo, ao seu esforço em sobreviver ou em conhecer-se como um desistente, ao seu desespero, procuro ouvir essa respiração, ficar mais ao rés-do-chão. Não que não haja sempre alguém, em paz, a sentir todas essas emoções, e a necessitar de cuidado, mas o que depende das escolhas, mais ou menos determinadas pela vontade da pessoa, parecem-me, apesar de tudo, males em tudo menores do que todos aqueles em que a vida privada é definitivamente afectada pela vontade geral de alguém que se outorga no direito de decidir por ou contra a vida de cada um.
E esse hiato entre a vontade geral e a existência privada, que o sistema de representação política em democracia procura resolver, pode resultar numa tragédia, como quando os povos são arrastados para a guerra, ou pode ser mimado como um drama, quando os governantes passam a relacionar-se como se personagens que comunicam de dentro de um mito olímpico. Mas à mínima dissensão social mais aguda percebemos como está ainda por resolver o problema relacionado com a questão da representação política no mundo. Depois tentamos resolver crises, que se sucedem, sem discutir sistemas.
Porque se pensa que é mais fácil adequar meios do que discutir fins?
Não é impunemente que o jornalismo patriótico, em estado de guerra, ou comprometido com a causa que leva à guerra, procura retirar ao seu inimigo o direito ao nome, não se deseja dar a vê-lo como pessoa. Interessa à causa da agressão, mas não interessa à causa da paz, porque mais tarde ou mais cedo eles terão que se entender. A não ser que se exterminem. E esse é discurso para tresloucados, ou criaturas anacrónicas.
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