sexta-feira, julho 14, 2006

Entrevista do 1º ministro

Dizem que o primeiro ministro não tem uma ideologia de esquerda. O mesmo, quando interrogado a esse propósito, tem a atitude de enfado e de irritação que lhe crispam muitas vezes o olhar. Falta de paciência para com a interrogação e pouca capacidade de negociar de forma mais persuasivamente branda. É um estilo. Eu não gosto, mas isso é pouco relevante.
Mas só quem não quer ver é que não percebe qual a ideologia que está na base da sua acção: a procura de uma maior igualdade social. Só que essa igualdade não é pensada a partir das categorias marxistas de uma sociedade sem classes, e no pressuposto de que essa experiência seria conduzida pela consciência e pela força do proletariado, mas de uma igualdade de oportunidades e de salvaguarda dos mais desvalidos por um Estado social. Um estado contemporâneo, menos monopolizador e inibidor das energias económicas, mas capaz de potenciar a criação de riqueza que taxará para garantir uma distribuição mais equitativa. E esta é uma ideia meritoriamente socialista.
Perceber-se-á melhor a ideologia de base da acção de José Sócrates se lermos o seguinte:

"The Nordic societies can be characterized as countries with rather subtile class differences. To define which class people belong to has become harder in the last 50 years, when the democracy has led to compulsory education and social insurances for everyone. Equality has been the slogan best remembered from the French revolution, and strong labor unions have achieved many of their goals, with for instance manual workers often earning well as much as lower officials and teachers." Ler mais.
exemplo prático de utilização de tons mais persuasivos e menos agressivos na forma de lidar com problemas laborais/sociais: Estado da Baviera, Alemanha.
F. é engenheiro, trabalha para uma empresa pública do estado da Baviera situada em Munique. A empresa precisa de se transferir para uma região bastante afastada de munique. Como fizeram os responsáveis por essa decisão:
1. Enfrentaram os trabalhadores com a inevitabilidade dessa deslocalização de forma abrupta, fazendo-lhes sentir que eles eram uns felizardos de uns funcionários públicos que tinham mais era que seguir as ordens e não andarem a entravar o progresso colectivo?
2. Puseram os trabalhadores que não aceitaram as novas condições na lista dos excedentes da função pública?
3. Organizaram inúmeras reuniões durante anos, prepararam cuidadosamente a saída dos trabalhadores, ajudando-os a encontrar soluções profissionais, e planearam a transferência de todos os outros, salvaguardando empregos e ordenados?
Sei, pessoalmente, que a atitude adoptada foi a 3. MUDOU-se porque havia necessidades económicas e logísticas para mudar, mas sem confrontos ridículos de egos. As políticas públicas são para serem usadas com esclarecimento. É uma questão de respeito entre cidadãos.

4 comentários:

Vitor Oliveira disse...

Cara Isabel

Com o devido respeito, creio que o exemplo escolhido não pode ser reportado à realidade portuguesa por dois "pesadíssimos" motivos:

a) A Função Pública Alemã não tem o "peso social" que o Portuguesa tem ( e quando falo em Peso Social refiro-me a % de funcionários públicos sobre a População Activa, e ainda a % de massa salarial - relativamente à massa salarial da restante população activa );

b) O "cancro" do sector público português está mais no Sector Público Administrativo ( Saúde, Justiça, Ensino, Administração Interna, ... ) que no Sector Empresarial do Estado ( Empresas e Institutos Públicos e "derivados" );

Mas isto sou eu a pensar .... penso eu de que !

E depois cá numa EP que pretendesse tomar medida semelhante ... iriam prever e preparar os trabalhadores "durante anos" para a ocorrência da situação ? Huummmm

Beijinhos do Vitor

Isabel Salema Morgado disse...

Vitor, como estás?
Sejam sempre bem-vindos todos os esclarecimentos, críticas e dúvidas. Terei sempre a aprende. Até porque as minhas informações provêm da realidade social observada e conhecida, enquanto a do Vitor é mais fundamentada cientificamente.

Mas diz-me: Como é possível, num país que tem um dos melhores sistemas de saúde do mundo, que tem apoios sociais a famílias monoparentais ou a desempregados, absolutamente razoáveis, que permite às mães/pais que queiram ficar com as suas crianças em casa os anos que quiserem sem perder o emprego (e na Alemanha são uma imensa maioria), que sofreu ajustamentos económicos mais severos da parte ocidental quando se lhe juntou a Alemanha oriental, pode sustentar o sistema? Não é mais por planificação?
Nem discuto a necessidade que há de produzirmos mais em Portugal, compreendo que quem assina um contrato de trabalho tem deveres inquestionáveis de se dedicar a fazer o seu melhor, que deve ser avaliado com rigor, mas também sei que essa avaliação não deve ser feita com a arrogância e a incompetência dos medíocres, e que não é com salários consecutivamente baixos, com o desprestígio dos funcionários, com técnicas psicológicas de empurrar para fora, que se melhorará a capacidade de trabalho onde quer que seja.Porque não me parece que o problema esteja nos maus trabalhadores, mas, em Portugal, está nos maus mandadores. Não temos lideranças capazes.

Eu não tenho a ilusão de que noutros países é que tudo corre bem, excepto em Portugal. Nem acredito nisso. Tenho é a ilusão de que é fazendo comparações pontuais que podemos aprender com as soluções pelos outros encontrados.

No caso de F., não só o plano foi discutido durante dois ou três anos, como F. saiu desse serviço e decidiu aceitar a oportunidade de ir dar aulas e continuar em Munique. Sempre acompanhado pelo orientador profissional dos seus serviços, sem sofrer perdas de vencimento, ou ter sentido qualquer espécie de afronta pessoal, pela decisão que demorou a tomar.

Eu não quero com isto dizer que os trabalhadores tenham que andar ao colo, quero dizer que chefias e trabalhadores são todos igualmente responsáveis pelas suas produções e pela forma como se exerce a profissão: com respeito mútuo e compreensão das metas a alcançar.Sem isto bem podemos ter uma população activa elevada, que se tratará sempre de desbaratar os recursos acumulados. Ou não?

beijinhos

Vitor Oliveira disse...

100 por cento de acordo contigo mas será que a justificação para as discrepâncias não estará em outros factores ? Ora vejamos:

a)A Alemanha começou quase que do zero, em termos políticos, sociais e económicos, após a 2ª guerra, quando ainda se estava a refazer do fim da 1ª!

Nós por cá resistimos ao "orgulhosamente sós" preconizado pelo "Hortelão de Santa Comba" o qual graças ao Futebol, ao Fado e a Fátima, dizendo " livrai-vos da fome que da guerra vos livro eu" - enterrando-nos numa estúpida Guerra Colonial cujas razões ainda hoje não vi explicadas - ainda por cima com a Filosofia Barata de que "o vinho dava de comer a um milhão de Portugueses"!

b) A Alemanha assegurou uma reunificação exemplar, aceitando os irmãos de Leste como o "regresso do filho pródigo, dando-lhe as melhores vestes e matando o mais gordo dos bezerros" - se bem que também já ouvi dizer que cidades do Leste alemão continuam mais atrasaditas que as do ocidente .....

Nós por cá acolhemos os Retornados como estranhos, e só não os metemos a todos no Vale do Jamor porque lá só couberam os Timorenses .....

c) Na Alemanha uma parte da População Activa que labuta com suor e lágrimas é Portuguesa, de 1ª e 2ª gerações .....

Nós por cá, limitamos-nos a ver os Engenheiros, Médicos, Advogados e Economistas Ucranianos e Kosovares a carregarem baldes de massa obra acima, comandados por portugueses empreiteiros e sub-empreiteiros, sem escrúpulos, vivendo, "cantando e rindo", à sombra da "subsidiodependência" ....

d) Na Alemanha não há limite de velocidade nas auto-estradas porque pura e simplesmente ... não tem razão de existir !

Nós por cá continuamos a atravessar nas passadeiras com vermelho para os peões e se um automobilista calha de dizer algo ou buzinar, logo o "respeitável" transeunte adjectiva a mãe dele, coadjuvando o acto com o exemplar esticar do dedo grande de uma das mãos ...


Será que aqui não se aplica a velha máxima do "quem torto nasce tarde ou nunca se endireita" ?

Beijinhos
Vitor

Isabel Salema Morgado disse...

aEu não iria por aí, Vitor. Até porque teriamos que falar do plano Marshall, da aplicação do "saber fazer" americano no pós-guerra, da capacidade da sociedade civil alemã em reagir,do "boom" no consumo no anos cinquenta e sessenta, etc.
Não me parece que eles tivessem nascido mais direitos do que nós, bem ao contrário...
Mas há coisas que fizeram bem. Outras nem tanto. O mesmo se pasa connosco. Há que aprender a fazer cada vez melhor, seguindo os melhores exemplos, ou criando as nossas soluções. Eu aposto nessa nossa competência. Li hoje o artigo de um homem com quem dificilmente concordo, mas que hoje quase aplaudi de pé. Recomendo esta leitura de César das neves para terminar. Em http://dn.sapo.pt/2006/07/17/opiniao/a_evolucao_mentalidades.html

saudações,

isabel